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O Perigoso Retorno de Chávez
Por Márcio C. Coimbra
Especialista em Direito Internacional, UFRGS
MBA em Direito Econômico, FGV
marcio.coimbra@uol.com.br
O ambiente para a queda do presidente Hugo Chávez era desenhado há meses,
quando sindicatos e empresários uniram-se para pressionar o governo instalado
no Palácio Miraflores. A sociedade venezuelana não acreditava mais no chefe de
governo que havia prometido combater a corrupção, pobreza e criminalidade,
visto que a popularidade do presidente caía vertiginosamente, com cerca de 64%
da população posicionando-se favoravelmente à sua saída. A “revolução
bolivariana” prometida por Chávez havia fracassado. A pressão para sua renúncia
vinha das mais diversas camadas da sociedade da Venezuela. Na última
quinta-feira, antes de cair, o presidente anunciou o fechamento das quatro
emissoras de TV daquele país alegando “abuso da liberdade de expressão”. Era
mais um atentado contra as liberdades individuais venezuelanas. Depois de um
conturbado governo de transição, Chávez voltou ao poder sábado à noite.
O tenente-coronel já havia tentado um fracassado golpe de Estado em 1992. Foi
preso. Anos após esta frustrada tentativa, em 1998 usou a democracia para alcançar
a chefia do Estado venezuelano. Com o entusiasmo da população nos primeiros
meses de governo iniciou reformas profundas no Estado. Assim, suspendeu as
sessões do Congresso e investigou parlamentares, convocou uma Assembléia
Nacional Constituinte que assumiu as funções do antigo legislativo, trocou os
juízes da Suprema Corte e reformou o judiciário. Aumentou em 1 ano o mandato do
Presidente da República com possibilidade de se manter no poder até 2012.
Modificou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela, como forma de
institucionalizar suas reformas sociais. Neste momento percebia-se os primeiros
traços de ruptura das instituições venezuelanas por intermédio de domínio claro
do executivo nos dois outros poderes, o legislativo e judiciário.
Durante a visita de Lula em dezembro, o presidente já usava a tradicional arma
dos governantes autoritários da América Latina para se manter no poder: o
populismo. Por meio dele, aumentou suas atribuições e em dezembro baixou
polêmico pacote econômico com 49 medidas controversas. Eram dias conturbados na
Venezuela No momento em que a legitimidade do presidente para baixar tais
medidas era contestada, Lula, durante estada em Caracas, declarou que
considerava Chávez um “centro-avante matador” e fincou: “Ele pensa o que eu
penso”.
O presidente limitou as liberdades econômicas com aumento da tributação do
Estado. Sofreu duras críticas. Era esperado que o próximo passo seria a
limitação das liberdades individuais. Não foi preciso esperar muito. Apoiado no
populismo, seguiu os passos dos antigos regimes autoritários dos trópicos
latinos: passou a limitar as liberdades de expressão e pensamento por meio de
rígidas leis com vistas a evitar críticas na imprensa. Vale lembrar que a
liberdade de expressão posiciona-se ao lado de outras liberdades individuais,
como a religiosa, de livre associação e pensamento, consideradas conquistas
universais. Atentar contra estas verdadeiras instituições de regimes livres,
como fez Chávez, é atentar contra a democracia. Além disso, traçou uma política
de alianças com países dotados de regimes totalitários como a Líbia de Kadafi,
o Iraque de Saddam e a ilha cubana de Castro.
Ao contrário do que se pensa, a ruptura institucional da Venezuela não ocorreu
com a breve deposição de Chávez. Ela começou com o autoritarismo deste
presidente que reescreveu a Constituição, perseguiu políticos e militares
contrários as suas reformas, limitou as liberdades individuais e reformou o
judiciário. Montesquieu ficaria surpreso em perceber que o governo dos homens
voltava a superar o governo das leis, mesmo com a existência dos três poderes
que forneceriam, segundo o iluminista, o equilíbrio necessário para evitar
mandatários despóticos.
A volta de Chávez está longe de ser consenso na Venezuela. Apesar de declarar
que não haverá revanchismo, já alertou que irá punir aqueles que o depuseram.
Os primeiros apoios recebidos pela sua volta ao poder vieram do Irã, Iraque e
Cuba, regimes totalitários, não democráticos e despreocupados com as liberdades
individuais. O retorno de Chávez, com mais poderes, pode ser anúncio do perigo
que a democracia corre na América Latina.
Artigo redigido em 14.04.2002,
Em Brasília, DF.
* Márcio Chalegre Coimbra, é advogado habilitado em Direito Mercantil pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor de Direito e Relações
Internacionais da Universidade Católica de Brasília. PIL pela Harvard Law School. Especialista
em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. MBA em
Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Vice-Presidente do
CONIL-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do
IEE - Instituto de Estudos Empresariais. É articulista semanal dos sites
www.widebiz.com.br , www.direito.com.br e membro do Conselho Editorial do site
de análise econômica e política “Parlata” (www.parlata.com.br). Tem artigos
publicados em diversos portais jurídicos e jornais brasileiros, como Jornal do
Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão,
Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do
Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A
Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed.
Síntese (www.sintese.com).
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Retirado de: www.argumentum.com.br