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A  ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO, O GATT E A SOLUÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS

 

 

 

Andréia Costa Vieira*

 

1 – Introdução

 

Neste artigo, focalizaremos o sistema internacional que regulamenta o comércio mundial. O objetivo primário desse sistema é criar o “comércio livre” entre as nações, que implicaria, teoricamente, na ausência de barreiras comerciais, para a venda de mercadorias e troca de serviços.

Esse objetivo está baseado numa doutrina econômica – a do livre cambismo, que prega o comércio livre entre os países como máxima para se atingir o desenvolvimento e progresso almejados, em oposição à doutrina protecionista, em que os países protegem as suas indústrias da concorrência de outros.

A doutrina do livre cambismo tem como uma de suas principais âncoras a teoria das vantagens comparativas, desenvolvida pelo economista inglês David Ricardo. Segundo Ricardo, os países se beneficiariam mais do comércio internacional se se especializassem na produção das mercadorias sobre as quais apresentam vantagens comparativas. Assim, se A produz carros mais eficientemente que B e este produz vinhos mais eficientemente que A, a lógica seria A se especializar em carros, B em vinhos e ambos trocarem seus produtos. Segundo a teoria, haveria benefícios mútuos na especialização, ainda que A fosse mais eficiente que B na produção de carros e vinhos, mas tivesse uma vantagem comparativa na produção de carros e passasse, por isso, a produzir só carros, trocando vinhos com B. Sem adentrarmos nos mecanismos de macroeconomia que explicam essa teoria, vamos partir do princípio de que o sistema internacional existente que regulamenta o comércio mundial objetiva atingir os melhores benefícios em termos de comércio internacional.

Ao longo do curso da história, vários foram os mecanismos criados pelos países para proteger as suas indústrias – todos configurando barreiras ao comércio internacional. Dentre eles, podemos mencionar impostos à importação de mercadorias estrangeiras, quotas na quantidade de mercadorias a serem importadas, subsídios concedidos pelo governo a produtos de indústrias nacionais tornando-os mais competitivos que os importados e, até mesmo, proibições diretas às importações.

O atual sistema internacional que regulamenta o comércio mundial lida diretamente com essas barreiras, ora tentando eliminá-las, ora controlá-las. Foi com esse objetivo que nasceram e se consolidaram a Organização Mundial do Comércio (OMC) e seus instrumentos, como o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), o Acordo em Subsídios e Medidas Compensatórias, dentre outros.

A primeira parte desse trabalho (aqui considerada dos tópicos II a V) será mais explanatória e informativa. Serão traçados aspectos e princípios gerais do GATT e da OMC. Na segunda parte (os tópicos VI e VII), serão traçados, ainda que brevemente, o roteiro à Composição de Painéis e a análises de alguns dos casos já julgados por esses Painéis, com o objetivo de mostrar como e quanto o sistema de solução de litígios internacionais realmente funciona.

 

II – As três organizações internacionais que formaram os pilares da economia mundial no período pós-guerra foram concebidas na Conferência de Bretton Woods, em 1944. Duas delas sobreviveram e tornaram-se um marco na economia mundial – o Fundo Monetário Internacional (FMI)  e o Banco Mundial (BIRD). A terceira, que foi criada como uma Organização Internacional do Comércio, nunca saiu do papel.

Logo após a II Guerra Mundial, houve uma tentativa de criar uma organização internacional para promover o comércio livre entre os países – seria a chamada Organização Internacional do Comércio – OIC (International Trade Organization). Essa Organização não se firmou, principalmente, porque os próprios EUA, pioneiros no incentivo à sua formação, declinaram em apoiá-la. Antes dessa manifestação negativa dos EUA, porém, muitas negociações e acordos foram realizados com o objetivo de criar a OIC, e muitos deles permaneceram em vigor. Dentre eles, encontra-se o GATT, um tratado internacional assinado por vários países, que ataca diretamente o problema das barreiras impostas à venda internacional de mercadorias. A razão pela qual o GATT sobreviveu e a OIC faleceu antes de ter nascido foi a insatisfação dos EUA quanto ao grande poder concedido à OIC para intervir nas políticas comerciais dos países-membros, enquanto que o GATT era, na verdade, bem pouco rígido quanto a isso.

A princípio, o GATT restringia-se a levantar proibições e quotas impostas à importação de mercadorias estrangeiras. Outras negociações e acordos foram realizados posteriormente em várias rodadas (“rounds”). Vale lembrar que “rodada” refere-se à reunião ministerial de vários países para entrarem em negociação e realizarem acordos. Foram, assim, mais tarde, realizados acordos em subsídios e licitações governamentais, dentre outros.

Em 1995, na Rodada do Uruguai, foi finalmente criada uma instituição internacional permanente para promover a liberação do comércio internacional – a Organização Mundial do Comércio (OMC) – denominada, em inglês, de WTO (World Trade Organization).

O objetivo da OMC é dos mais audaciosos: remover barreiras ao livre comércio, utilizando-se de instrumentos como o GATT, a Composição de Painéis e outros para solucionar os litígios internacionais entre os países. Atualmente, a OMC administra vários acordos, tendo, também a responsabilidade de desenvolver novos acordos na promoção do comércio livre.

Neste artigo, vamos examinar, especificamente, a forma como o GATT, atualmente sob a direção da OMC, tem promovido o comércio livre entre os países. Será estudado também o problema de harmonizar esse objetivo de livre comércio com outras medidas comerciais tomadas pelos países, como, por exemplo, visando a proteção do consumidor e do meio ambiente. Como esses interesses, aparentemente de lados contrários, e outros, geralmente geram conflitos internacionais, será analisado também o mecanismo utilizado pela OMC na solução desses litígios (chamados Dispute Settlements, ou DS), através da composição de painéis.

 

III – As principais Regulamentações Comerciais da OMC

 

Em geral, as Regulamentações Comerciais da OMC estão previstas sob a forma de acordos, que podem ser “multilaterais” ou “plurilaterais”. Os acordos multilaterais devem ser aceitos por todos os países-membros da OMC. Os acordos plurilaterais são opcionais.

As medidas estratégicas para eliminar barreiras ao comércio internacional criando um sistema de livre comércio estão concentradas no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – ou, como é conhecido, o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), que é um acordo multilateral.

Subsídios e outras medias semelhantes são permitidas de forma supervisionada, quando, por exemplo, do desenvolvimento dos países menos desenvolvidos do mundo ou como políticas de proteção ao consumidor e ao meio ambiente, dentre outros. São tratados em um acordo separado – é o chamado Acordo em Subsídios e Medidas Compensatórias (Agreement on Subsidies and Counterveiling Measures), também um acordo multilateral, a ser discutido no caso Embraer, abaixo.

Os países podem também adotar medidas protecionistas quando de suas licitações governamentais. Para tanto, foi acordado, no âmbito da OMC o Acordo em Licitações Governamentais (Agreement on Government Procurement) - um acordo plurilateral que não será discutido neste artigo, mas que também é assunto de farta polêmica.

De uns tempos para cá, as mercadorias deixaram de ser os únicos objetos do comércio. Os serviços, em geral, ocupam hoje, uma grande parcela do comércio internacional. Por isso, foi criado o GATS (General Agreement on Trade in Services), um acordo multilateral para regulamentar o comércio internacional de serviços; tais como, serviços bancários, de contabilidade, administração, jurídicos, telecomunicações, engenharia, informática, seguro, construção civil e outros.

Outros acordos gerais suplementam as regras contidas no GATT. São eles: o Acordo em Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on Technical Barriers to Trade) e o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Agreement on the Application of Sanitary and Phytosanitary Measures). Há também o Acordo sobre Agricultura, que é separado e totalmente independente dos demais e que também tem gerado grande polêmica. Todos eles, acordos multilaterais.

Outro importante acordo é o TRIPS (Agreement on Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), lidando com os direitos autorais e a propriedade intelectual, em geral.

O Dispute Settlement Understanding (DSU) é um outro acordo multilateral regulamentando a composição de painéis. Sua importância será vista quando da explicação sobre a resolução de conflitos internacionais, abaixo.

 

IV – O GATT e seus princípios

 

Os principais tipos de barreiras comerciais regulamentadas pelo GATT são:

 

- Tarifas (uma nomenclatura não muito apropriada para designar impostos ou tributos semelhantes destinados a produtos importados);

- Proibição quanto à importação de determinados produtos;

-  Quotas e outras restrições a produtos importados (ex.: um limite numérico na quantidade de certos produtos que podem ser importados do exterior);

- Regulamentações técnicas concernentes às características, ao marketing etc. de alguns produtos (ex.: exigências quanto a padrões de qualidade ou de segurança que devem obedecer produtos importados para entrarem no país);

-         Taxas internas – Ex.: impostos exigidos na re-venda de produtos importados.

 

Essas e outras medidas são intencionalmente usadas para proteger o mercado interno da competição do mercado externo. Então, entra em cena o GATT para limitar a liberdade de os países agirem  de forma protecionista em relação às suas indústrias domésticas, sendo, portanto, bem mais rígido do que quando foi criado simplesmente para vedar o estabelecimento de quotas e proibições às importações.

Enquanto o papel do GATT modificou-se ao longo de sua existência, seu objetivo principal – o de promover o livre comércio entre as nações – permaneceu o mesmo. Para tanto, o GATT fundamenta-se em cinco princípios norteadores:

 

1º) O princípio do Tratamento dado à Nação Mais Favorecida (Most Favoured Nation Treatment, ou MFN)

 

Imposições tarifárias são, na verdade, permitidas pelo GATT, dada a forma mais transparente com que operam, mesmo porque, na prática, não é possível eliminar toda e qualquer medida protecionista de uma só vez. O mecanismo sugerido pelo GATT é o controle e a redução progressiva das tarifas, através de duas medidas básicas: a chamada MFN (Most Favoured Nation Treatment) – Tratamento dado à Nação Mais Favorecida, e a Fixação de Concessões Tarifárias.

O tratamento MFN está previsto no Art. I do GATT e dispõe, de forma parafraseada e resumida, que:

 

Em relação a imposições tarifárias, ou qualquer outra medida relacionada à importação ou exportação, ou relativa à transferência internacional de pagamentos, o tratamento concedido à importação ou à exportação de um produto de um país-membro da OMC deve ser concedido à importação ou exportação de produtos semelhantes dos demais países-membros da OMC.

 

Trocando em miúdos, o que for feito para um, deve ser feito para todos. O tratamento MFN prevê uma equalização de valores entre os países-membros, partindo do princípio de que não deve haver desigualdade de privilégios entre eles. Assim, se ao entrar para a OMC, um país A pratica um acordo de redução de imposto à importação de perfumes com um país B, também membro, esse privilégio concedido ao país B deve ser concedido a todos os demais países quanto à importação de  perfumes.

 

O parágrafo 2º desse artigo prevê as exceções. Dentre elas, podemos destacar: países da Commonwealth (outrora pertencentes ao Império Britânico), países pertencentes a um mercado comum ou zona de livre comércio, dentre outras.

 

Umas das polêmicas de interpretação do tratamento MFN surge sobre o conceito de “produtos semelhantes” (like products) – usado no caput do Art. 1. Produtos semelhantes não são necessariamente produtos iguais e nem sempre é fácil dizer se um produto é ou não semelhante a outro para a aplicação do tratamento MFN. A título de ilustração, o shochu (bebida alcoólica japonesa) já foi considerado produto “semelhante” à vodka, para efeitos do tratamento MFN.

 

2º) A regra do Tratamento Nacional ou da Não-Discriminação

 

A regra do Tratamento Nacional ou da Não-Discriminação está contida no Art. III do GATT e dispõe, de forma parafraseada e resumida, que:

 

1 – Os países-membros reconhecem que impostos ou legislação, regulamentação ou requerimentos destinados a disciplinar compra e venda, oferta, transporte, distribuição e uso de produtos em território nacional não podem criar uma discriminação entre produtos nacionais e importados (tendo estes entrado de forma regular no país), de forma a conferir proteção aos produtos nacionais.

2 – Não podem ser cobrados impostos internos (ou aplicadas outras medidas) a produtos importados que já entraram regularmente no país, se tais impostos (ou medidas) não se aplicam também aos produtos nacionais.

3 – Não se pode ser dado qualquer outro tratamento menos favorável ao produto importado de um país-membro que o tratamento dado ao produto nacional (relativo a regulamentos e outras medidas governamentais que criam concorrência desleal) – este, na verdade, é o parágrafo 4º do Art. III.

 

Em outras palavras, não pode haver qualquer tipo de discriminação quanto ao produto importado de outro país-membro, tendo este já entrado regularmente em território nacional.

Assim, por exemplo, um país-membro A não pode exigir que um certo produto X, importado de outro país-membro B, atenda determinados requisitos de segurança para ser vendido em A, se estes requisitos não forem exigidos para os produtos semelhantes produzidos em A.

 

3º) A permissibilidade de imposição de tarifas e as Concessões Tarifárias – também chamadas “The Bindings”.

 

A despeito de o objetivo principal do GATT ser eliminar completamente as barreiras ao livre comércio internacional, não se olvida o fato de ser esse fim, em certos casos, inatingível. Por isso, o GATT cuida para que quando haja necessidade de proteção à indústria nacional que ela seja feita por meio da imposição de tarifas (nomenclatura que preferiríamos chamar de tributos), porque essa é a forma mais transparente de se praticar o protecionismo à indústria nacional, podendo, portanto, ser mais facilmente controlada.

O GATT, em seu
Art. II, impõe limites máximos de tarifas a serem cobradas sobre certos produtos pelos países-membros da OMC. Em anexo ao GATT, seguem-se quadros de concessões tarifárias, assumidas pelos países-membros, obrigando-lhes a não impor tarifas maiores que as estipuladas nesses quadros – daí chamarem-se “the bindings”. Esses limites em relação ao quantum da concessão tarifária são, geralmente, decididos em mesas de negociação entre os países-membros.

Esses quadros de concessões tarifárias são extremamente extensos e complexos e se deve dizer que os valores fixados para as concessões de determinados produtos de um Estado não operam na mesma proporção em outro.

 

 

4º) Vedação a Restrições Quantitativas e Proibições à Importação

 

O Art. XI do GATT dispõe, de forma parafraseada e resumida, que

Não pode haver proibições ou restrições ao comércio de mercadorias, além das que são aceitas no corpo do próprio GATT. Isso significa que é totalmente vedada a proibição à importação de determinados produtos ou mesmo a imposição de limites nas quantidades importadas (quotas).

As exceções a essa regra estão dispostas no parágrafo 2º desse artigo. Dentre elas, destacamos: proibições ou restrições temporárias para prevenir momentos críticos de abastecimento; proibições ou restrições necessárias às aplicações de padronização ou de classificação ou marketing de commodities no comércio internacional, dentre outras.

 

A interpretação dada pelo Painel em solução de conflitos internacionais ao Art. XI será vista quando da análise do famoso “Caso do Atum”, litígio entre o México e os EUA.

 

5º) Tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento

 

O GATT faz diversas concessões aos países em desenvolvimento numa tentativa de permitir-lhes o desenvolvimento de suas indústrias. Contudo, não são todos os países em desenvolvimento que são considerados para essas concessões. Apenas os países cujas economias estão nos seus primeiros estágios de desenvolvimento e cujos índices de qualidade de vida são relativamente baixos.

 

Dentre as concessões feitas pelo GATT a países em desenvolvimento, podemos destacar:

 

1 – Exceção ao tratamento MFN

Em 1971, na Rodada de Tókio, os países-membros acordaram um tratamento diferenciado a ser dado aos países em desenvolvimento, considerados “as economias menos desenvolvidas” (analisando o PIB, as condições de vida e outros indicadores). Os países-membros da OMC poderiam escolher países em desenvolvimento (dentre aqueles cujas economias estão nos seus primeiros estágios de desenvolvimento) para conceder vantagens e outras facilidades no comércio, não concedidas a outros países-membros. Portanto, em relação a essas “economias menos desenvolvidas”, não se aplicava o princípio MFN, ou seja, a concessão dada a esses países não precisavam se estender aos demais. Essa exceção ficou conhecida como GSP (Generalises System of Preferences).

Da mesma forma como os países-membros têm a liberdade de conceder esse tratamento diferenciado a países em desenvolvimento, têm eles também a liberdade de retirar tal tratamento quando bem entenderem. Isso gera um clima de incerteza para o comércio internacional praticado por e com esses países em desenvolvimento.

 

2 – Desnecessidade de reciprocidade na eliminação de barreiras ao comércio

O Art. XXXVI do GATT estabelece um princípio geral quanto à proteção de países em desenvolvimento. A regra é que os países desenvolvidos não podem exigir reciprocidade dos países em desenvolvimento quando da negociação de concessões tarifárias e outras medidas de implementação do livre comércio. Em geral, a reciprocidade não é obrigatória quando da negociação de concessões tarifárias e outros acordos. No entanto, ela tornou-se uma regra “de cavalheiros” nas mesas redondas de negociação da OMC. O GATT, portanto, exclui países em desenvolvimento da necessidade de conceder benefícios recíprocos aos países desenvolvidos.

 

3 – Proteção permitida às indústrias nacionais

O Art. XVIII permite os governos de países que se encontram nos seus primeiros estágios de desenvolvimento e que têm um padrão de qualidade de vida baixo a adotarem medidas protecionistas às suas indústrias nacionais. Dentre essas medidas, podem estar proibições ou restrições ao comércio, estabelecimento de quotas, altas imposições tarifárias, dentre outras. Contudo, todas devem ser justificadas previamente.

 

V – As Exceções do Art. XX

 

Como já visto, as proibições e restrições ao comércio em geral, quando não expressamente autorizadas no GATT, são vedadas. Há, no entanto, exceções a essas regras. A maior parte dessas exceções está prevista no Art. XX do GATT e consiste em:

 

a) Medidas que são necessárias para proteger a moralidade pública – Art. XX(a);

b) Medidas necessárias à proteção da saúde humana ou animal e à flora – Art. XX(b);

c) Medidas relativas à importação e exportação de ouro e prata – Art. XX(c);

d) Medidas necessárias para assegurar o cumprimento de leis consistentes com o GATT – Art. XX(d);

e) Medidas relativas a produtos de trabalho carcerário – Art. XX(e);

f) Medidas necessárias à proteção de tesouros nacionais ou patrimônios artístico, histórico ou arqueológico – Art. XX(f);

g) Medidas necessárias à conservação de recursos naturais não-renováveis, desde que as mesmas medidas se apliquem em território nacional – Art. XX(g);

h) Medidas relacionadas a obrigações previstas em Acordos Intergovernamentais de Commodities, nos termos do Art. XX(h);

i) Medidas que envolvem restrições a exportações de produtos domésticos necessárias para assegurar a quantidade desses produtos a uma indústria doméstica de processamento durante os períodos em que o preço de tais produtos for cotado abaixo do preço do mercado internacional, quando parte de um plano de estabilização governamental, nos termos do Art. XX(i);

j) Medidas essenciais à aquisição ou distribuição de produtos em geral, nos termos do Art. XX(j).

 

Todas essas medidas podem ser adotadas pelos países-membros, ainda que de forma discriminatória, dentro dos objetivos delimitados pelo Art. XX. E essas delimitações encontram-se no caput desse artigo onde se prevê que essas medidas não podem ser adotadas se constituírem discriminação arbitrária ou injustificável entre os países-membros onde se verificam as mesmas condições, ou ainda, se foram tomadas como forma de uma restrição disfarçada ao comércio internacional.

O ônus da prova recai sobre o país que adota a medida e, em geral, os painéis da OMC, têm sido relutantes em aceitar tais medidas, a não ser que a necessidade seja cabalmente provada.

Essas medidas têm sido fartamente alegadas pelos países-membros quando adotam políticas que, dentro do GATT, são consideradas barreiras proibidas ao livre comércio. Como se verá adiante da discussão dos casos trazidos a título de exemplificação da aplicação dos acordos, a OMC, através de seu corpo jurídico julgador, analisa passo a passo da medida para ver se realmente se trata de uma discriminação desnecessária ao produto de outro país ou se realmente têm o fim primário que alegam ter (a proteção ambiental, ao consumidor etc.).

 

VI – Composição de Painéis – O Mecanismo de Solução de Conflitos Internacionais na OMC

 

O mecanismo para a solução de conflitos internacionais dentro da OMC está contido no Anexo II do Tratado que criou a OMC – é o acordo chamado Dispute Settlement Understanting, ou DSU.

O DSU prevê um sistema inter-governamental, pelo qual os países membros da OMC dão início a um litígio contra outro país-membro em relação ao descumprimento dos acordos da OMC, tais como o GATT, o GATS, o TRIPS e outros.

Quem irá julgar o litígio internacional é o Dispute Settlement Body (DSB), formado pelo Conselho Geral da OMC (que é composto por um representante de cada país-membro), que deverá analisar uma recomendação preparada por um Painel. Da decisão de adoção ou não-adoção da recomendação tomada pelo DSB, cabe recurso ao Apellate Body (AB).

Em geral, os litígios envolvem o descumprimento de um dos acordos da OMC e são chamados, por isso, “violation complaints”. Distinguem-se de outro tipo de litígio que não envolve o descumprimento de um acordo, mas tenta atacar alguma medida político-governamental-legislativa tomada por um país-membro que anula ou reduz os benefícios ou objetivos previstos em um dos acordos.

Em relação a violation complaints, para a composição de um painel, o país-membro requerente deve provar que, paralelamente ao descumprimento de um dos acordos, verificou-se também que:

a) Os benefícios proporcionados, direta ou indiretamente, pelo país-membro Requerente foram anulados ou reduzidos pela ação, lei, regulamentação etc. do outro país-membro; ou

b) O cumprimento de algum dos objetivos dos acordos da OMC está sendo prejudicado.

 

Essas normas estão contidas no Art. XXIII do GATT, em relação ao descumprimento de normas pertencentes a esse acordo.

 

O procedimento para a solução de conflitos internacionais é o seguinte:

 

1º) Requisição para uma consulta com o país-membro infrator de alguma norma da OMC – aqui se procede a uma tentativa de solução amigável do problema.

2º) Não sendo possível essa solução amigável, o país-membro que se sente lesado requer a Composição de um Painel ao DSB.

3º) O DSB dá abertura, então, ao Painel para a solução do litígio, a não ser que, por consenso, todos os membros da OMC  decidam não estabelecer o painel.

4º) A composição do Painel se dá pela nomeação de três representantes dos países-membros que o comporão para solucionar o litígio (podem ser 5 representantes, se as partes assim requisitarem).

5º) A solução deve ser apresentada dentro de 6 meses (ou de 3 meses, em caso de urgência) e, excepcionalmente, dentro de 9 meses (DSU, Art. 12). Contudo, o processo pode ficar suspenso por 12 meses, a pedido da parte Requerente.

6º) O Painel apresenta um Relatório escrito ao DSB, contendo a regulamentação da OMC envolvida, as recomendações e seu arrazoamento. As opiniões dos “painelistas” são expressadas no anonimato.

7º) O DSB, então, decide adotar ou não a recomendação feita pelo Painel em seu Relatório. Em geral, as recomendações do Painel são adotadas, a não ser que haja consenso entre os países-membros pela não-adoção.

8º) Qualquer das partes que discordar da recomendação adotada, interpõe recurso ao Apellate Body (AB) – composto por 7 membros de reconhecida capacidade jurídica, sem qualquer vínculo com os governos dos países-membros envolvidos.

9º) O AB também formaliza o relatório.

10º) Em caso de o Relatório concluir que houve realmente descumprimento de um acordo, a recomendação do AB é no sentido de trazer-se a medida em conformidade com o acordo em questão. Não há recomendação no sentido de pagar-se uma indenização por perdas e danos, ou ainda, exigindo o desfazimento de atos administrativos.

11º) O país-membro infringente do acordo recebe o prazo de 30 dias para se manifestar sobre as suas intenções de colocar em prática a recomendação, propondo, para tanto, um período para o seu cumprimento (no máximo, 15 meses).

12º) Não aceitando cumprir com a recomendação, os países-membros da OMC podem pedir autorização ao DSB para suspender as suas obrigações como membros da OMC em relação ao país infringente. É a chamada retaliação. Contudo, a retaliação deve ser proporcional à infração cometida e, se possível, dentro da mesma área. Se contudo, a retaliação não for eficaz (caso de um país pequeno postulando contra um grande país), o método a ser usado é o da indenização (lembrando mais uma vez, não se trata de compensação financeira por perdas, mas de compensação financeira pelo simples descumprimento do acordo).

 

VII – Análise de alguns Litígios Internacionais já julgados pela OMC

 

1º) O Caso do Atum – México X EUA

 

Esse caso envolveu uma proibição dos  EUA quanto à importação de atum pescado com uma determinada técnica considerada prejudicial aos golfinhos. Muitos golfinhos também eram pegos na pesca e morriam ou ficavam bastante machucados. A razão dada pelos EUA a essa medida proibitiva foi a proteção aos golfinhos, para assegurar que outros países usassem técnicas de pescaria menos prejudiciais, ou, como as denominaram, “environmentally friendly”.

O atum proibido pelos EUA era exatamente o atum pescado pelo México – o maior concorrente da indústria de pesca do atum norte-americana. Após tentativas de conciliação frustradas, o México, então, requereu a Composição de um Painel para solucionar o litígio e suspender a medida norte-americana, sob a acusação de descumprimento do Art. XI do GATT.

Os EUA defenderam-se com a alegação de que, na verdade, não se tratava de aplicação do Art. XI, mas do Art. III, e, nessas condições, a medida não era ilegal sob o GATT porque não era discriminatória (o Art. III refere-se somente a medidas de caráter discriminatório). De fato, não discriminavam entre este ou aquele país, mas quanto à técnica de pesca. Além disso, os EUA alegaram também a proteção das exceções contidas no Art. XX, mais especificamente as alíneas “b” e “g”.

O Painel rejeitou a defesa norte-americana, considerando que, na realidade, não cabiam nem mesmo as exceções previstas pelo Art. XX do GATT. Para o Painel, a intenção norte-americana era bem clara: proteger a indústria de pesca nacional. E isso era terminantemente proibido segundo o caput do Art. XX. A medida norte-americana tinha efeitos extrajudiciais, exigindo que outros países se adequassem às suas regras, sendo que os EUA nunca tentaram solucionar o problema por intermédio de um tratado internacional. A intenção primária não era a proteção aos golfinhos, ms a proteção da indústria nacional norte-americana.

Mais tarde, no caso que ficou conhecido como “Segundo Caso do Atum”, o Painel aceitou a possibilidade de medidas que tivessem efeitos extrajurisdicionais, desde que a medida não exigisse uma mudança legislativa de outro país-membro, sendo eficaz somente se essa mudança ocorresse. Assim, nada impede que a medida tenha efeitos extrajurisdicionais. Contudo, não pode exigir a mudança de lei ou regulamentação estrangeira para que seja eficaz.

 

2º) O Caso dos Cigarros Tailandeses

 

O Governo Tailandês estabeleceu uma proibição à importação de cigarros, com a justificativa de que objetivava reduzir o consumo de cigarros no país. Assim, nenhum cigarro importado poderia entrar em território nacional. A produção nacional de cigarros, no entanto, não parou. O Painel considerou que essa medida era claramente um descumprimento dos Arts. XI e III do GATT. Não podia ser justificada sob o Art. XX (b) porque havia outros meios (como a propaganda, por exemplo) para se atingir os mesmos fins – a proteção do consumidor.

 

3º) O Caso dos Camarões – Malásia (e outros) X EUA, DS 58 (1998)

 

A Malásia, a Índia, o Paquistão e a Tailândia requereram a composição de um Painel para questionar o descumprimento de normas do GATT pelos EUA, em razão de uma proibição imposta por estes à importação de camarões pescados em certas circunstâncias e com a utilização de certas técnicas.

As razões norte-americanas para a medida eram aparentemente “ambientalistas”. A pesca do camarão realizada nesses países ocasionava a morte de tartarugas marinhas. Assim, para serem vendidos nos EUA, tanto os camarões nacionais como os importados, tinham de apresentar certificado, a ser concedido por instituição norte-americana, de que a técnica usada para a pesca não afetava as tartarugas marinhas. Por razões diplomáticas, a lei norte-americana concedia apenas a um certo grupo de países caribenhos um período de adaptação de 3 anos à medida proibitiva. Essa concessão não era dada aos demais países – membros da    OMC.

Tanto o DSB quanto o AB concluíram que a medida proibitiva norte-americana poderia enquadrar-se na exceção prevista no Art. XX(g), que dispõe sobre a conservação de recursos naturais não-renováveis. Contudo, a medida fracassou em obedecer ao caput do Art. XX, ao discriminar sem qualquer justificativa plausível, entre países-membros da OMC.

 

4º) O Caso da Embraer – Canadá X Brasil, 1997 – 2001 (DS46) – Discutindo o Acordo em Subsídios e Medidas Compensatórias.

 

O Caso da Embraer envolveu o Canadá e o Brasil em um litígio internacional. Para entender as medidas questionadas neste caso, passaremos a uma breve explicação do Acordo em Subsídios e Medidas Compensatórias e, logo após, à análise do caso em questão.

 

Do Acordo

 

O Acordo em Subsídios e Medidas Compensatórias (SCM – Subsidies and Countervailing Measures) define o termo “subsídio” como sendo uma contribuição financeira governamental a uma determinada indústria, empresa ou ramo de produção, conferindo-lhe uma vantagem econômica. Essa contribuição financeira governamental pode se dar de várias formas, tais como: empréstimos, doações, garantia de empréstimos, isenções fiscais e, até mesmo, pela compra direta de bens e/ou serviços.

O SCM regulamenta somente aqueles subsídios considerados “específicos”. Assim, para efeitos do SCM, são considerados específicos os subsídios destinados a uma empresa/indústria ou grupo empresarial/industrial, a um setor ou grupo setorial e a empresas/indústrias regionais. Essa disciplina quanto aos subsídios específicos é feita em detrimento dos que não são considerados específicos (a título de exclusão) porque, economicamente, considera-se que subsídios específicos distorcem a alocação de recursos.

O SCM prevê três tipos de subsídios específicos proibidos (Art. 3º), questionáveis, também chamados acionáveis (Art. 5º) e permitidos, também chamados não-acionáveis (Art. 8º).

 

Em seu Art. 3º estabelece os subsídios proibidos da seguinte forma:

 

Art. 3.1 – Com exceção das permissões concedidas no Acordo sobre Agricultura, os seguintes subsídios, nos termos do Art. 1º, são proibidos:

a) Subsídios relacionados, de direito ou de fato, às exportações, incluindo aqueles listados no Anexo I;

b) Subsídios relacionados ao consumo de produtos nacionais em detrimento dos importados, previsto como medida unitária ou como parte de outras medidas (medidas de substituição às importações).

3.2 – Um país-membro não pode conceder nem manter os subsídios mencionados no parágrafo anterior.

 

Assim, são proibidos os subsídios relacionados à exportação e os que se aplicam ao uso de produtos nacionais em detrimento de produtos importados (substituição às importações). São excetuados os subsídios destinados à agricultura (previstos no Acordo sobre Agricultura).

 

O segundo tipo, os subsídios questionáveis (ou acionáveis), chamados Actionable Subsidies (Art. 5º), refere-se aos subsídios descritos no Art. 1º, §§ 1º e 2º - várias medidas que são tidas como subsídios; tais como, uma contribuição financeira governamental à empresa privada (i) ou isenção de certos impostos (ii) ou financiamento privado a projeto de empresa pago pelo governo (iii), dentre outras. Esses subsídios não são proibidos, mas podem ser questionados mediante a OMC se têm efeitos adversos a interesses de outros países-membros (Art. 5º), ou se provocam graves prejuízos aos interesses de outros países-membros (Art. 6º).

 

O terceiro tipo, os subsídios permitidos (não-acionáveis), chamados Non-Actionable Subsidies (Art. 8º), incluem medidas como: assistência a atividades de pesquisa conduzidas por empresas ou instituições de ensino superior, medidas para o desenvolvimento de região menos desenvolvida dentro do país (dentro dos limites da alínea b), assistência à adequação de normas ambientais impostas por lei (alínea c).

 

Do Caso da Embraer

 

O Canadá requereu a Composição de um Painel, alegando que o Brasil descumpriu o acordo sobre Subsídios com o seu Programa de Financiamento às Exportações (PROEX). Em geral, o PROEX previa financiamentos a produtos destinados à exportação de 1 a 10 anos, teoricamente, dentro das normas do SCM. Uma exceção era  aberta à Embraer, à qual era concedido um prazo de 15 anos. O subsídio era concedido da seguinte forma: a Embraer conseguia um empréstimo no Banco e a taxa de juros era rateada entre o Governo Brasileiro e a própria Embraer. Isso fazia com que o preço do avião brasileiro saísse, consideravelmente, mais baixo que o do avião canadense semelhante. Era o descumprimento do Art. III do Acordo em Subsídios, discutido acima.

O Painel, considerando que realmente houve descumprimento do acordo, exigiu que o Brasil ajustasse o PROEX às normas da OMC. Concedeu, então 90 dias ao Brasil para adequar o PROEX ao SCM.

Mais tarde, o Canadá requereu um novo painel para verificar se o Brasil cumprira com a recomendação do AB. Constatada a não-adequação do PROEX às normas da OMC, mesmo após a recomendação e o prazo dado ao Brasil, a OMC autorizou o Canadá a impor sanção de US$1,4 bilhão contra as exportações do Brasil, a título de compensação pelo descumprimento do acordo.

 

5º) O Caso do Suco de Laranja – Brasil X EUA (DS 250)

 

O Brasil requisitou em 19.08.02 a Composição de um Painel para resolver o problema de barreiras impostas ao suco de laranja brasileiro nos EUA. Essa barreira comercial ao suco de laranja vem sendo aplicada desde 1970 e é a mais antiga lei protecionista enfrentada pelos exportadores nacionais.

O Estado da Flórida isenta produtos fabricados com suco de laranja produzida no próprio Estado de um imposto chamado “Equalizing Excise Tax”(EET), aplicado a todos os demais produtos que utilizem suco de laranja produzido em outro Estado ou país (até recentemente, esse imposto era aplicado só ao suco de laranja importado). O EET modifica as condições de concorrência entre o produto fabricado com suco brasileiro e o produto semelhante fabricado com o suco da Flórida. Os recursos arrecadados com esse imposto rendem cerca de US$ 5 milhões por ano aos cofres públicos norte-americanos e são utilizados para promover o suco de laranja dos produtores da Flórida, concorrentes do suco brasileiro. A prática, portanto, violaria as regras do GATT.

Tendo tido uma consulta com os EUA, em maio e junho de 2002, sem obter êxito, o Brasil requereu a composição de um Painel.

O Brasil alega que a taxa cobrada pelo governo da Flórida fere o enunciado do Art. III do GATT (a obrigação do Tratamento Nacional) de três maneiras:

1a) O EET é aplicado a produtos importados (o Brasil é o único país que exporta quantidade considerável de suco de laranja aos EUA, e, portanto, o único prejudicado pela EET). Isso confere proteção à produção nacional, nos termos do Art. III:1 do GATT.

2a) O EET não é aplicado aos produtos semelhantes produzidos na Flórida, violando o princípio estabelecido no Art. III:2.

3º) Os valores recolhidos pelo EET são direcionados ao financiamento da produção e propaganda do suco de laranja da Flórida. Assim, o suco brasileiro recebe tratamento menos favorável que o suco da Flórida, ferindo os termos do Art.III:4 do GATT.

 

O Brasil tem exportado suco de laranja aos EUA todos esses anos, a despeito dessa barreira. A decisão de recorrer à OMC, porém, somente ocorreu depois que a própria justiça da Flórida começou a investigar a legalidade do imposto. O processo foi aberto no início do ano pelos importadores norte americanos, aliados inesperados do Brasil, que se queixavam da necessidade de pagar um imposto suplementar. Se o painel concluir que a norma é irregular, os americanos serão obrigados a retirar a barreira.

 

Todas essas barreiras impostas ao comércio internacional pelos EUA desmascaram a defesa norte-americana ao livre comércio internacional – teoria propagada pelos americanos no mundo inteiro. Verifica-se, pois, que, para os americanos, a teoria do livre comércio encontra-se apenas nos livros e nos papéis, sendo posta em prática apenas quando as condições de mercado lhes são favoráveis.

 

VIII – Conclusão

 

A Organização Mundial do Comércio e seus instrumentos (o GATT, o Acordo em Subsídios e Medias Compensatórias, o Dispute Settlement Understanding, dentre outros) têm cumprido fielmente sua missão de propagar o livre comércio pelos quatro cantos do mundo. É como se fosse um novo “evangelho” que a cada dia conquista novos adeptos. Em 1º de janeiro de 2002, a OMC contava com um número de 144 países-membros, com a inclusão surpreendente da China.

Para cumprir os seus objetivos, a OMC tem-se valido de teorias econômicas que prevêem a eliminação de barreiras ao comércio internacional. Pela impossibilidade de se eliminar de uma só vez todas as barreiras comerciais, a OMC e seus instrumentos aceitam a possibilidade do uso de barreiras ao comércio mais transparentes, como as tarifas, excepcionalmente aceitando subsídios (como previsto no Acordo em Subsídios) e até mesmo outras medidas mais protecionistas (quando da proteção a países em desenvolvimento).

O GATT, mais especificamente, fundamenta-se em princípios norteadores do livre comércio que lidam diretamente com a redução ou exclusão direta dessas barreiras. Dentre eles, os mais importantes são: o tratamento MFN e sua teoria de que o que for feito para um dos países-membros, deve ser feito para todos; o princípio do Tratamento Nacional em sua teoria de não-discriminação aos produtos importados, tendo estes entrado regularmente no país; a permissibilidade de imposição de tarifas, sendo estas consideradas a forma protecionista mais transparente, e as Concessões Tarifárias – também chamadas “The Bindings”, que nada mais são do que comprometimentos feitos pelos próprios países em relação a reduções tarifárias. Além disso, o GATT também tem como máxima a “boa vontade” de permitir o desenvolvimento das economias menos desenvolvidas do planeta.

Contudo, o próprio GATT lembra, em seu Art. XX, que o livre comércio não se sobrepõe a interesses mais nobres, tais como, a proteção ao meio ambiente e ao consumidor. Por isso mesmo, esses interesses coletivos e outros são tidos como as exceções aos princípios de livre comércio, desde que não sejam medidas adotadas de forma a, disfarçadamente, infringir as regras de livre comércio da OMC.

Quando se parte para uma análise dos litígios que já envolveram países-membros da OMC, vê-se que todos estão engajados nesse objetivo de “promover o livre comércio”, quando o livre comércio lhes é conveniente. Quando a conveniência não é boa anfitriã, todos dão um “jeitinho”, por vezes até mesmo “ambientalista” para defender as suas indústrias nacionais.

Sem questionar a veracidade desses nobres motivos, o fato é que a OMC e seus instrumentos têm servido., sim, de forma eficiente para mostrar aos países-membros a “religião” à qual se filiaram e até mesmo para discipliná-los quando cometem um “pecado”. Sem questionar a veracidade dos princípios apregoados por essa “religião”, a verdade é que têm eles se tornado máximas nos mais renomados livros de economia, política e direito internacional.

O mundo paga – e, por vezes, bastante caro – para ver a que paraíso de desenvolvimento sustentável essa nova “religião” irá levar.

 

IX – Bibliografia

 

Baldwin, “Na Economic Evaluation of The Uruguay round Agreements” (1995), 18 World Economy, 153

 

Blakeney, “The Origins of  the World Trade Organization”, 2 Journal of International Trade Regulation, 49

 

B. M. Hoekman and M. Kostecki, The Political Economy of the World Trading System: from GATT to WTO, 1995.

 

Dean, “The Trade Policy Revolution in Developing Countries”, 1995, 18 World Economy, 174.

 

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J.H. Jackson, World Trading System: Law and Policy of International Economic Relations, 2a ed. MIT Press, Massachussetts, 1997.

 

J. H. Jackson, W. Davey and A. Sykes, Legal Problems of International Economic Relations: Cases, Materials and Text, 3a ed., MIT Press, Massachusetts, 1995.

 

M. J., Trebilcock and R. Howse, The Regulation of International Trade, 2a. Ed., Routledge, London, 1995.

 

Kleftodimou, “Protectiong the consumer under GATT”, 1995, Consumer Law Journal, 174.

 

 

*Andréia Costa Vieira

Mestra em Direito do Comércio Internacional, pela University of Nottingham, Inglaterra.

Artigo publicado na Revista Jurídica Eletrônica Buscalegis:

 www.ccj.buscalegis.ufsc.br