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Adiantamento de Câmbio em Contrato de Exportação - Expiração de Prazo para remessa da mercadoria (Parecer)

 

 

Leonardo Medeiros Régnier *

 

 

 

CONSULTA: Empresa que realizou operação de câmbio, tendo recebido antecipadamente, todavia, sem proceder a devida exportação das mercadorias prometidas. O banco garantidor enviou correspondência notificando o atraso e comunicando a possibilidade de cobrar-se multa pecuniária pelas irregularidades apontadas. A empresa, no entanto, estava em vias de pedir concordata, e desejava saber que caminhos seguir quanto às exportações não concretizadas, além dos reflexos da operação frustrada numa possível concordata.

 

 

 

1. SITUAÇÃO DOS CONTRATOS.

 

 

 

Visto que o prazo para embarque das mercadorias, que ensejaram adiantamento de câmbio, já se expirou, a "empresa" encontra-se, realmente, em débito para com o BACEN. A entrada de capital não foi, pois, vinculada a nenhum despacho aduaneiro.

 

Está correta, então, a carta enviada pelo Banco "X", ou seja, em tese poderia ser cobrada multa pecuniária devido às irregularidades apontadas.

 

Não, porém, como decorrência de previsão em mero ato administrativo (circular), posto que a imposição e exigência de multa, à luz do Direito, está sob reserva de lei.

 

Assim, e, no caso, caberia contestar a exigência da multa, uma vez que contrária ao Direito.

 

Mas, é esse o texto da circular nº 2408, de 07/03/94, emitida pelo Banco Central:

 

"A Diretoria do Banco Central do Brasil ...

Decide:

 

Art. 1º - Considerar abrangidas pelo art. 37 da Lei nº 4595, de 31.12.64, e, portanto, prejudiciais ao fiel desempenho das atribuições legais do Banco Central do Brasil, as seguintes ocorrências relacionadas a operações de câmbio:

 

(...)

 

II - ausência, no dossiê da operação, de qualquer documento exigido em regulamento como necessário para contratação e/ou liquidação de operação de câmbio;

 

III - não liquidação de operação de câmbio quando devida em razão da forma pactuada entre as partes para entrega da moeda estrangeira;

 

IV - não vinculação (provisionamento ou aplicação) de contratos de câmbio a documentos ou registros informatizados relativos a exportações e importações, inclusive certificados emitidos pelo Banco Central do Brasil, consoante a regulamentação em vigor.

 

Art. 2º - A constatação a qualquer tempo das ocorrências citadas no artigo anterior implicará em multa equivalente, na data do recolhimento, a 200 UFIR diária (duzentas Unidades Fiscais de Referência diária), consoante o disposto no art. 44, Parágrafo 2º, alínea 'b', da Lei nº 4595, de 31.12.64, sem prejuízo de outras sanções estabelecidas na legislação em vigor.

 

(...)"

 

Assim, deveria a "empresa" tomar as providências cabíveis para tentar eximir-se das responsabilidades constantes na Circular acima transcrita. Ora, sabemos, todavia, não será possível a apresentação dos documentos de embarque (registro de exportação e solicitação de despacho), desse modo surge como alternativa a possibilidade de transformar a operação em investimento direto de capital de empréstimo.

 

 

 

No Brasil os capitais estrangeiros somente podem ingressar das seguintes maneiras:

 

a) por investimento direto; e,

 

b) através de empréstimos.

 

Desse modo o dinheiro que entrou para a "empresa" deve obrigatoriamente enquadrar-se em uma dessas alternativas.

 

No caso de empréstimos externos (realizados também através da regulamentação da Lei º 4131/62), via de regra são tomados diretamente no mercado financeiro mundial, a taxas vigorantes no mercado inglês (taxa LIBOR - London Interbank Oferred Rate), mais uma taxa de risco (spread).

 

Nesse caso, para um controle efetivo do endividamento externo, e escalonamento dos pagamentos, foi criada, pelo BACEN, a Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros - FIRCE. Esta, por sua vez, estabelece que a compra de câmbio pelo banco brasileiro de operação de espécie, está sujeita a apresentação, pelo interessado, da via original do pedido de registro efetuado ao BACEN, contendo a autorização desse órgão.

 

Nesse sentido a obrigatoriedade de que, até trinta dias após o fechamento do câmbio o investidor deverá providenciar junto ao Banco Central / FIRCE, o registro do capital ingressado, juntando o contrato de câmbio devidamente liquidado.

 

Eis, portanto, outra irregularidade na qual se encaixa a "empresa".

 

Mas, não obstante as considerações acima, a própria correspondência enviada pelo Banco "X" prevê a possibilidade de converter-se a operação de pagamento antecipado de exportação, para investimento direto de capital de empréstimo, amparada pela Lei nº 4131, de 03/09/62, modificada pela Lei nº 4390, de 29/08/64.

 

Contudo há que se alertar para o fato de que nenhuma das leis acima, nem, tampouco o Decreto nº 55.762/65, que as regulamenta, é claro quanto a possibilidade aventada, ou seja, os textos legais não prevêem especificamente o caso em análise, muito embora deixem sub-entendido.

 

Veja-se o que dispõe o Decreto nº 55.762, de 17 de fevereiro de 1965:

 

"Art. 3º - Em serviço especial instituído na Superintendência da Moeda e do Crédito (hoje Banco Central), para registro de capitais estrangeiros, qualquer que seja sua forma de ingresso no País, bem como operações financeiras com o exterior, serão registrados:

a) os capitais estrangeiros que ingressarem no País sob a forma de investimento direto ou de empréstimo, quer em moeda, quer em bens (Lei nº 4131/62, art. 3º, letra 'a').

 

(...)

 

Art. 50 - A Superintendência da Moeda e do Crédito poderá autorizar:

 

a) a conversão, em investimento, do principal de empréstimos registrados ou de quaisquer quantias, inclusive juros, remissíveis para o exterior;

 

b) o registro, como empréstimo, a prazo e com juros ..."

 

Feitas as considerações acima, sugerimos, então, seja consultado o Banco Central do Brasil, no sentido de viabilizar a conversão da operação (questionando, inclusive, a possibilidade de isentar-se da multa pecuniária prevista na Circular nº 2408/94), ou, não sendo essa a intenção da "empresa", providenciar junto ao mesmo Banco Central um pedido de prorrogação do prazo para cumprimento dos contratos.

 

 

 

 

 

2. REFLEXOS NUMA EVENTUAL CONCORDATA.

 

 

 

Concordata é, no direito brasileiro, uma forma legal de moratória, ou, em outras palavras, é um privilégio concedido aos comerciantes que preencherem os requisitos legais, visando uma dilação dos prazos para cumprimento das suas obrigações.

 

Assim, são efeitos da concordata o dilatório (vez que o devedor propõe um prazo maior para saldar suas dívidas), e o remissório (na medida em que se busca o pagamento dos credores tendo em vista uma composição relativamente ao percentual pelo qual seus créditos serão considerados satisfeitos).

 

No entanto, dentro do assunto trazido à analise, temos a fazer os seguintes comentários:

 

É, sem dúvida, questão de grande complexidade. Para tratar de casos concretos dessa natureza, o fazemos à luz do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 (Lei de Falências e Concordatas); da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 (que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento), de Súmulas do STJ - Superior Tribunal de Justiça - e STF - Supremo Tribunal Federal.

 

O problema gira, sem dúvida, sobre a possibilidade (ou não) de restituição de quantia adiantada à conta de contratos de câmbio, dentro do ambiente da concordata preventiva.

 

Tem sido entendimento dos Tribunais, a exemplo do próprio STJ - Superior Tribunal de Justiça - a obrigatoriedade de se restituir os adiantamentos referentes a contratos de câmbio, tadavia, sempre com ressalvas.

 

O posicionamento predominante na jurisprudência e na doutrina é no sentido de que há um prazo para se efetuar o pedido de restituição, sendo que, passado o prazo, não existe mais essa possibilidade. Senão, vejamos o disposto nas legislações pertinentes:

 

 

 

Lei nº 4.728, de 14.07.65:

 

"Art. 75 - O contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva.

(...)

 

§ 2º - Pelo mesmo rito, serão processadas as ações para cobrança dos adiantamentos feitos pelas instituições financeiras aos exportadores, por conta do valor do contrato de câmbio, desde que as importâncias correspondentes estejam averbadas no contrato, com anuência do vendedor.

 

§ 3º - No caso de falência ou concordata, o credor poderá pedir a restituição das importâncias adiantadas, a que se refere o parágrafo anterior".

 

Essa disposição legal, portanto, confere ao credor tão somente a possibilidade de ser restituido das quantias adiantadas, mas, por outro lado, é omissa quanto ao prazo legal para apresentação do pedido de restituição; o mesmo acontecendo com a Súmula nº 36 do STJ - Superior Tribunal de Justiça - que ao tratar da restituição apenas entendeu sê-la possível, mas trata de assunto diverso, na sua essência.

 

"SÚMULA 36 - A correção monetária integra o valor da restituição, em caso de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência".

São, portanto, para fins de se conhecer o prazo do pedido de restituição, aplicados os arts. 76 e 166 do Decreto-Lei nº 7.661, de 1945 (Lei de Falências), conforme se percebe da transcrição a seguir:

 

"Art. 76 - Pode ser pedida a restituição de coisa arrecadada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato.

(...)

 

§ 2º - Também pode ser reclamada a restituição das coisas vendidas a crédito e entregues ao falido nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento da falência, se ainda não alienadas pela massa."

 

"Art. 166 - Ressalvadas as relações jurídicas decorrentes de contrato com o devedor, cabe na concordata preventiva pedido de restituição, com fundamento no art. 76, prevalecendo, para o caso do § 2º, a data do requerimento da concordata."

 

Ademais, sobre o assunto, veja-se ementa de decisão do Superior Tribunal de Justiça:

 

"CONCORDATA PREVENTIVA - CONTRATO DE CÂMBIO - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE ADIANTAMENTO - Necessidade de ser efetuado nos quinze dias anteriores ao requerimento da concordata. Recurso especial não conhecido."

Em resumo, pode-se dizer que numa eventual concordata os créditos oriundos desses contratos somente serão incluídos no processamento do feito, na hipótese de assim ser solicitado pelos credores, visto se tratar de créditos especiais.

 

Portanto, é esse o nosso parecer a respeito da situação dos contratos de câmbio da "empresa" ainda pendentes.

 

 

 

* Leonardo Medeiros Régnier é sócio da Régnier Advocacia; Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela UFPR; Professor de Direito Comercial em cursos de Graduação e Pós-graduação; membro do Instituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado; e do Instituto dos Advogados do Paraná.

 

 

 

Retirado de: http://www. regnier.adv.br