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União Européia - a invenção de um novo Estado

 

Maria Goretti Dal Bosco

 

Advogada, Professora das Faculdades de Direito das Universidades Estadual e Federal do Mato Grosso do Sul e Mestranda em Direito pela UNESP.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução.  2. Instituições da União Européia. 2.1. A Comissão Européia. 2.2. O Conselho da União Européia. 2.3. O Parlamento Europeu. 2.4. A Corte Européia de Justiça. 3. Natureza jurídica da União Européia. 3.1. Limitações ao modelo jurídico da UE. 4. Os objetivos da UE nos Tratados de Roma e de Maastricht. 4.1. As principais políticas públicas. 4.2. Dificuldades de implementação de políticas públicas. 5. A Agenda 2000. 5.1. O alargamento – Tratado de Nice. 5.1.1. Instrumentos de pré-adesão. 5.1.2. Instrumentos financeiros. 6. A questão do emprego. 7. O novo quadro financeiro da UE. 8. Conclusões. 9. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

No dia nove de maio, os europeus comemoraram o Dia da Europa, instituído em 1985, para marcar as declarações do ministro francês das Relações Exteriores, Robert Schumann, feitas em nove de maio de 1950, quando foram lançadas as bases de uma Federação européia, com a instituição de uma organização supranacional chamada de Comunidade Européia do Carbono e do Aço – CECA. A comemoração da data busca aproximar os europeus e é concebida como uma festa popular e de encontro de pessoas e culturas dos diferentes países da Europa. A busca da integração, na sua totalidade, entre os membros da organização, é tarefa constante das instituições que formam a União Européia (UE), a ponto de um dos deputados do Parlamento Europeu, Alan Lamassoure, afirmar que os criadores da Comunidade Européia, em 1950, "ficariam decepcionados" se lhes informassem que, passado meio século do discurso de Schumann, "os seis países fundadores (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) ainda não teriam realizado a plena união política entre eles"1.   

A organização da União Européia não tem similar no campo da Teoria do Estado, pois não se enquadra em qualquer das formas de Estados encontradas na Teoria Geral, nem mesmo as uniões de Estados conhecidas pelo Direito Internacional Público, uma vez que nem se presta a ser propriamente uma Confederação, ou união pessoal ou real de Estados, como se verificará neste trabalho. Mas, deixadas de lado as dificuldades conceituais e mesmo as divergências de opinião entre os especialistas e até políticos que integram os poderes responsáveis pela administração da UE, o fato é que a Organização é um modelo que vem consolidando-se, ampliando seus domínios, chamando a atenção do mundo. É um atrativo cortejado por outros países da Europa, vários deles em fase de negociação e espera para entrar na Organização, no chamado processo de “alargamento” que os dirigentes da UE preparam para o período até 2006 – hoje a Organização é integrada por quinze Estados.   

Com estrutura semelhante aos Estados de maior progresso político e econômico do mundo, a União Européia também se depara com alguns dos problemas enfrentados por Estados formados a partir de modelos comuns, como as questões sociais, especialmente a carência de emprego para todos, além da falta de adesão a algumas de suas políticas e decisões, como a adoção da moeda única, o euro, por exemplo, ainda não digerida pela totalidade dos membros da Organização.

Tais dificuldades, entretanto, não são de todo desanimadoras aos membros da União. Tanto assim que estão adiantadas as políticas de alteração dos sistemas para fazer frente à chegada de novos integrantes, assim como seus dirigentes, e alguns países vinculados pensam em medidas de maior estreitamento das relações e dos mecanismos de direção que vinculem mais os Estados. O Presidente da França, Jacques Chirac, chegou mesmo a defender, recentemente, a criação de uma Constituição para a União Européia2, sugerindo a união de seu país com a Alemanha para o surgimento de um “grupo pioneiro” para juntar-se aos países que desejam “ir mais longe e mais rapidamente na construção de uma Europa unida”. A França assumiu a presidência rotativa da União Européia no último dia 19 de abril.           

São questões como estas, e mais a estrutura da União Européia, seus organismos e políticas que vêm sendo desenvolvidas em vários setores de atividades dos países envolvidos, que integram este estudo, complementado, ainda, pelas metas constantes da Agenda 2000, o conjunto de ações programadas para o período de 2000-2006, já levando em conta a perspectiva da ampliação do número de integrantes da UE.

2. INSTITUIÇÕES DA UNIÃO EUROPÉIA

A União Européia, nome adotado para a organização criada pelo Tratado de Maastricht, em 1992, convive com outras organizações, como a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), de 1951, a Comunidade Européia de Energia Atômica (EURATOM), criada em 1957, e a Comunidade Européia (CE), de 1957, ex-Comunidade Econômica Européia (CEE). É uma organização internacional de Estados soberanos, destinada a criar e desenvolver políticas comuns de cooperação econômica, política e de segurança, conforme as determinações do Tratado de 1992. São quinze Estados, que seguem as decisões emanadas de quatro órgãos, chamados também de instituições, encarregados da administração dos interesses comuns. São eles: a Comissão Européia, o Conselho Europeu, o Parlamento e a Corte de Justiça, esta dividida em duas instâncias, a Corte de Primeira Instância e a Corte de Justiça propriamente dita, que seria o Tribunal de Recursos da UE3.

2.1. A Comissão Européia

A Comissão Européia é formada por vinte comissários, provenientes um de cada Estado pequeno e dois dos grandes Estados, com mandato de cinco anos, que têm independência de seus Estados, devendo agir no exclusivo interesse da organização à qual servem, e sua indicação é aprovada pelo Parlamento Europeu. As atribuições da Comissão têm três direções: apresentar propostas de legislação ao Parlamento e ao Conselho; fiscalizar a aplicação dos Tratados, podendo, para isso, processar os responsáveis pelo não-cumprimento das legislações comunitárias junto à Corte de Justiça, multar particulares, empresas e organizações que infrinjam o Tratado por meio de práticas comerciais desleais; e executar as políticas da União e as relações comerciais internacionais. Para esta última atividade, a Comissão gerencia o orçamento anual da UE e exerce funções administrativas, como a de elaborar regras regulamentares para a legislação comunitária, executar as regras de concorrência e aplicar medidas preventivas contra práticas desleais.

2.2. O Conselho da União Européia

É a instituição que tem papel determinante nas complicadas tomadas de decisão da UE4. O Conselho da União Européia é instituição de caráter político que exerce o poder legislativo e de decisão da organização. É formado por quinze membros, um representante de cada Estado-Membro em âmbito ministerial, podendo apresentar formações diferenciadas conforme sejam os interesses a discutir, e é presidido de forma rotativa por um dos Estados integrantes, por períodos de seis meses. Reúne-se três vezes por ano, assegura a coordenação geral das atividades da Comissão Européia, que tem como objetivo principal a criação de um mercado comum e é responsável pela cooperação governamental em matéria de política externa e de segurança comum (PESC) e ainda no âmbito da justiça e de assuntos internos (JAI), que incluem questões como imigração, asilo, luta contra o terrorismo e as drogas, ou de cooperação no campo judicial.

Em muitos assuntos, a legislação comunitária – que é proposta pela Comissão e, em regra, avaliada e aprovada pelo Conselho – é adotada simultaneamente pelo Parlamento e pelo Conselho, conforme um procedimento de "co-decisão", assim como o orçamento das comunidades, que é aprovado pelo Parlamento e pelo Conselho, ao mesmo tempo. No que se refere à política externa e de segurança comum e questões de justiça, o Conselho sempre tem papel preponderante. Os seus atos são representados por regulamentos, diretivas, decisões e recomendações ou pareceres, e todos os atos oficiais da UE são publicados no Jornal Oficial das Comunidades Européias. Os chefes de Estado dos quinze membros da União reúnem-se pelo menos duas vezes por ano, assistidos por seus ministros de negócios estrangeiros, e o presidente da Comissão Européia, durante as sessões do Conselho Europeu5.

2.3. O Parlamento Europeu

O Parlamento Europeu é constituído de 626 membros, com mandato de cinco anos, eleitos pelos países-membros em números diferenciados para cada nação6, representando cerca de cem partidos políticos, representando da extrema esquerda à extrema direita. Os poderes do Parlamento dividem-se em três categorias: Poder Legislativo, Poder Orçamentário e Controle do Poder Executivo. O Poder Legislativo é muito importante, pois dá ao Parlamento a possibilidade de alterar e até adotar legislações, e num grande número de áreas decide em conjunto com o Conselho Europeu. Os parlamentares também opinam como poder consultivo, quando a Comissão apresenta ao Conselho determinada proposta que depende da anuência do Parlamento para sua adoção (consultation procedure), como a revisão de preços agrícolas. Há ainda um processo de cooperação (cooperation procedure) em que o Parlamento altera a proposta de legislação feita pela Comissão e também a posição preliminar do Conselho sobre o tema, como ocorre, por exemplo, na discussão do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, a investigação, o ambiente e a cooperação e desenvolvimento externos.

No processo de co-decisão (co-decision procedure), o Parlamento divide o poder de decisão com o Conselho Europeu, aplicando-se esse sistema a questões relativas à livre circulação de pessoas, proteção do consumidor, educação, cultura, saúde e redes transeuropéias, entre outras. Há, também, o parecer favorável (assent procedure), que é solicitado ao Parlamento para acordos internacionais, como a adesão de novos Estados-Membros, acordos com países terceiros que não integram a associação, organização e objetivos dos fundos estruturais e de coesão e funções e poderes do Banco central Europeu.

O Poder Orçamentário implica a aprovação do orçamento da União Européia, anualmente, permitindo ao Parlamento apresentar emendas e propor alterações às propostas inicialmente feitas pela Comissão ou a posição adotada por Estados-Membros. O Poder de Controle do Executivo consiste no controle político genérico sobre o modo como são conduzidas as políticas da UE, executadas em conjunto pela Comissão e pelo Conselho Europeu, cujos representantes devem comparecer regularmente ao Parlamento para relatar suas ações.

2.4. A Corte Européia de Justiça

O Poder Judiciário da UE é representado pela Corte Européia, que funciona como o tribunal de interpretação uniforme do direito comunitário, zelando pela interpretação e aplicação equilibradas dos tratados assinados pelos Estados-Membros. Isto é assim desde setembro de1989, quando foi criada a Corte de Primeira Instância, para onde vão os processos e recursos de particulares e empresas contra decisões das instituições da UE e de órgãos comunitários. Essa Corte é formada por quinze juizes, nomeados pelos Estados-Membros, para mandato de seis anos, renovável, e seus Acórdãos podem ser objeto de recurso à Corte de Justiça, mas apenas em questões de direito.

A Corte de Justiça é composta por 15 juizes e nove advogados-gerais, nomeados de comum acordo pelos Estados-membros, também para períodos de seis anos, podendo ser renovados. O papel dos advogados-gerais é apresentar à Corte, de forma imparcial e independente, conclusões fundamentadas sobre questões colocadas à apreciação do Colegiado. A Corte de Justiça aprecia recursos diretos apresentados pela Comissão Européia, por instituições comunitárias ou por um dos Estados-Membros.

Também são objetos de julgamento, pela Corte de Justiça, os pedidos de decisão prejudicial, que são interpostos por órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros. Esses procedimentos dizem respeito a questões de direito comunitário e são adotados pelos órgãos jurisdicionais antes de tomar a decisão invocada pela parte. O Acórdão da Corte vincula, no caso submetido ao Colegiado, a decisão do tribunal nacional. O processo, nesse caso, será elaborado no idioma do Estado nacional que interpôs o recurso, mas, nos outros casos, a Corte aceita qualquer dos onze idiomas oficiais da UE. A Corte, entretanto, não funciona como jurisdição de recurso para os tribunais do Estados, e só pode decidir sobre questões de direito comunitário. Os membros das duas Cortes atuam com independência, em benefício das comunidades européias, e não para o país que os nomeou. Todos os Acórdãos devem ser fundamentados e publicados em todos os idiomas oficiais da UE.

3. NATUREZA JURÍDICA DA UNIÃO EUROPÉIA

Não parece haver, em princípio, na Teoria do Estado, um modelo similar à organização formada pelos países que integram a União Européia. Como se sabe, a base dos primeiros estudos sobre a forma do Estado foram os Estados simples ou unitários, em que o poder emana de uma autoridade central que dirige ordens às circunscrições administrativas que não detêm qualquer autonomia, sendo seus dirigentes delegados do poder central7. A definição, entretanto, como observa Darcy Azambuja, não corresponde à complexidade que cerca o conceito de Estado simples, dada a variação de estruturas de um tipo para outro. Mas pode-se tomar como adequado, segundo o doutrinador, o conceito dado pelo francês Maurice Houriou, de que "Estado simples é o que não se divide em partes internas que mereçam o nome de Estado e não estão unidas por um vínculo de sociedade", e, seguindo o mesmo raciocínio, ter-se-ia, como Estado composto "aquele que é divisível em partes internas que merecem o nome de Estados e estão unidas entre si por um vínculo de sociedade"8.

A união de Estados, enquanto organização político-jurídica que pode ocorrer no âmbito do Direito Internacional e Interno, ofereceu mais praticidade. No âmbito internacional, podem ocorrer uniões definidas como pessoal, real e confederativa. A primeira ocorre quando dois ou mais Estados têm, por motivos ocasionais – especialmente casamentos entre membros das dinastias, sucessão hereditária e até mesmo a violência –, o mesmo soberano, e têm como características a temporalidade e o respeito à independência de cada Estado-Membro, enquanto a segunda se manifesta pela existência de um tratado pelo qual se aceita um só soberano para vários países e administração comum em relação a certos assuntos9. Tais uniões têm a característica comum de apenas serem possíveis em Estados monárquicos. Já a terceira espécie de união, a Confederação, caracteriza-se como união permanente e contratual de Estados independentes que se unem com o objetivo de defender seus territórios e assegurar a paz interna. Pressupõe a coexistência de vários Estados, todos com a conservação de sua soberania, mas de forma a serem uma única pessoa jurídica de direito público externo10.

No âmbito do direito interno verifica-se a existência da união de Estados sob a denominação de Federação, na qual cada unidade perde a soberania em favor da União federal, que aparece, assim, diante da comunidade internacional, sob a forma de Estado simples. As unidades, chamadas de Estados, não têm direito à separação da União, uma vez que esta tem caráter perpétuo, ao contrário do que ocorre com a Confederação, em que os Estados soberanos podem denunciar o pacto e retirar-se11.

3.1. Limitações ao modelo jurídico da UE

A União Européia não pode ser enquadrada em nenhuma das formas até aqui vistas, pois, embora seja uma união de quinze diferentes Estados, não tem um soberano comum que pudesse qualificá-la como união pessoal ou real, pois os países que se filiam à UE mantêm seu próprio governante e apenas em relação a alguns aspectos vinculam-se às decisões da organização. Também não se mostra apropriada a inclusão da organização no conceito de Confederação, já que nesta os Estados deveriam abrir mão de sua soberania internacional em benefício da entidade supranacional, o que não ocorre com a UE, pois os interesses comuns no que diz respeito ao mercado de bens e à circulação de mercadorias e pessoas não estão de todo transferidos no campo institucional para os órgãos de decisão da Organização, levando-se em conta que alguns países ainda não adotaram todas as determinações emanadas dos órgãos dirigentes da união supranacional, para a implementação de algumas das medidas de validade comum, como a implantação da moeda única, o euro12, descartado inicialmente pela Dinamarca e Reino Unido.

As diferenças presentes no modelo de organização da UE e as organizações estatais convencionais levaram alguns autores a ver nessa união de Estados uma espécie de objeto político não identificado (OPNI)13, por não se enquadrar em nenhum dos modelos vislumbrados na teoria do Estado e das organizações internacionais. Isto porque a UE comporta algumas transferências de competências e de soberania que, embora tenham alcance bem maior do que ocorre com as organizações internacionais clássicas, não se aproximam dos modelos confederativo ou federativo, não podendo ser aplicados princípios daqueles tipos de Estado, como o da separação dos poderes.

Entre os problemas não resolvidos pelo Tratado da União Européia (Tratado de Maastricht), de 1992,  está a limitação representada pelo que alguns doutrinadores consideram uma falha do Tratado, ao não conferir personalidade jurídica internacional à UE, o que faz com que as três comunidades – CE, CECA e EURATOM – continuem mantendo-se como entidades legais independentes, embora seguindo as orientações emanadas das instituições que dirigem a União Européia14.

4. OS OBJETIVOS DA UE NOS TRATADOS DE ROMA E DE MAASTRICHT

Os Tratados da Comunidade Européia (Tratado de Roma) e o da União Européia (Tratado de Maastricht), com as emendas acrescentadas pelo Tratado de Amsterdã, assinado em 1997, contêm inúmeras metas a serem alcançadas pela atuação comum dos Estados-Membros, mas nem sempre se pode dizer quais delas são verdadeiramente objetivos e quais as que podem ser consideradas apenas meios para alcançá-los15. O Tratado de Roma, assinado em 1957, prevê, em seu art. 2.º, o seguinte:

            A Comunidade tem como missão, através da criação de um mercado comum e de uma união econômica e monetária e da aplicação das políticas ou ações comuns a que se referem os artigos 3.º e 4.º, promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das atividades econômicas, um elevado nível de emprego e de proteção social, a igualdade entre homens e mulheres, um crescimento sustentável e não inflacionista, um alto grau de competitividade e de convergência dos comportamentos das economias, um elevado nível de proteção e de melhoria da qualidade do ambiente, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão econômica e social e a solidariedade entre os Estados-Membros.

Quase da mesma maneira, vê-se que o Tratado de Maastricht, de 1992, também em seu art. 2.º, atribui à União os seguintes objetivos:

          ... a promoção do progresso econômico e social e de um elevado nível de emprego e a realização de um desenvolvimento equilibrado e sustentável, nomeadamente mediante a criação de um espaço sem fronteiras internas, o reforço da coesão econômica e social e o estabelecimento de uma união econômica e monetária, que incluirá, a prazo, a adoção de uma moeda única, de acordo com as disposições do presente Tratado; (...)

Da observação dos textos contidos nos dois Tratados pode-se ter uma noção inicial de que a integração almejada pela União está fundamentada na criação do mercado comum e da moeda única, o euro, em vigor desde 1999, o que implicará a retirada das notas nacionais a partir do ano que vem. A competência para organização da política de integração, que passa pela organização do mercado comum e da implantação da moeda única, não retira, porém, a responsabilidade da UE na implementação de outras políticas que já vêm sendo adotadas nos Estados-Membros, como a de meio ambiente, desenvolvimento sustentável, proteção dos consumidores, proteção ao emprego, entre outras. O funcionamento da União baseia-se em dois princípios fundamentais: a cooperação intergovernamental e a supranacionalidade. Ocorre este último princípio quando há decisões tomadas pelas instituições européias, por maioria de votos, e aplicação a qualquer dos Estados-membros sem seu consentimento; já a cooperação intergovernamental ocorre quando as decisões são tomadas por unanimidade pelos representantes dos Estados nacionais, não sendo necessário compelir o Estado a adotar a medida16.

O art. 3.º do Tratado de Roma prevê os domínios a serem atingidos pelas ações da UE,  para alcançar os objetivos previstos no art. 2.º, a saber:

  1. Para alcançar os fins enunciados no artigo 2.º, a ação da Comunidade implica, nos termos do disposto e segundo o calendário previsto no presente Tratado:

  a) a proibição entre os Estados-Membros, dos direitos aduaneiros e das restrições quantitativas à entrada e à saída de mercadorias, bem como de quaisquer outras medidas de efeito equivalente; b) uma política comercial comum; c) um mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados-Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais; d) medidas relativas à entrada e circulação de pessoas de acordo com o disposto no Título IV; e) uma política comum no domínio da agricultura e das pescas; f) uma política comum no domínio dos transportes; g) um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno; h) a aproximação das legislações dos Estados-Membros na medida do necessário para o funcionamento do mercado comum; i) a promoção de uma coordenação entre as políticas de emprego dos Estados-Membros, com o objetivo de reforçar a sua eficácia, mediante a elaboração de uma estratégia coordenada em matéria de emprego; j) uma política social que inclui um Fundo Social Europeu; k) o reforço da coesão econômica e social; l) uma política no domínio do ambiente; m) o reforço da capacidade  concorrencial da indústria da Comunidade; n) a promoção da investigação e do desenvolvimento tecnológico; o) o incentivo à criação e ao desenvolvimento de redes transeuropéias; q) uma contribuição para um ensino e uma formação de qualidade, bem como para o desenvolvimento das culturas dos Estados-Membros; r) uma política no domínio da cooperação para o desenvolvimento; s) a associação dos países e territórios ultramarinos tendo por objetivo incrementar as trocas comerciais e prosseguir em comum o esforço de desenvolvimento econômico e social; t) uma contribuição para o reforço da defesa dos consumidores; u) medidas nos domínios da energia, da proteção civil e do turismo;

  2. Na realização de todas as ações previstas neste artigo, a Comunidade terá por objetivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres.

4.1. As principais políticas públicas

As principais políticas públicas, demarcadas pelos itens previstos no art. 3.º do Tratado de Roma, podem ser resumidas àquelas em que a Comunidade tem competência exclusiva e às em que ela desenvolve uma atuação de maneira apenas complementar. No primeiro caso, incluem-se as atribuições constantes dos itens a até h, restando as demais como realizações a título de complementaridade das ações dos Estados nacionais. Como o objetivo fundamental da Comunidade, desde o princípio, esteve voltado para o mercado comum, é natural que nesse campo situem-se as competências exclusivas, ou, pelo menos, mais amplas da associação.

Assim, como explica o professor Françoise D'Arcy, os demais itens podem ser considerados "como ações complementares para melhorar e corrigir o funcionamento de um mercado livre e concorrencial, que fica na base da economia européia"17. Essas ações, assim, não dependem de capacidade ampla da Comunidade, o que se explica, conforme ainda o autor, pelas expressões reforço, incentivo, contribuição, entre outras. Significa dizer, então, que, em muitos casos, a Comunidade atua apenas como elemento harmonizador ou de coordenação das legislações dos Estados-Membros.

4.2. Dificuldades de implementação de políticas públicas

As desigualdades de desenvolvimento entre os Estados-Membros da União são a barreira principal para a implementação de boa parte das políticas públicas desenvolvidas pela UE, pois há Estados com PIB muito baixo para os padrões da Organização, como a Grécia, ou algumas regiões da Alemanha Oriental, e bastante altos, como a França e Hamburgo, na Alemanha Ocidental18. Essas regiões são unidades territoriais demarcadas pela própria Comunidade Européia para atender às necessidades da política regional. Tais dificuldades levaram a Comunidade a estabelecer uma política regional de coesão econômica e social, iniciada nos anos 70 com a criação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), que é voltado para as regiões pouco desenvolvidas e atende projetos de investimentos produtivos, infra-estrutura e apoio às pequenas e médias empresas. O Ato Único de 1986 ampliou os limites dessa política para "promover um desenvolvimento harmonioso do conjunto da Comunidade", conforme reza o art. 158 do Tratado da Comunidade Européia (Tratado de Roma).

Numa outra vertente, o Tratado prevê, no art. 159, a realização de uma política regional de Fundos Estruturais, assim disposta:

A Comunidade apoiará igualmente a realização desses objetivos pela ação por si desenvolvida através dos fundos com finalidade estrutural (Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, Seção Orientação; Fundo Social Europeu; Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), do Banco Europeu de Investimento e dos demais instrumentos financeiros existentes.

O Fundo Social tem atuação nas políticas de formação profissional e busca de emprego, enquanto o Fundo de Orientação e de Garantia Agrícola serve para garantir os preços de produtos agrícolas, além de adaptar as estruturas agrícolas e o desenvolvimento rural através da Seção Orientação. Em 1992, foi criado o Fundo de Coesão, que apóia projetos de infra-estrutura de transportes e meio ambiente nos países considerados mais pobres – Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda – e desde 1993 há, ainda, um Fundo para financiar e orientar a atividade pesqueira (IFOP). O chamado "Pacote Delors II" dobrou os investimentos na política regional para o período de 1993-1999, mas, para a faixa que vai do ano 2000 até 2006, conforme determinou o Conselho Europeu, os gastos neste campo serão reduzidos.

A partir do ano 2000, os objetivos definidos para os Fundos estruturais são três, além dos sete já existentes: 1º) quase 70% da dotação dos fundos estruturais serão aplicados para promover o desenvolvimento nas regiões onde o PIB por habitante seja inferior a 75% da média comunitária (incluindo Grécia, Portugal, Irlanda, Alemanha do Leste, a maior parte da Espanha, sul da Itália e norte da Escócia), nas regiões ultraperiféricas e regiões de densidade populacional muito reduzida, ao norte da Suécia e Finlândia; 2º) outros 11% dos recursos serão utilizados para sustentar a reconvenção econômica e social das zonas em dificuldades estruturais, sejam zonas em declínio industrial, zonas agrícolas vulneráveis, zonas urbanas e zonas de pesca; 3º) por fim, mais 12% da dotação dos Fundos serão empregados na adaptação e modernização das políticas e sistemas de educação, de formação e de emprego.

Embora possa parecer, em princípio, que a locação de recursos, através dos Fundos, para inúmeras ações comunitárias voltadas ao desenvolvimento soluciona os diversos problemas da Comunidade, isto não é de todo verdadeiro. Além das modificações representadas pela entrada de novos Estados parceiros a partir de 1995 (Áustria, Finlândia e Suécia), trazendo para a Comunidade as suas limitações de vários matizes, uma nova dificuldade para a implementação das políticas regionais – que se acresce à redução dos investimentos decretada a partir de 2000 – ameaça desabar sobre a Organização. É que quase a totalidade dos países do Leste Europeu manifestam o desejo de aderir à União Européia. A esse respeito, Perry Anderson19 adverte:

Do jeito que as coisas estão, a população total desses candidatos é de cerca de 130 milhões de pessoas, e sua inclusão resultaria em uma comunidade de meio bilhão de pessoas – quase duas vezes o tamanho dos Estados Unidos. Mais precisamente, essa inclusão aproximadamente dobraria o quadro de membros da União Européia, de quinze para uns trinta Estados. Estaria em jogo uma configuração totalmente nova.

Outra questão a ser avaliada é o emprego e as implicações no campo social. No início da década passada, o movimento sindical europeu desencadeou um movimento de pressão sobre as instituições da UE, receoso do abandono dos capitais dos países de elevados padrões sociais provocado pela criação do mercado único. O Parlamento e os Estados-Membros, na linha de pressão dos sindicatos, insistiram junto à Comissão Européia e surgiu a Carta comunitária de direitos sociais fundamentais, posteriormente conhecida como a Carta Social da CE, adotada em Estrasburgo, no final de 1989, por onze dos então doze membros da União, exceção do Reino Unido.

O documento reafirma compromissos da Organização com direitos de melhoria das condições de vida e de trabalho como resultado do mercado único, liberdade de movimento para o exercício de atividades em condições iguais às dos cidadãos do país hospedeiro, remuneração justa suficiente para a manutenção do trabalhador e sua família em qualquer emprego, proteção social adequada, liberdade de organização, treinamento vocacional, oportunidades iguais para homens e mulheres, informação, consulta e participação do trabalhador em empreendimentos, proteção à saúde e segurança no trabalho, entre outras.    

A Carta, entretanto, é uma declaração de princípios não obrigatórios, que necessita de um programa de ação para ser implementada, e isso só pode acontecer com a edição de leis nacionais e acordos entre os Estados-Membros, como observa Paul Singer20:

... Está longe, portanto, de ser uma conquista concreta. Não obstante, a sua importância político ideológica foi suficiente para levar o governo inglês a ostensivamente se recusar a assiná-la. O argumento de John Majors era que os direitos consagrados na Carta tornaria o mercado europeu não competitivo na disputa pelos capitais transnacionais. (...) Esta análise... mostra as potencialidades da condução política concertada de processos de integração econômica internacional. Como não poderia deixar de ser, nem sempre estas potencialidades se realizam e freqüentemente a sua realização ao menos parcial exige longos anos de lutas e negociações. A existência de canais de negociação e formulação de políticas intervencionistas, compensatórias e redistributivas não garante que estas venham a existir e, quando existam, que sua efetivação propicie os resultados almejados.

A construção dessas instituições, segundo Paul Singer, deve ser estimulada, seguindo mesmo os resultados da experiência histórica da Comunidade Européia, tendo como argumento de fundo o mesmo da defesa da democracia formal, ou seja, "a existência de regras procedurais democráticas não garante a produção de condições sociais livres e igualitárias. Tudo depende do uso que os cidadãos fazem de tais regras"21.

Perry Anderson vislumbrava, há quatro anos, outras dificuldades na implementação da política monetária unificada e duvidava de seus resultados, ao lembrar que só restaria aos Estados-Membros "opções distributivas sobre gastos, necessariamente reduzidos dentro de orçamentos equilibrados, em níveis de tributação competitivos". O mesmo autor sustentava que, nesse caso, "os compromissos históricos da social democracia cristã com o pleno emprego e serviços de bem-estar tradicionais, já reduzidos ou cortados, deixariam de ter outras garantias institucionais". O Banco Central Europeu, previu o autor, ficaria com a única obrigação de manter a estabilidade dos preços. Assim, segundo Anderson, as funções reguladoras e protecionistas dos Estados nacionais existentes "seriam desmanteladas, deixando o dinheiro vivo como o único elemento regulador, assim como acontece no modelo liberal clássico da época anterior a keynes"22.

As previsões de Anderson não foram de todo irreais, pois a realidade da UE após a implantação da unidade monetária não é das mais animadoras para os seus próprios integrantes. Relatório da União publicado no site da Organização na Internet informa que a taxa de desemprego na UE era de 9% em janeiro do ano passado, o que significa um total de 15,5 milhões de pessoas, contra 18 milhões em 199723. Embora tenha havido uma redução no nível de desemprego, a União considera baixa a taxa de emprego de 61%, considerada fraca diante das taxas dos Estados Unidos e Japão, de 74%. A preocupação com o nível de emprego permanece como um dos objetivos prioritários da UE, tendo a Organização discutido o assunto especialmente em três reuniões do Conselho Europeu, de Luxemburgo, Cardiff e Colônia em diferentes datas. A promoção do emprego é considerada, ainda, como "questão de interesse comum" pelo Tratado de Amsterdã, já que "um nível elevado de emprego constitui uma condição indispensável à justiça e à coesão social", segundo a divulgação oficial.

Em fevereiro do ano passado, a Comissão Européia apresentou os objetivos estratégicos para o período de 2000-2005, e, entre eles, o de pleno-emprego, de forma a aproximar a taxa de desemprego europeu da dos países com os melhores resultados a nível mundial. Na Comunicação 154/2000, a Comissão afirma que, "sendo o desemprego a principal fonte de pobreza e de exclusão social, constitui-se em uma pressão inaceitável sobre a sociedade européia".

5. A AGENDA 2000

A Agenda 200024 é um programa de ação da União Européia que tem como principais objetivos reforçar as políticas comunitárias e dotar a UE de um novo quadro financeiro, válido para o período de 2000-2006, já levando em conta a possibilidade de ampliação do numero de Estados integrantes da Organização. O acordo político elaborado durante a reunião do Conselho Europeu de Berlim, em março de 1999, refere-se, basicamente, a três reformas fundamentais: a reforma da política agrícola comum, da política estrutural, das questões de meio ambiente, e ao alargamento, um dos temas de maior preocupação de todos os membros da organização. Entre os cerca de vinte textos previstos para a Agenda 2000, que se referem especialmente aos seguintes objetivos: a) continuidade da reforma da política agrícola, em busca da competitividade entre os membros da UE, buscando a integração dos problemas relativos ao meio ambiente, a garantia de rendimentos eqüitativos aos agricultores, a simplificação e descentralização da aplicação das regras legais; b) eficácia dos Fundos Estruturais e do Fundo de Coesão por meio da maior concentração temática e geográfica das ações e melhoria de sua gestão; c) reforço da estratégia de pré-adesão dos países que se candidataram a integração a Organização, mediante a criação de mecanismos de pré-adesão (ISPA) destinado a auxiliar na criação e melhoria de infraestrutura de transportes e proteção ao meio ambiente, assim como instrumentos que facilitarão a adaptação do setor agrícola e zonas rurais dos paises candidatos (SAPARD); d) adoção de novo quadro financeiro para o período de 2000-2006, com maior disciplina orçamental, permitindo à União enfrentar os principais desafios do novo século, em especial, a ampliação dos membros da Organização, o chamado “alargamento" das fronteiras da  UE.

5.1. O alargamento – Tratado de Nice

Uma das questões de maior importância na Agenda 2000 é a ampliação das fronteiras da União Européia, com a inclusão de pelo menos mais doze Estados que aguardam a aceitação para integrá-la a UE: Bulgária, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, República Tcheca e a Romênia. O tema começou a ser discutido em 1998, mas apenas no final do ano passado os integrantes da Organização deram um passo mais concreto para efetivar o chamado "alargamento" da União, com a elaboração do primeiro projeto para iniciar a nova etapa, com a assinatura do Tratado de Nice, que facilita a inclusão dos países da Europa do Leste.

O acordo deve ser ratificado por todos os Estados-Membros, quando passarão a vigorar as alterações no Tratado da União Européia e nos Tratados que instituíram as Comunidades Européias, simplificando a estrutura decisória necessária para a absorção dos novos membros. O novo acordo facilita a gestão dos futuros trinta Estados pela União, pois ampliou-se o número de decisões que dependem da maioria dos países e as áreas onde existe o direito de veto foram reduzidas, assim como o tamanho da Comissão Européia. Em resumo, o novo Tratado diminui sensivelmente os poderes de controle dos maiores Estados da União, abrindo a possibilidade de avanço em certas áreas políticas por grupos de Estados. Essas mudanças dependem da aprovação do Parlamento Europeu, que poderá não aceitá-las como foram apresentadas. O Tratado ampliou ainda mais o peso dos maiores países da União, Alemanha, Reino Unido, França e Itália, que conquistaram direito a maior número de votos em relação aos países de menor dimensão25.

5.1.1. Instrumentos de pré-adesão

Os instrumentos de pré-adesão dos países candidatos à integração à União Européia são mecanismos de adaptação da situação interna de cada Estado para sua futura entrada na Organização. Dizem respeito à estruturação das políticas econômica, de segurança, comércio, adoção do acervo de decisões da Organização e de legislação interna.

O principal  ponto para a estratégia de ampliação dos domínios da União Européia é a parceria para a adesão, que busca reunir num único quadro todas as formas de assistência aos países candidatos, para que estes executem programas nacionais de preparação para ter seu estatuto de membro da UE. É o instrumento que define as prioridades de cada país candidato, a curto e médio prazo, em especial, no que diz respeito à democracia, estabilização macroeconômica, segurança nuclear, entre outras, e indica os mecanismos de ajuda para a preparação de cada Estado para a adesão. A Parceria é uma programação plurianual e resulta de decisões do Conselho e da Comissão Europeus, sendo adotadas após a consulta aos países candidatos.

Os Acordos europeus são o instrumento jurídico de base que estabelecem as relações entre a UE e os países candidatos. Contemplam questões comerciais, diálogo político e outros temas de cooperação. A finalidade é estabelecer progressivamente o comércio livre entre a União e esses países.

A participação em programas comunitários é outro dos objetivos intermediários da adesão. São programas que abrangem a maior parte das políticas comunitárias e constituem uma preparação útil, familiarizando os países associados e seus cidadãos com os mecanismos e com a política adotada pela União.

A aproximação das legislações é objetivo prioritário. Para isso a União intensificou a assistência a esse setor, prolongando o mandato do TAIEX – Serviço de Intercâmbio de Informação e Assistência Técnica. Esse serviço fornece informações sobre o acervo comunitário de legislação e auxilia os países candidatos junto à sua administração e às empresas. Para reforçar a atuação da União nesse particular, há, ainda, a geminação, que desloca peritos da União em determinadas áreas para auxiliarem os países candidatos.

5.1.2. Instrumentos financeiros

A adesão dos novos Estados não poderá ser concretizada se a União não proporcionar ajuda financeira a boa parte deles, para que possam promover as adaptações exigidas ao ingresso na Organização. Por força dessa necessidade, o Conselho Europeu criou no ano passado o Instrumento Estrutura de Pré-Adesão (IEPA), com um orçamento anual de 1.040 milhões de euros, e o Instrumento Agrícola de Pré-Adesão (Sapard), com orçamento de 520 milhões de euros por ano.

Além dos novos instrumentos de ajuda financeira, a União dispõe de outros programas, como o PHARE, que financia o reforço da capacidade institucional e administrativa dos países candidatos e financia investimentos nesses países.

Em 1999, o euro tornou-se a moeda oficial para onze Estados-Membros da UE, mas as notas e moedas só entrarão em circulação no início de 2002, embora a moeda possa ser utilizada por consumidores, comerciantes, empresas e administrações públicas, em forma de moeda escritural. Em janeiro deste ano, mais um país, a Grécia, adotou o euro como sua moeda oficial, elevando para doze o número de países na chamada "zona euro".

6. A QUESTÃO DO EMPREGO

Uma modificação sobre o emprego no Tratado da Comunidade Européia, inserida pelo Tratado de Amsterdã, de outubro de 1997, buscou aplicar uma estratégia global com a participação de todos os protagonistas envolvidos e com o objetivo de alcançar maior nível de emprego. O Conselho Europeu solicitou também a criação de um Pacto Europeu para o Emprego, que trouxe, como principal inovação, a criação de um diálogo entre os responsáveis pelas políticas orçamentária, monetária, salarial e estrutural.

O Pacto para o Emprego tem como principais metas: a) coordenação em matéria de política e melhoria da interação entre a evolução dos salários e as políticas monetária, orçamentária e financeira, produto de um diálogo macroeconômico, com o objetivo de criar uma dinâmica de crescimento duradouro e não estimulante do aumento de inflação; b) continuação do desenvolvimento e melhoria da aplicação da estratégia coordenada em benefício do emprego, em busca do aumento da eficácia dos mercados de trabalho, pela melhoria da capacidade de inserção profissional, do espírito empresarial, da capacidade de adaptação das empresas e dos seus trabalhadores e da igualdade de oportunidades no que diz respeito à participação das mulheres na vida ativa. Assim, baseia-se a nova política em promover o aumento do nível de emprego, a capacidade empresarial, a adaptabilidade e a criação de oportunidades iguais.

O programa de fortalecimento do emprego para o período até 2006 integra a política estrutural nos temas Emprego e Assuntos Sociais da Agenda 2000 e está centrado no documento chamado de "Objetivos Estratégicos 2000-2005", que inclui a criação do Fundo Social Europeu, além de outros mecanismos. No que se refere ao emprego, as modificações feitas no Fundo Estrutural prevêem aplicação de recursos em políticas de combate ao desemprego, promoção e inclusão social, e iguais oportunidades para homens e mulheres, proporcionando, ainda, sistemas de educação e treinamento para facilitar a adaptação às mudanças econômicas e sociais.  

Em que pesem a criação do pacto e a adoção de novas políticas no âmbito da União, o problema do desemprego é crítico em praticamente todos os países-membros. Melhores performances podem ser encontradas apenas em Luxemburgo, Holanda, Dinamarca, Áustria e Portugal. A Espanha apresenta a mais alta taxa de desemprego, 18%. A avaliação feita por Gilberto Dupas e Christian Lohbauer, do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacint), da Universidade de São Paulo26, oferece uma noção clara do desemprego nos Estados-Membros da União:

A situação se torna mais crítica quando se avalia as taxas de desemprego dos jovens com menos de 25 anos. Na Espanha, na mais crítica das situações, ela atinge 34% deles. Quanto às quatro maiores economias da Europa – que estão entre as sete maiores do mundo e acomodam mais da metade da população da UE – apenas a Grã-Bretanha, que ainda não adotou a moeda comum, pode mostrar números razoáveis: cerca de 6% dos britânicos entraram em 1999 desempregados. As estatísticas na Alemanha, França e Itália têm muito pouco otimismo para apresentar. A Alemanha amarga 10,7%, uma das piores taxas de desemprego do pós-guerra. Na França e na Itália a taxa de desocupados é maior: 11,8% dos franceses e 12,3% dos italianos estão procurando trabalho.

Para os dois especialistas, nem mesmo é certo que o acordo orçamentário previsto na Agenda 2000 seja cumprido pelas instituições da União Européia, somando-se a isso as  controvérsias existentes entre os países no que se refere a questões como os subsídios agrícolas, os poderes do Parlamento e a centralização de poder em Bruxelas, entre outros.

7. O NOVO QUADRO FINANCEIRO DA UE

O alargamento das fronteiras da União Européia vai implicar mudanças significativas no que se refere à disciplina do orçamento da Organização em nível comunitário. Para isso existe, desde 1999, o Acordo Interinstitucional entre o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão, sobre a disciplina orçamentária e a melhoria desse processo. Um novo acordo, que reforça os termos desse documento, tem como objetivo, para o período 2000-2006, promover a disciplina dos gastos da Organização, por meio de um plano plurianual, além de melhorar a montagem do orçamento anual e aumentar a cooperação interinstitucional no âmbito do orçamento da UE. As perspectivas fixam limites máximos orçamentários para as grandes categorias de despesas da União, para garantir uma evolução controlada dos gastos dentro dos recursos disponíveis.

Dentro das perspectivas estabelecidas no Acordo, cada ano terá limites máximos de despesas em dotações para autorizações e dotações para pagamentos. As instituições da União têm pactuado o respeito aos limites máximos em cada processo orçamentário correspondente e na execução do orçamento do exercício respectivo. Nas perspectivas estão previstos os limites em sete rubricas específicas: agricultura, ações estruturais, políticas internas, ações externas, administração, reservas e ajudas de pré-adesão.        

8. CONCLUSÃO

O caminho iniciado pela organização chamada hoje de União Européia, mesmo com todas as críticas, enfim, parece irreversível. Assim mesmo, da forma como está, o nascimento de novas organizações, similares ou não ao que já existe – um assunto que começa a preocupar os dirigentes da União diante da possibilidade de entrada de novos membros –, traria sérios problemas de administração de questões comuns entre os países.  Até porque, como observou o deputado europeu Alain Lamassoure, "hoje, a multiplicação de acordos e de organizações paralelas tornariam a Europa ingovernável"27.

As instituições européias – a Comissão, o Conselho de Ministros, o Parlamento e a Corte de Justiça – ainda têm muitas etapas para seguir até aperfeiçoar-se o suficiente para atender às aspirações de todos os Estados-Membros da forma mais ajustada possível. A centralização do poder é vista, também, como uma barreira ao aperfeiçoamento da União, que tem nos conservadores britânicos seus maiores críticos, que consideram a organização antidemocrática e administrada por tecnocratas e juristas.

A aposta na moeda única, em que pese ainda a não-adesão de alguns dos países-membros, e na integração dos Estados europeus, reforçada pela entrada dos novos países candidatos, se concretizada, terá o condão de alterar as relações de força no campo internacional neste século XXI. Ao que mostram os países membros, e os novos que desejam aderir à União, a Organização continuará no caminho da integração, apesar de todas as dificuldades. 

Consolidada a União Européia e superados seus principais problemas, ter-se-á, efetivamente, um novo modelo de Estado no universo mundial, depois da falência dos modelos tentados nas diversas sociedades do mundo, um Estado sui generis, único em sua formação e sistema de governo, que poderá ser a nova saída para a organização da sociedade humana.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSON, Perry. A Europa do futuro. Novos Estudos. São Paulo: CEBRAP, jul. 1996, p. 37-50.

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 35. ed. São Paulo: Globo, 1996.

CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Teoria do Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1969.

D'ARCY, Françoise. Construção Européia e Transformações dos Estados Europeus. Franca-SP: UNESP-FHDSS, 1999.

DUPAS, Gilberto & LOHBAUER, Christian. O complexo futuro da União Européia. Panorama da Conjuntura Internacional. São Paulo: GACINT-USP, jul./ago./set. 1999. Disponível no endereço:  www.usp.br/rea/gacint/panorama2.htlm, em 11-4-2001.

EUROPA. A União Européia em linha. http://www.europa.eu.int., em 15-4-2000 

GERALDES, Rui. Nice abre caminho ao alargamento. Grande Reportagem. www.grandereportagem.com/raw/uemce.htm 11.04.2001.

 JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000.

LAMASSOURE, Alain. Uma grande Europa a ser inventada. Site www.ambarrace.org.br/abr/label/label40/dossier/02.htm, em 11-4-2001.

SINGER, Paul. Globalização positiva e globalização negativa: a diferença é o Estado. Novos Estudos, São Paulo: CEBRAP, n. 48, p. 29-38, jul. 1997.



1. LAMASSOURE, Alain. Uma grande Europa a ser inventada, artigo publicado no site www.ambarrance.org.br/abr/label/label40/dossier/dossier/02.htm, em 10-4-2001.

2. Presidente francês defende Constituição européia, discurso do Presidente Jacques Chirac em Berlim reproduzido pelo provedor Terra no endereço: www.terra.com.br, em 15-4-2001.

3. A composição aqui exposta obedece ao relato de JO, Hee Moon, Introdução ao Direito Internacional, São Paulo: LTr, 2000, p. 272-9.

4. DARCY, Françoise. Construção Européia e Transformações dos Estados Europeus, França-SP: UNESP-FHDSS, 1999, p. 27.

5. JO, Hee Moon. Op. cit., p. 276.

6. A divisão entre os Estados por número de parlamentares eleitos é a seguinte: Alemanha, 99; França, 87; Itália, 87; Reino Unido, 87; Espanha, 64; Países Baixos, 31; Bélgica, 25; Grécia, 25; Portugal, 25; Suécia, 22; Áustria, 21; Dinamarca, 16; Finlândia, 16; Irlanda, 15; Luxemburgo, 6.

7. Cf. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado, 35. ed., São Paulo: Globo, 1996, p. 363.

8. Idem, ibidem.

9. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Teoria do Estado, 2. ed., Rio de Janeiro: Borsói, 1969, p. 166-7, e AZAMBUJA, Darcy. Op. cit., p. 366-7.

10. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Op. cit., p. 167.

11. Cf. AZAMBUJA, Darcy. Op. cit., p. 368-9.

12. D'ARCY, Françoise. Op. cit., p. 20.

13. Cf. DELORS, Jacques. Citado por D'ARCY, Françoise, Op. cit., p. 23. Delors foi o autor do plano de união monetária entre os Estados-Membros da UE.

14. JO, Hee Moon. Op. cit., p. 272.

15. D'ARCY, Françoise. Op. cit., p. 43.

16. D'ARCY, François. Op. cit., p. 24-25.

17. D’ARCY, Françoise. Op. cit., p. 46.

18. A avaliação da política de investimentos da CE é tratada aqui com base nas informações do professor François D’Arcy, op. cit., p. 47-51.

19. A Europa do futuro. Novos Estudos, São Paulo: CEBRAP, jul. 1996, n. 45, p. 38.

20. Globalização positiva e globalização negativa: a diferença é o Estado. Novos Estudos, São Paulo: CEBRAP, jul. 1997, n. 48, p. 60-1.

21. Idem, Ibidem.

22. ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 40.

23. Os dados podem ser confirmados no endereço http://www.europa.eu.int/scadplus/leg/pt/cha/c00002.htm.

24. O conteúdo da Agenda 2000 consta das informações do site da UE no endereço: www.eu.int./comm/agenda2000/index_pt.htm.

25. GERALDES, Rui. Nice abre caminho ao alargamento. Grande Reportagem. www.grandereportagem.com/raw/uemce.htm em 11-4-2001.

26. O complexo futuro da União Européia. Panorama da Conjuntura Internacional, São Paulo: GACINT-USP,  jul./ago./set. 1999, n. 2, p. 10. Consultado no endereço:  www.usp.br/rea/gacint/panorama2.htlm, em 11-4-2001.

27. LAMASSOURE, Alain. Op. cit.

 

 

Retirado de: www.saraivajur.com.br