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Depois Bush ainda haverá Direito Internacional ?
Luiz Otavio Amaral[1]
Um ultraje, uma carnificina que choca o mais psicopata dos homicidas cruéis.
Mão decepada numa porta de metal, um pântano de sangue e lama ao longo da estrada,
os miolos humanos dentro de uma garagem, os restos carbonizados dos esqueletos
de uma mãe iraquiana e dos seus três filhos pequenos, dentro de um carro que
ainda se consumia pelas chamas, lentamente. Dois mísseis de apenas um avião
norte-americano mataram-nos, a todos. Mais de 20 civis iraquianos despedaçados
antes de poderem ser “libertados” pela nação que lhes destruiu as vidas.
È de se perguntar: quem se atreve a chamar a isso de “danos colaterais” do ato
do Sr. Bush ?
Todos os ditadores, em nome da eticidade política, precisam ser apeados
do Poder, assim como também todos os que democraticamente - ou mais ou menos
assim - no Poder abusam tão tragicamente dessa posição de mando.
Sucede que o Iraque não é Saddam Hussein, é mais, bem mais que isso, além ser
o berço da civilização cristã ocidental, é um povo sofredor que sempre
esteve, assim como muitas outra nações pobre e pequenas, na mira do míssil de
destruição massiva: a fome e a miséria.
O Presidente Bush reclama que os EUA são alvo do terrorismo e explica
essa maldade porque são os defensores da democracia, da liberdade e dos
direitos humanos. Palavras enganadoras aos que deixam enganar. Os EUA são alvos
dos terroristas porque, na maior parte do mundo, esse governo defendeu a
ditadura, a escravidão e a exploração humana naqueles países flagelados por
condições econômico-politicas degradantes. “Somos alvos dos terroristas
porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas
odiosas. Em quantos países agentes do nosso governo depuseram
líderes popularmente eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches
desejosos de vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas
multinacionais ? E o bispo conclui:
O povo do Canadá desfruta de
democracia, de liberdade e de direitos humanos, assim como o povo da Noruega e
da Suécia. Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas
canadianas, norueguesas ou suecas?” Palavras sensatas e verdadeiras do bispo
americano Monsenhor Robert Bowan que no final do ano passado uma carta ao
Presidente Norte-americano intitulada "Porque é que o mundo odeia os
EUA?"
O bispo da Igreja Católica na
Florida é um ex-combatente na guerra do Vietenã; logo conhece do inferno da
guerra e da celestial paz.
Com efeito, esses pobres povos perdem tudo, mas lhes resta ainda uma
única esperança: capacidade de pensar e com esse derradeiro vestígio humano
podem construir e infeliz destruir tal o ressentimento. Malgrado o progresso
humano, ainda remanescem esses defeitos de caráter em muitos homens daqui
e dali, bem “formados” ou não.
Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atômicas
sobre outras nações; o seu país foi a única nação a ser condenada por "uso
ilegítimo da força" pelo Tribunal Internacional de Justiça; Forças
americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas
(incluindo o terrorista Bin Laden) a pretexto de derrubarem os invasores
russos no Afeganistão; o regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA
enquanto praticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o
gaseamento dos
curdos em 1998); como tantos outros dirigentes legítimos, o africano
Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA, depois de preso e
torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídrico e
como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi, por agentes dos EUA,
conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem
americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior da África. A
ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA enquanto foi
conveniente, isto é, até 1992; a invasão de Timor Leste pelos militares
indonésios mereceu o apoio dos EUA.
Quando as atrocidades foram
conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi "o assunto é da
responsabilidade do governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa
responsabilidade".
Os EUA albergaram criminosos como Emmanuel Constant um dos líderes mais
sanguinários do Taiti cujas forças paramilitares massacraram milhares de
inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades locais
solicitaram a sua extradição, mas o governo americano recusou o pedido;
em agosto de 1998, a força aérea dos EUA bombardeou, no Sudão, uma fábrica
de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano ? Não, tratava-se de uma
retaliação
dos atentados a bomba de Nairobi e Dar-es-Saalam; em Dezembro de 1987, os
Estados Unidos foi o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de
condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim, a moção foi aprovada
pelo voto de cento e cinqüenta e três países; em 1953 a CIA ajudou a
preparar o golpe de Estado contra o Irã na seqüência do qual milhares de
comunistas do Tudeh foram massacrados. A lista de golpes preparados pela
CIA é bem longa, muito longa.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA bombardearam: a China (1945-46), a
Coréia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba
(1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo (1964), o Peru (1965), o Laos
(1961-1973), o Vietenã (1961-1973), o Camboja (1969-1970), a Guatemala
(1967-1973), Granada (1983), Líbano (1983-1984), a Líbia (1986), Salvador
(1980), a Nicarágua (1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque
(1990-2001), o Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão
(1998), o Afeganistão (1998), a Iugoslávia (1999). Ações de terrorismo
biológico e químico também foram postas em prática pelos EUA: o agente
laranja e os desfolhantes no Vietenã, o vírus da peste contra Cuba que durante
anos devastou a produção suína naquele país.
Com toda essa folha corrida pode-se aceitar as alegações do Presidente
Bush.? Ora, tais discursos norte-americanos conquanto não explicam
(racionalmente), menos ainda justificam esta guerra. Se é que alguma guerra é
justificável. Esse show tecnológico-televisivo que massacra o sofrido povo
iraquiano, não encontra respaldo na necessidade racional, tanto que a ONU não
o apoiou, menos ainda na lógica da natureza dessa coisas, porque quiçá isso
vire, e de vez, todos os árabes contra os norte-americanos, aumente o ódio e
o terrorismo contra os anglo-americano. E por fim, tal invasão ao
território do Estado iraquiano - todo Estado é: território, povo e governo - só
esse é que pode ser responsabilizado por eventuais crimes, eis que a sanção
jamais pode, jurídica e moralmente ir além disso.
Vários princípios de Direito Internacional Público foram desconsiderados,
o próprio âmago desse ramo do Direito destinado a reger as relações
internacionais parece ameaçado e tal perigo é tanto mais grave quão mais
poderoso é o infrator. A nação líder, já agora sem qualquer oposição
equivalente em força (o velho equilíbrio bipolar) devia ter consciência de seu
papel. O enorme esforço dos lideres mundiais e de pensadores ao longo de mais
de três séculos que culminou com a Ligas das Nações concebida para
resolver diplomaticamente os conflitos inter-nações, e sucedida pela ONU
bem mais efetiva, tudo isso vem de ruir diante cenário mundial nada satisfatório,
antes ao contrário, regredimos. Qual o futuro do Direito Internacional e quem
sabe do própria promessa esperançosa da idéia de Direito, de justiça ? A
violência, com efeito, é a negação de todo e qualquer Direito: força só a
serviço do bom Direito...
O mundo certamente está em seu inferno zodiacal! Num mesmo momento
histórico temos vários pitbulls e todos com muito poder nas mãos: Bush, Saddam,
Bin Laden, Ariel Sharon... É demais para um mundo mesmo grande como o nosso !!
Até quando haveremos de sofrer, enquanto espécie, as dores e os
constrangimento existenciais de assistirmos civis (os soldados foram e serão
também civis), velhos e sobretudo as ingênuas crianças - que sequer podem
atinar politicamente para esse mal.
[1] Advogado militante, ex-professor de Direito e Relações Internacionais na
UNB, UDF. Atualmente leciona na Univ Católica de Brasília-UCB. Tem diversas
obras e trabalhos técnicos publicados no Brasil e no exterior.
(lamaral@conectanet.com.br).
Retirado de: http://www.apriori.com.br/artigos/bush_%20e_iraque.shtml