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Consultor legislativo da Câmara dos Deputados, professor do UniCEUB e
do IESB, em Brasília (DF), mestre em Direito pela UFMG, doutorando em Direito
pela UFPE
Sumário: 1.Introdução; 2. Pluralismo jurídico, 2.1.Antecedentes históricos, 2.2.Concepções atuais; 3.União Européia, 3.1.Formação histórica, 3.2.Instituições comunitárias; 4. Pluralismo jurídico na União Européia, 4.1.Direito nacional, 4.2.Direito comunitário, 4.2.1.Conceito, 4.2.2.Classificação, 4.2.3.Caracteristícas; 5. Conclusão; Bibliografia.
1.INTRODUÇÃO
O
presente artigo pretende discutir o pluralismo jurídico decorrente do processo
de integração na Europa, considerando a existência concomitante de dois
ordenamentos jurídicos no contexto da União Européia: o nacional,
constituído pelo Direito interno dos países que a integram, e o supranacional,
constituído pelo Direito Comunitário.
Inicialmente,
examina-se o pluralismo jurídico, seus antecedentes históricos e as concepções
atuais que o identificam. Adiante, aborda-se a União Européia, sua formação
histórica e as instituições que a compõem.
Em
seguida, analisa-se o pluralismo jurídico na União Européia, a partir do estudo
do Direito Nacional e do Direito Comunitário, enquanto sistemas com diferentes
princípios, regras, procedimentos e áreas de competência, mas que interagem
entre si.
Finalmente,
à guisa de conclusão, procura-se apresentar, esquematicamente, uma síntese das
idéias expostas ao longo do artigo, que venham contribuir para o enriquecimento
do tema.
2.PLURALISMO
JURÍDICO
2.1.ANTECEDENTES
HISTÓRICOS
O
Direito tem sido normalmente identificado como a ordem jurídica do Estado, isto
é, aquela composta por normas elaboradas, editadas e asseguradas por órgãos
estatais. No entanto, a ampliação do estudo da Sociologia Jurídica tem
implicado o reconhecimento de que o Estado não detém mais o monopólio da
criação e aplicação das normas jurídicas. Assim, admite-se a existência simultânea
de ordens jurídicas distintas, que, por sua própria dinâmica, tornam-se
insuscetíveis à apreensão por um único Direito (estatal).
Como
observa Ana Lúcia Sabadell:
"Esta
questão vem sendo tratada sob a denominação de pluralismo jurídico,
provocando acirradas discussões no meio acadêmico. Na verdade não existe uma
única resposta. Devemos examinar a situação concreta de cada período histórico
para saber se existe um ordenamento jurídico unitário ou uma pluralidade de
sistemas jurídicos."(1)
O
pluralismo jurídico existiu na Europa durante o período medieval e o período
moderno. "Em paralelo ao direito criado pelos aparelhos centrais dos
Impérios e dos Reinos (direito real), vigoravam o sistema jurídico da Igreja e
uma multiplicidade de direitos locais consuetudinários (fundamentados nos
costumes e em antigas tradições jurídicas) e de direitos de várias corporações
(Universidades, membros de determinadas profissões, "irmandades"). O
direito romano era reconhecido como fonte do direito; as opiniões dos grandes
"doutores" (jurisconsultos) eram consideradas como legalmente
válidas. Além disso, os diferentes grupos étnicos (tais como os mouros, judeus
e ciganos) também mantinham o seu próprio direito, independentemente do lugar
em que moravam".(2)
Citado
por Antônio Carlos Wolkmer,(3) Norbert Rouland destaca quatro
manifestações jurídicas na Idade Média: um Direito "senhorial",
baseado no militarismo; um Direito "canônico", informado por
princípios cristãos; um Direito "burguês", fundado na atividade
econômica; e, finalmente, um Direito "real", com a pretensão de
incorporar os demais em nome da centralização do poder político, resultante da
expansão do sistema capitalista.
Essa
multiplicidade de formas e de conteúdos jurídicos foi denunciada por filósofos
racionalistas e iluministas, que chegavam a considerar o Direito medieval
caótico e monstruoso. A desproporcionalidade e o autoritarismo na aplicação das
penas, sem o direito dos acusados à ampla defesa e ao contraditório,
propiciavam uma sociedade submissa, em que os excluídos do círculo de poder
dominante (isto é: a nobreza, a realeza e o clero) não tinham qualquer
representação.
Com
o fim da Idade Média e com o advento da Idade Moderna, a questão do pluralismo
jurídico abre espaço para uma nova proposta, fundada no liberalismo e no
individualismo. "A consolidação de uma nova forma de sociedade,
capitalista, impõe uma nova concepção do político e do jurídico e uma crescente
autonomia das ciências, livres do domínio religioso." (4)
No
final do século XIX, o pluralismo jurídico toma por base a obra de Otto von
Gierke, que examinou o Direito das "corporações", na Alemanha. Na
mesma linha de uma leitura sociológica dos sistemas jurídicos, citem-se Eugen
Ehrlich, que analisou as manifestações do Direito "vivo" nas
comunidades camponesas da região de Bukowina (Europa central), em detrimento do
Código Civil do Império Austro-Húngaro, e Karl Llewllyn, que analisou o
ordenamento jurídico desenvolvido pelos índios Cheyenne, nos EUA.
Nas
primeiras décadas do século XX, surgem as abordagens pluralistas de Santi
Romano, sustentando que todo corpo social (partido político, religião, empresa)
é uma instituição, que desenvolve seu próprio ordenamento jurídico, e de Widar
Cesarini Sforza, defendendo a existência das relações jurídicas reguladas por
normas costumeiras ou por acordos e decisões entre particulares, independente
do Direito estatal. (5)
Nas
últimas décadas, a questão do pluralismo jurídico tem sido objeto de diversos
estudos, tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista empírico,
dando origem a três concepções atuais, retratadas por Ana Lúcia Sabadell(6),
como se verá adiante.
2.2.
CONCEPÇÕES ATUAIS
Pode-se
destacar três concepções atuais do pluralismo jurídico. A primeira concepção
situa-se nas análises teóricas sobre a "interlegalidade". Os adeptos
desta concepção "identificam a existência de vários sistemas de normas
jurídicas que interagem entre si, criando redes de relações jurídicas
continuamente mutantes."(7) Esta é a posição nuclear do pós-positivismo
jurídico, que considera o monopólio estatal da elaboração e aplicação do
Direito como uma construção historicamente superada.
A
segunda concepção refere-se às mudanças ocorridas no cenário
internacional, que propiciaram o surgimento de organizações internacionais
(ONU, OMC) e supranacionais, de caráter regional (União Européia, NAFTA,
Mercosul), que passaram a reclamar, de modo crescente, espaço de normatividade,
por vezes, em detrimento dos ordenamentos jurídicos internos. A coexistência de
normas jurídicas nacionais, internacionais e supranacionais criou uma nova
forma de pluralismo jurídico que os estudiosos e pesquisadores passaram a
analisar nos últimos anos. (8)
A
terceira concepção encontra-se nas pesquisas empíricas sobre o Direito
"informal", alheio ao Direito "oficial", e no seio de
diversas instituições sociais como igrejas, sindicatos, associações civis e
empresas. (9)
Dentre
as concepções atuais do pluralismo jurídico, interessa-nos diretamente a segunda,
em face do tema objeto do presente trabalho.
3.UNIÃO
EUROPÉIA
3.1.FORMAÇÃO
HISTÓRICA
O
cenário internacional tem sofrido profundas transformações, nas últimas
décadas, com o surgimento de blocos regionais, e a conseqüente interdependência
entre os países que os integram.
Na
Europa, o processo de integração ganha impulso com a assinatura, em Paris, em
11 de abril de 1951, do Tratado de Paris, que instituiu a Comissão Européia do
Carvão e do Aço (CECA) e, em Roma, em 25 de março de 1957, dos Tratados que
instituíram a Comunidade Econômica Européia (CEE, hoje CE) e a Comunidade
Européia de Energia Atômica (CECA ou EURATOM).
O
primeiro tinha por propósito a criação de um mercado comum de carvão e
do aço. O segundo tinha por objetivo a criação de uma economia comum
através da aproximação sucessiva das políticas econômicas dos países-membros. O
terceiro propunha-se a promover, na Europa, a utilização da energia para
fins pacíficos.
Seguiram-se
a esses o Tratado de Fusão dos Executivos, de 1965, que unificou as estruturas
da CECA, da CE e do EURATOM; o Tratado de Bruxelas, de 1972; e o Ato Único
Europeu, de 1987, que ampliou os poderes das Comunidades Européias e
aperfeiçoou os procedimentos de tomada de decisão.
Em
7 de fevereiro de 1992, foi assinado, em Maastricht, o Tratado da União
Européia (TUE), firmado pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela
República Federal da Alemanha, pela República Helênica, pelo Reino da Espanha,
pela República Francesa, pela Irlanda, pela República Italiana, pelo Grã-Ducado
de Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República Portuguesa e pelo
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, que entrou em vigor em 1o
de novembro de 1993. Em janeiro de 1995, a República da Áustria, a República da
Finlândia e o Reino da Suécia aderiram ao Tratado da União Européia.
O
Tratado de Maastricht, de 1992, foi alterado pelo Tratado de Amsterdã, de 1997,
e pelo Tratado de Nice, de 2001.
O
Tratado da União Européia representa uma nova fase no processo de integração
naquele continente, imposta pela necessidade da criação de bases sólidas para a
edificação da Europa futura. Além de promover a unificação dos países europeus,
eliminando as barreiras que dividiam a Europa e melhorando as condições da vida
e de emprego, o Tratado da União Européia reafirma o objetivo de assegurar a
segurança e a liberdade de seus cidadãos.
A
União Européia inova e supera em muitos aspectos as organizações internacionais
tradicionais, em particular na sua estrutura, funcionamento, poderes
e competências. Fala e age como se fosse um Estado continental e elabora
e promulga normas jurídicas que vigoram nos países que o integram e firma
acordos com outros grupos de países. Vem inspirando a formação de blocos
regionais semelhantes, como o NAFTA e o Mercosul.
Os
objetivos da União Européia, inicialmente apenas econômico e monetário,
ampliaram-se consideravelmente, com a inserção de novos domínios,
como a cultura, a informação, a defesa de consumidores, a segurança, a energia,
o meio ambiente, as relações internacionais e o desenvolvimento científico e
tecnológico, até alcançar a amplitude e a complexidade que apresenta hoje. Daí
as profundas implicações no campo da Sociologia Jurídica e do Direito, com o
surgimento de um pluralismo jurídico, caracterizado pela existência
concomitante de dois ordenamentos: o primeiro, representado pelo Direito
Nacional, composto por normas internas elaboradas no âmbito de cada
país-membro; e o segundo, representado pelo Direito Comunitário, composto por normas
supranacionais decorrentes dos Tratados comunitários e elaboradas pelas
instituições comunitárias diretivas (Conselho da União Européia, Comissão
Européia e Parlamento Europeu) e pela jurisprudência emanada do Tribunal de
Justiça das Comunidades Européias.
3.2.INSTITUIÇÕES
COMUNITÁRIAS
A
estrutura da União Européia compreende órgãos fundamentais, designados pelos
Tratados comunitários como instituições. O seu exame permite distinguir
quatro instituições diretivas: o Conselho da União Européia, a Comissão
Européia, o Parlamento Europeu e o Tribunal de Justiça das Comunidades
Européias.
O
Conselho da União Européia é a instituição responsável pela coordenação
das políticas econômicas gerais dos países-membros, dispondo de poder de
decisão próprio. É composto por um representante, de nível ministerial, de cada
Estado-membro, com prerrogativas específicas para assumir, por seu país,
compromissos vinculantes. É a única instituição comunitária em que os
Estados-membros são representados.
A
Comissão Européia é a instituição incumbida de velar pela aplicação dos
Tratados comunitários, formulando recomendações e pareceres sobre as matérias
neles tratadas. Dispõe de poder de decisão próprio e está habilitado a tomar as
iniciativas necessárias para garantir a coordenação e a execução das ações da
União Européia e dos Estados-membros. É composta por vinte membros, escolhidos
em função de sua competência geral, entre técnicos e políticos, com mandato de
cinco anos e com todas as garantias de independência.
Segundo
Alejandro López Lacube, a Comissão Européia é "a instituição
comunitária por excelência e a mais original" (10).
O
Parlamento Europeu tem como atribuição mais importante a participação no
processo conducente à elaboração das normas comunitárias através dos
procedimentos fixados nos Tratados da União Européia, a saber: procedimento
de cooperação, procedimento de co-decisão, procedimento de
consulta e procedimento do parecer favorável. Co-legisla, portanto,
com o Conselho da União Européia, sob proposta da Comissão Européia. Tem ainda
a faculdade de rejeitar o orçamento, no seu conjunto, o que fortalece o seu
controle sobre as atividades comunitárias.
É
composto por seiscentos e vinte e seis representantes populares (os eurodeputados),
eleitos por sufrágio universal direto, para um mandato de cinco anos.
Finalmente,
o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias é a instituição que
garante o respeito e a observância da ordem jurídica comunitária através da
interpretação e aplicação dos Tratados da União Européia. Tem uma posição de
destaque, em relação às demais instituições comunitárias, por exercer uma
função fundamental no processo de integração européia.
Como
observa Maria Teresa Cárcamo Lobo:
"O
Tribunal de Justiça tem um papel de extraordinária importância na construção do
ordenamento jurídico comunitário, no exercício de suas funções de tribunal
constitucional, tribunal judicial, tribunal administrativo e instituição de
consulta (...) Alguns de seus acórdãos marcaram o perfil político-jurídico da
Comunidade e a densidade constitucional efetiva da integração européia." (11)
É
composto de quinze juízes e assistido por oito advogados-gerais,
aos quais cabe apresentar publicamente, com independência e imparcialidade, as
conclusões fundamentadas sobre as demandas submetidas ao órgão jurisdicional
comunitário.
As
instituições comunitárias diretivas mantêm entre si um diálogo
interinstitucional, que envolve uma gestão interativa e compartilhada, no
âmbito da União Européia.
4.PLURALISMO
JURÍDICO NA UNIÃO EUROPÉIA
4.1.DIREITO
NACIONAL
O
Direito Nacional compreende um conjunto de princípios e regras elaborado
soberanamente por cada Estado-membro da União Européia, com eficácia restrita
ao território respectivo. Encontra-se na Constituição e nas leis
infraconstitucionais integrantes do ordenamento jurídico interno de cada
país-membro.
A
relação entre o Direito Nacional e o Direito Comunitário é extremamente complexa,
em face da transferência de parcela dos poderes soberanos dos Estados-membros
às instituições comunitárias dotadas de supracionalidade, como se verá adiante.
Como
acentua Márcio Monteiro Reis:
"Esta foi
uma solução encontrada pelos Estados europeus em seu processo de integração,
realizado através da formação de uma Comunidade de Estados. Nela, como em
qualquer comunidade, há uma área comum ao lado das áreas privativas de cada
membro. Assim, os Estados renunciam à sua competência em determinadas matérias
concretas sobre as quais os órgãos comunitários passam a legislar, administrar
e julgar. Suas decisões têm efeito direto. Portanto, ao legislar, o órgão
comunitário está produzindo "lei" para todos os Estados, criando
direitos e obrigações para eles e seus cidadãos imediatamente, sem necessidade
de nenhum ato estatal. O mesmo se dirá com os atos administrativos ou
judiciais. Todos produzem efeitos como se fossem provenientes de instâncias
nacionais." (12)
4.2.DIREITO
COMUNITÁRIO
4.2.1.CONCEITO
Miguel
Ángel Ekmekdjian, a propósito do conceito de Direito Comunitário,
afirma:
" (.. ) El derecho comunitário no es un derecho
extranjero ni siquiera un derecho exterior, es un derecho próprio de los
Estados miembros, tanto como su derecho nacional, com la característica
especial de coronar la jerarquía normativa en todos ellos. (...) El
ordenamiento jurídico comunitário se configura como un plexo de normas cuyos
sujetos activos y pasivos son los Estados miembros y sus cidadanos. Dotado de
órganos proprios, tiene poderes soberanos en ciertas materias específicas y –
en la misma medida – los Estados miembros han perdido la soberanía en tales
ámbitos reservados a al comunidad. En ellos, los países miembros conservan, sin
embargo, competencias residuales, pero deben ejercelas conforme a la política
legislativa comunitaria (...)" (13)
No
mesmo diapasão, Carlos Francisco Molina del Pozo, conceitua o Direito
Comunitário como:
"(...) el conjunto de normas y princípios que
determinan la organización, funcionamiento y competencias de las Comunidades
Europeas, (que) se conforma como un orden jurídico sui generis, dotado
de autonomía com relación a los ordenamientos nacionales, distinto del orden
jurídico internacional y del orden jurídico interno de los Estados miembros y
caracterizado por unos rasgos peculiares."(14)
Observe-se que ambos os conceitos de
Direito Comunitário fazem menção a características próprias e a sua distinção
em relação ao Direito Nacional.
4.2.2.CLASSIFICAÇÃO
O
Direito Comunitário apresenta duas categorias fundamentais de normas: o direito
originário e o direito derivado.
O
Direito Comunitário originário é formado pelos tratados que instituíram as
Comunidades Européias, com seus anexos, protocolos, declarações e convênios
relativos à sua execução, bem como pelos Tratados subseqüentes que os
modificaram.
O
Direito Comunitário derivado é formado pelas normas advindas das instituições
comunitárias competentes para produzi-las, a saber: Conselho da União Européia,
Comissão Européia, Parlamento Europeu e Tribunal de Justiça das Comunidades
Européias.
Distintamente
do Direito Comunitário originário, o Direito Comunitário derivado não se forma
pela vontade direta dos Estados-membros manifestada ao aderir aos Tratados
Comunitários, mas através de procedimentos legislativos autônomos com a
participação das instituições comunitárias diretivas.
Os
atos jurídicos que integram o Direito Comunitário derivado são: os regulamentos,
as diretivas, as recomendações, as decisões, os atos
convencionais, os princípios gerais de Direito e a jurisprudência.
(15)
4.2.3.CARACTERÍSTICAS
As
características essenciais do Direito Comunitário são: a autonomia, a primazia,
a aplicabilidade direta, o efeito direito e a aplicabilidade
de sanção ao Estado-membro por descumprimento da norma comunitária.
A
autonomia do Direito Comunitário constitui o fundamento da ordem
jurídica comunitária. Consiste na capacidade de criar um direito igual para
toda a União Européia, uniforme e integralmente válido em todos os
Estados-membros.
A
primazia do Direito Comunitário significa que suas normas possuem
supremacia sobre as normas dos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros,
inclusive sobre as de natureza constitucional.
Com
efeito, ao aderirem à União Européia, os Estados consentem em transferir em
favor das instituições comunitárias parcelas de suas competências,
compartilhando, assim, os seus poderes soberanos. Os princípios e regras do
Direito Comunitário afirmam-se, pois, em relação a todo o Direito Nacional,
qualquer que seja o seu nível hierárquico.
A
aplicabilidade direta do Direito Comunitário significa que as suas
normas se integram ao ordenamento jurídico de cada Estado-membro, independente
de a norma interna determinar essa inserção.
A
jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias
firmou-se como verdadeiro instrumento de criação judicial do direito. Trata-se,
como se disse, do art. 177° do Tratado de Roma, com suas alterações, que
confere ao Tribunal comunitário a atribuição de proferir decisões judiciais
normativas, relativamente às questões prejudiciais sobre a uniformidade da
aplicação e a apreciação da validade dos princípios e regras dos Tratados
comunitários e dos atos e decisões adotados pelas instituições da União
Européia.
O
efeito direto do Direito Comunitário significa que as suas normas, ao
entrarem em vigor, geram direitos e impõem deveres aos particulares, que podem
invocá-los perante os órgãos jurisdicionais nacionais.
Por
fim, os Estados-membros podem sofrer sanções, impostas pelo Tribunal de
Justiça das Comunidades Européias, pelo descumprimento de uma norma de Direito
Comunitário ou até mesmo pelo não-acatamento de uma decisão judicial.
Como
se viu, a relação do Direito Nacional com o Direito Comunitário – cuja
coexistência concomitante identifica o pluralismo jurídico na União Européia –
encontra-se, basicamente, na autonomia deste em relação àquele, na primazia
deste sobre o Direito Nacional e na aplicabilidade direta do Direito
Comunitário nos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros. Essa relação não
decorre dos Tratados comunitários, mas da rica jurisprudência do Tribunal de
Justiça das Comunidades Européias.
5.
CONCLUSÃO
Em
desfecho deste estudo, que discutiu o pluralismo jurídico no contexto da União
Européia, não há como deixar de reconhecer que:
a)a
ampliação do estudo da Sociologia Jurídica implica o reconhecimento de que,
hoje, o Estado não possui o monopólio de criação e aplicação das normas
jurídicas;
b)o
pluralismo jurídico significa a existência concomitante de ordens jurídicas
distintas, que, por sua própria dinâmica, não podem ser apreendidas por
um único código (estatal);
c)o
pluralismo jurídico existiu na Europa durante a Idade Média,
caracterizada pela descentralização política e pela multiplicidade de centros
de poder, e a Idade Moderna, caracterizada pelo monopólio do Estado na
criação e elaboração do Direito;
d)
a abordagem pluralista pode ser encontrada nas obras de Otto von Gierke
(final do século XIX), de Santi Romano e de Widar Cesarini Sforza (primeiras
décadas do século XX);
e)as
concepções atuais sobre o pluralismo jurídico encontram-se nas análises
teóricas sobre a interlegalidade, nas mudanças verificadas no cenário
internacional (decorrentes dos processos de integração) que
propiciaram o surgimento do Direito supranacional, em detrimento do Direito
interno, e nas pesquisas de campo desenvolvidas pela Sociologia Jurídica
sobre o Direito "informal";
f)a
União Européia representa a fase mais avançada no processo de integração na
Europa, inovando e superando em muitos aspectos as organizações internacionais
tradicionais, especialmente na sua organização, funcionamento, poderes
e atribuições;
g)as
instituições comunitárias com poderes de decisão são o Conselho da União
Européia, a Comissão Européia, o Parlamento Europeu e o Tribunal
de Justiça das Comunidades Européias;
h)a
adesão dos Estados nacionais à União Européia implica a transferência
irrevogável de parcela dos seus poderes soberanos às instituições
comunitárias dotadas de supranacionalidade;
i)o
Direito Comunitário apresenta normas originárias, decorrentes dos
Tratados comunitários, e normas derivadas, decorrentes de
procedimentos legislativos autônomos, com a participação do Conselho da União
Européia, da Comissão Européia, do Parlamento Europeu e da jurisprudência
emanada do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias;
j)a
relação entre o Direito Nacional e o Direito Comunitário, afirmada por uma fecunda
construção jurisprudencial, encontra-se nas características do Direito
Comunitário: a autonomia deste em relação ao Direito Nacional, a primazia
da norma comunitária sobre a estatal, a aplicabilidade direta das
normas comunitárias sobre a ordem jurídica de cada Estado-membro, o efeito
direito do regramento comunitário nos particulares e a aplicabilidade de
sanção ao Estado-membro que descumprir uma norma comunitária;
k)o
pluralismo jurídico na União Européia é identificado pela existência simultânea
de dois ordenamentos jurídicos distintos: o nacional e o supranacional;
l)a
construção de um novo paradigma para o Direito passa por uma perspectiva
pluralista democrática.
NOTAS
1.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura
externa do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000,
pág. 104.
2.
SABADELL, Ana Lúcia, ob. cit., págs. 104-105.
3.
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova
cultura do Direito. São Paulo: Alfa-Omega, 1994, pág. 170.
4.
MALISKA, Marcos Augusto. Pluralismo jurídico e Direito moderno. Curitiba:
Juruá. 2000, pág. 23.
5.
SABADELL, Ana Lúcia, ob. cit., págs. 105-107.
6.
SABADELL, Ana Lúcia, ob. cit., pág. 106.
7.
SABADELL, Ana Lúcia, ob, cit. pág. 106.
8.
SABADELL, Ana Lúcia, ob. cit., pág. 107.
9. No Brasil, as pesquisas mais
conhecidas sobre o pluralismo jurídico são as desenvolvidas pelo sociólogo
português Boaventura de Sousa Santos, numa favela do Rio de Janeiro, nos anos
70, à qual deu o nome de "Pasárgada". Tais pesquisas demonstraram a
existência de um Direito "informal", reconhecido por seus moradores,
que resolvia conflitos de habitação e de propriedade, empregando normas
diferentes das elaboradas pelo Direito estatal. Neste sentido, veja-se: SANTOS,
Boaventura de Sousa. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da
retórica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988.
10.
LECUBE, Alejandro F. López. Manual de Derecho Comunitário: análisis
comparativo de la Unión Europea y el Mercosul. Buenos Aires: Editorial Ábaco, 1997, pág.
131.
11.
LOBO, Maria Teresa Cárcamo. Ordenamento Jurídico Comunitário. Belo
Horizonte: Livraria e Editora Del Rey, 1997, pág. 32.
12.
REIS, Márcio Monteiro. Mercosul, União Européia e Constituição: a integração
dos Estados e os ordenamentos jurídicos nacionais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, pág. 66.
13.
EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Introducción al Derecho Comunitario
Latinoamericano. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1996, pág. 42.
14.
POZO, Carlos Francisco Molina del. Manual de Derecho de la Comunidad
Europea. Madrid:
Editorial Trivium S.A., 1997, págs. 505-506.
15.
Insere-se, também, no Direito Comunitário derivado, a rica jurisprudência do
Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, que, em face do art. 177º do
Tratado de Roma, com suas alterações, pode proferir decisões judiciais
normativas em seus julgados, em relação às questões prejudiciais. Sobre o
assunto, veja-se: SOUZA, João Ricardo Carvalho de. Constituição brasileira
& Tribunal de Justiça do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2001.
BIBLIOGRAFIA
EKMEKDJIAN,
Miguel Ángel. Introducción al Derecho Comunitario Latinoamericano. Buenos
Aires: Ediciones Depalma, 1996.
LECUBE,
Alejandro F. López. Manual de Derecho Comunitario: análisis comparativo de
la Unión Europea y el Mercosul. Buenos
Aires: Editorial Ábaco, 1997.
LOBO,
Maria Teresa Cárcamo. Ordenamento Jurídico Comunitário. Belo Horizonte:
Livraria e Editora Del Rey, 1997.
MALISKA,
Marcos Augusto. Pluralismo jurídico e Direito moderno. Curitiba: Juruá,
2000.
POZO,
Carlos Francisco Molina del. Manual de Derecho de la Comunidad Europea. Madrid: Editorial Trivium S.A., 1997.
REIS,
Márcio Monteiro. Mercosul, União Européia e Constituição: a integração dos
Estados e os ordenamentos jurídicos nacionais. Rio de Janeiro: Renovar,
2001.
SABADELL,
Ana Lúcia. Manual de
Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SANTOS,
Boaventura Sousa. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da
retórica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988.
SOUZA,
João Ricardo Carvalho de. Constituição brasileira & Tribunal de Justiça
do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2001.
WOLKMER,
Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma cultura no Direito.
São Paulo: Alfa-Omega, 1994.
Retirado de: www.jusnavigandi.com.br