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A REGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO
NUM CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO

John F. McNaughton
NORONHA ADVOGADOS

 Boa tarde senhoras e senhores.

 1. Introdução

1.1. A rede mundial de comunicação de dados, conhecida como INTERNET, está transformando o nosso mundo. No futuro próximo, avanços nessa área deverão afetar todos os aspectos da nossa vida cotidiana – educação, saúde, trabalho e lazer. Povos, antes separados pela distancia e tempo, deverão sentir essas mudanças como parte de uma comunidade global.

1.2. A INTERNET surgiu em 1969, no Departamento de Defesa do governo dos Estados Unidos, para facilitar a comunicação entre os computadores da área militar, governamental e de pesquisa daquele pais. Na época, caso houvesse uma guerra e fosse interrompida a conexão entre esses computadores, o resultado seria desastroso: ninguém mais conseguiria se comunicar de uma área para a outra.

1.3. Os técnicos criaram, então, uma nova rede de comunicação chamada INTERNET (net significa rede em inglês), que permitiu que os computadores "conversassem" entre si, trazendo segurança às informações.

1.4. Com o fim da guerra fria entre as chamadas "superpotências", os Estados Unidos e a União Soviética, houve o degelo diplomático e a INTERNET, aos poucos, começou a se espalhar em outras direções, principalmente pelas universidades.

1.5. A partir de janeiro de 1990, a Internet colocou-se ao alcance de qualquer pessoa com acesso a um computador ligado a uma linha telefônica.

1.6. Hoje, a INTERNET conecta nada menos de que 130 mil outras redes de computadores em mais de 100 países, reunindo cerca de 100 milhões de pessoas nesta fantástica rede de comunicação global.

1.7. A tecnologia da INTERNET criou um efeito profundo sobre o comércio global de serviços. O comércio mundial envolvendo software de computadores, produtos de entretenimento (filmes, vídeos, jogos, gravações) serviços de informação (databases, jornais online) informação técnica, licenciamento de produtos, serviços financeiros, e serviços profissionais (consultores técnicos e de empresas, contabilidade, arquitetura, serviços jurídicos, turismo, etc.) tem crescido muito na última década e responde por parcelas importantes de exportações de países desenvolvidos.

1.8. Um número cada vez maior dessas transações ocorrem "online", isto é, através do computador, numa nova forma de comércio global possibilitada pela INTERNET: o comércio eletrônico. A rede mundial de comunicação de dados tem revolucionado o comércio nestas e outras áreas, reduzindo dramaticamente os custos e facilitando novas formas de transações comerciais.

1.9. As previsões de crescimento das vendas pela INTERNET são astronômicas: um estudo americano calcula que, dos 8 bilhões de dólares registrados em 1997, estas vendas deverão pular para mais de 327 bilhões de dólares em 2002. E alguns analistas prevêem um volume de negócios ainda muito maior neste período – alguma coisa em torno de 580 bilhões de dólares.

1.10. A INTERNET também revolucionou o varejo e o marketing direto. Hoje, consumidores compram, em suas casas, uma variedade de produtos de fabricantes e varejistas do mundo inteiro. Estes produtos são visualizados na tela do computador ou televisão, informações sobre os produtos são acessadas, e pedidos e pagamentos feitos, tudo sem sair da sala de estar.

1.11. O comércio da INTERNET totalizará trilhões de dólares na próxima década e para esse potencial ser plenamente realizado, os governos devem adotar perante o comércio eletrônico uma atitude não reguladora, orientada para o mercado, que facilite o surgimento de um ambiente jurídico legal, previsível e transparente, que dê apoio aos negócios e comércio globais.

1.12. Todavia, muitos empresários e consumidores ainda estão receosos de fazer negócios pela INTERNET devido justamente à falta de um ambiente legal previsível. Isto ocorre especialmente nas atividades do comércio internacional onde questões a cerca do cumprimento e execução de contratos, responsabilidade civil, proteção à propriedade intelectual, privacidade, segurança e outros assuntos tem forçado empresários e consumidores a agir com cautela.

1.13. À medida que a utilização da INTERNET aumenta, muitas empresas e usuários da INTERNET tem se manifestado preocupados com a possibilidade de que alguns governos poderão impor regulamentação extensiva sobre a INTERNET e o comércio eletrônico. As áreas potencialmente problemáticas são as dos tributos e taxas alfandegárias, restrições sobre o tipo de informação transmitido, controle sobre os padrões de desenvolvimento, exigências de licenciamento, e regulamentação dos preços de provedores de serviços. De fato, há sinais de que algumas formas de ações inibitivas já estão aparecendo em muitos países.

1.14. Governos tem um efeito profundo sobre o crescimento do comércio via INTERNET. Pelos seus atos, poderão facilitar o comércio eletrônico ou inibi-lo. Saber quando agir – e mais importante – quando não agir, será crucial para o desenvolvimento do comércio eletrônico. Esta apresentação pretende discutir alguns aspectos jurídicos que deverão ser examinados para compreender a regulamentação do comércio eletrônico num contexto globalizada.

1.15. A INTERNET consiste na interligação de milhares de redes de computadores do mundo inteiro, através da utilização dos mesmos padrões de transmissão de dados, os chamados protocolos. O usuário conecta-se à INTERNET, diretamente através do sistema telefônico ou, indiretamente, conectando-se a um outro computador com mais recursos (servidor), sendo este outro computador conectado diretamente à INTERNET. Quando é feito uma ligação direta à INTERNET, o computador do usuário passa a operar como um servidor da rede, possuindo seu próprio endereço em um protocolo da INTERNET, o chamado IP (Internet Protocol), enquanto a conexão indireta confere ao usuário um subendereço em um dos provedores.

1.16. A tradução dos endereços IP (numéricos) para seus correspondentes em palavras é feita pelo protocolo DNS (Domain Name System), um dos vários disponíveis na INTERNET.

1.17. Os nomes de domínios são determinados de acordo com um sistema de níveis múltiplos, dentre os quais podemos destacar os Top Level Domains (TLDs), que são o primeiro grupo de caracteres após o último ponto do nome do domínio propriamente dito. Alguns exemplos da TLDs são "com", que significa que o usuário se dedica a atividades comerciais; "gov", que significa que o usuário é um departamento do Estado; "org", que indica se tratar o usuário de um organismo não-governamental. Outros TLDs indicam o país de origem do usuário. Assim "br" significa Brasil, "fr" significa França, "ca" significa Canadá, e assim por diante.

1.18. Para utilizar a rede o usuário deve, além de possuir um modem, ter uma linha telefônica e estar conectado a um servidor de rede, dispor de softwares específicos, em especial os conhecidos como browsers, que dentro de outros serviços, fazem as transferências das informações da rede, selecionadas do computador de origem para o computador do usuário.

1.19. A INTERNET oferece vários recursos e meios de utilização aos seus usuários, que vão desde o correio eletrônico (e-mail) até o acesso a banco de dados e informações disponíveis na World Wide Web ("WWW"), a chamada área multimídia da INTERNET.

1.20. Conforme mencionamos acima, a estrutura que deu base à criação da INTERNET teve sua origem num sistema de interligação de redes de computadores nos Estados Unidos para fins de proteção militar.

1.21. A entrada do Brasil na INTERNET data de 1988, quando por iniciativa da comunidade acadêmica em São Paulo (Fapesp) e Rio de Janeiro (UFRJ e LNCC), foram realizadas as ligações dos primeiros computadores e redes de universidade e centros de pesquisa no Brasil aos EUA. Com o crescimento da demanda acadêmica nacional por conectividade INTERNET, em 1989 foi criada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), com o objetivo de estruturar e manter uma espinha dorsal nacional que integrasse os esforços estaduais de redes, viabilizasse a chegada dos serviços ao interior (capilaridade), com a qualidade e eficiência necessária para o provimento de serviços INTERNET educacionais, estimulando o surgimento de aplicações de redes e grupos de interesse no Brasil, em várias áreas de conhecimento. Através da RNP foi possível viabilizar a conexão sem fins lucrativos à entidades de classes de instituições, principalmente governo, organizações não-governamentais, entidades de classe, organismos internacionais e setores de pesquisa e prospecção tecnológica de empresas públicas e privadas.

1.22. Atualmente a RNP administra uma rede de longa distância baseada, atualmente, na tecnologia de transmissão TCP/IP, denominada espinha dorsal (backbone) . Juntamente com a Embratel disponibiliza o maior backbone da América Latina, tanto em termos de abrangência, atingindo mais de 110 localidades em todo o país, como em capacidade de circuitos de transmissão de dados em nível nacional e internacional.

2. Aspectos Jurídicos

2.1. Com o crescente uso da INTERNET como ferramenta para a comunicação e troca de informações, incluindo-se aí sua utilização como uma nova rota de comercialização de bens e serviços, muitos aspectos dos ordenamentos jurídicos dos países que tem se utilizado desta tecnologia devem ser cuidadosamente examinados.

2.2. Algumas das implicações que merecem atenção são o tratamento tributário dos serviços oferecidos, a responsabilidade, o julgamento e a punição de crimes ocorridos via rede ( como a difamação por exemplo), a proteção de marcas, patentes e direitos autorais, a publicidade e a realização de comércio via INTERNET, inclusive a transmissão e desenvolvimento de novas tecnologias, dentre outros.

2.3. A territorialidade é um dos elementos essenciais para a aplicação de direito, sendo um dos princípios da soberania dos Estados contemporâneos o reconhecimento do poder de aplicação do direito nacional de um Estado dentro de seu próprio território.

2.4. Todavia, a descentralização é uma das mais marcantes características da INTERNET, pois não existe um órgão central que a administre, ou através da qual as informações necessariamente devam passar.

2.5. Em conseqüência desta descentralização e da possibilidade de através da rede, ser enviada desde uma simples carta até a proposta e autorização de fechamento de uma negociação comercial, há o surgimento de uma série de novas questões, nas diversas áreas jurídicas a serem consideradas, quando contemplamos a regulamentação num contexto de globalização.

2.6. Não há, no Brasil, no momento, qualquer lei tratando do documento eletrônico ou da assinatura digital. As normas tradicionais sobre documentos restringem-se àqueles referentes aos suportes físicos – em geral papel - e poderiam sofrer debate intenso até que se estabelecesse se servem ou não ao documento eletrônico.

2.7. Diversos países já adotaram leis especiais tratando das transações eletrônicas, especialmente no que se refere à questão do documento eletrônico e da assinatura digital.

2.8. Nos EUA, onde vários estados optaram pela promulgação de um diploma legal específico para dar legitimidade ao denominado documento eletrônico, a primeira lei dispondo sobre essas questões foi promulgada pelo Estado de Utah, denominada Digital Signiture Act, ou Lei da Assinatura Digital. Nessa lei foi abandonada qualquer tentativa de se utilizar processos interpretativos dos diplomas legais então vigentes.

2.9. Na Europa, também, diversos países já adotaram leis específicas dispondo sobre essas questões: Itália, Alemanha, e mais recentemente Portugal, já promulgaram leis próprios. E já há, também, no âmbito da Comunidade Européia, a preocupação de definir parâmetros a serem adotados por todos os países que a compõem, de forma a permitir harmonização entre essas diferentes leis nacionais.

2.10. Na América Latina, já existem igualmente leis dispondo sobre documentos eletrônicos e assinatura digital. A Argentina teve no Decreto n. 427 de 16 de abril de 1998 o marco inicial na regulamentação da assinatura digital, embora restrita ao âmbito da administração pública. Atualmente, a Argentina tem um anteprojeto de lei apresentado pela Comissão Redatora nomeada pelo Ministério da Justiça.

2.11. O Uruguai promulgou a Lei n. 16.002 de 25 de novembro de 1988, posteriormente alterada pela Lei n. 16.736 de 5 de janeiro de 1996, universalizando a origem e o destino do documento eletrônico, para fins de reconhecimento legal, que antes tinha seu reconhecimento limitado às correspondências entre órgãos governamentais.

2.12. No que se refere à propriedade industrial, um dos assuntos mais discutidos é a proteção do uso da marca nas relações ocorridas em rede.

2.13. Um problema que surgiu neste sentido foi a adoção de marcas de empresas conhecidas como nome de domínio (domain name) por particulares ou por outras empresas, que não as verdadeiras titulares das marcas. Para evitar a ocorrência de nomes de domínio idênticos, as organizações encarregadas de fazer o registro do endereço do usuário da INTERNET estabeleceram uma ordem de preferência para a aquisição do nome, de acordo com a data do pedido de concessão do nome de domínio.

2.14. No entanto, tais organizações não efetuam uma análise de distinção dos nomes de domínio previamente registrados, nem com marcas previamente registradas ou protegidas de qualquer outra maneira pela legislação nacional.

2.15. No Brasil, foi criado, em 1995, pelo Ministério das Comunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia, o Comitê Gestor da Internet no Brasil ("Comitê Gestor"), encarregado da coordenação do registro de nomes de domínio no país. O Comitê Gestor, por sua vez, delegou os poderes de coordenação de registro dos domínios à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

2.16. A Fapesp passou, então, a ter a possibilidade de cancelar o registro, na eventual existência de uma infração de marca, pelo uso indevido de um nome de domínio. No entanto, a Fapesp não tem poder jurídico para decidir quem é o dono legítimo do domínio.

2.17. O procedimento para o registro de um nome de domínio está regulamentado pela Resolução n. 1 de 15.4.98 do Comitê Gestor da Internet e é feito totalmente "on-line", no site da Fapesp. Na classe de instituições comerciais, o registro de um nome de domínio só pode ser obtido por pessoas jurídicas devidamente constituídas no Brasil, o que impede o registro por parte de empresas estrangeiras.

2.18. As normas atenuam os problemas de confusão de nome de domínio e de marcas, e também dificultam o registro desnecessário de nomes de domínio, exigindo que o usuário crie uma página na INTERNET correspondente a cada nome registrado.

2.19. Todavia, uma questão de extrema complexidade surge do fato de que a proteção, tanto ao nome de domínio quando a marca, é válida apenas no território onde foi requerida, não conferindo exclusividade ao usuário no âmbito internacional. Desta forma, é possível que uma mesma marca seja utilizada como nome de domínio por duas ou mais empresas em países diferentes, e que, ao veicular internacionalmente, via INTERNET, propaganda dos produtos ou serviços por elas oferecidas, uma esteja infringindo os direitos de propriedade industrial da outra.

2.20. Como já foi dito, não existe, até o momento, um órgão responsável pela filtragem do material veiculado na INTERNET, sendo esta autonomia de comunicação, divulgação de materiais e troca de informação entre as pessoas, uma das características mais marcantes da rede.

2.21. Um eventual problema a ser enfrentado é o caso da divulgação de textos, imagens ou produtos, considerados normais ou toleráveis nos países ocidentais, tais como propaganda de fumo ou bebida, ou mesmo programas de sexo virtual, mas que são considerados crimes em outras nações, principalmente nos países onde não há separação entre Estado e religião.

2.22. Alguns países estudaram a possibilidade de regular o conteúdo dos materiais veiculados pela rede. Tais tentativas, no entanto, não obtiveram sucesso, uma vez que se considerou essencial a preservação da autonomia e liberdade dos indivíduos que utilizam a rede, ao veicular materiais de seu interesse.

2.23. Um problema relacionado diretamente à censura, é a distinção que a maioria das legislações dos países hoje em dia faz, entre comunicação privada e particular. A INTERNET apresenta características tanto de comunicação particular e de comunicação pública, pois, se por um lado só acessa à mensagem quem quer, por outro, as informações estão à disposição de quem quer que acesse à rede. Logo, o mais aconselhável seria utilizar a legislação existente, para a solução de eventuais conflitos, e evitar a regulamentação da utilização da rede, até que suas características e potencialidades tenham sido melhor definidas.

2.24. Segundo Olivier Itenanu no seu livro "Internet et le droit" (Eyrolles, 1996. P. 23 et seq.) o comércio eletrônico apresenta três características: (i) a oferta é feita por uma rede internacional de telecomunicações; (ii) a oferta se faz de modo audiovisual, e (iii) há a interatividade entre profissional e cliente, consistindo em dirigir-se ao cliente por informática, permitindo que o cliente manifeste aceitação por sinais eletrônicos.

2.25. Distingue-se tal comércio das vendas por telefone ou televisão, porque nas primeiras há contato oral entre as partes; nas segundas, não há comunicação eletrônica, pois depende de resposta ou telefonema do cliente para comprar.

2.26. O contrato eletrônico é aquele celebrado por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas. Dispensam assinatura ou exigem assinatura codificada ou senha. A segurança de tais contratos vem sendo desenvolvida por processos de codificação secreta, chamados de criptologia ou encriptação.

2.27. No plano jurídico o contrato eletrônico se distingue da venda à distância tradicional (por correspondência, por telecompra ou telemarketing), porque na maioria dos casos não há solicitação ativa dos clientes potenciais.

2.28. Existe uma grande expectativa referente ao desenvolvimento do comércio realizado via INTERNET. No entanto, apesar de ter havido crescimento considerável no que se refere à oferta de produtos e serviços pela rede, além da adoção das transações on-line por um número cada vez maior de bancos para a prestação de serviços, o que se tem verificado é que o que ocorre via INTERNET é, na verdade, a proposta de contratação e o oferecimento de produtos e não a realização do negócio em si. Este fato se deve especialmente às dificuldades de realização e comprovação do pagamento, insegurança em relação às garantias oferecidas ao comprador, à qualidade dos produtos, etc.

2.29. Tais dificuldades serão superadas ou minimizadas com a aplicação e divulgação de novas tecnologias, que oferecerão uma maior segurança no que se refere ao sigilo das operações e à segurança do pagamento pelo bem ou pelo serviço adquirido.

2.30. Umas das maneiras de se proteger o conteúdo das informações que são transmitidas via INTERNET é a criptografia, ou seja, a transformação de uma mensagem em uma forma ininteligível. Dessa forma, a mensagem é transmitida via rede e será lida somente pelo destinatário, que possuirá a "chave" capaz de recompor a estrutura inicial da mensagem.

2.31. A codificação pode ser feita mediante a utilização de um só código, aplicado tanto para criptografar, quanto para descriptografar o texto transmitido. Todavia, a forma mais segura é a utilização de duas chaves distintas, a chamada criptografia assimétrica, sendo uma utilizada para a transmissão de mensagens, de conhecimento exclusivo do remetente, e outra para a decodificação desta mensagem, de conhecimento exclusivo do destinatário.

2.32. O sistema de utilização de chaves "públicas" e "privadas", além de garantir o sigilo das transações ocorridas em rede, possibilita a identificação do remetente e do receptor, uma vez que é atribuída ao remetente uma chave privada, de conhecimento exclusivo deste, enquanto o destinatário deverá saber a chave pública, correspondente à chave privada do remetente, que é a única capaz de decodificar a mensagem por ele enviada. A utilização da chave privada funciona, portanto, quase que como uma assinatura eletrônica.

2.33. O emprego desta técnica deve considerar a existência de uma terceira parte: a autoridade certificadora, ou entidade certificante, a quem compete certificar a titularidade da chave, dando credibilidade à assinatura e ao documento eletrônico.

2.34. As autoridades certificadoras, em regra, são empresas privadas encarregadas de averiguar a identidade de pessoas para fins de emissão de uma espécie de identidade eletrônica, no intuito de possibilitar a realização de operações identificadas na rede.

2.35. No Brasil, a única certificadora em atividade denomina-se Certisign, com sede no Rio de Janeiro.

2.36. Uma das questões jurídicas que desperta a maior interesse é a questão da incidência de tributos sobre os negócios comerciais quando realizadas on-line. De fato, os conceitos fundamentais do direito tributário, como a territorialidade, a competência, o estabelecimento comercial, dentre outros, adquirem contornos muito diferente na rede, pois, a INTERNET desconhece as fronteiras físicas, jurídicas ou legais, dificultando a instituição de tributos e a determinação de quem é competente para cobrá-los.

2.37. Quando a INTERNET é utilizada como um mera ferramenta de comunicação entre comprador ou vendedor, as dificuldades de determinação dos tributos na operação são mais facilmente resolvidas.

2.38. Na verdade os próprios conceitos de produto e serviço não se aplicam aos objetos virtuais que constituiriam categorias à parte. Por exemplo ao comprar o novo CD de certo cantor, através de download feito no site da gravadora, consuma-se compra e venda ou prestação de serviço? No caso do Brasil, incide o tributo estadual sobre circulação de mercadorias (ICMS), ou o municipal sobre serviços de qualquer natureza (ISS) ? A utilização do e-cash como meio de pagamento no comércio on-line, por exemplo, trará com certeza muitas dificuldades para se estabelecer qual o governo competente para instituir e cobrar impostos referentes à negociação. Nesses casos, a instituição de impostos, tanto diretos como indiretos, é muito complicada, principalmente se for considerada a necessidade de evitar que os mesmos fatos geradores sejam tributados por dois ou mais países. A solução para estes casos de tributar a entrega digital de mercadorias e serviços está longe de ser atingida e provavelmente se firmarão no futuro acordos internacionais que possibilitem a cobrança de tributos nessas situações.

2.39. Um problema mais concreto é a tributação dos serviços prestados pelos chamados provedores de acesso à rede. Com efeito, os provedores de acesso oferecem efetivamente acesso à INTERNET através de linha telefônica ou de outro meio adequado para a comunicação entre duas pessoas.

2.40. De fato, os provedores de acesso não realizam o transporte de sinais de telecomunicações, mas tão-somente utilizam o sistema de transporte de sinais já existentes. Acrescenta-se que, nos termos do artigo 61 da Lei 9.472 de 16 de julho de 1997 e o artigo 3 do anexo à Resolução Anatel n. 73 de 25 de novembro de 1998, a atividade dos provedores de acesso é caracterizada pelo valor adicionado e não como serviço de comunicação, ficando, portanto, fora do campo de incidência de ICMS. Há, não obstante, dúvida com relação à não-incidência de ISS.

2.41. Não obstante, muitos outros países estão procurando novas fontes de tributos, e podem tributar o comércio eletrônico mundial. A União Européia propõem a criação de um imposto sobre a transferência de dados na INTERNET, que chamam de "Bitetecs". Neste sentido, é notável que a posição dos Estados Unidos perante a Organização Mundial do Comércio (OMC) e outras foros internacionais de que a INTERNET deverá ser declarada como sendo um ambiente livre de tributação, quando utilizada para a entrega de produtos ou serviços.

3. Recente legislação proposta

3.1. Ao lado da preocupação em assegurar validade jurídica ao documento eletrônico e à assinatura digital, surgiu, em meados desta década, outra preocupação: a de disciplinar o próprio comércio eletrônico.

3.2. Em 1996, a UNCITRAL adotou Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico, propondo as principais normas a serem adotadas nas legislações nacionais, visando criar ambiente internacional para o desenvolvimento dessa nova modalidade de negócios. A lei é aplicável a qualquer tipo de informação na forma digital usada no contexto de atividades comerciais, porém não tem precedência sobre qualquer outra lei destinada a preservar os direitos do consumidor.

3.3. Em 01 de julho de 1997 o Presidente dos Estados Unidos propôs uma série de linhas mestras a serem adotadas pelos países, denominada "A Framework for Global Electronic Commerce". Devido à importância deste documento, transcrevemos abaixo alguns dos princípios propostas.

"1. Embora os governos tenham tido um papel importante no financiamento do desenvolvimento inicial da INTERNET, inegavelmente sua expansão tem sido promovida pela setor privado. Para o comércio eletrônico florescer, o setor privado deve continuar na liderança. Inovação, expansão de serviços, participação maior e preços mais baixos só podem surgir na arena do mercado livre, não num ambiente de uma indústria regulamentada.

Desta forma, governos devem incentivar a auto-regulamentação, quando apropriado, e apoiar os esforços de organização do setor privado para facilitar a operação bem sucedida da INTERNET. Mesmo quando acordos coletivos ou padrões são necessários, entidades privadas deverão, quando possível, assumir a liderança na sua organização. Quando a ação do governo ou acordos inter- governamentais forem necessários, como por exemplo na área de tributação, a participação do setor privado deve ser formal..

2. Governos devem evitar restrições desnecessárias do comércio eletrônico.

As partes devem contratar livremente, para comprar e vender produtos e serviços por meio da INTERNET, com o mínimo de envolvimento ou intervenção do governo. Regulamentação desnecessária de atividades comerciais pode distorcer o desenvolvimento do mercado eletrônico, diminuindo a oferta e aumentando o custo de produtos e serviços para consumidores no mundo inteiro. Modelos empresariais devem evoluir rapidamente para acompanhar a velocidade das mudanças tecnológicas; as tentativas de governos de regulamentar, provavelmente serão obsoletas quando forem promulgadas as leis, especialmente quando tal legislação visar tecnologia especifica.

Assim, governos devem abster-se de impor legislação nova e desnecessária, procedimentos burocráticos, ou impostos e taxas sobre atividades comerciais feitas por meio da INTERNET.

3. Quando o envolvimento do governo é necessário, seu objetivo deve ser o de apoiar e fazer cumprir um ambiente legal simples, previsível, mínimo e consistente para o comércio.

Em certas áreas acordos governamentais podem ser necessários para facilitar o comércio eletrônico e proteger consumidores. Nesses casos, governos devem estabelecer um ambiente legal simples e previsível, baseado num modelo de lei decentralizado e contratual. Onde a intervenção do governo for necessária para facilitar o comércio eletrônico, seu objetivo deverá ser de assegurar a concorrência, proteger a propriedade intelectual e a privacidade, evitar fraude, fomentar transparência, apoiar transações comerciais e facilitar a resolução de disputas.

4. Os governos devem reconhecer as qualidades únicas da INTERNET

O sucesso explosivo da INTERNET, pode ser atribuído em parte a sua natureza descentralizada e democrática. Essas mesmas características criam desafios logísticos e tecnológicos para modelos existentes de regulamentação, e governos deveriam adaptar suas políticas de forma adequada.

O comércio eletrônico enfrenta desafios significativos quando cruza com esquemas reguladores existentes. Não deveríamos presumir por exemplo, que a regulamentação existente da telecomunicação, radio e televisão serve para a INTERNET. Regulamentação deve ser imposta somente quando necessária para atingir um objetivo importante sobre o qual há um consenso amplo. Leis e regulamentação que podem inibir o comércio eletrônico devem ser revistas e eliminadas para refletir as necessidades da nove era eletrônica.

5. O comércio eletrônico pela INTERNET deverá ser facilitado num base global.

A INTERNET, é um mercado global. A estrutura legal que dá apoio às transações comercias via INTERNET deve ser governada por princípios consistentes ao longo das fronteiras estaduais, nacionais e internacionais. Essa estrutura é o que leva a resultados previsíveis, independentemente da jurisdição na qual um determinado comprador ou vendedor residir."

3.4. Ainda, o documento propõe basicamente nove áreas onde acordos internacionais serão necessários para preservar a INTERNET como uma mídia não-regulamentada, na qual a concorrência e a escolha do consumidor serão formadoras de mercado. Essas áreas são divididas em três subgrupos principais, quais sejam: questões financeiras, legais e de acesso ao mercado:

Questões financeiras

Tarifas e tributação

Pagamentos eletrônicos

Questões legais

Contratos internacionais, documentos eletrônicos e assinaturas digitais

Proteção à propriedade intelectual

Privacidade

Segurança

Questões de acesso ao mercado

Infra-estrutura de telecomunicações e tecnologia da informática

Conteúdo

Padrões técnicos

3.5. No mesmo período no âmbito da Comunidade Européia saiu o "Diretiva 97/7/EC para a Proteção de Consumidores relativa a Contratos à Distância".

3.6. Com base nesses modelos, e considerando a falta de legislação no Brasil a respeito, um anteprojeto de lei, n. 1589, foi apresentado ao Congresso pela OAB, Seção de São Paulo, em 18.08.99.

3.7. O anteprojeto garante ao consumidor que compra pelos meios eletrônicos, todas as garantias já oferecidas pelo Código de Defesa do Consumidor e prevê ainda a utilização do método de criptografia assimétrica, que codifica as informações. Está previsto também o direito à privacidade de informações que não são necessárias ao negócio – como cadastro completo com dados pessoais – e definido o limite da responsabilidade dos provedores de acesso pelo conteúdo do material.

3.8. A atividade de certificação foi dividido em dois grupos distintos, com eficácias diferentes: as certidões eletrônicas por entidades privadas, de caráter comercial, essencialmente privado; e as certidões eletrônicas por tabeliães, de caráter público, e que geram presunção de autenticidade do documento ou da assinatura eletrônica.

3.9. Com relação à atividade pública de certificação realizadas pelos tabeliães, decidiu-se propor, no anteprojeto, duas autoridades distintas no controle daquela atividade, quais sejam, o Poder Judiciário, a quem compete sua fiscalização e o Ministério da Ciência e Tecnologia, a quem cumpre o papel das definições técnicas, inclusive quanto à segurança adequada para o uso da tecnologia de certificações.

3.10. Finalmente, destaque-se também que o anteprojeto, levou ainda em consideração que o comércio eletrônico tem, como das principais características, a transnacionalidade, e propõe que os certificados estrangeiros de assinaturas digitais tenham o mesmo valor jurídico dos expedidos no país, desde que a entidade certificadora esteja sediada e seja devidamente reconhecida, em país signatário de acordos internacionais dos quais seja parte o Brasil, relativos ao reconhecimento jurídico daqueles certificados.

4. Como se pôde observar do que foi discutido até agora, pretendemos abordar somente algumas das questões jurídicas suscitadas pelo comércio eletrônico no plano do direito privado internacional, sem mencionar todos os aspectos jurídicos decorrentes da utilização da INTERNET. Assim sendo, apenas salientamos uma parte do novo cenário desta nova e fascinante tecnologia e alguns dos problemas que se apresentam em relação a sua regulamentação no contexto da globalização.

Rio de Janeiro. 13.09.99.


       Retirado de: http://www.jusnavigandi.com.br