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A TUTELA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO
DOS ESTADOS AMERICANOS
Introdução. 1. Histórico do Sistema Interamericano de
Proteção aos Direitos Humanos. 2. Os órgãos do Sistema Interamericano e suas
funções: 2.1. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos; 2.2. A Corte
Interamericana de Direitos Humanos. 3. O cumprimento das recomendações exaradas
pela Comissão e decisões prolatadas pela Corte Interamericana pelo Brasil: o
projeto Marcos Rolim. 4. As Constituições dos Estados-partes e os tratados de
proteção aos direitos humanos: a supranacionalidade como solução à efetividade
do sistema. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Através
do presente estudo almeja-se tecer uma breve análise a respeito do sistema interamericano de proteção aos direitos
humanos, observando não só suas virtudes e inovações, mas também as
dificuldades encontradas em sua
implementação.
Para
tanto, inicia-se com um pequeno relato das origens deste sistema regional, e após, passa-se ao estudo dos órgãos
competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos
compromissos assumidos pelos Estados-partes na Convenção Americana de Direitos
Humanos (1969): a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos; analisando-se suas estruturas e funções.
Em um terceiro
momento, analisar-se-á o cumprimento
das recomendações exaradas pela Comissão e decisões prolatadas pela Corte
Interamericana pelo Brasil, dando-se ênfase ao projeto de lei n. 3.214,
de 2000 (Do Sr. Marcos Rolim).
Por fim,
serão avaliadas as Constituições dos Estados-partes e o tratamento por elas
ofertado aos tratados de proteção aos direitos humanos, especialmente a
brasileira, colacionando-se as posições doutrinárias e jurisprudenciais
existentes sobre a matéria.
1. Histórico do Sistema Interamericano de Proteção aos
Direitos Humanos
As origens do vigente sistema de proteção regional dos
direitos humanos remonta à 9a Conferência Interamericana, realizada
em Bogotá, Colômbia, de 30 de março a 2 de maio de 1948, na qual foi aprovada a Declaração Americana
de Direitos e Deveres do Homem e a Carta da Organização dos Estados Americanos
[OEA], que precederam em 6 meses a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Nesse passo, a Declaração Americana e a Declaração das
Nações Unidas representam o início do processo de reconhecimento do indivíduo
como sujeito de direitos internacional: a
pessoa humana passa a ser objeto de proteção independentemente de sua
nacionalidade. Sufragando esse entendimento, a Declaração Americana de 1948
reconhece em seus considerandos que “[...] os direitos essenciais do homem não
derivam do fato de ser ele cidadão de determinado Estado, mas sim do fato dos
direitos terem como base os atributos da pessoa humana”. Nasce, assim, o
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
No entanto, referidas declarações, por terem tão
somente caráter de recomendações, não vinculavam juridicamente os Estados[1].
Em razão deste fato, iniciou-se um movimento a fim de tornarem concretas e
exigíveis as obrigações lá previstas. Foi assim que, onze anos após à adoção da
Declaração Americana, a 5a Reunião de Consultas de Ministros de
Relações Exteriores, realizada em Santiago, Chile, de 12 a 18 de agosto de
1959, encarregou o Conselho Interamericano de Juristas de elaborar um projeto
de Convenção a respeito da proteção internacional dos direitos humanos. Nesta
reunião, criou-se a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão autônomo
da OEA concebido para promover a proteção dos direitos humanos no âmbito
interamericano.
Já em 1965, a II Conferência Interamericana Extraordinária, realizada no Rio de Janeiro, Brasil, modificou o Estatuto da Comissão Interamericana e ampliou suas funções, transformando-a em verdadeiro órgão de controle [já podia receber petições que denunciassem violações a direitos humanos, solicitar informações aos Estados e formular recomendações]. Em razão de sua frágil base jurídica [fora criada mediante resolução em reunião de Ministros], os Estados americanos começaram a questionar a atuação da Comissão, muitos passando a não levar em conta as recomendações e a não oferecer informações quando solicitados; ou seja, a Comissão restou desacreditada juridicamente. Dois anos após, o Protocolo de Buenos Aires, fez com que restasse superada tais questões, ao incorporar a Comissão à Carta da OEA e conferir-lhe status de seu órgão principal, parte de sua estrutura permanente.
Finalmente, em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana dos Direitos Humanos [Pacto San José da Costa Rica] foi adotada e aberta à assinatura, marcando o início de uma nova fase na história da proteção dos direitos humanos em nível internacional, no âmbito das Américas.
O pacto San José da Costa Rica, entretanto, somente entrou em vigor em 1978 após o número mínimo de 11 ratificações ser alcançado; passando, só então, a vincular juridicamente os Estados partes. A Convenção, além de atribuir à Comissão novas funções, criou um segundo órgão: a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O Brasil somente ratificou o Pacto de San José por meio do Decreto Executivo 678 de 6 de novembro de 1992. E, apenas no ano de 1998, reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana, mediante aprovação pelo Congresso Nacional do art. 62.1. da Convenção [cláusula facultativa] corporificada pelo Decreto Legislativo 89, de 03 de dezembro de 1998. A Declaração de aceitação da competência obrigatória da Corte Interamericana foi depositada junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos em 10 de dezembro de de 1998, e tão só recentemente, em 08 de novembro de 2002, foi promulgado Decreto de execução pelo Presidente da República a fim de conferir-lhe executoriedade e publicidade no âmbito interno (Decreto n. 4.463).
A Convenção Americana representa, assim, a positivação dos direitos humanos e a garantia de sua proteção em nível interamericano, mediante a implantação de um sistema de controle das ações dos Estados partes e verificação do cumprimento dos compromissos por eles assumidos perante a comunidade internacional - o que significa uma revisão na noção tradicional de soberania - a fim de propiciar a máxima proteção da pessoa humana, considerada como sujeito de direitos internacional.
2. Os órgãos do Sistema
Interamericano e suas funções
2.1. A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos
A Comissão Interamericana desempenha um duplo papel no sistema regional de proteção aos direitos humanos. Apesar de se tratar de um único órgão, possui atribuições tanto no âmbito da OEA [é seu órgão principal] quanto no da Convenção Americana de Direitos Humanos. Quando desempenha o papel de principal órgão da OEA, a sua atuação restringe-se ao recebimento de reclamações concernentes ao descumprimento do estatuído na Declaração Americana de 1948 em face dos 35 Estados-membros[2]. Já no papel de órgão da Convenção Americana somente pode atuar em face dos 25 Estados-partes que ratificaram a Convenção[3]. A Comissão, assim, combina poderes outorgados pela Carta da OEA e pela Convenção Americana de 1948 a fim de proporcionar a efetiva proteção aos direitos humanos em nível interamericano.
A Comissão, segundo preceitua a Convenção Americana dos
Direitos Humanos, é integrada por “sete membros, que deverão ser pessoas de
alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos”
(art. 34), eleitos a título pessoal pela Assembléia Geral da Organização, a
partir de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados-membros.
Ela representa, desta forma, todos os Estados-membros da OEA. Tem sua sede em
Washington, D.C. (art.16 do Estatuto).
Cada Estado pode propor até 3 (três) candidatos
nacionais ou de qualquer outro Estado-membro da OEA para fazer parte da
Comissão. Uma vez proposta lista com 3 (três) candidatos, pelo menos um deles
deve ser proveniente de Estado diferente do proponente. O mandato dura 4 anos,
sendo permitida um reeleição.
A Comissão tem por função principal a promoção da observância e da defesa dos direitos humanos (art. 41 do Pacto San José). Para alcançar tal desiderato formula recomendações aos governos dos Estados-membros; prepara estudos ou relatórios, solicita aos governos dos Estados-membros informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; atende a consultas formuladas por Estados-membros e presta-lhes assesoramento; recebe petições que contenham denúncia ou queixas de violação aos direitos humanos por algum Estado-parte da Convenção Americana, além de apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da OEA. Assim, o papel desempenhado pela Comissão evoluiu no decorrer do anos: de uma instância de simples promoção dos direitos humanos [quando criada em 1959, concebida como órgão autônomo da OEA]