® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

 

 

 

A TUTELA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DOS ESTADOS AMERICANOS

 

Franciny Beatriz Abreu de Figueiredo e Silva·

 

Introdução. 1. Histórico do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. 2. Os órgãos do Sistema Interamericano e suas funções: 2.1. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos; 2.2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos. 3. O cumprimento das recomendações exaradas pela Comissão e decisões prolatadas pela Corte Interamericana pelo Brasil: o projeto Marcos Rolim. 4. As Constituições dos Estados-partes e os tratados de proteção aos direitos humanos: a supranacionalidade como solução à efetividade do sistema. Considerações Finais. Referências.

 

 

Introdução

 

Através do presente estudo almeja-se tecer uma breve análise  a respeito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, observando não só suas virtudes e inovações, mas também as dificuldades encontradas em sua  implementação.

Para tanto, inicia-se com um pequeno relato das origens deste sistema regional,  e após, passa-se ao estudo dos órgãos competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-partes na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969): a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos; analisando-se suas estruturas e funções.

Em um terceiro momento, analisar-se-á o cumprimento das recomendações exaradas pela Comissão e decisões prolatadas pela Corte Interamericana pelo Brasil, dando-se ênfase ao projeto de lei n. 3.214, de 2000 (Do Sr. Marcos Rolim).

Por fim, serão avaliadas as Constituições dos Estados-partes e o tratamento por elas ofertado aos tratados de proteção aos direitos humanos, especialmente a brasileira, colacionando-se as posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes  sobre a matéria.

 

 

1. Histórico do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos

 

 

As origens do vigente sistema de proteção regional dos direitos humanos remonta à 9a Conferência Interamericana, realizada em Bogotá, Colômbia, de 30 de março a 2 de maio de 1948,  na qual foi aprovada a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Carta da Organização dos Estados Americanos [OEA], que precederam em 6 meses a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Nesse passo, a Declaração Americana e a Declaração das Nações Unidas representam o início do processo de reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos internacional: a  pessoa humana passa a ser objeto de proteção independentemente de sua nacionalidade. Sufragando esse entendimento, a Declaração Americana de 1948 reconhece em seus considerandos que “[...] os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele cidadão de determinado Estado, mas sim do fato dos direitos terem como base os atributos da pessoa humana”. Nasce, assim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

No entanto, referidas declarações, por terem tão somente caráter de recomendações, não vinculavam juridicamente os Estados[1]. Em razão deste fato, iniciou-se um movimento a fim de tornarem concretas e exigíveis as obrigações lá previstas. Foi assim que, onze anos após à adoção da Declaração Americana, a 5a Reunião de Consultas de Ministros de Relações Exteriores, realizada em Santiago, Chile, de 12 a 18 de agosto de 1959, encarregou o Conselho Interamericano de Juristas de elaborar um projeto de Convenção a respeito da proteção internacional dos direitos humanos. Nesta reunião, criou-se a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão autônomo da OEA concebido para promover a proteção dos direitos humanos no âmbito interamericano.

Já em 1965, a II Conferência Interamericana Extraordinária, realizada no Rio de Janeiro, Brasil, modificou o Estatuto da Comissão Interamericana e ampliou suas funções, transformando-a em verdadeiro órgão de controle [já podia receber petições que denunciassem violações a direitos humanos, solicitar informações aos Estados e formular recomendações]. Em razão de sua frágil base jurídica [fora criada mediante resolução em reunião de Ministros], os Estados americanos começaram a questionar a atuação da Comissão, muitos passando a não levar em conta as recomendações e a não oferecer informações quando solicitados; ou seja, a Comissão restou desacreditada juridicamente. Dois anos após, o Protocolo de Buenos Aires, fez com que restasse superada tais questões, ao incorporar a Comissão à Carta da OEA e conferir-lhe status de  seu órgão principal, parte de sua estrutura permanente.

Finalmente, em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana dos Direitos Humanos [Pacto San José da Costa Rica] foi adotada e aberta à assinatura, marcando o início de uma nova fase na história da proteção dos direitos humanos em nível internacional, no âmbito das Américas.

O pacto San José da Costa Rica, entretanto, somente entrou em vigor em 1978 após o número mínimo de 11 ratificações ser alcançado; passando, só então, a vincular juridicamente os Estados partes. A Convenção, além de atribuir à Comissão novas funções, criou um segundo órgão: a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O Brasil somente ratificou o Pacto de San José  por meio do Decreto Executivo 678 de 6 de novembro de 1992. E, apenas no ano de 1998, reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana, mediante aprovação pelo Congresso Nacional do art. 62.1. da Convenção [cláusula facultativa] corporificada pelo Decreto Legislativo 89, de 03 de dezembro de 1998. A Declaração de aceitação da competência obrigatória da Corte Interamericana foi depositada junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos em 10 de dezembro de de 1998, e tão só recentemente, em 08 de novembro de 2002, foi promulgado Decreto de execução pelo Presidente da República a fim de conferir-lhe executoriedade e publicidade no âmbito interno (Decreto n. 4.463).

A Convenção Americana representa, assim, a positivação dos direitos humanos e a garantia de sua proteção em nível interamericano, mediante a implantação de um sistema de controle das ações dos Estados partes e verificação do cumprimento dos compromissos por eles assumidos perante a comunidade internacional - o que significa uma revisão na noção tradicional de soberania - a fim de propiciar a máxima proteção da pessoa humana, considerada como sujeito de direitos internacional.

 

 

2. Os órgãos do Sistema Interamericano e suas funções

2.1. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos

 

A Comissão Interamericana desempenha um duplo papel no sistema regional de proteção aos direitos humanos. Apesar de se tratar de um único órgão, possui atribuições tanto no âmbito da OEA [é seu órgão principal] quanto no da Convenção Americana de Direitos Humanos. Quando desempenha o papel de principal órgão da OEA, a sua atuação restringe-se ao recebimento de reclamações concernentes ao descumprimento do estatuído na Declaração Americana de 1948 em face dos 35 Estados-membros[2]. Já no papel de órgão da Convenção Americana somente pode atuar em face dos 25 Estados-partes que ratificaram a Convenção[3]. A Comissão, assim, combina poderes outorgados pela Carta da OEA e pela Convenção Americana de 1948 a fim de proporcionar a efetiva proteção aos direitos humanos em nível interamericano.

A Comissão, segundo preceitua a Convenção Americana dos Direitos Humanos, é integrada por “sete membros, que deverão ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos” (art. 34), eleitos a título pessoal pela Assembléia Geral da Organização, a partir de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados-membros. Ela representa, desta forma, todos os Estados-membros da OEA. Tem sua sede em Washington, D.C. (art.16 do Estatuto).

Cada Estado pode propor até 3 (três) candidatos nacionais ou de qualquer outro Estado-membro da OEA para fazer parte da Comissão. Uma vez proposta lista com 3 (três) candidatos, pelo menos um deles deve ser proveniente de Estado diferente do proponente. O mandato dura 4 anos, sendo permitida um reeleição.

A Comissão tem por função principal a promoção da observância e da defesa dos direitos humanos (art. 41 do Pacto San José). Para alcançar tal desiderato formula recomendações aos governos dos Estados-membros; prepara estudos ou relatórios, solicita aos governos dos Estados-membros informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; atende a consultas formuladas por Estados-membros e presta-lhes assesoramento; recebe petições que contenham denúncia ou queixas de violação aos direitos humanos por algum Estado-parte da Convenção Americana, além de apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da OEA. Assim, o papel desempenhado pela Comissão evoluiu no decorrer do anos: de uma instância de simples promoção dos direitos humanos [quando criada em 1959, concebida como órgão autônomo da OEA]