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Para que servem as Organizações Internacionais?

Ana Paula Gerhke

Acadêmica do Curso de Direito da UFSM


 

Basta abrir um jornal ou ouvir um noticiário para constatar-se a presença quase constante das organizações internacionais no cenário mundial.

Pode-se definir tais organizações como “uma sociedade entre Estados, constituída através de um Tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns através de uma permanente cooperação entre seus membros”[i].

Dessa definição depreendem-se as seguintes conclusões: as organizações têm sua origem na vontade dos Estados, logo a continuidade de suas atividades vincula-se ao desejo dos integrantes; são constituídas a fim de atingir fins que são comuns aos Estados-Membros.

Tais organizações, dotadas que são de personalidade jurídica internacional, são sujeitos de direitos e obrigações no âmbito internacional, qualidade que antes da existência desses entes era exclusiva dos Estados soberanos.

A partir do tratado constitutivo da organização, acordo no qual os Estados fundadores resolvem criá-la, verificam-se os objetivos que serão colimados por este novo sujeito de direito, bem como os instrumentos através dos quais ele irá persegui-los. Dentre as variadas classificações adotadas pela doutrina, nesse aspecto específico pode-se vislumbrar as organizações internacionais atuando em quatro linhas distintas, tais como:

1.      Aproximação de posições entre os países membros;

2.      Adoção de normas comuns de comportamento dos países membros;

3.      Previsão de ação operacional em casos de urgência na solução de crises de âmbito nacional ou internacional, originadas de catástrofes naturais, conflitos internacionais, guerra civil e pesquisa conjunta em áreas específicas, de interesse dos Estados partes;

4.      Prestação de serviços, sobretudo de cooperação econômica aos países membros.[ii]

 

Para uma melhor visualização das possíveis respostas ao título proposto a esse texto, tem-se como oportuno tecer breves considerações sobre algumas organizações internacionais em atividade atualmente.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – (ONU) – criada pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial, tem como objetivo geral “manter a paz e a segurança internacionais”. A Carta de São Francisco, acordo que criou a organização, em 1945, proíbe o uso unilateral da força, prevendo contudo sua utilização individual ou coletiva destinada ao interesse comum da organização. Para a manutenção/obtenção da segurança internacional, seu objetivo número um, a ONU intervém não só para restaurar a paz, mas também para prevenir possíveis conflitos que lhe imponham uma ruptura.

Além desse objetivo primordial, a Carta das Nações Unidas também salienta as relações amistosas entre os Estados-membros e a cooperação internacional.

Para alcançá-los a Carta menciona, entre outros, os métodos amistosos de solução pacífica de controvérsias, ação coletiva contra ruptura da paz e atos de agressão, acordos regionais.

 

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO –(OIT)- Como organização especializada[iii] da ONU, foi a primeira de caráter universal. A Declaração da Filadélfia traz os princípios que deverão nortear a organização, bem como os desígnios basilares de sua ação trabalhista, os quais devem objetivar pleno emprego, remuneração digna, formação profissional, aumento do nível de vida, possibilidade de negociação coletiva de contratos de trabalho e de elaboração de medidas sócio-econômicas, proteção da infância e da maternidade, sistema de saúde, entre outros propósitos. 

A OIT busca uma proteção internacional aos trabalhadores, de forma a estabelecer níveis comuns de proteção laboral[iv].

 

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE –(OMS)- surgiu após a Segunda Grande Guerra, sendo formalizada em 1946. Seu objetivo primordial, constante do tratado que a constitui, visa o alcance do mais alto grau possível de saúde por todos os povos, para o que, entre outras ações, elabora estudos acerca do combate de epidemias, bem como de normas internacionais para produtos alimentícios e farmacêuticos, coordena questões sanitárias internacionais, tenta conseguir avanços nas áreas de nutrição, higiene, habitação, saneamento básico, etc.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO,CIÊNCIA E CULTURA –(UNESCO)- criada em 1945 pela Conferência de Londres, tem como objetivo “contribuir para a paz através da educação, ciência e cultura”, fazendo com que uma estreita colaboração internacional venha a fazer respeitar “a justiça, a lei, os direitos humanos e as liberdades fundamentais”[v]. Sua atuação visa eliminar o analfabetismo, melhorar o ensino básico, além de promover publicações de livros, revistas e participar de debates científicos. Desde 1960 também atua na preservação e restauração de sítios de valor cultural e histórico[vi].

 

FUNDO MONETÁRIO NACIONAL(FMI) e BANCO INTERNACIONAL PARA RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO(BIRD) – essas duas organizações foram criadas ao mesmo tempo, com os Acordos de Bretton Woods em 1944, com o objetivo de conceder empréstimo de recursos financeiros aos países membros sob determinadas condições. Os recursos, porém, são concedidos sob diferentes critérios em face de cada uma das organizações. O FMI presta auxílio visando reduzir desequilíbrios na balança de pagamentos do tomador, propiciando assim maior estabilidade ao sistema monetário. O BIRD, também chamado de Banco Mundial, financia projetos de retorno a médio e longo prazo, tal como refere a própria denominação da organização(reconstrução e desenvolvimento), diferenciando-se da primeira que apresenta um caráter mais emergencial.

O preenchimento das condições que viabilizam a liberação de recursos passa pela assunção de compromissos por parte do país tomador do empréstimo, o que causa muita discussão em âmbito interno, em que se digladiam governo e opinião pública, essencialmente sob o aspecto da autonomia política, que sem dúvida acaba sendo limitada pelos compromissos assumidos na chamada carta de intenções(sobretudo no que se relaciona ao FMI) que é assinada pelo país favorecido em face dos recursos provindos do concedente.

 

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO –(OMC)- de surgimento bem mais recente que as demais organizações, a OMC foi criada ao final da Rodada Uruguai, em 1994, sendo formalizada pelo Acordo de Marrakesch. Foi a primeira organização internacional pós-Guerra Fria, de vocação universal[vii]. Tem como precursor o GATT(Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio),um acordo comercial que se caracterizava pela multilateralidade e pelo dinamismo[viii], onde os países buscavam impulsionar a liberalização comercial e combater práticas protecionistas, sistematizando-se assim um fórum de negociações tarifárias.

A OMC, como herdeira do GATT, objetiva desenvolver a produção e o comércio de bens e serviços entre os países membros, de forma a incrementar a liberalização tarifária que já vinha sendo proposta pelo seu precursor. Além disso, a organização também se preocupa em aumentar o nível de vida nos Estados-membros.

Muitas são as opiniões sobre a eficácia e os verdadeiros desígnios desta organização, haja vista que, ao mesmo tempo que deveria viabilizar condições similares de importação e exportação aos países membros, com o princípio incondicional da cláusula da nação mais favorecida[ix], também deveria viabilizar aos países em desenvolvimento que pudessem atuar no comércio internacional com real competitividade, o que por vezes demandaria que certos benefícios lhe fossem concedidos para que se colocassem em pé de igualdade com os Estados ricos.

 

Do exposto pode-se concluir que os propósitos das organizações são muito relevantes, possuindo capital importância no cenário internacional . Não obstante, em que pese tal constatação, há que se reconhecer que o papel efetivamente desempenhado pelas organizações apresenta eficácia muito inferior ao que é(ou deveria ser )idealizado pelos Estados-partes.

Embora se tenha em mente que uma organização tem sua vontade diferenciada da simples soma daquelas manifestadas individualmente pelos países que a integram[x], por ser financiada pelos seus componentes, por vezes tem sua atuação polarizada pelos Estados que contribuem mais significativamente para a sua manutenção[xi].

Com efeito, cumpre esclarecer que a organização não pode prescindir da força e do poderio dos Estados para a consecução dos fins para os quais foi constituída, sob pena de tornar-se ineficaz.

Nesse aspecto, agora lançando mão de um exemplo concreto, é perfeitamente compreensível o motivo pelo qual os EUA ocupam o lugar de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, órgão que toma as decisões mais importantes da organização.

Mas é justamente aí que reside o impasse. Por ser indispensável, esse Estado pode subjugar aos seus interesses particulares os da organização, passando por cima de recomendações e decisões emanadas desta última à comunidade internacional, normas para as quais deveria oferecer forte contribuição para que tivessem efetividade.

Nesse panorama, não é difícil ao leitor vislumbrar o paradoxo existente nas relações da organização com os Estados que a compõem.

Considerando que os países mais prósperos não desejam perder sua magnitude, pode-se concluir, pelo menos de forma geral, que não agirão em prol do desenvolvimento dos demais, visto que estes, tornando-se competitivos, ameaçarão sua hegemonia em um ou outro setor.

Se é assim, partindo-se do princípio que as organizações foram idealizadas para a difusão da cooperação entre as nações, para a busca da paz, do desenvolvimento dos países mais pobres e da diminuição das desigualdades entre os Estados em todos níveis(social, cultural, tecnológico, etc.), é evidente que os Estados mais fortes oferecerão resistência a práticas que os colocarão em posição menos favorecida diante dos demais.

Constata-se aí a existência de duas vontades distintas e por vezes opostas, a que visa o bem comum, oriunda da organização, e a que conjuga somente os interesses individuais de cada componente. Quando conflitantes, o Estado contrariado impõe um boicote à norma editada pela organização, conduta levada a efeito essencialmente quando não há mecanismos capazes de lhe impor uma sanção.

Quando o contrariado é aquele que possui um “peso” maior na organização, a possibilidade de que tais mecanismos, se existentes, funcionem, é muito improvável.

Sob esse ângulo, a influência desse componente  na efetividade da linha de ação da organização vislumbra-se em dois aspectos: quando impõe sua força para que outros sujeitos sigam as determinações daquela, o que importa no aspecto positivo do fenômeno, e quando deixa de cumpri-las, sem que ninguém consiga detê-lo ou puni-lo, constituindo o aspecto negativo.

Portanto, embora não se questione que as organizações sejam de grande importância para aproximar desiguais, sendo esta, em última análise, sua mais nobre função, é imprescindível que elas se reformulem e lancem mão de novas alternativas para não permanecerem eternamente sob o jugo do poderio de determinados Estados, ou então, com o passar do tempo, fadadas ao insucesso quanto aos princípios que visam defender, de nada mais servirão.

 




NOTAS DE FIM

[i] SEITENFUS, R., Manual da Organizações internacionais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997.

[ii] Ibid.

[iii] As Nações Unidas têm como princípio a cooperação internacional. Para dar efetividade a esse propósito, a Carta prevê a criação de entidades especializadas para atuar nas mais diversas áreas, tais como economia, saúde, educação, etc.

[iv] SEITENFUS,R. e VENTURA, D., Introdução ao Direito Internacional Público, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.

[v] Op. cit.

[vi] Op.cit.   

[vii] LAFER, C., A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998.

[viii] Op.cit

[ix] Esta cláusula consiste na proibição de discriminação tarifária. Se uma país recebe determinada vantagem tarifária, o concedente deve estendê-la a todas os demais.

[x] Op.cit.

[xi] Cada organização conta com uma estrutura de poder e de tomada de decisões. Algumas delas adotam o sistema de um país, um voto; outras utilizam sistema diferenciado, em que o peso do voto de cada Estado é considerado conforme o peso de sua contribuição para o financiamento dos custos da organização, ou de suas condições econômicas e/ou poderio bélico.

 


 BIBLIOGRAFIA

 LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

 

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

 

SEITENFUS, Ricardo e VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

 

SILVA, G.E. do Nascimento e ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

Retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos/internacional/organizacoes.htm