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A influência dos tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos no direito interno brasileiro
Valerio
de Oliveira Mazzuoli
INTRODUÇÃO
Considerando
essencial que o direito internacional e o direito interno se integrem
eficazmente na proteção dos direitos do homem, a presente monografia se propõe
a estudar, neste meio século da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
a influência dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos no
direito interno brasileiro, o processo de redefinição da democracia no Brasil,
bem como a aplicação do princípio da primazia da norma mais favorável
como regra de hermenêutica internacional. Vale dizer, importa examinar a
dinâmica da relação entre o processo de internacionalização dos direitos
humanos e seu impacto e repercussão no processo de redefinição e reconstrução
da democracia no âmbito brasileiro.
Para se
enfrentar corretamente o presente tema, necessário se faz a discussão de: a)
como os tratados internacionais que versam sobre os direitos humanos
fundamentais incorporam-se ao direito interno; b) quais são as regras de
interpretação que devem ser adotadas, especialmente no que concerne à
harmonização com o Direito interno; c) como os tratados internacionais
de proteção aos direitos humanos influem no processo de redefinição da
democracia no âmbito brasileiro.
Primeiro
estudaremos a integração, eficácia e aplicabilidade do direito internacional
dos direitos humanos no direito interno brasileiro, fazendo uma interpretação
sistemática entre os arts. 5.º, §§ 1.º e 2.º, art. 1.º, III e art. 4.º, II,
todos da Carta Magna da República de 1988. Como resultado hermenêutico da
interpretação de tais normas, este estudo apresentará sua conclusão envolvendo
o princípio da primazia da norma mais favorável ao ser humano, indicando
os meios em que deve ser utilizado e processado no direito interno do país.
1. A
Influência dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos no
Direito Interno Brasileiro
O problema da concorrência entre tratados
internacionais e leis internas de estatura infraconstitucional, pode ser
resolvido, no âmbito do direito das gentes, em princípio, de duas
maneiras. Numa, dando prevalência aos tratados sobre o direito interno
infraconstitucional, garantindo ao compromisso internacional plena vigência,
sem embargo de leis posteriores que o contradigam. Noutra, tais problemas são
resolvidos garantindo-se aos tratados apenas tratamento paritário,
tomando como paradigma leis nacionais e outros diplomas de grau equivalente.(1)
O Brasil, segundo o Supremo Tribunal Federal, enquadra-se nesse segundo sistema
(monismo nacionalista). Há mais de vinte anos vigora na jurisprudência
brasileira o sistema paritário onde o tratado, uma vez formalizado,
passa a ter força de lei ordinária (v. RTJ 83/809 e ss.),
podendo, por isso, revogar as disposições em contrário, ou ser revogado (rectius:
perder eficácia) diante de lei posterior. (2)
Desde já, é necessário dizer que o estudo das
relações entre o Direito Internacional e o ordenamento interno, se afigura um
dos mais difíceis de se compreender, pois consiste em sabermos qual o tipo de
relações que mantêm entre si. (3) O ponto nevrálgico da questão consiste em
saber-se qual das normas deverá prevalecer em havendo conflito entre o produto
normativo convencional (norma internacional) e a norma interna. Para tentar
resolver este problema, duas grandes concepções doutrinárias surgiram: a monista
e a dualista.
Foi Alfred von Verdross que, em 1914, cunhou a
expressão "dualismo", a qual foi aceita por Triepel, em 1923. Para os
adeptos dessa corrente, o direito interno de cada Estado e o internacional são
dois sistemas independentes e distintos, embora igualmente válidos. Por
regularem tais sistemas matérias diferentes, entre eles não poderia haver
conflito, ou seja, um tratado internacional não poderia, em nenhuma hipótese,
regular uma questão interna sem antes ter sido incorporado a este ordenamento
por um procedimento receptivo que o transforme em lei nacional. Para os
dualistas, os tratados internacionais representam apenas compromissos
exteriores do Estado, assumidos por Governos na sua representação, sem que isso
possa influir no ordenamento interno desse Estado. Em um caso, trata-se de
relações entre Estados, enquanto em outro as regras visam à regulamentação das
relações entre indivíduos. (4) Por isso é que esses compromissos exteriores,
para os dualistas, não têm o condão de gerar efeitos automáticos na ordem
jurídica interna do país, se todo o pactuado não se materializar na forma de
diploma normativo típico do direito interno: uma lei, um decreto, uma lei
complementar, uma norma constitucional etc. (5)
Esta teoria teve em Carl Heinrich Triepel, na
Alemanha, um de seus maiores e mais notáveis defensores. Foi de Triepel o
primeiro estudo sistemático sobre a matéria (Volkerrecht und Landesrecht,
de 1899), cuja concepção foi aprovada por Dionisio Anzilotti, na Itália, que a
adotou, em 1905, em trabalho intitulado "Il Diritto Internazionale nel
giudizio interno", e aplaudida também por Oppenheim. Esta corrente
dualista, estabelece diferenças entre o direito internacional público e o
direito interno, dentre elas a de que as regras internas de um Estado soberano
são emanadas de um poder ilimitado, em relação ao qual existe forte
subordinação de seus dependentes, o que não acontece no âmbito internacional.
De forma que, estes dois ordenamentos jurídicos – o do Estado e o internacional
– podem andar pareados sem, entretanto, haver primazia de um sobre o outro,
pois distintas são as esferas de suas atuações. Assim, não pode um preceito do Direitos
das Gentes revogar outro que lhe seja diverso no ordenamento interno. O
Estado pactuante, apenas, obriga-se a incorporar tais preceitos no seu
ordenamento doméstico, assumindo somente uma obrigação moral, mas, se não o
fizer, deverá ser, por isso, responsabilizado no plano internacional. Para os
dualistas, "as normas de Direito Internacional não têm força cogente no
interior de um Estado senão por meio da recepção, isto é, em decorrência
de um ato do seu Poder Legislativo que as converte em regras de Direito
Interno, não sendo possível, por via de conseqüência, colisões entre as duas
ordens jurídicas". (6)
Já, os autores monistas, partem da
inteligência oposta. Para eles, se um Estado assina e ratifica um tratado
internacional, é porque está se comprometendo juridicamente a assumir um
compromisso; se tal compromisso envolve direitos e obrigações que podem ser
exigidos no âmbito interno do Estado, não se faz necessário, só por isso, a
edição de um novo diploma, materializando internamente aquele compromisso
exterior. (7)
Os monistas dividem-se em duas correntes: a)
uma (monismo internacionalista), sustenta a unicidade da ordem
jurídica sob o primado do direito internacional, a que se ajustariam todas as
ordens internas (posição que teve em Hans Kelsen seu maior expoente). Os que
defendem este posicionamento se bifurcam – uns não admitem que uma norma de direito
interno vá de encontro a um preceito internacional, sob pena de nulidade, assim
como Kelsen (Das problem der souveränität und die theorie des völkerrechtes,
1920), e outros, os mais moderados, como Verdross, negam tal falta de validade,
embora afirmem que tal lei constitui uma infração que o Estado lesado pode
impugnar exigindo ou a sua derrogação ou a sua inaplicabilidade,
responsabilizando o infrator a indenizar os prejuízos decursivos(8); b)
já, a outra corrente (monismo nacionalista), apregoa o primado do
direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos
do direito internacional reponta como uma faculdade discricionária. Aceitam a
integração do produto convencional ao direito interno, mas não em grau
hierárquico superior. Os monistas defensores do predomínio interno, dão, assim,
"relevo especial à soberania de cada Estado e à descentralização da
sociedade internacional. Propendem, dessarte, ao culto da constituição (sic),
estimando que no seu texto, ao qual nenhum outro pode sobrepor-se na hora
presente, há de encontrar-se notícia do exato grau de prestígio a ser atribuído
às normas internacionais escritas e costumeiras", (9) vertente esta
influenciada pela filosofia de Spinoza e de Hegel, defensor da soberania absoluta
do Estado, seguida também por Wenzel e Chailley.
Assim, dentro do sistema jurídico brasileiro,
onde tratados e convenções guardam estrita relação de paridade normativa
com as leis ordinárias editadas pelo Estado, a normatividade dos tratados
internacionais, permite, no que concerne à hierarquia das fontes, situa-los
(como quer o STF), no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se
posicionam as nossas leis internas. (10) Esta é posição já firmada e
sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal, há mais de vinte anos, sem embargo
de vozes atualíssimas a proclamar a supremacia dos tratados de direitos
humanos, frente a Constituição Federal, como veremos logo adiante.
Pode surgir, assim, um impasse: determinados
dispositivos de ordem interna concernente à uma liberdade individual dispondo
de um modo, e uma norma de direito internacional dispondo de outro. Podemos
exemplificar com a questão da prisão civil por infidelidade depositária: a
Constituição Federal de 1988 (art. 5.º, LXVII), apregoa que "não haverá prisão
civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel"; o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de outro, dispõe que
"Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação
contratual [grifos nossos], tratado esse que vem, por sua vez, corroborar o
entendimento do art. 7.º, 7, do Pacto de San José da Costa Rica (o qual o
Brasil aderiu sem reservas), que exclui de seu texto a figura do depositário
infiel. (11)
Seguindo esse raciocínio, surge a indagação:
com a ratificação, pelo Brasil, desses dois tratados internacionais, o disposto
na Constituição Federal acerca da prisão civil do infiel depositário, não
estaria revogado? Segundo a orientação do STF, não. À exceção da Constituição
holandesa que, após a revisão de 1956, permite em certas circunstâncias, que
tratados internacionais derroguem seu próprio texto, é muito difícil que uma
dessas leis fundamentais despreze, neste momento histórico, "o ideal de
segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesma, ao
produto normativo dos compromissos exteriores do Estado". (12) De forma
que, "posto o primado da constituição em confronto com a norma pacta
sunt servanda" – explicava o então Ministro Rezek –, "é corrente
que se preserve a autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto
signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo, deve aquele
responder". (13)
Segundo o entendimento da Suprema Corte,
qualquer tratado internacional que seja, desde que ratificado pelo Brasil,
passa a fazer parte do nosso direito interno, no âmbito da legislação
ordinária. Esta, como é sabido, não tem força nenhuma para mudar o texto
constitucional. Isto porque, a Carta Magna, como expressão máxima da soberania
nacional, como diz o Supremo Tribunal Federal, está acima de qualquer tratado
ou convenção internacional que com ela conflite. Não havendo na Constituição
garantia de privilégio hierárquico dos tratados internacionais sobre o direito
interno brasileiro, deve ser garantida a autoridade da norma mais recente, pois
é paritário (repete-se: segundo o STF) o tratamento brasileiro, dado às
normas de direito internacional, o que faz operar em favor delas, neste caso, a
regra lex posterior derogat priori.
A prevalência de certas normas de direito
interno sobre as de direito internacional decorre de primados do próprio STF,
com base na especialidade das leis no sistema jurídico constitucional.
Aliás, mesmo antes da Constituição de 1988, o STF já tinha se pronunciado a
respeito, a propósito da Convenção de Genebra da Lei Uniforme sobre Cheques,
por votação unânime, em 04.08.1971, no RE 71.154-PR, de que foi relator
o Min Oswaldo Trigueiro, no sentido de que não é razoável que a validade dos
tratados fique condicionada à dupla manifestação do Congresso Nacional,
exigência que nenhuma das nossas Constituições jamais prescreveu. Isto é,
não se exige, além da aprovação do tratado, a edição de um segundo diploma
legal específico que reproduza as normas modificadoras. Alguns anos mais tarde,
o plenário do STF voltaria a se manifestar, porém, com um avanço significativo,
em destaque, in verbis:
"Embora a Convenção de Genebra, que
previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias, tenha
aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do
país, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do
Decreto-lei 427/69, que instituiu o registro obrigatório da nota promissória em
Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título" (publicado na
íntegra o Acórdão na RTJ 83/809-848, RE 80.004-SE, relator do Acórdão
Min. Cunha Peixoto, de 01.06.1977).
Para o STF, então, leis especiais tem
prevalência sobre pactos ou convenções internacionais que lhes sejam
posteriores, por serem estes normas infraconstitucionais gerais que, por
esse motivo, não são aptos a revogar normas infraconstitucionais especiais
anteriores (lex posterior generalis non derogat legi priori speciali).
Ou como dizia Papiniano: In toto jure generi per speciem derogatur, et illud
potissimum habetur quod ad speciem directum est – "em toda disposição
de Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância
preponderante o que respeita diretamente à espécie". (14)
2. PRINCÍPIO DA
PRIMAZIA DA NORMA MAIS
FAVORÁVEL ÀS VÍTIMAS – A PREVALÊNCIA DA
NORMA MAIS FAVORÁVEL AO SER HUMANO
A par de toda essa orientação, estamos
convictos de que as soluções dadas até então para o problema da hierarquia
entre tratados internacionais e a lei interna, não são das melhores. Aliás, são
das piores. A falta de lógica-jurídica que assola, neste campo, os nossos
tribunais, é assustadora. As soluções que precisamos, no mais das vezes, se faz
presente bem em frente dos nossos olhos. A solução para o nosso problema é
simples e não requer quase que nenhum esforço do intérprete. Tal solução vêm
justamente do estudo mais acurado dos direitos humanos.
Atualmente, o que se vem percebendo é o
surgimento gradual de uma nova mentalidade, mais aberta e otimista, em relação
aos Direitos Humanos, principalmente dessa nova geração de juristas. Não mais
se cogita, para esse novo grupo, em monismo e dualismo, o que já estaria (e
efetivamente está!) por demais superado. O que pretendem, ao que nos parece, é
que seja dado às normas de direitos humanos provenientes de tratados
internacionais, o seu devido valor. Não admitem essa igualização dos tratados
com a legislação interna do país. Ao contrário: desejam ver aqueles
compromissos internacionais igualados à Constituição do Estado. Nesse diapasão,
dispõe o art. 29 ("Normas de interpretação") do Pacto de San José da
Costa Rica, que:
"Nenhuma disposição da presente Convenção
pode ser interpretada no sentido de:
a. permitir a qualquer dos Estados-partes,
grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades
reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
b. limitar o gozo e exercício de qualquer
direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer
dos Estados-partes …".
Em vista dessas disposições convencionais,
essa nova doutrina, mais aberta à essa nova realidade atual, apoia a supremacia
daquele produto convencional no parágrafo 2.º do art. 5, da Constituição
Federal, que assim dispõe:
"Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte".
Como se vê, são três as vertentes, na
Constituição de 1988, dos direitos e garantias individuais: a) direitos
e garantias expressos na Constituição; b) direitos e garantias
decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição adotados, e; c)
direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
Segundo o que expôs o Ministro José Carlos
Moreira Alves, do STF, em conferência inaugural ao Simpósio "Imunidades
Tributárias", coordenado pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins, o
§ 2.º do art. 5.º da Carta da República, "só se aplica aos Tratados
anteriores à CF/88 (sic) e ingressam como lei ordinária". (15)
Salientou ainda naquele evento que, quanto aos tratados posteriores, não seria
de se aplicar o referido parágrafo, pois, "senão por meio de Tratados
teríamos Emendas constitucionais a alterar a Constituição (sic)",
sendo que, tratado posterior "não pode modificar a Constituição nem se
torna petrificado por antecipação". (16) Raciocínio idêntico encontramos
na sent. 48/79 da Corte costituzionale italiana que distinguiu as normas
de direito internacional geral em dois grupos: as anteriores e as
sucessivas à Constituição. Para as normas anteriores, "la Corte non
si è pronunciata sull’eventuale contrasto tra esse e le norme costituzionali,
ma affermando che la norma internazionale sottoposta al giudizio si trovava in
rapporto di specialitá con le norme costituzionali apparentemente confliggenti,
ha riconosciuto implicitamente la parità dell’una e delle altre, poiché
l’applicazione del criterio di specialità come limite al criterio
cronologico presuppone la parità delle fonti" (17) [grifos nossos].
Para as normas internacionais posteriores à Constituição, a Corte
italiana explicitamente afirmou que "il meccanismo di adeguamento
automatico previsto dall’art. 10 Cost. non potrà in alcun modo consentire la
violazione dei principi fondamentali del nostro ordinamento costituzionale,
operando in un sistema costituzionale che ha i suoi cardini nella sovranità
popolare e nella rigidità della Costituzione". Assim estatuindo – explica
Franco Modugno –, "la Corte ha implicitamente equiparato le norme
internazionali generali posteriori alla Costituzione alle leggi formalmente
costituzionali, anch’esse vincolate al rispetto dei principi fondamentali o
supremi dell’ordinamento costituzionale (sent. 1146/88)". (18)
Abstraindo-se o entendimento da Corte
constitucional italiana, e tratando-se do afirmado pelo ilustre Ministro, sem
embargo de sua posição, pensamos que tal interpretação se ressente de equivoco,
um tanto quanto justificado, tendo em vista os inúmeros precedentes do Supremo
Tribunal Federal a esse respeito, como já foi visto anteriormente neste trabalho.
O que ocorre, é que o § 2.º do art. 5.º da
Constituição Federal, como se pode perceber sem muito esforço, tem um caráter
eminentemente aberto, pois dá margem à entrada ao rol dos direitos e
garantias consagrados na Constituição, de outros direitos e garantias
provenientes de tratados. Está, a cláusula do § 2.º do art. 5.º da Carta da
República, a admitir (e isto é bem visível!) que tratados internacionais de
direitos humanos entrem no ordenamento jurídico interno brasileiro a nível
constitucional, e não no âmbito da legislação ordinária, como quer o Supremo
Tribunal Federal.
Nessa esteira, há quem sustente com
brilhantismo, como Flávia Piovesan, (19) que, quando a Carta da 1988 em seu
art. 5.º, § 2.º, dispõe que "os direitos e garantias expressos na Constituição
não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais", a contrariu
sensu, está ela "a incluir, no catálogo dos direitos
constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados
internacionais em que o Brasil seja parte". "Este processo de
inclusão" – conclui esta ilustre Procuradora do Estado de São Paulo –
"implica na incorporação pelo texto constitucional destes direitos".
Assim, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais, está a
Constituição atribuindo-os uma natureza especial e diferenciada, qual seja,
"a natureza de norma constitucional", os quais passam a integrar,
portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente protegidos, interpretação
esta consoante com o princípio da máxima efetividade das normas
constitucionais. (20) Merece o nosso aplauso essa nova doutrina, tão aberta e
preocupada com a proteção dos direitos humanos. Há que se enfatizar, porém, que
os demais tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos,
não tem natureza de norma constitucional; terão sim, natureza
infraconstitucional, extraída do art. 102, III, b, da Carta Magna, que
confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para "julgar, mediante
recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,
quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de
tratado ou lei federal". Foi inclusive com base nesse dispositivo que o
STF passou a adotar a já comentada teoria da paridade. Deve-se insistir,
porém, que esta teoria não vigora quando a norma a aplicar-se é proveniente de
tratado internacional de "direitos humanos". Note-se que o § 2.º do
art. 5.º da CF, fala em direitos e garantias expressos na Constituição,
donde se conclui que somente os tratados internacionais que tratem de direitos
e garantias individuais é que estão amparados por esta clausula, chamada
por isso mesmo de cláusula aberta, cuja finalidade é exatamente a de
incorporá-los ao rol de direitos e garantias constitucionais.
Dessa forma, mais do que vigorar como lei
interna, os direitos e garantias fundamentais proclamados nas convenções
ratificadas pelo Brasil, por força do mencionado artigo 5º, § 2º, da
Constituição Federal, passam a ter, por vontade da própria Carta Magna, o status
de "norma constitucional". À medida em que os Estados assumem
compromissos mútuos em convenções internacionais, que diminuem a competência
discricionária de cada contratante, eles restringem sua soberania e isto
constitui uma tendência do constitucionalismo contemporâneo, que aponta a
prevalência da perspectiva monista internacionalista para a regência da relação
entre direito interno e Direito Internacional (Cf. Pedro Dallari, Recepção
pelo direito interno das normas de direito internacional público – o parágrafo
2º do artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988, trabalho acadêmico).
As inovações introduzidas pela Carta de 1988,
tiveram fundamental importância para a ratificação de inúmeros instrumentos de
proteção dos direitos humanos. O marco inicial desse processo de incorporação
de tratados internacionais de direitos humanos pelo Direito Brasileiro, como
nos lembra Flávia Piovesan, foi a ratificação, em 1989, da Convenção contra a
Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A partir desta
ratificação, seguiram-se: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a
Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção sobre os Direitos da Criança,
em 24 de setembro de 1990; c) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, em 24 de janeiro de 1992; d) o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; e) a Convenção
Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; f) a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em
27 de novembro de 1995. (21)
O direito brasileiro, portanto, fez opção por
um sistema misto, combinando regimes jurídicos diferenciados: um regime
aplicável aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos e outro
aplicável aos tratados tradicionais, que não disponham sobre direitos humanos.
Os tratados internacionais de direitos humanos, além de terem natureza de norma
constitucional, têm incorporação imediata no ordenamento jurídico interno. Já,
os demais tratados (tratados tradicionais), além de apresentarem natureza
infra-constitucional nos termos do artigo 102, III, b, da Constituição
(que admite o cabimento de recurso extraordinário de decisão que declarar a
inconstitucionalidade de tratado), não são incorporados de forma automática
pelo nosso ordenamento interno. Como bem explica Flávia Piovesan, (22) o
tratamento jurídico diferenciado, conferido pelo art. 5.º, § 2.º, da Carta
Constitucional de 1988, "justifica-se na medida em que os tratados
internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial,
distinguindo-se dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o
equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados partes, aqueles
transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes. Os
tratados de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano
e não das prerrogativas dos Estados". Este caráter especial passa a
justificar, assim, o status constitucional atribuído aos tratados
internacionais de proteção aos direitos humanos. (23) Dessa forma, o ser
humano, nessa escala de valores, passa a ocupar posição central, já de há muito
merecida.
Os direitos humanos provenientes de tratados,
assim, têm natureza materialmente constitucional. Como observa Canotilho, (24)
"o critério em análise coloca-nos perante um dos temas mais polêmicos do
direito constitucional: qual é o conteúdo ou matéria da Constituição? O
conteúdo da Constituição varia de época para época e de país para país e, por
isso, é tendencialmente correcto afirmar que não há reserva de Constituição no
sentido de que certas matérias têm necessariamente de ser incorporadas na
constituição pelo Poder Constituinte. Registre-se, porém, que, historicamente
(na experiência constitucional), foram consideradas matérias constitucionais, par
excellence, a organização do poder político (informada pelo princípio de
divisão de poderes) e o catálogo dos direitos, liberdades e garantias.
Posteriormente, verificou-se o ‘enriquecimento’ da matéria constitucional
através da inserção de novos conteúdos, até então considerados de valor
jurídico-constitucional irrelevante, de valor administrativo ou de natureza
sub-constitucional (direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de
participação e dos trabalhadores e constituição econômica)".
Ressalte-se que, atribuindo-os a Constituição
a natureza de "normas constitucionais", passam os tratados, no
mandamento do § 1.º do art. 5.º da CF, a ter aplicabilidade imediata,
dispensando-se, assim, a edição de decreto de execução para que irradiem seus
efeitos tanto no plano interno como no plano internacional. Já, nos casos de
tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos, este decreto se
faz necessário. Além do artigo 5º, § 1º da Carta da República impor esta
conclusão, a auto-aplicabilidade dos tratados internacionais de proteção aos
direitos humanos advém das próprias normas de direito internacional, pois, se
um Estado compromete-se a acatar os preceitos de um tratado, é óbvio que as
normas devem ser imediatamente exigíveis. (25) "Pode-se mesmo admitir uma
presunção em favor da autoaplicabilidade dos tratados de direitos humanos,
exceto se contiverem uma estipulação expressa de execução por meio de leis
subseqüentes que condicionem inteiramente o cumprimento das obrigações em
apreço; assim como a questão da hierarquia das normas (e da determinação de
qual delas deve prevalecer) tem sido tradicionalmente reservada ao direito
constitucional (daí advindo as consideráveis variações neste particular de país
a país), a determinação do caráter autoaplicável (self-executing) de uma
norma internacional constitui, como se tem bem assinalado, por sua vez, ‘uma
questão regida pelo Direito Internacional, já que se trata nada menos que do
cumprimento ou da violação de uma norma de direito internacional’". (26)
Além disso, é ainda de se ressaltar, que todos
os direitos inseridos nos referidos tratados constituem cláusulas pétreas,
não podendo ser suprimidos por emenda à Constituição, nos termos do art. § 4.º,
IV, do art. 60, da Carta de 1988, que diz:
"Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir:
IV – os direitos e garantias individuais"
Dando a Carta Magna aos tratados de direitos
humanos pelo Brasil ratificados a natureza de "norma constitucional",
e passando os direitos inclusos nestes tratados a constituir cláusula pétrea,
nos termos de seu art. 60, § 4.º, IV, por se tratar também de um direito,
será igualmente cláusula pétrea aquela norma de interpretação do Pacto
de San José da Costa Rica (supra: art. 29), que passa a ter também
aplicabilidade imediata no que assegura que nenhuma de suas disposições pode
ser interpretada no sentido de permitir a qualquer dos Estados-partes a
supressão do gozo e do exercício dos direitos e liberdades ali reconhecidos…
Foi adotado no Brasil, por tudo o que se viu,
o monismo nacionalista kelseniano. Para esta corrente, a simples ratificação de
um tratado já traz efeitos jurídicos tanto no plano internacional como no plano
interno, compondo assim, o Direito Internacional e o Direito Interno uma mesma
e única ordem jurídica, pois a incorporação dos tratados na ordem interna se
faria de imediato. É essa a lição de Celso Ribeiro Bastos, (27) que, em
comentário ao § 2.º do art. 5.º da Magna Carta, diz: "Não será mais
possível a sustentação da tese dualista, é dizer, a de que os tratados obrigam
diretamente aos Estados, mas não geram direitos subjetivos para os
particulares, que ficariam na dependência da referida intermediação
legislativa. Doravante será, pois, possível a inovação de tratados e
convenções, dos quais o Brasil seja signatário, sem a necessidade de edição
pelo Legislativo de ato com força de lei, voltado à outorga de vigência interna
aos acordos internacionais".
Parece-nos ter sido mesmo essa a vontade do
legislador. E isto porque, foi do jurista brasileiro, Prof. Antônio Augusto
Cançado Trindade, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a proposta
feita na Assembléia Nacional Constituinte, de se inserir na Constituição a
regra do art. 5.º, § 2.º. É este eminente professor o responsável, pode-se
dizer, pela existência do § 2.º do art. 5.º, na nossa Carta Magna (Cf. Direitos
e garantias individuais no plano internacional, in Assembléia Nacional
Constituinte – atas das comissões, v. 1, Brasília, n. 66, supl., 27.05.87,
pág. 111, e cf. págs. 109-116; cf. também A. A. Cançado Trindade,
"Entrevista", 1 Justiça e Democracia – Revista da Associação
Juízes para a Democracia, São Paulo, 1996, págs. 07-17, esp. págs. 10-11).
Assim se expressou este eminente professor em prefácio à coletânea Instrumentos
internacionais de proteção aos direitos humanos da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo (págs. 20-21):
"O disposto no art. 5.º, § 2.º, da
Constituição Brasileira de 1988 se insere na nova tendência de Constituições latino-americanas
recentes de conceder um tratamento especial ou diferenciado também no plano do
direito interno aos direitos e garantias individuais internacionalmente
consagrados. A especificidade e o caráter especial dos tratados de proteção
internacional dos direitos humanos encontram-se, com efeito, reconhecidos e
sancionados pela Constituição Brasileira de 1988: se, para os tratados
internacionais em geral, se tem exigido a intermediação pelo Poder Legislativo
de ato com força de lei, de modo a outorgar as suas disposições vigência ou
obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso
dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é
parte os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante o art. 5.º, §
1.º e 2.º, da Constituição Brasileira de 1988, a integrar o elenco dos direitos
constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do
ordenamentos jurídico interno". (28)
Esta sim, nos parece ter sido a vontade do legislador,
a verdadeira mens legislatoris, a qual, aliás, é merecedora de aplauso.
Mas o desenvolvimento da presente construção não para por aí. Outro ponto que
passa desapercebido pela maioria da doutrina, e que merece nossa reflexão, é o
concernente aos princípios pela Constituição adotados, e que vem completar todo
aquele entendimento do § 2.º do art. 5.º da Carta da República, por nós já
analisado.
O raciocínio é simples: abstraindo-se a
referência aos tratados internacionais, o texto constitucional dispõe que os
direitos e garantias expressos na Constituição, não excluem outros "decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados". Um dos princípios
constitucionais expressamente consagrados pela Magna Carta, o qual, inclusive,
é norteador da República Federativa do Brasil, é o princípio da prevalência
dos direitos humanos (CF, art. 4.º, II). Ora, se é princípio da
República Federativa do Brasil a prevalência dos direitos humanos, a
outro entendimento não se pode chegar, senão o de que todo tratado internacional
de direitos humanos terão prevalência, no que forem mais
benéficos, às normas constitucionais em vigor. A conclusão, aqui, mais uma vez,
decorre da própria lógica jurídica, que não pode ser afastada, interpretando-se
corretamente aqueles preceitos.
Fazendo-se uma interpretação sistemática da
Constituição, que proclama em seu art. 4.º, II, que o Brasil se rege em suas
relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos,
e em seu art. 1.º, III, que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de
Direito, tendo como fundamento, inter alia, a dignidade da pessoa
humana, a outra conclusão não se chega, senão a de que a vontade do
legislador, no art. 5.º, § 2.º da Carta da República, foi realmente aquela
apontada pelo ilustre professor Antônio Augusto Cançado Trindade. Assim, quando
a Constituição dispõe em seu art. 4.º, II, que a República Federativa do Brasil
rege-se, nas suas relações internacionais, dentre outros, pelo princípio da prevalência
dos direitos humanos, está, ela própria, a autorizar a incorporação do
produto normativo convencional mais benéfico, pela porta de entrada do seu art.
5.º, § 2.º, que como já foi visto, tem o caráter de cláusula aberta à inclusão
de novos direitos e garantias individuais provenientes de tratados. Como bem
exprimiu Pedro Dallari, (29) "a prevalência dos direitos humanos,
enquanto princípio norteador das relações exteriores do Brasil e fundamento
colimado pelo país para a regência da ordem internacional não implica
tão-somente o engajamento no processo de edificação de sistemas de normas
vinculados ao Direito internacional público. Impõe-se buscar a plena integração
das regras de tais sistemas à ordem jurídica interna de cada Estado, o que
ressalta a importância do já mencionado § 2º do artigo 5º da Constituição
brasileira de 1988, que dá plena vigência aos direitos e garantias decorrentes
‘dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte’". Por sua vez, a dignidade da pessoa humana, como leciona o
Prof. José Afonso da Silva, (30) "é um valor supremo que atrai o conteúdo
de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida",
concepção da qual também se filia Canotilho quando diz ser a dignidade da
pessoa humana "a raiz fundamentante dos direitos humanos". (31)
Não se tem dúvida, v.g., de que o direito
à não prisão do infiel depositário, no exemplo dado acima, é um direito
decorrente de um dos princípios pela República Federativa do Brasil
adotados (prevalência dos direitos humanos). Dessa forma, com base na
própria Carta da República, deve-se entender que, em se tratando de direitos
humanos provenientes de tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte, há de ser sempre aplicado, no caso de conflito
entre o produto normativo convencional e a Lei Magna Fundamental, o princípio
da primazia da norma mais favorável às vítimas, princípio este,
defendido com veemência pelo Prof. Cançado Trindade, e expressamente assegurado
pelo art. 4.º, II, da Constituição Federal. Em outras palavras, a primazia
é a norma que, no caso, mais protege os direitos da pessoa humana,
interpretação esta consoante com a jurisprudência da Corte Européia dos
Direitos Humanos. Se esta norma mais protetora for a própria Constituição,
ótimo. Se não for, deixa-se esta de lado e utiliza-se a norma mais favorável à
pessoa humana, sujeito de direitos internacionalmente consagrados que é, para
afastar, no exemplo, o cabimento da prisão civil do infiel depositário. (32)
Note-se que, ingressando tais tratados no ordenamento jurídico interno em nível
constitucional (CF, art. 5.º, § 2.º), a aparente contradição entre essas
"duas normas constitucionais" conflitantes (uma possibilitando e
outra impossibilitando a prisão do depositário infiel, v.g.) deve ser
resolvida dando sempre prevalência ao interesse (valor) maior, e que, in
casu, é a liberdade do indivíduo e não a propriedade do bem.
Entre os valores liberdade e propriedade, seria irracional
entender-se que este é o que deve prevalecer. Este exemplo parece ter sido bem
ilustrativo ao que pretendemos demonstrar.
Aliás, Constituições de diversos países do
ocidente têm igualmente consagrado o primado do direito internacional face o
direito interno do país. Assim o fez a Constituição Alemã, que em seu art. 25,
expressamente dispõe: "As normas gerais do Direito Internacional
Público constituem parte integrante do direito federal. Sobrepõem-se às leis e
constituem fonte direta para os habitantes do território federal".
Também, o art. 55 da Constituição francesa de 1958, estabelece: "Os
tratados ou acordos devidamente ratificados e aprovados terão, desde a data de
sua publicação, autoridade superior à das leis, com ressalva, para cada acordo
ou tratado, de sua aplicação pela outra parte". O art. VI (2) da
Constituição dos EUA, por sua vez, dispõe: "Esta Constituição e as Leis
complementares e todos os Tratados já celebrados constituirão a Lei suprema do
País...". Enfaticamente a Constituição Grega de 1975, em seu art. 28,
§ 1.º, enuncia: "As regras de direito internacional geralmente aceitas,
bem como os tratados internacionais após sua ratificação (…), têm valor
superior a qualquer disposição contrária das leis". A Constituição
Espanhola, em seu art. 9.2, afirma: "As normas relativas aos direitos
fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece se interpretarão de
conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados e
acordos internacionais sobre as mesmas matérias ratificadas pela Espanha"
(a própria Corte Européia dos Direitos Humanos, já se utilizou desta disposição
da Carta Espanhola, que expressamente se refere à "Declaração Universal
dos Direitos Humanos", como norma de interpretação do direito interno
do país). A Constituição política do Peru, de 1979, celebra em seu art. 101:
"Os tratados internacionais, celebrados pelo Peru com outros Estados,
formam parte do direito nacional. Em caso de conflito entre o tratado e a lei,
prevalece o primeiro". Por último, e da mesma forma, seguindo a
tendência das demais, a Constituição Argentina, reformada em 1994, estabeleceu
em seu artigo 75, 22, que determinados tratados e instrumentos internacionais
de proteção de direitos humanos nele enumerados têm "hierarquia
constitucional" e são complementares aos direitos e garantias nela
reconhecidos.
Como bem lembram os ilustres Procuradores do
Estado de São Paulo Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer e Anna Carla Agazzi,
(33) o princípio da prevalência da norma mais favorável ao ser humano impõe a
observância de duas regras de suma importância: a) em primeiro lugar, não
suscitar disposições de direito interno para impedir a aplicação de direitos
mais benéficos ao ser humano previstos nos tratados ratificados. Tal regra
consta de maneira expressa da maioria dos tratados, como advém da circunstância
do Estado obrigar-se a acatar os preceitos dos tratados. A Convenção de Viena
sobre Direito dos Tratados, em seu artigo 27, já dispõe que "uma parte não
pode invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do não
cumprimento de tratado"; b) Caso exista alguma disposição existente
em lei promulgada internamente que seja mais favorável às pessoas residentes no
país, essa norma prevalece sobre as disposições que constem de tratados aos
quais o país aderiu.
Em que pesem as opiniões contrárias, a
aplicação do princípio da primazia da norma mais favorável, não nulifica
qualquer dos preceitos da Constituição, posto que decorre de seus próprios
postulados. De ver-se que o próprio Título I da Carta da República, onde se
insere o art. 4.º, § 2.º, já citado, é intitulado "Dos Princípios
Fundamentais". A dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III) protegida
por estes princípios, sobrepaira acima de qualquer disposição em contrário,
limitativa de seu exercício. No atual contexto da "era dos direitos"
de Bobbio, não há mais falar-se sobre a já superada polêmica entre monistas e
dualistas, no que diz respeito à proteção dos human rights. "No
presente domínio de proteção" – como bem disse o Prof. Cançado Trindade –,
"a primazia é da norma mais favorável às vítimas, seja ela norma de
direito internacional ou de direito interno. Este e aquele aqui interagem em
benefício dos seres protegidos. É a solução expressamente consagrada em
diversos tratados de direitos humanos, da maior relevância por suas implicações
práticas". (34) Um deles é o próprio Pacto de Direitos Civis e Políticos
(art. 5.º, 2) que dispõe: "Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão
dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer
Estado-parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou
costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os
reconheça em menor grau" [grifo nosso].
"O critério da norma mais favorável às
pessoas protegidas, consagrado expressamente em tantos tratados de direitos
humanos" – diz Antônio Augusto Cançado Trindade –, "contribui, em
primeiro lugar para reduzir ou minimizar as pretensas possibilidades de
‘conflitos’ entre instrumentos legais em seus aspectos normativos. Contribui,
em segundo lugar, para obter maior coordenação entre tais instrumentos, tanto
em dimensão vertical (tratados e instrumentos de direito interno), quanto
horizontal (dois ou mais tratados). No tocante a esta última, o critério da
primazia da disposição mais favorável às vítimas já em fim da década de cinqüenta
era aplicado pela Comissão Européia de Direitos Humanos (petição n. 235/56, de
1958-1959), e recebeu reconhecimento especial da Corte Interamericana de
Direitos Humanos no Parecer de 1958 sobre a Associação Obrigatória de
Jornalistas. Contribui, em terceiro lugar (...), para demonstrar que a
tendência e o propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos -
garantindo os mesmos direitos - são no sentido de ampliar e fortalecer a
proteção". (35)
Segundo
Max Soresen, a primazia da norma mais favorável, hoje, é clara e se evidencia,
"por la regla bien estabelecida de que un Estado no puede invocar las
disposiciones de su derecho interno para disculpar la falta de cumplimiento de
sus obligaciones internacionales, o para escapar a las consecuencias de ella"
(Manual de derecho internacional. Mexico: Fondo de Cultura Económico, 1992). Ainda,
segundo o referido autor, "El Estado es libre para dejar encargado a
sus tribunales del cumplimiento de sus obligaciones internacionales dentro de
su territorio […]. Pero, […], todo conflito entre el derecho internacional y el
derecho interno que queda producir un incumplimiento de una obligación
internacional, implica la responsabilidad del Estado. Como corolario, la norma
de derecho interno que sea contraria al derecho internacional es considerada
por los tribunales internacionales, desde el punto de vista de su sistema, como
si no existiese". (36)
Por fim, cumpre deixar bem claro, que os
tratados internacionais têm sua forma própria de revogação, qual seja, a denúncia.
Assim sendo, e a par de tudo o que já se viu até aqui, não há falar-se que a
legislação interna, pelo critério cronológico, possa revogar ou derrogar
tratado. Este só pode ser alterado por outra norma de categoria igual ou
superior, internacional, e não por lei interna. É o que tem sustentado o juiz
Antonio Carlos Malheiros, em diversos votos, com o apoio da doutrina de Haroldo
Valladão e do Ministro Philadelpho Azevedo, para sustentar a
inconstitucionalidade da prisão de depositário de bem por força do que dispõe a
Convenção Americana de Direitos Humanos (v.g. 1º TACiv-SP — HC 674.380-2
— julg. 14.02.96). A propósito de criticar os que entendem que os tratados de
direitos humanos podem ser revogados por leis internas infraconstitucionais,
indagou o Prof. Cançado Trindade: "Como poderia um Estado-Parte em um
tratado explicar aos demais Estados-Partes a derrogação ou revogação do
referido tratado por uma lei? Que segurança jurídica oferecia este Estado no
cumprimento de seus compromissos internacionais?". (37)
3. AS NOVAS
PERSPECTIVAS EM
RELAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
Por tudo o que foi visto acima, foi possível
perceber qual a importância e qual o valor dos direitos humanos na sociedade
moderna. Foi também possível vislumbrar-mos um dinâmico movimento de exaltação
àqueles direitos, muito embora, aquém da necessária e desejável proteção de que
são merecedores. O Brasil, por sua vez, não tem se utilizado de todos os meios
disponíveis ao seu alcance para efetivar a observância dos direitos humanos,
consagrados nos tratados internacionais por ele ratificados. Os tratados de
direitos humanos, como foi visto, impõe deveres aos Estados que a eles aderem.
De notória importância é o dever que os Estados pactuantes têm de
compatibilizar os comandos do produto normativo convencional com suas normas de
direito interno. Daí a improcedência do argumento de que a Constituição Federal
estaria subpondo-se a si mesma, ao permitir que o produto normativo dos
compromissos exteriores do Estado ingressassem em nosso ordenamento jurídico,
em detrimento da soberania do país. Tendo em vista justamente esse tipos de
alegações, o Secretário Geral das Nações Unidas (B. Boutros-Ghali), em seu
discurso na plenária de abertura da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (realizada
em Viena, aos 14 de junho de 1993), sugeriu que, "par leur nature, les
droits de l’homme abolissent la distinction traditionnelle entre l’ordre
interne et l’ordre international. Ils sont créateurs d’une perméabilité
juridique nouvelle. Il s’agit donc de ne les considérer, ni sous l’angle de la
souveraineté absolue, ni sous celui de l’ingérence politique. Mais, au
contraire, il faut comprendre que les droits de l’homme impliquent la
collaboration et la coordenation del États et des organisations internationales"
(ONU, Communiqué de Presse n. DH/VIE/4, de 14.06.1993, p. 10). (38)
Se pactuamos com normas que objetivam garantir
um dos princípios fundamentais do homem, qual seja, a liberdade,
inaceitável se apresenta a sua inobservância face à violação de um compromisso
assumido, por nós, e em prol de nós mesmos. Não se quer dizer com tal
assertiva, que os preceitos normativos oriundos do direito das gentes
sempre venham a suplantar, de maneira irrestrita, o nosso ordenamento interno
em detrimento da Constituição da República. Absolutamente, não. Com exceção dos
tratados de direitos humanos, como foi visto, nenhum outro tem o condão de se
sobrepor aos mandamentos constitucionais. O que se pretende é dar luz a tais
direitos para que eles – como nos ensina Flávia Piovesan – "venham a
projetar-se no direito constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que a
busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra guarida nas
raízes do pensamento tanto internacionalista quanto constitucionalista".
(39)
Inserido num contexto de interesse global,
através da ratificação dos tratados voltados à proteção dos direitos humanos, o
Brasil deve buscar alcançar sua identidade jurídica quanto à aplicabilidade
daqueles tratados nas situações concretas regidas pelo ordenamento interno.
Hoje, não é mais correto, nem mesmo admitido, o entendimento de que um
determinado direito contemplado, goze de tutela irrestrita e absoluta. Como bem
disse o Prof. Barbosa Moreira, (40) é necessário que exista uma prudente flexibilização
de linhas divisórias, na interpretação dos interesses em conflito. Eis sua
lição: "Não se concebe, na vida da sociedade, que direito algum seja
compreendido e exercitado como se não existissem outros que, sob tais ou quais
circunstâncias, sem determinadas limitações e compressões, inevitavelmente com
ele entrariam em choque. A interpretação da Constituição rejeita contradições
que nulifiquem qualquer de seus preceitos. Mas, para preservar a todos o espaço
devido, é imprescindível levar em conta as interferências que decorrem, para o
exercício de cada qual, da necessidade de preservar o dos restantes. O
verdadeiro sistema constitucional de proteção de direitos não é aquele que
resulta, pura e simplesmente, da leitura isolada de um ou de outro texto: reclama
a ponderação atenta dos interesses em jogo e a prudente flexibilização
de linhas divisórias, para permitir o convívio tão harmonioso quanto possível
de valores igualmente relevantes e ocasionalmente contrastantes. Basta atentar,
v.g., nos conflitos que podem surgir, e com freqüência surgem, entre a
liberdade de manifestação do pensamento e a obrigatória preservação da
intimidade e da honra alheias" [grifo nosso].
Como se vê, os direitos e garantias
fundamentais consagrados pela Constituição Federal, não são ilimitados, posto
que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela
Carta Magna (princípios da relatividade ou conveniência das liberdades
públicas). (41) Nas palavras do mestre Canotilho, (42) "considera-se
existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito
fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito
fundamental por parte de outro titular". Trata-se, como lembra o eminente
constitucionalista, de um verdadeiro "choque", de um autêntico conflito
de direitos e não de um cruzamento ou acumulação de direitos (como
na concorrência de direitos). (43) Dessa forma, "quando houver conflito
entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve
utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de
forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o
sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução
proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios),
sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto
constitucional com suas finalidades precípuas". (44)
A própria Declaração dos Direitos Humanos das
Nações Unidas, em seu art. 29, expressamente deixou consignado que: "No
exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas
estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de
assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as
justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade
democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, ser
exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas".
Cumpre então, neste momento histórico,
levantar a questão: qual seria a correta interpretação das normas que afligem o
cotidiano da plena vigência dos direitos humanos fundamentais, consagrados pela
Constituição Federal de 1988 e pelos tratados internacionais?
A resposta à questão encontra-se inserida na
própria Carta da República.
Quando em seu art. 4.º, II, a Constituição
proclama que o Brasil se rege em suas relações internacionais pelo princípio da
prevalência dos direitos humanos, e em seu art. 1.º, III, que o Brasil
constitui-se num Estado Democrático de Direito, tendo como fundamento, inter
alia, a dignidade da pessoa humana, está, ela própria, a autorizar a
incorporação do produto normativo convencional mais benéfico, pela válvula de
entrada do seu art. 5.º, § 2.º, como já foi visto por mais de uma vez no
decorrer desse texto. Entretanto, não basta que um só dispositivo, embora de
peso inquestionável, fique tão-somente a sustentar garantias tão arduamente
conquistadas, pois modernamente, não se pretende dar primazia a um ou a outro
direito (interno ou externo), pois ambos foram elaborados com a mesma
finalidade de ampliar a segurança de seus protegidos. Este é o verdadeiro
propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos garantidores dos
mesmos direitos. Hoje, tal é a dificuldade de efetivação dos direitos humanos
que, apercebendo-se disto, Norberto Bobbio enfatizou: "o problema
fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los,
mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político".
(A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992, pág. 24). (45)
Tal raciocínio, expressa que o critério mais
eficaz para o desempate de normas conflitantes, é mesmo o da primazia da
norma mais favorável às vítimas. Por consistir numa interpretação de amplo
alcance, possibilita uma maior interação entre os tratados de direito
internacional e o ordenamento interno do país, fortalecendo sobremaneira a
eficaz proteção dos direitos e garantias individuais, amplamente consagrados
por vários tratados internacionais. Logo, a primazia é da norma que melhor
proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana, visto que as construções
normativas convencionais, não tem o condão de ferir o texto constitucional, mas
sim de reforçar o rol de direitos e garantias fundamentais nele contidos. Os
referidos complementos normativos internacionais só poderiam ferir a
Constituição se viessem direta e objetivamente a suprimir de nossa Carta outro
direito fundamental por ela já garantido. No entanto, é cristalina a intenção
dos preceitos normativos do direito das gentes, que surge não como
violador, mas sim como garantidor do direito fundamental de liberdade contido
na Carta da República de 1988. A não se entender desta forma, estar-se-ia
admitindo verdadeira aberratio juris.
Como bem exprimiu o insigne Prof. Barbosa
Moreira, "a perfeição, bem se sabe, decididamente não é do mundo
terreno". (46) Porém, buscar alcançar a melhor forma de proteger os
direito fundamentais do homem garantidos na nossa Constituição, é dever de todo
cidadão, que dirá então, daqueles que diretamente estão investidos do dever de
bem defender os direitos humanos das violações, estas sim, tão presentes no
mundo terreno.
4. CONCLUSÕES FINAIS
Ao fim e ao cabo desta exposição teórica,
têm-se por firmadas as seguintes conclusões:
I – Segundo o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, qualquer tratado internacional ratificado pelo Brasil, passa a fazer
parte do direito interno brasileiro, no âmbito da legislação ordinária,
sem força para mudar o texto constitucional, pois, sendo a Constituição Federal
a expressão máxima da soberania nacional, está ela acima de qualquer tratado ou
convenção internacional que com seu texto conflite. Não há, segundo o Supremo,
garantia de privilégio hierárquico dos tratados internacionais sobre o
direito interno brasileiro, devendo-se garantir a autoridade da norma mais
recente, pois é paritário o tratamento brasileiro, dado às normas de
direito internacional (lex posterior derogat priori). A prevalência de
certas normas de direito interno sobre as de direito internacional público
decorre de primados do próprio STF, com base na especialidade das leis
no sistema jurídico constitucional, posto que uma lei geral seria
incapaz de derrogar uma outra que a ela seja especial (HC 72.131-RJ).
II – Sem embargo do entendimento da Suprema
Corte nesta matéria, ficou estabelecido que quando a Carta da República
incorpora em seu texto direitos fundamentais provenientes de tratados, está ela
própria atribuindo-os uma natureza especial e diferenciada, qual seja, "a
natureza de norma constitucional", passando tais direitos a integrar o
elenco dos direitos constitucionalmente protegidos, estando amparados inclusive
pelas chamadas cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4.º, IV).
III – Os demais tratados internacionais que
não versem sobre direitos humanos, não tem natureza de norma
constitucional; terão sim, natureza de norma infraconstitucional, extraída do
art. 102, III, b, da Carta Magna de 1988.
IV – Esse resultado é obtido interpretando-se
o § 2.º do art. 5.º da atual Carta Magna, em conjunto com o art. 4.º, II, do
mesmo diploma, que dispõe sobre o princípio da prevalência dos direitos
humanos, chamado pelo Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade de princípio da
primazia da norma mais favorável às vítimas.
V – Os tratados internacionais têm sua forma
própria de revogação, que é a denúncia, não se podendo mais falar que a
legislação interna, pelo critério cronológico, tem poder para revogar ou
derrogar tratado internacional. Este só pode ser alterado ou modificado por
outra norma de categoria igual ou superior, que seja internacional,
jamais por lei interna, como já bem sustentaram Antonio Carlos Malheiros,
Haroldo Valladão e Philadelpho Azevedo.
VI – Os direito humanos devem ultrapassar
qualquer barreira impeditiva à consecução dos seus fins, mesmo que esta seja
uma imposição constitucional. Quando um tratado internacional de proteção a
direitos humanos vem ampliar alguns dos direitos contidos na Constituição, tal
tratado passa a ter, por autorização expressa da Carta Magna (art. 5.º, § 2.º),
força para modificá-la, a fim de ampliar a ela os direitos nele contidos.
NOTAS
1. Cf. José Francisco
Rezek. Direito internacional público: curso elementar, 6.ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 104.
2. Cf. Luiz Flávio Gomes,
"A questão da obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil:
particular enfoque da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", RT
710/26.
3. Para o estudo da
matéria, vide Celso D. de Albuquerque Mello, in Curso de direito
internacional público, 1.º vol., 11.ª ed., ver. e aum., Rio: Livraria
Editora Renovar, 1997, p. 103-117.
4. Cf. Hildebrando
Accioly & Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva. Manual de direito
internacional público, 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 59.
5. Cf. Pedro Bohomoletz
de Abreu Dallari. "Normas internacionais de direitos humanos e a
jurisdição nacional". In: Revista especial do Tribunal Regional
Federal, 3.ª Região (seminário). São Paulo: Imprensa Oficial, 1997, p. 29.
6. Luis Ivani de Amorim
Araújo. Curso de direito internacional público, 9.ª ed. Rio: Forense,
1997, p. 44. Sobre a jurisprudência brasileira de influência dualista, vide
a respeito Jacob Dolinger, in Direito internacional privado. Rio:
Renovar, 1997, p. 90-107, onde a matéria é citada e comenta amplamente.
7. Cf. Pedro Bohomoletz
de Abreu Dallari. "Normas internacionais…", cit., p. 29.
8.
Cf. Luis Ivani de Amorim Araújo. Op. cit., p. 44-45.
9.
José Francisco Rezek. Op. cit., p. 05.
10. Cf. Acórdão n.º 662-2,
do processo de Extradição julgado pelo Tribunal Pleno do STF, em decisão
majoritária, aos 28.11.96 (DJ, 30.05.97, p. 23.176), rel. Min. Celso de Mello.
11. Art. 7.º, 7: "Ninguém
deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de
autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de
obrigação alimentar".
12. Cf. José Francisco
Rezek. Op. cit.,
p. 103.
13. Idem, p. 103/104.
14. Papiniano (Digesto,
liv. 50, tít. 17, frag. 80). Apud.
Carlos Maximiliano. Op. cit., pág. 135.
15. Simpósio sobre
imunidades tributárias: conferência inaugural. In Ives Gandra da Silva
Martins, coord., conferencista inaugural José Carlos Moreira Alves. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1998 –
(Pesquisas tributárias. Nova série, n.º 4), pág. 22.
16. Idem Ibidem.
17. Franco Modugno. I
"nuovi diritti" nella giurisprudenza costituzionale. Torino: G.
Giappichelli Editore, pág. 87.
18. Idem Ibidem, pág. 88.
19. Direitos humanos e o
direito constitucional internacional, 3.ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, pág.
82.
20. Contra: vide
Paulo de Tarso Neri (coordenador): Prisão de depositário infiel –
constitucionalidade, parecer elaborado pelo Grupo de Trabalho criado pela
Portaria GPF (Gabinete da Procuradoria Fiscal) n.º 28/98. Este parecer
elaborado pelos ilustres Procuradores do Estado Paulo de Tarso Neri, Alexandre
Cassettari, Altieri Pinto Rios Júnior e Frederico Bendzius, ao que nos parece,
além de fazer uma interpretação equivocada do art. 5.º, § 2.º da CF em cotejo
com os arts. 49, I, 84, VIII, 59 e 60, §§ 2.º e 4.º, esqueceu-se de que mesma
Magna Carta dispõe em seu art. 4.º, inc, II, que a República Federativa do
Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, dentre outros, pelo princípio
da prevalência dos direitos humanos, o que autoriza a incorporação do
produto normativo convencional mais benéfico, pela válvula aberta do art. 5.º,
§ 2.º.
21. Vide, a propósito, a lição
de J. A. Lindgren Alves: "Com a adesão aos dois Pactos Internacionais da
ONU, assim como ao Pacto de São José no âmbito da OEA, em 1992, e havendo anteriormente
ratificado todos os instrumentos jurídicos internacionais significativos sobre
a matéria, o Brasil já cumpriu praticamente todas as formalidades externas
necessárias a sua integração ao sistema internacional de proteção aos direitos
humanos. Internamente, por outro lado, as garantias aos amplos direitos
entronizados na Constituição de 1988, não passíveis de emendas e, ainda,
extensivas a outros decorrentes de tratados de que o país seja parte, asseguram
a disposição de Estado democrático brasileiro de conformar-se plenamente às
obrigações internacionais por ele contraídas." (Os direitos humanos
como tema global. São Paulo: Editora Perspectiva e Fundação Alexandre de
Gusmão, 1994, p. 108).
22. Op. cit.,
pág. 94.
23. A respeito, é de se ressaltar a lição Juan Antonio
Travieso, citado por Flávia Piovesan, in verbis: "Los tratados
modernos sobre derechos humanos en general, y, en particular la Convención
Americana no son tratados multilaterales del tipo tradicional concluidos en
función de un intercambio reciproco de derechos para el beneficio mutuo de los
Estados contratantes. Su objeto y fin son la protección de los derechos
fundamentales de los seres humanos independientemente de su nacionalidad, tanto
frente a su propio Estado como frente a los otros Estados contratantes. Al
aprobar estos tratados sobre derechos humanos, los Estados se someten a un
orden legal dentro del cual ellos, por el bién común, asumen varias
obligaciones, no en relación con otros Estados, sino hacia los individuos bajo
su jurisdicción. Por tanto, la Convención no sólo vincula a los Estados partes,
sino que otorga garantias a las personas. Por ese motivo, justificadamente, no
puede interpretarse como cualquier otro tratado." (Derechos humanos y
derecho internacional. Buenos Aires: Editorial Heliasta, 1990, p. 90).
24. Direito constitucional, pág. 68.
25. Cf. Roberto
Augusto Castellanos Pfeiffer e Anna Carla Agazzi. Integração,
eficácia e aplicabilidade do direito internacional dos direitos humanos no
direito brasileiro — interpretação do artigo 5º, §§ 1º e 2º da Constituição
Federal de 1988. Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria
Geral do Estado de São Paulo.
26. Antônio Augusto
Cançado Trindade. Direito internacional e direito interno: sua interpretação na
proteção dos direitos humanos, in Instrumentos internacionais de proteção
dos direitos humanos, coletânea cuja qual o autor prefacia. São Paulo
(Estado). Procuradoria Geral. Grupo de Trabalho de Direitos Humanos. São Paulo:
Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado. 1996, pág. 34.
27. Celso Ribeiro Bastos –
Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5
de outubro de 1988, 2.º vol. São Paulo: Saraiva, 1989, pág. 396.
28. Cf. ainda A. A.
Cançado Trindade. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, págs. 630-635;
e também A. A. Cançado Trindade, Tratado de direito internacional dos
direitos humanos, 1.ª ed., vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1997, págs. 407-408.
29. Constituição e
relações exteriores, São Paulo: Saraiva, 1994, pág. 162.
30. Curso de direito
constitucional positivo, cit., pág. 106.
31. Direito constitucional, pág. 498 e ss.
32. Cf. o louvável voto do
Juiz Antônio Carlos Malheiros, do Primeiro Tribunal de Alçada do Estado de São
Paulo, na Apelação n.º 613.053-8.
33. Cf. Roberto
Augusto Castellanos Pfeiffer e Anna Carla Agazzi. Integração...,
cit.
34. Direito internacional
e direito interno: sua interpretação na proteção dos direitos humanos, in Instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos. Op. cit., pág. 43.
35. Idem Ibidem, págs.
44-45.
36. Apud. Dyrceu Aguiar
Dias Cintra Júnior, em voto no Habeas Corpus n.º 493.158-0/5 (voto n.º 905).
37. Entrevista publicada
na revista Justiça e Democracia, 1/7, jan/jun-96.
38. Tradução: "(…) por
sua natureza, os direitos do homem abolem a distinção tradicional entre a ordem
interna e a ordem internacional. Eles são criadores de uma permeabilidade
jurídica nova. Trata-se, portanto, de não os considerar, nem sob o ângulo da
soberania absoluta, nem sob o da ingerência política. Mas, pelo contrário, é
preciso compreender que os direitos humanos implicam a colaboração e a
coordenação dos Estados e das organizações internacionais" [tradução
nossa].
39. Op. cit., pág. 83.
40. O Habeas Data
brasileiro e sua lei regulamentadora. Revista de Informação Legislativa.
Brasília, ano 35, n.º 138, abr./jun. 1998, pág. 90.
41. Cf. Alexandre de
Moraes. Direitos humanos fundamentais, 2.ª ed., vol. 3. São Paulo:
Atlas, 1998, pág. 46.
42. Direito constitucional, 6.ª ed. Coimbra:
Almedina, 1993, pág. 643.
43. Idem Ibidem.
44. Alexandre de Moraes. Direitos
humanos fundamentais, cit., págs. 46/47.
45. No original: "Il
problema di fondo relativo ai diritti dell’uomo è oggi non tanto quello di giustificarli,
quanto quello di proteggerli. È um problema non filosofico ma
politico." (Sul fondamento dei diritti dell’uomo).
46. O Habeas Data
brasileiro e sua lei regulamentadora, cit., pág. 90.
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Matéria publicada na Revista de Informação Legislativa
do Senado Federal (Brasília, n. 147).
Sobre o autor:
Valerio de Oliveira Mazzuoli é
bacharel em Direito em Presidente Prudente (SP).
O presente texto foi classificado em primeiro lugar no "Concurso Nacional
de Monografias" sobre os 50 Anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, coordenado pela "Fundação Movimento Direito e Cidadania", e
realizado pela PUC-MG, UFMG e OAB-MG.
Texto concluído em junho de 1999, e é parte integrante da obra Alienação
Fiduciária em Garantia e a Prisão do Devedor-fiduciante: uma visão crítica à
luz dos direitos humanos, 1.ª ed. Campinas: Agá Juris Editora, 1999.
E-mail do autor: valerio.mazzuoli@terra.com.br
Retirado de: http://kplus.cosmo.com.br