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Alca versus Mercosul - I (Chile)

A abertura de negociações entre o Chile e o Nafta foi considerada pela diplomacia brasileira como uma "traição" ao Mercosul. O que constitui uma surpresa não é o fato do Chile negociar com o Nafta, mas do Nafta abrir tal possibilidade ao Chile. Desde a formação do Mercosul, o Chile procurou se manter fora, pois sua perspectiva era de adesão ao bloco norte-americano, uma possibilidade sempre aventada por Washington. No início da década, tal proposta destinava-se a desinteressar países da região a ingressar em blocos regionais do qual os EUA não fizessem parte. Mas faltava o fast track, mecanismo que permitiria à Casa Branca promover a adesão rápida de um candidato. Mas ninguém nos EUA desejava seriamente que isto acontecesse. Era apenas uma estratégia diversionista para evitar iniciativas autônomas na região. Uma porta aberta, que não passava de uma pintura na parede.

Mas o Mercosul, contra muitas previsões, se consolidou como realidade internacional. O Chile e a Bolívia, abandonados à sua própria sorte, enquanto a recessão se instalava no continente desde as crises financeiras, acabaram associando-se ao bloco, sendo que o primeiro cogitava ingressar formalmente. Além disso, assinou um acordo marco que prevê o estabelecimento de uma área de livre comércio com a União Européia. Os democratas norte-americanos trabalhavam com uma perspectiva de mais longo prazo, a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), e esperavam concluí-la em seu terceiro mandato, já que enfrentariam um candidato republicano fraco nas eleições.

Mas algumas surpresas ocorreriam. A diplomacia brasileira reagiu, articulando a Cúpula Sul-Americana de Brasília em setembro de 2000, que estabeleceu negociações para o estabelecimento de uma associação entre o Mercosul e o Pacto Andino, dando origem a uma área de livre comércio sul-americana. Os EUA reagiram dando novo ímpeto ao Plano Colômbia, como forma de quebrar a unidade sul-americana. Não tiveram sucesso. Pior ainda, a sucessão presidencial americana acabou num fiasco de larga repercussão mundial, que daria a vitória aos republicanos.

Subitamente, a diplomacia americana adotou um protagonismo acelerado, numa verdadeira luta contra o relógio, com o objetivo de criar fatos consumados para o próximo ocupante da Casa Branca. Subitamente, reinicia-se negociações entre o Nafta e o Chile, e fala-se em acelerar a constituição da Alca (a ser analisada no próximo artigo). Com relação ao Chile, trata-se realmente de um caso de oportunismo, uma vez que este país apenas procurou o Mercosul quando não havia outra possibilidade de associação internacional. Qual a importância deste país na atual conjuntura?

Economicamente, o Chile mal ultrapassa o Rio Grande do Sul, pois apesar de sua população ser de 14 milhões (o RS tem 10), o nível de exclusão social é muito mais elevado. Portanto, como mercado o Chile não é relevante para o Nafta (que, aliás, já tem acesso a esse mercado). Seus produtos de exportação são basicamente primários, evidenciando um comércio de tipo colonial (matérias-primas transformadas contra importação de manufaturados). Basicamente o Chile exporta cobre, madeiras, vinho e frutas. Os dois primeiros destinam principalmente ao mercado asiático, e os EUA não necessitam tanto assim do vinho e das frutas chilenas, concedendo-lhes apenas uma quota para seus supermercados. Então por que estimular sua entrada no Nafta?

No momento em que a América do Sul procura criar um bloco contraposto à Alca, a Argentina passa por enormes dificuldades econômico-financeiras (que repercutem sobre o Mercosul) e que as negociações com a União Européia e com a África Austral avançam, quebrar a unidade dos países sul-americanos é fundamental. Mais do que uma possível defecção do Chile (um país pequeno e destituído de projeto nacional), o que interessa é criar um clima para que outros, como a Argentina, acreditem que haja uma alternativa fora do Mercosul. Particularmente, interessa ganhar aliados para a Alca.

Mas o Chile também é importante por outras razões. Não apenas por estar localizado no litoral do Oceano Pacífico, este país é fundamental para ligar o Mercosul aos países asiáticos, que tem crescente interesse em estreitar vínculos com a América do Sul. O Chile é membro ativo da APEC e da PECC (associações dos países da Ásia-Pacífico), além de manter um cooperação institucionalizada e sedimentada com países da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) e de potências como China e Japão. Possui links empresariais, comerciais, financeiros, informativos e de investimentos com a Ásia, que interessam ao Mercosul, que lograria uma conexão direta com aquela região através do nosso virtual parceiro.

Se o Chile realmente "trair" o Mercosul, este procurará buscar uma nova "rota asiática" através da África do Sul, mas o caminho será mais complicado. De qualquer maneira, como em incontáveis ocasiões da história diplomática latino-americana, os EUA buscam novamente fomentar a cisão entre os países da região, para evitar uma frente unida. Divide et impera.

Paulo Fagundes Vizentini é Professor de Relações Internacionais e Diretor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS. Pesquisador Associado do NUPRI/USP.