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Alca versus Mercosul - I (Chile)
Mas o Mercosul, contra muitas previsões, se consolidou como realidade internacional. O Chile e a Bolívia, abandonados à sua própria sorte, enquanto a recessão se instalava no continente desde as crises financeiras, acabaram associando-se ao bloco, sendo que o primeiro cogitava ingressar formalmente. Além disso, assinou um acordo marco que prevê o estabelecimento de uma área de livre comércio com a União Européia. Os democratas norte-americanos trabalhavam com uma perspectiva de mais longo prazo, a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), e esperavam concluí-la em seu terceiro mandato, já que enfrentariam um candidato republicano fraco nas eleições.
Mas algumas surpresas ocorreriam. A diplomacia brasileira reagiu, articulando a Cúpula Sul-Americana de Brasília em setembro de 2000, que estabeleceu negociações para o estabelecimento de uma associação entre o Mercosul e o Pacto Andino, dando origem a uma área de livre comércio sul-americana. Os EUA reagiram dando novo ímpeto ao Plano Colômbia, como forma de quebrar a unidade sul-americana. Não tiveram sucesso. Pior ainda, a sucessão presidencial americana acabou num fiasco de larga repercussão mundial, que daria a vitória aos republicanos. Subitamente, a diplomacia americana adotou um protagonismo acelerado, numa verdadeira luta contra o relógio, com o objetivo de criar fatos consumados para o próximo ocupante da Casa Branca. Subitamente, reinicia-se negociações entre o Nafta e o Chile, e fala-se em acelerar a constituição da Alca (a ser analisada no próximo artigo). Com relação ao Chile, trata-se realmente de um caso de oportunismo, uma vez que este país apenas procurou o Mercosul quando não havia outra possibilidade de associação internacional. Qual a importância deste país na atual conjuntura?Economicamente, o Chile mal ultrapassa o Rio Grande do Sul, pois apesar de sua população ser de 14 milhões (o RS tem 10), o nível de exclusão social é muito mais elevado. Portanto, como mercado o Chile não é relevante para o Nafta (que, aliás, já tem acesso a esse mercado). Seus produtos de exportação são basicamente primários, evidenciando um comércio de tipo colonial (matérias-primas transformadas contra importação de manufaturados). Basicamente o Chile exporta cobre, madeiras, vinho e frutas. Os dois primeiros destinam principalmente ao mercado asiático, e os EUA não necessitam tanto assim do vinho e das frutas chilenas, concedendo-lhes apenas uma quota para seus supermercados. Então por que estimular sua entrada no Nafta?
No momento em que a América do Sul procura criar um bloco contraposto à Alca, a Argentina passa por enormes dificuldades econômico-financeiras (que repercutem sobre o Mercosul) e que as negociações com a União Européia e com a África Austral avançam, quebrar a unidade dos países sul-americanos é fundamental. Mais do que uma possível defecção do Chile (um país pequeno e destituído de projeto nacional), o que interessa é criar um clima para que outros, como a Argentina, acreditem que haja uma alternativa fora do Mercosul. Particularmente, interessa ganhar aliados para a Alca. Mas o Chile também é importante por outras razões. Não apenas por estar localizado no litoral do Oceano Pacífico, este país é fundamental para ligar o Mercosul aos países asiáticos, que tem crescente interesse em estreitar vínculos com a América do Sul. O Chile é membro ativo da APEC e da PECC (associações dos países da Ásia-Pacífico), além de manter um cooperação institucionalizada e sedimentada com países da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) e de potências como China e Japão. Possui links empresariais, comerciais, financeiros, informativos e de investimentos com a Ásia, que interessam ao Mercosul, que lograria uma conexão direta com aquela região através do nosso virtual parceiro. Se o Chile realmente "trair" o Mercosul, este procurará buscar uma nova "rota asiática" através da África do Sul, mas o caminho será mais complicado. De qualquer maneira, como em incontáveis ocasiões da história diplomática latino-americana, os EUA buscam novamente fomentar a cisão entre os países da região, para evitar uma frente unida. Divide et impera.Paulo Fagundes Vizentini é Professor de Relações Internacionais e Diretor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS. Pesquisador Associado do NUPRI/USP.