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SELEÇÃO E FORMAÇÃO DE MAGISTRADOS EM PORTUGAL

Mônica Jacqueline Sifuentes

Com a entrada em vigor da Lei nº 6, de 8 de abril de 1998, iniciou-se um novo sistema de seleção e formação dos magistrados em Portugal, modificando o modelo que permanecia praticamente o mesmo desde a criação do Centro de Estudos Judiciários — CEJ, em setembro de 1979. As mudanças objetivaram, segundo se colheu da palestra proferida pelo ministro da Justiça, na solenidade de abertura do XVII Curso Normal, em 16 de setembro de 1998, realizada nas dependências do CEJ, introduzir fatores corretivos no sistema anterior, cujas principais críticas se direcionavam ao fato de se privilegiar a formação teórica dos novos magistrados, em prejuízo da prática.

Convém de início ressaltar que a palavra ‘‘magistratura’’ em Portugal, não significa ‘‘corpo de juízes’’, como no Brasil. Refere-se ela a duas ordens distintas de funções, englobando a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público. Não obstante as carreiras serem diversas, o recrutamento e formação inicial, no CEJ, é o mesmo para ambas.

A nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes é da competência do Conselho Superior da Magistratura, órgão de composição mista, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a quem se atribui ainda o exercício da ação disciplinar. O Ministério Público também possui o seu Conselho Superior, presidido pelo procurador-geral da República.

Mas a seleção e formação dos magistrados fica a cargo do Centro de Estudos Judiciários — CEJ, que é um órgão ligado ao Ministério da Justiça, tendo como atribuições, nos termos do art. 2º da lei citada: a) a formação profissional de magistrados; b) a formação de assessores dos tribunais; c) o apoio a ações de formação jurídica e judiciária de advogados, solicitadores e agentes de outros setores profissionais; d) o desenvolvimento de atividades de estudo e de investigação jurídica e judiciária.

No regime anterior eram totalmente dispensados dos testes os doutores em Direito e parcialmente dispensados — apenas quanto à fase escrita — os advogados, conservadores e notários, com pelo menos sete anos de atividades profissionais, e os oficiais de Justiça, com dez anos de serviço.

No atual sistema apenas estão dispensados das fases escrita e oral os doutores em Direito, sendo isentos da fase escrita os assessores dos tribunais. Quanto aos demais, todos deverão se submeter ao concurso público, que compreende uma fase escrita, uma fase oral e uma entrevista.

São condições de ingresso no CEJ: a) ser cidadão português; b) possuir, há pelo menos dois anos, na data da abertura do concurso, licenciatura em Direito por universidade portuguesa ou habilitação acadêmica equivalente em face da lei portuguesa; c) reunir os demais requisitos de ingresso na função pública (art. 33 da Lei nº 16/98).

As duas grandes novidades, trazidas pela nova lei, quanto ao processo de seleção, referem-se: 1) ao tempo de dois anos de licenciatura, o que não existia na lei anterior, vez que apenas se exigia do candidato possuir mais de 23 anos, na data da abertura do curso; 2) o acompanhamento da fase de entrevista por um psicólogo, nomeado pelo ministro da Justiça, que deverá assessorar o júri de seleção.

Uma vez aprovados, os candidatos ingressam no CEJ com o estatuto de ‘‘auditor de justiça’’, com direito a uma bolsa de estudo mensal correspondente a 50% (cinqüenta por cento) dos vencimentos iniciais dos juízes e Ministério Público.

Inicia-se então uma fase teórico-prática, com duração total de 22 meses, que compreende: 1) fase teórica, realizada nas dependências do CEJ, em regime de horário integral, no período de 15 de setembro a 31 de março do ano seguinte; 2) fase prática, realizada nos tribunais judiciais, no período de 1 de abril a 31 de março do ano seguinte; 3) nova fase teórica, complementar, realizada nas dependências do CEJ, no período de 1 de abril a 15 de julho.

Na primeira fase, teórica, que tem duração de seis meses e meio, os auditores são divididos em grupos de trabalho, com a média de quinze auditores por grupo, sendo os trabalhos desenvolvidos em salas de aula, sob a regência de docentes oriundos tanto da magistratura judicial como do Ministério Público. As aulas no Centro de Estudos Judiciários concentram-se, basicamente, entre quatro ‘‘jurisdições’’: civil, penal, trabalhista e menores e família.

Há ainda sessões de Direito Judiciário, com participação de todos os auditores, com realização de palestras e debates sobre organização judiciária, motivação das decisões, condução da audiência, psicologia do testemunho, jurisdição constitucional e administrativa, bem como temas atuais de Direito.

Nessa fase teórica, os auditores de justiça são submetidos a um processo de avaliação contínua, que compreende não apenas os trabalhos domiciliares e testes de aprendizagem, como também a sua própria participação em sala de aula.

Após o término dessa etapa, os auditores fazem a sua opção pelos tribunais perante os quais pretendem realizar a segunda fase, que é totalmente desenvolvida perante os tribunais judiciais, com a orientação de formadores, oriundos das duas magistraturas.

Terminados esses doze meses, os auditores retornam ao CEJ para novas atividades teóricas, por mais um período de três meses e meio, em complemento à experiência vivida perante os tribunais.

Concluída a fase teórico-prática, o Conselho Pedagógico procederá à classificação dos auditores, observando as avaliações realizadas em cada fase, publicando-se então o edital para que os mesmos manifestem a sua opção por uma das magistraturas. Os auditores são finalmente nomeados ‘‘magistrados’’ e, a partir desse ato, não poderão mais mudar de carreira, a não ser que se submetam a novo concurso público.

Inicia-se uma fase de estágio, em que os magistrados, embora exerçam as suas funções por responsabilidade própria, são assistidos por formadores, por mais um período de dez meses. Somente após o estágio é que os magistrados se tornam efetivos. Não obstante, ainda devem participar, obrigatoriamente e por dois anos, da chamada formação complementar, que envolve atividades de intercâmbio, estudo e reflexão, planejadas pelos conselhos superiores, em colaboração com o CEJ.

As atividades do CEJ não se encerram por aí. Ao magistrado são ainda oferecidos cursos de formação permanente com o objetivo de ‘‘promover a atualização da informação jurídica dos magistrados e o debate de novas problemáticas da vida judiciária’’ (art. 76, Lei nº 16/98).

O modelo, bem elaborado e gerido, tem produzido bons resultados, mas não é, contudo, isento de críticas, que se referem principalmente ao tempo de formação, considerado muito longo — ao todo, 32 meses; e à vinculação do CEJ ao Ministério da Justiça, sugerindo-se dever o órgão ser transferido para a dependência dos Conselhos Superiores das duas magistraturas.

Não obstante, por maiores defeitos de que possa padecer, o CEJ é hoje uma das melhores escolas de formação de magistrados da Europa, com recursos próprios e autonomia financeira, contando com seleto corpo de docentes, formadores e diretores.

E mesmo aqueles que tecem críticas ou se opõem ao atual modelo de formação de magistrados não discordam quanto à sua necessidade e o papel importante que o CEJ desempenha, preparando os novos juízes e membros do Ministério Público para o exercício das nobres funções nas quais estarão investidos.

É certo que nenhum sistema é perfeito e acabado e é próprio da natureza humana a constante reformulação. O exemplo português apresenta-se como modelo viável para adoção no Brasil, com as devidas adaptações.



Mônica Jacqueline Sifuentes
Juíza federal em Minas Gerais

retirado de: http://www.neofito.com.br/artigos/inter28.htm