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Gigantes da Nacionalidade 11

D. PEDRO II

* Adalto Luiz Lupi Barreiros

Aclamado II Imperador do Brasil com pouco mais de 5 anos de idade, no dia 9 de Abril de 1831, após a abdicação de seu pai, Pedro de Alcântara receberia de seus preceptores uma cuidadosa educação que iria condicioná-lo como um dos mais cultos e humanistas monarcas de seu tempo. Seu longo reinado dura da Regência Provisória, depois Trina e Una, até a proclamação da República e ensaia uma longa sucessão de crises políticas, econômicas e militares que começam mesmo antes da chamada crise da Maioridade, todas elas com gênese no próprio amálgama da formação da nacionalidade como país independente, sob forte influência da hegemonia inglesa que, então, dominava o cenário mundial. Mas, termina com uma expansão significativa do mercado interno, um enorme salto cultural e uma ponderável evolução nas instituições públicas, como veremos.

Durante as Regências, o Partido Liberal começa a se fragmentar em decorrência da crise da abdicação, dando origem a outros partidos e rompendo o equilíbrio da estrutura política do I Império.

A luta política estava centrada em moderados e exaltados, ambos concordantes quanto a necessidade de reformas constitucionais, divergindo entre as reformas graduais e imediatas e radicais.

O seu Reinado nasceu com o germe das revoltas – a começar pelo não reconhecimento da Assembléia ao poder de seu pai nomeá-lo Imperador e pelas restrições ao dispositivo do poder moderador previsto na Constituição (este instrumento monárquico se mostraria um hábil fator de contornar crises), passando por revoltas do Pará, no Exército, na Marinha e na questão restauradora – revolta de 1832 - que tumultuou a Regência Permanente, até que Feijó assumisse a Regência Única em 1935. Imediatamente após a crise da Maioridade, em 1840, quando se manifesta direta e incisivamente a interferência inglesa por questões financeiras no Brasil, uma sucessão de questões políticas e confrontos entre as principais figuras da independência e do I Reinado, disputando o poder e o apoio das oligarquias imperiais. A Cabanagem, a Sabinada, a Revolução Farroupilha foram alguns dos mais sérios conflitos do período que poderiam ter comprometido a integridade territorial brasileira. Essa integridade é mérito, também, do Imperador e de seu papel de moderador, conquanto se queira diminuir a sua influência no legado que se deixou à República.

Dependência

Na verdade, a crise da Maioridade foi estreitamente ligada ao founding loan (empréstimo), com o qual começamos a longa história de dependência econômico-financeira. O projeto de antecipação da Maioridade havia sido apresentado em 1834 e só em 1840, com o aparecimento do Clube da Maioridade (uma obra dos Andradas), consegue por fim às Regências e permitir que o Imperador assuma o poder. Isto foi feito sob intensa pressão dos ingleses. A hegemonia da época exigia a dissolução da Assembléia que resistia as imposições para pagamento dos empréstimos em condições inaceitáveis para o país.

Esta ingerência jamais deixou de ocorrer pelo século XIX afora e pelo XX adentro. Hoje ela é conhecida por um nome que se sintetiza, sob disfarce de novos tempos e tendência mundial – a globalização !

A partir da Maioridade, com a nomeação de um Ministério inteiramente formado por liberais, começa de fato o II Reinado. Com ele a revolta do Maranhão e a do Rio Grande do Sul (revolução Farroupilha) tinham curso.

Neste quadro de revol- tas internas que vão surgir as figuras históricas de Caxias e dos heróis-patronos das Forças Armadas, bem como de estadistas nacionais não mais formados em Coimbra, mas em Olinda ou S. Paulo, com saber jurídico ajustado a uma mentalidade brasileira, que tanto contribuíram para a pacificação interna e para a consolidação da herança territorial que nos havia sido legada, pelos bandeirantes e pela tenacidade dos nativistas de Guararapes. Só em 1852, 12 anos depois de assumir o trono, a revolução Praieira – a última do império – é, por fim, terminada com a anistia. A próxima, de vulto, exigiria o fim da monarquia.

Figuras notáveis

Seguia o Império seu curso de dificuldades políticas, com progressos e endividamentos, quando o Brasil, ainda por ingerência de interesses ingleses, se vê às voltas com a eclosão do maior conflito armado do hemisfério sul – a guerra do Paraguai!

É neste conflito que mais uma vez o Brasil depen- derá de capitais ingleses e que começam a tomar vulto as questões abolicionistas, tendo como causa remota a intensa contribuição de escravos para a formação do Exército Imperial.

Nele, se consolidam as figuras condestáveis de Caxias, Tamandaré, Barroso, Osório e outros, que não só iriam garantir a integridade territorial brasileira, vencendo a guerra, como se tornariam políticos de grande estatura na vida partidária do Império. Foram eles verdadeiros escudos das Forças Armadas, que ganham um novo perfil após o conflito. Com eles, jamais as Forças Armadas foram réus da história!

As críticas de historiadores ao Imperador na condução da guerra do Paraguai, em particular com relação a mobilização da defesa e a condução da Tríplice Aliança, normalmente são despidas de fundamento histórico, mormente quando consideradas sob a ótica do regime político estabelecido – uma monarquia constitucional - onde a principal ação do. Passam à história também figuras como o Marquês de Olinda, Rio Branco, Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, Rui Barbosa e outros grandes homens públicos, que deram ao II Império a consolidação das fronteiras e a conformação jurídica do Estado Nacional e em muitos fatos históricos foram os protagonistas principais das crises. Findo o conflito, com muitas perdas de vidas e com um enorme endividamento com os ingleses, o Império começa a se debater mais intensamente com as questões aboli cionistas que, por sua interferência na estrutura da economia brasi- leira da época, era politica- mente explosiva.

A questão abolicionista acabará por decretar o fim da monarquia, apesar de tudo o que fez a Casa Imperial pela promulgação das leis anti-escravidão, em conseqüência do posicionamento dos proprietários rurais que, de aliados da monarquia, passaram a hostiliza-la, devido ao abolicionismo. Foi este confronto entre a Igreja e a Maçonaria que dominou os primeiros anos da década de 70 e exigiu a tenacidade e o humanismo do Imperador para superar o que ficou conhecida, na história, como a Questão Religiosa.

Transposta para o campo político, pois presidentes de gabinetes eram grãos-mestres maçônicos e, às vezes, ao mesmo tempo, provedores de instituições católicas que era a religião oficial do Império, esta questão enfraqueceu o trono e somou-se a questão republicana e a abolicionista, para deflagrar e compor o começo do fim do Império.

Liberalismo prejudicial

Na década seguinte, o porto de Santos era o maior exportador de café – o produto sobre o qual se centrava a economia brasileira.

Foi essa cafeicultura que deslocou o eixo econômico do país do Nordeste para o Centro–Sul e possibilitou o surgimento de novas cidades e ferrovias. Sob a hegemonia das casas financeiras inglesas que determinava quais os empreendimentos, no Brasil, teriam ou não sucesso, o Imperador e o sistema político viram crescer e desaparecer o Visconde de Mauá, um brasileiro empreendedor e sucessor do nacionalismo de Tiradentes e seus sonhos de forjas nacionais e independência. O insucesso de Mauá, como o insucesso do sistema produtivo nacional, hoje, deveu-se a políticas de governo e a ingerência dos capitais financeiros que estrangularam a economia.

Ao se instalar o último Gabinete Imperial - o do Visconde de Ouro Preto, apesar dos desastrosos empréstimos que continuaram a ser tomados aos ingleses, muitas indústrias tinham sido instaladas e a situação era de prosperidade. É, portanto, o ciclo do café que domina a cena econômica até a República.

Um traço marcante do II Império é que todas as tarifas impostas pelas leis tinham características puramente fiscais, jamais se identificando qualquer mecanismo protecionista à emergente economia da jovem nação. Este, talvez, tenha sido o maior erro do II Império na defesa dos interesses nacionais e da emergente economia brasileira.

Este fato, com as devidas inflexões e com maior amplitude, se repete hoje com a abertura indiscriminada que acompanha a chamada globalização, como ocorreu antes quando fomos nos transferindo da hegemonia inglesa para a influência americana, a partir do advento da República.

A questão militar

O pensamento republicano havia contaminado as Forças Armadas, realimentando-se pelas idéias positivistas que um brilhante oficial e professor espraiou pelos seus alunos, insistentemente.

Benjamim Constant, contempla a mistura de ideais republicanos com o ideário abolicionista e com a base ideológica que construíra a nação americana, ao norte.

Atenuando-se o uso do poder moderador, agravou-se a insatisfação político-militar. Neste ponto, é necessário compreender a chamada Questão Militar, o antecedente imediato que desembocaria na República.

A partir da guerra do Paraguai, os militares não só ocuparam posições políticas proeminentes no Império, como ocorreu uma motivação que transcendeu o arcabouço da teoria organizacional nas relações de poder. O Exército passou a levar em conta uma nova condição de instrumento do povo. É esse papel instrumental que passou a permear, conviver e alimentar as relações do poder político com o segmento militar. De uma condição erradicatória e subalterna, passou a cooptar o poder, movido não mais, exclusivamente, por seus interesses organizacionais, mas por um papel de intérprete e protagonista das aspirações populares. Este processo continuou tendo sua ebulição no tenentismo do século seguinte e seu ápice 40 anos depois. Nisso, tornaram-se não só críticos do regime imperial, como permearam as questões nacionais (abolicionismo, república, submissão a interesses externos, etc.) aos seus atos como cidadão. É assim que surge a Questão Militar. No auge de sua efervescência tratava qualquer ato antimilitar ou contra um militar, como uma questão corporativa, da mesma forma que as restrições constitucionais a manifestação do pensamento militar, passaram a ser repudiadas e combatidas. Diante deles, reagiam reforçando a onda antimonárquica que dominava o cenário nacional. Mas, é importante lembrar aos brasileiros que um dos maiores civilistas do país, Rui Barbosa, foi um dos mais árduos e renhidos combatentes da monarquia, um dos incentivadores mais contundentes da função instrumental das Forças Armadas e um dos mais agressivos juizes das injustiças contra os militares, antes, durante e depois da Questão Militar.

Em 1922, essa história vai se repetir com outros protagonistas. Em 30 e 35 de novo e em 1964 mais uma vez, sem que nunca a República tivesse consolidado a independência real do país.

Continuamos hoje com a mesma e trágica síndrome da dependência e da interferência externa. Agora, com executores internos de hegemonias externas, barganhando a conquista e a permanência no poder, na medida em que, ao sabor de políticas de outros países, conduzimos as nossas coisas...

Pedro II, não esboçou qualquer reação à comunicação do Governo Provisório ao fim do Império. A ela respondeu fazendo votos pela "grandeza e prosperidade do Brasil" e, em 17 de Novembro, parte para o exílio, onde morre a 5 de Novembro de 1891 e é enterrado com honras de Chefe de Estado.

Somente 80 anos depois, seus restos mortais vieram para a sua terra, tentando, num esforço histórico dos brasileiros, reconhecer seu valor como Chefe de Estado e dar-lhe o que o banimento lhe tirou, por força do destino e da política dos homens...

Como se fora possível devolver ao homem o que se lhe tira na essência da vida e devolver à nação o que lhe é espoliado pelos interesses e pela sede de poder de homens cujas obras jamais vão dar-lhes passagem à história....

Adalto Luiz Lupi Barreiros é Cel Art Pqdt e Estado-Maior da Res do E B.

Outubro de 1998

RETIRADO DE: http://www.farolbrasil.com.br/