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Tratados e suas relações com o ordenamento jurídico interno: antinomia e norma de conflito

Francisco Rezek

 

RESUMO

O autor informa que, em decorrência de decisão do Supremo Tribunal Federal, em 1977, quando julgou o Recurso Extraordinário nº 80.004, ficou definido que, na falta de uma norma constitucional que dê prevalência ao tratado internacional sobre a lei doméstica, juízes e tribunais estão obrigados a valorizar o último ato normativo do Congresso Nacional. O conflito acontece quando esse ato doméstico for posterior à entrada em vigor do tratado, caso em que este último tem a vigência suspensa, podendo recuperá-la, no entanto, se a lei conflitante for revogada. Discorre sobre as condições político-econômicas da América Latina anteriores ao Mercosul, como sendo desfavoráveis à integração, em contraste com as condições favoráveis do pós-guerra que propiciaram a criação da comunidade européia. O autor elogia a prudência com que os Estados-membros vêm conduzindo o processo de integração do Mercosul e opina que os passos dados em direção à integração comunitária parecem ser definitivos.

 

Farei um breve apanhado, em linguagem muito sumária, a respeito do que é a situação brasileira contemporânea. Em linhas muito gerais, irei me referir ao modo como, nesta República, entende-se o Direito escrito de produção internacional; depois lhes falarei algo relacionado precipuamente com a nossa experiência integracionista com o fenômeno do Mercosul, o que ele nos traz de novo e que perspectivas nos oferece hoje.

Em 1977, o Supremo Tribunal Federal julgou, em plenário, o Recurso Extraordinário nº 80.004. Ficou definido, de modo duradouro, aquilo que, para vários observadores, era, até então, incerto: o Supremo Tribunal Federal estatuiu, na ocasião, que, sob a nossa ótica, na falta de uma norma constitucional que dê prevalência ao tratado internacional sobre a lei doméstica, em qualquer hipótese, o que juízes e tribunais estão obrigados a fazer é valorizar a última palavra do Congresso Nacional. Se esta é a palavra probatória do tratado, nenhum problema existe: todo diploma anterior, de produção doméstica, está, com isso, revogado. Se, entretanto, o quadro cronológico inverte-se, se a última palavra do Congresso Nacional manifestou-se na edição de uma lei interna, conflitante com um tratado anterior, em pleno vigor, vinculando a República, cria-se, inevitavelmente, uma situação traumática: os poderes políticos do Estado, esquecidos do compromisso internacional, discutiram, votaram, sancionaram uma norma interna incompatível com aquele dever jurídico anterior. Dizia o Supremo Tribunal Federal na ocasião: "Nós não temos, na Constituição do Brasil, aquela norma que existe na Constituição da França, da Alemanha, dos Países Baixos, da Venezuela, do Peru, de tantos outros países, dizendo que o tratado prevalece em qualquer hipótese. E se não a temos na Constituição, o Tribunal não pode inventá-la".

Não é prerrogativa de juízes a produção da norma, destacadamente a produção de uma norma de tão grande importância. Valorizamos, sim, a última palavra do Congresso. Prestigiamos a lei mais recente que o tratado. Fica, então, afastada a aplicação do tratado. Deveu-se ao Sr. Ministro João Leitão de Abreu esta precisão que, dentro do Tribunal, os espíritos menos ligados à idéia de mundo pareciam abstrair: o Congresso brasileiro não tem autoridade para revogar alguma coisa que não dependeu apenas da nossa soberania, mas envolveu outras. Então, o que sucede nesse caso não é absolutamente a revogação do tratado, mas o afastamento da sua eficácia para se prestigiar a lei, porque é mais recente, e isso importa – também não há como evitar – a confissão pública, pela cúpula do Judiciário, de uma situação internacionalmente ilícita. Dizer isso significa dizer que o país está em pecado. O país está desonrando, ou terá de desonrar uma obrigação internacional. Que os responsáveis pelo impasse, Governo e Congresso, saiam dessa, denunciando o tratado, o que, absolutamente, não elide a situação irregular e ilícita, visto que a denúncia não faz efeito imediato, porque o conflito já existe. O primado da lei, porque mais recente, há de garantir-se, deve estar já sendo garantido, e, por algum tempo mais, até que a denúncia produza seus efeitos, a irregularidade vai subsistir.

Ficou claro, naquela ocasião, que o Brasil tem uma situação idêntica à dos Estados Unidos da América, onde também não há regra constitucional, nem se criou, no plano da Corte Suprema, nenhum princípio garantindo prevalência ao tratado, ainda que anterior à lei. Lá, também, há esta paridade hierárquica entre os dois tipos de texto: prevalece o mais moderno.

Não se diz, entretanto, revogado o anterior, se este é o tratado, mas afastada a sua aplicação. E a prova mais clara de que não há revogação é aquilo que foi teorizado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, pelo Ministro Abreu, e que depois veio a acontecer por um capricho do acaso. Revogada que seja, aqui dentro, a lei conflitante com o tratado, este, se não foi denunciado, e justamente porque não havia sido revogado, recupera a sua inteira vigência. E a situação do País, perante os copactuantes lá fora, deixa de ser irregular.

Não se tinha essa situação brasileira idêntica à norte-americana, diversificava-se, enfim, contrastava com a de vários países da Europa Ocidental e alguns países vizinhos nossos. Contrasta, ainda hoje, a situação constitucional brasileira como também a uruguaia, com aquela dos outros dois parceiros, Argentina e Paraguai, onde disposição constitucional expressa abre espaço ao Direito Comunitário, mais exatamente à supranacionalidade de mecanismos não apenas normativos. Dois dos quatro sócios originais do Mercosul, portanto, foram mais precoces do que os outros dois na criação constitucional da norma necessária à instauração, sem muitos debates internos, de uma autêntica comunidade – o Mercosul como experiência vista não somente sob o ângulo jurídico.

Talvez os senhores recordem que o projeto de integração dos países da nossa América é um projeto bolivariano, que remonta a 1826; ao contrário, por exemplo, da doutrina de James Monroe, que era apenas uma palavra de ordem contrária à incursão de potências européias no continente americano, o projeto bolivariano era, efetivamente, integracionista. Voltava-se para o ideal de, no futuro, encontrarem-se reunidas essas repúblicas numa comunidade econômica, política, social e cultural. O discurso do art. 4º, parágrafo único, da Constituição do Brasil, em toda a sua construção, tem a sua origem no bolivarismo, em 1826. Mas nada acontecia, o ideal integracionista não se projetava na realidade objetiva. Virou-se o século. Construiu-se, na metade deste, uma organização panamericana, incluindo parceiros não-integrantes da América Latina e, no domínio da integração, pouco se fez de eficaz até os dias atuais, até aqueles que precederam à instalação do Mercosul.

Tínhamos uma situação de base, bem diferente daquela que permitiu, nos anos 50, a criação das comunidades européias. O quadro europeu do pós-guerra era acentuadamente mais favorável do que o nosso ao êxito da experiência integracionista. Os historiadores costumam lembrar que a comunidade européia resultava essencialmente, sob a ótica dos grandes vencedores não-europeus ou não-europeus ocidentais da Segunda Guerra, num esforço por compor antigos inimigos, para não deixar mais que a situação se deteriorasse por causa do antagonismo político já causador de dois grandes conflitos, entre os que resultaram vencedores e os que resultaram vencidos, na Segunda Grande Guerra.

O fato, entretanto, é que, à margem desse convite político de aproximação e de integração, a Europa sai da Segunda Grande Guerra beneficiada, primeiro, pelas lições do sofrimento, que são extremamente duráveis e profundas; segundo, pela qualidade excepcional das suas lideranças; terceiro, e não menos importante, por uma portentosa ajuda externa de ordem material – a reconstrução do continente. Sob esse signo de grande esperança, a Europa comunitária lança suas bases jurídicas nos anos 50; vem depois atravessar, sem grande dano, a crise econômica do petróleo nos anos 70; entra na década de 80 num clima de euforia e rompe os anos 90 dando lições do que não fazer e do que fazer à Europa Oriental redimida de erros políticos e econômicos extremamente graves.

A nossa situação era diferente; esses países, dos quais alguns tiveram alguma participação na Segunda Guerra, não foram destinatários de ajuda econômica especial. As lideranças da época nada tinham de brilhante. Não havia um clima entre as sociedades, nesta parte do mundo, propício por alguma razão especial à criação de algo novo, fecundo. Ainda prevalecia o espírito paternalista e clientelístico na política, mesmo naqueles países onde as eleições aconteciam e eram, aparentemente, livres.

Depois, havendo sofrido, como talvez em nenhuma outra parte do mundo, as conseqüências perversas daquele embate entre propostas econômicas do entrevero entre esquerda e direita no plano econômico, a América Latina comete erros sucessivos nesse domínio. Fecha-se às importações, causando com isso a obsolescência do seu próprio parque industrial. Inventa o Brasil, mais destacadamente do que qualquer outra, uma política de excedentes na balança comercial, o que provoca uma redução da temperatura do mercado interno, um achatamento de salários num patamar bastante medíocre, uma perda, quase que total, do senso de competitividade.

Esses países vêm a se tornar, por estranha ironia, exportadores de capital, exportadores de dinheiro. Só entre 85 e 89 saem da América Latina, com destino a cofres os mais airados do hemisfério norte, dinheiro equivalente a 15 vezes o Plano Marshall e 25 vezes a chamada "Aliança para o Progresso". Era um quadro desalentador, em razão do qual se chamou, entre nós, a década de 80 de "década perdida".

Era preciso tentar alguma coisa. E num clima de absoluta, de franciscana modéstia, os quatro países do cone sul resolvem empreender o Mercosul. Fazem-no com um espírito espartano, já vacinados por algumas experiências vizinhas, contra aquilo que realmente não deve ser feito. Não vamos montar o aparato para depois conseguir sucesso. Não penduremos contas no tesouro público, já tão precário, para depois ver se somos bem sucedidos naquilo que o mercado comum pretende ser: uma forma de melhorar a vida quotidiana das pessoas comuns pelo barateamento dos preços em razão da circulação livre das mercadorias, dos serviços e das próprias pessoas. Não vamos cometer o erro já cometido lá fora, de montar a parafernália comunitária com comissões, conselhos, prédios, sedes, secretário-geral, corte de justiça, sem que se saiba para que tudo isso serve.

Não. Busquemos o êxito e, depois de conseguido esse, ainda que em bases provisoriamente limitadas, montemos então a máquina. Esse é o signo do Mercosul; assim ele nasce no Tratado de Assunção do Paraguai para, só alguns anos depois, ganhar personalidade jurídica no Protocolo de Ouro Preto e continuar sendo uma instituição extremamente parcimoniosa, que não se dispõe a onerar as sociedades envolvidas no processo comunitário antes de brindá-las com benefícios efetivos.

Com efeito, a experiência comunitária onera muito pouco em relação aos benefícios que proporciona; ela é talvez mais simbólica do que eficaz no plano das finanças estritamente consideradas com a idéia de evitar certos dispêndios e certas demonstrações aparentes de fausto institucional antes de conseguir resultados no trivial.

Uma coisa deve ser dita – e nisto também se observa que o passo do Mercosul é ainda incipiente se confrontado com as situações vividas pelas comunidades européias –, mas as palavras não têm ainda um significado muito exato: seria muito difícil dizer que já temos um direito comunitário. A regência do Mercosul encontra-se em normas de Direito Internacional Público convencional, ou seja, em tratados entre os quatro países envolvidos, tratados celebrados no molde da antiga tradição, submetidos ao mesmo ritual.

Imaginou-se que pudesse haver, no caso do Mercosul, uma inovação bastante ousada, com aquela regra do Tratado de Assunção do Paraguai, depois reproduzida em alguns outros, onde se diz que "o tratado entra em vigor quando ratificado por três dos quatro". Alguém imaginou o que isso poderia significar? Entra em vigor para os quatro, pela ratificação de três! Mas não é possível, isso é uma heresia completa. Nenhuma soberania pode estar vinculada por um compromisso que ela própria não confirmou. Tudo o que se quis com essa regra – na comunidade de quatro, a aquiescência definitiva de três já põe o compromisso em vigor – é evitar o retardo nas ratificações, fazer com que exista em cada um dos quatro países uma certa resistência à idéia de ser o último. Mas, naturalmente, para o retardatário, para o quarto país a ratificar qualquer dos compromissos do Mercosul, é certo que a vigência será diferida. Ela não é contemporânea da vigência para os três ratificantes precoces.

Não há falar ainda – penso eu – num Direito Comunitário na medida em que as normas do Mercosul são ainda normas trabalhadas, editadas pelos parceiros, mas ainda sob a bandeira de cada um numa experiência típica de compromisso internacional. Há de se falar em Direito Comunitário quando, já dotado de personalidade jurídica, o empreendimento produza dentro de si mesmo normas válidas para os parceiros. Isso é o que efetivamente não existe, ainda. Não temos, no caso do Mercosul, normas cogentes que não sejam editadas pela voz soberana, horizontal e igualitária dos quatro. Falta, ainda, a produção, dentro da instituição Mercosul, de normas obrigatórias. Não há falar que seja Direito Comunitário aquilo que é mera proposição, exortação, aquilo que não tem força obrigatória.

Finalmente, é da maior importância que se considere uma experiência integracionista que pretende ir às últimas conseqüências. Impõe sim, mesmo sob a ótica daqueles que acham que, para o Mercosul, alguns desdobramentos institucionais como a Corte de Justiça são ainda precoces e inoportunos. Mesmo sob a ótica desses que se orientam pela tônica da prudência que presidiu o nascimento da instituição, será necessário, a qualquer momento, sob pena de se obstaculizar o processo, que alguma transferência de competência para o plano comunitário se opere. É nesse particular que se enfatiza sempre o descompasso aparente entre a situação de Argentina e Paraguai e aquela de Uruguai e Brasil.

Entretanto, quando reflito sobre aquilo que nesta República seria preciso para se partir para um grau incipiente de supranacionalidade no contexto limitado desta região econômica, tenho alguma dúvida sobre a necessidade da norma constitucional expressa. Penso que, em função daquilo que pareça ser a preferência da sociedade brasileira, traduzida na voz dos meios de comunicação, do Congresso Nacional, dos Poderes Políticos da República, penso que os Tribunais, destacadamente o Supremo Tribunal Federal, seriam chamados, a qualquer momento, a dizer se já é possível, à luz do texto, como ele hoje se estampa, chegar a um certo grau de supranacionalidade.

A cada dia mais, tenho-me convencido de que a função judiciária é algo extremamente misterioso. Tenho-me convencido de que, naquilo que realmente tem importância, não no trivial, no qual o juiz pouco mais faz do que um computador de última geração poderia fazer com maior segurança do que ele, mas naquilo que impõe realmente uma escolha, uma opção, uma determinação de irrecusável conteúdo político, nada me tira da cabeça a idéia, hoje mais firme do que nunca, de que o juiz primeiro decida e depois fundamente. Primeiro se determina sobre o que deve fazer e se determina em função da sua própria história, da sua formação, da sua ideologia, da sua visão da sociedade do futuro, da sua noção do interesse público, da salvação pública, e havendo-se determinado em função desses elementos, ele busca, no seu saber jurídico e na lei, a fundamentação adequada para dar suporte técnico a sua decisão.

Isso é verdadeiro em toda parte e mais verdadeiro ainda o é em países como este, onde a ordem jurídica é colossal na sua extensão, é de duvidosa qualidade, é uma selva escuríssima de ambigüidades e incongruências. Em um país onde a ordem jurídica seja isso, tanto maior é a prerrogativa do juiz, do tribunal para determinar o Direito em função da noção do interesse público. Realmente uma escolha, uma opção, uma determinação de irrecusável conteúdo político.

Por isso me pergunto: o que faltaria para o Supremo Tribunal Federal se ele o quisesse, se ele sentisse que é essa a aspiração coletiva? O que faltaria para entender possível, à luz da Constituição do Brasil, tal como hoje escrita, uma integração envolvente de alguma supranacionalidade, se está escrito – parágrafo único, do art. 4º, no vestíbulo da Constituição de 1988 – que o Brasil buscará a integração econômica com os demais países da América Latina – vejam que o adjetivo econômica aparece antes de política, social e cultural.

Já nos foi ensinado, em outras partes do mundo, que "integração econômica" não é uma expressão literária, e sim uma expressão de conteúdo técnico certo. Ou se leva a sério o constituinte, quando ele diz que o Brasil buscará a integração econômica, assumindo todas as conseqüências desse fato, ou se parte para uma postura mais conservadora: o Constituinte não foi expresso, portanto o Brasil é um país ainda inibido em relação ao propósito integracionista, enquanto o Congresso Nacional não se animar a mudar as coisas.

Estamos chegando a um ponto muito próximo, não apenas da integração econômica eficaz, com todos os seus desdobramentos sobre a vida do cidadão comum, mas também dos outros aspectos integrativos que as constituições preconizam: a integração política, social e cultural. Isso não foi possível, senão passado mais de século e meio da proposta bolivariana, mas parece que, atualmente, há uma convicção generalizada no sentido de que os passos até agora dados são definitivos, não há retorno possível.

Não há a menor dúvida de que o êxito, nesse propósito de conteúdo econômico, na sua dinâmica, tem uma relação estreitíssima com o quadro político vivido pelo continente.

Não faz muito tempo – os mais jovens têm a felicidade de não recordá-lo de modo mais pungente – que a única colaboração eficaz entre os países do cone sul era aquela que se dava nos aspectos mais subterrâneos dos regimes autoritários então vividos por eles. Acabou. Essa página foi virada, não há retorno ou reprise. Vivemos democracias definitivas.

Parece que nos convencemos de que estamos, finalmente, apartando-nos daquilo que parecia ser um estigma: a idéia de o continente chegar sempre atrasado à sua própria história, como se essa parte do mundo, cortada no seu centro econômico pelo Trópico de Capricórnio, fosse marcada, também, pelo signo de capricórnio, e tivesse o tempo como seu principal aliado e devesse investir, esperar no futuro por aquilo que o presente não traz.

Há, agora, uma convicção bastante segura de que estamos chegando a um ponto próximo do alcance dos nossos objetivos. E há uma esperança coletiva de que, pelo menos, estejamos vivendo – sob todas as óticas possíveis, não só nesta parte do mundo, mas nas outras também, mais felizes e mais oprimidas pela própria história – uma época de grande fecundidade. Nem todos chegaram lá, e a distância dos objetivos finais ainda é grande.

O continente africano, por exemplo, sofre de uma problemática generalizada infinitamente mais grave do que a nossa, e a distância que o opõe aos seus objetivos é bem maior.

Mas parece que há, em toda a parte, a noção de que, neste momento, faz sentido lançar idéias à mesa e trabalhar sobre elas. Tantos e tantos momentos remotos e recentes da nossa história foram marcados pela esterilidade, pela convicção coletiva de que nada do que se fizesse, falasse, propusesse e tentasse adiantaria coisa alguma, tão bloqueadas eram as perspectivas naqueles momentos. Hoje, vivemos o contrário disso: a certeza de que tudo quanto se plante fecundará e de que vale a pena viver, por isso, esse momento. Seria possível fazer uma adaptação a esta época da velha máxima romana, carpe diem, que mandava aproveitar o dia, agarrandoo.

É preciso tomar de empreita essa época e fecundá-la, recolhendo todas as oportunidades que ela oferece de mudança, de aprimoramento da convivência em sociedade e de eliminação de todos os vícios, patologias e estigmas que têm marcado as nossas sociedades. Se aproveitarmos esta época de modo eficaz, as conseqüências serão as mais ricas para todos. Se perdermos essa oportunidade, se nos perdermos em banalidades neste momento que reclama tanta grandeza, sobrará depois um profundo remorso e, tenho certeza, não queremos tê-lo.

Francisco Rezek é ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, membro da Corte Permanente de Arbitragem e juiz da Corte Internacional de Haia.



retirado de: http://www.cfj.gov.br