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A NÃO- EXTRADIÇÃO DEVIDO A
NATUREZA POLÍTICA DO DELITO
Ana Paula Scóz Silvestre
SUMÁRIO
1) Introdução, 2) Da extradição, 2.1) Generalidades, 2.2) Asilo político, 3) Quando o
fato delituoso constitui crime político, 3.1) Antecedentes históricos, 3.2) Motivos de
exclusão do rol dos crimes que ensejam a extradição, 3.3) Qualificação de crime
político, 3.4) Bem jurídico tutelado, 3.5) Crimes conexos, crimes complexos, 4)
Conclusão, 5) Bibliografia.
1) INTRODUÇÃO
Nosso contexto mundial mostra uma interdependência crescente entre os países. Os
avanços tecnológicos proporcionaram um maior contato entre os povos; além do aumento do
comércio internacional, também intensificaram-se as relações sociais, políticas,
culturais. Não se verifica uma sobrevivência isolada; hoje, o que acontece na órbita de
um Estado repercute em outro. Entretanto, para que esta coexistência se desenvolva de
forma harmônica, é necessário a colaboração dos membros da comunidade internacional.
Neste intuito que se celebram tratados e acordos de assistência mútua. Os Estados, além
das prerrogativas inerentes à personalidade jurídica internacional, possuem também
deveres recíprocos. Talvez um dos mais importantes se situe na colaboração para uma
administração eficaz da justiça na repressão à criminalidade. Um instituto de direito
processual penal internacional, muito utilizado neste aspecto, que envolve dois ou mais
países, é a extradição.
A extradição é um dever jurídico, de cooperação judicial internacional, e não afeta
a soberania de um Estado: primeiro porque é um dever recíproco, segundo porque permite a
atuação da jurisdição penal do Estado que possui mais motivo para exercê-la. Apesar
de ser um dever de colaboração penal internacional, sua execução nem sempre pode ser
exigida. Ademais, um país não pode, arbitrariamente, entregar ou deixar de entregar os
criminosos que, dentro de suas fronteiras, se refugiam.
Vários tratados e leis excluem da extradição certas categorias de delitos. A mais
comumente excluída é a categoria dos crimes políticos. Esta será a questão abordada
no paper: a não-extradição quando verificada a ocorrência de crime político.
Procurar-se-á esclarecer a definição de crime político, enfoque principal, com o
auxílio de doutrinas, artigos e jurisprudências, visto que é um conceito vago e nenhuma
lei, tratado ou convenção cuidou de tal assunto, deixando a tarefa ao Estado requerido.
Também será abordado os motivos que excluem o crime político da extradição, bem como
a questão do asilo político. E, por fim, os critério para a verificar se os crimes
complexos e conexos se revestem ou não de natureza política.
2) DA EXTRADIÇÃO
"Extradição é o ato pelo qual um Estado faz a entrega, para fins de ser processado
ou para a execução de uma pena, de um indivíduo acusado ou reconhecido culpável de uma
infração cometida fora de seu território, a outro Estado que o reclama e que é
competente para julgá-lo e puní-lo" (CAHALI, 1993, p.295).
A extradição não constitui pena, é um meio processual internacional de possibilitar a
sua aplicação; "...não é menos evidente que o processo de extradição dispõe de
clara função instrumental, pois objetiva viabilizar, ou a execução de pena já imposta
em processo penal condenatório, ou a submissão do extraditando a processo de índole
persecutória perante o órgão competente do Estado requerente".
2.1) GENERALIDADES
O tratado internacional é a fonte mais comum e abundante do instituto da extradição;
ele fixa as condições dentro das quais as partes contratantes se comprometem, a priori,
à recíproca extradição. Mas, na falta ou deficiência de um tratado, a declaração de
reciprocidade é também fonte conhecida do "direito de extradição". Há
alguns princípios observados pelo instituto da extradição e presente nos tratados, que
visam assegurar uma proteção maior ao extraditado e garantir que a utilização da
extradição, como meio de repressão da criminalidade, não se desvirtue de sua
finalidade:
a) Princípio da especialidade: o Estado requerente não poderá julgar o extraditado por
motivo diferente daquele que fundamentou o pedido de extradição. Conhecido também como
efeito limitativo da extradição (ACCIOLY, 1998, p. 370).
b) Princípio da identidade: não será concedida a extradição quando o fato que motivar
o pedido não for considerado crime no país de refúgio; ainda sob este princípio, é
levado em conta que o extraditando não poderá ser submetido a uma pena que não exista
no Estado requerido (CAHALI, 1983, p. 304). No Brasil, por exemplo, quando o pedido se
referir a crime punido com pena de morte, somente será concedida a extradição se o
Estado requerente comprometer-se a transformar a pena de morte em pena privativa de
liberdade; e quando a pena for de prisão perpétua, deve ser comutada para a de trinta
anos.
c) Princípio "non bis in idem": este princípio repete regra consagrada pelo
Código de Direito Internacional Privado, que dispõe a impossibilidade de ser concedida a
extradição "se a pessoa reclamada já tiver sido julgada e posta em liberdade ou
cumprido a pena ou estiver submetida a processo no território do Estado requerido, pelo
mesmo delito que motiva o pedido" .
Outra causa proibitiva da extradição são os casos em que a punibilidade do crime está
extinta pela prescrição, seja segundo a lei do Estado requerente, seja segundo a lei do
Estado requerido .
Toda pessoa é passível de ser extraditada; entretanto, esta regra não é absoluta. A
nacionalidade e as condições pessoais podem representar, por vezes, obstáculo à
extradição. É de princípio, em matéria de extradição, que nenhum país libere seus
nacionais. Isto não significa que a não-extradição do nacional conduza à sua
impunidade, uma vez que ele deverá ser julgado pelo país de origem.
Muito embora o instituto da extradição tivesse surgido, historicamente, tendo como causa
o delito político, existe atualmente, de modo geral, um consenso entre os países, no
sentido de não conceder a extradição quando o extraditando esteja sendo processado ou
tenha sido condenado pela prática de delito político. A dificuldade que reside nesta
questão é o fato de que o conceito de crime político não é determinado em nenhum
tratado ou lei interna. Este ponto será abordado de forma detalhada em um momento mais
oportuno.
Algumas legislações e vários tratados internacionais estipulam que, além do crime
político, não poderá ser concedida a extradição por fato que, no país requerente,
será julgado por tribunal de exceção.
Quanto ao pedido de extradição, pode acontecer que a mesma pessoa esteja sendo requerida
por mais de um Estado, pelo mesmo fato ou em razão de atos diversos. No plano de direito
comparado, tratando-se de pedidos de extradição relativos ao mesmo fato, alguns tratados
a concedem ao Estado de origem do extraditando; outros, ao Estado em cujo território foi
cometida a infração; e, ainda existem opiniões favoráveis a que o assunto fique ao
arbítrio exclusivo do Estado requerido.
Tratando-se de crimes diversos, terão preferência sucessivamente: 1º. o Estado
requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave; 2º. o que em
primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for
idêntica; e 3º. o Estado de origem ou, na sua falta, o do domicílio do extraditando, se
os pedidos forem simultâneos.
As legislações, de modo uniforme, estabelecem as vias diplomáticas para os pedidos de
extradição. Por se tratar de um ato de soberania, só pode solicitá-la ou concedê-la a
autoridade que tenha o exercício da soberania em face de países estrangeiro, portanto, o
Poder Executivo. Quanto ao exame do pedido em relação a sua legalidade, procedência ou
regularidade, em alguns países ele é puramente administrativo; noutros, é judiciário e
ainda noutros é misto (ACCIOLY, 1998, p. 368). Entretanto, a decisão de concessão ou
não da extradição em todos os casos é irrecorrível. Normalmente, os tratados
determinam quais devem ser os documentos que devem acompanhar o pedido.
Regra geral, a extradição é concedida em razão de infrações cometidas fora do Estado
requerido e dentro da jurisdição territorial do Estado requerente; trata-se de
aplicação do princípio da territorialidade. Entretanto, em casos excepcionais, o Estado
requerido poderá conceder a extradição por infração cometida dentro do seu próprio
território; isso acontece quando a infração afeta diretamente o Estado requerente,
apesar de não ocorrer em seu território, como por exemplo, a falsificação de sua moeda
feita em outro país. Não se exige que a infração em que se funda o pedido de
extradição tenha sido praticada no território do Estado requerente ou requerido,
bastando que sejam aplicáveis ao extraditando as leis penais deste Estado.
2.2) ASILO POLÍTICO
O asilo político, quer em sua prática consuetudinária, quer em sua disciplina
convencional, é de natureza tutelar, pois tem como objetivo oferecer proteção efetiva
à pessoa refugiada, preservando-a do arbítrio, da perseguição e da violência de
natureza política. "Poderá ser concedido tanto para quem comete crime político,
quanto para quem é perseguido político" (CAHALI, 1983, p. 151).
Freqüentemente questiona-se a possibilidade da extradição quando o Estado requerente
faz o pedido de extradição de um asilado político. Nestas situações devem ser
analisadas as peculiaridades de cada caso. Em princípio, nada impede tal concessão,
desde que observados os requisitos necessário que constam nos tratados e nas leis
internas do Estado requerido.
A Convenção sobre Asilo Territorial (Caracas, 1994), reafirma uma restrição à
extradição de asilado político: "Art.IV - A extradição não se aplica, quando se
de pessoas que, segundo a classificação do Estado suplicado, sejam perseguidas por
delitos políticos ou delitos comuns com fins políticos, nem quando a extradição for
solicitada obedecendo a motivos predominantemente políticos" (ALBUQUERQUE MELLO,
1997. p. 85).
Entretanto, o pedido extradicional poderá ter suporte em outros fatos, estranhos àqueles
que motivaram o deferimento do asilo. Demais disso, quem concede o asilo é o Poder
Executivo, e quem analisa o pedido de extradição, na maioria dos países, é o Poder
Judiciário, sendo que este não está vinculado ao juízo formulado pelo Poder Executivo
na concessão administrativa daquele benefício regido pelo Direito das Gentes. Daí
decorre que a condição jurídica de asilado político - trate-se de asilo diplomático
ou territorial, ambos objeto das Convenções de Caracas - não suprime por si só, a
possibilidade de um Estado conceder, presentes e satisfeitas as condições legais que a
autorizam, a extradição que lhe haja sido requerida.
"A concessão de asilo não acarreta compromisso irrevogável. (...) 1º. podendo ser
dado não somente a quem comete crime político, mas também aos perseguidos políticos,
não envolve necessariamente um pronunciamento do agente diplomático sobre a natureza
política do delito porventura atribuída ao asilado; 2º. a lei reserva ao STF dizer
sobre a última palavra sobre a qualificação do delito para efeito de caracterizar a
excludente da extradição"(Extr. 524, 31.10.90 - RTJ 134/56. p.62.)
Pode-se afirmar desde logo que a condição de asilado político do estrangeiro não
constitui óbice à sua extradição: a) quando esta é solicitada por país diverso
daquele do qual se afastou por motivo político; b) ou pelo mesmo país do qual se
afastou, desde que por crime comum; c) quando a condição de crime político, pressuposta
na concessão administrativa do asilo, não é reafirmada pelo Poder Judiciário ao ser
apreciado o pedido.
3) QUANDO O FATO DELITUOSO CONSTITUI CRIME POLÍTICO
Em geral, todo o indivíduo que comete um crime é passível de extradição, a fim de ser
entregue à justiça do Estado competente para julgá-lo e puní-lo (ACCIOLY, 1998, p.
358). Entretanto, a extradição passiva de estrangeiros não se reveste de caráter
absoluto, não pode ser concedida de modo indiscriminado. Dependendo da natureza do
delito, por exemplo, é excluída a possibilidade de extradição do acusado. Dentre os
vários pressupostos legitimadores do deferimento do pedido de extradição, há um, como
que universalmente aceito, de caráter negativo: quando o crime for de natureza política.
Em relação ao sistema jurídico brasileiro, a inextraditabilidade de estrangeiros por
delitos políticos reflete, em favor dos súditos estrangeiros, um direito público
subjetivo, oponível ao próprio Estado. Pois, temos no preceito normativo uma
insuperável limitação ao poder de extraditar do Estado brasileiro.
3.1) ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O Direito Romano conheceu a diferença entre os atos lesivos em face dos bens atingidos.
Neste contexto separava com nitidez as ações em duas categorias distintas: o delito
público (crimina) e o delito privado (delictum vel maleficium).
O delito privado sempre consistiu numa lesão ao indivíduo, e todos os seus efeitos vão
se exaurir na órbita privada - obrigação; enquanto o delito público significava um
lesão de um interesse de caráter geral, à ordem social. A repressão deste último
ilícito partia da sociedade como organização social e inferia uma pena corporal ou
ainda pecuniária. Por ferir a civitas era de maior gravidade que o delito privado.
Os delitos públicos registrados pelo Direito Público Romano eram condutas que
tipificavam traição a Roma, como o homicídio em que a vítima era cidadão livre, o
incêndio, a violência pública armada ou sem armas (que poderiam configurar, talvez, o
nosso crime político), o falso testemunho,.... (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 10).
No Direito Medievo, com a formação das nacionalidades, pode-se perceber sinais que
começam a demarcar as características do crime político. Mas foi a partir das primeiras
distinções entre Nação e Estado, com o jusnaturalismo, que os delitos contra a
sociedade progrediram em sua conceituação. Em relação ao crime político, entretanto,
ainda não encontramos linhas precisas de forma a conceituá-lo satisfatoriamente. Sabe-se
que no Direito Romano era considerado um delito público, que ofendia a Roma . A partir
daqui, tem-se um elemento para iniciar a demarcação do conceito de crime político.
3.2) MOTIVOS DE EXCLUSÃO DO ROL DOS CRIMES QUE ENSEJAM A EXTRADIÇÃO
O princípio da não-extradição por delito político insere-se no direito interno e
externo. Integrando os tratados bilaterais, encontra-se também expresso no Código de
Direito Internacional Privado (Código de Bustamante), no art. 355: "estão
excluídos da extradição os delitos políticos e os com eles relacionados, segundo a
classificação do Estado requerido"; e no art. 356: "igualmente não se
concederá, se se provar que a petição de entrega foi formulada de fato com o fim de
julgar ou castigar o acusado por um delito de caráter político segundo a mesma
classificação".
Sabe-se que o objetivo da extradição é o interesse dos Estados em manter a ordem social
e que se propague a justiça por todos os povos. Este é o motivo que explica a
solidariedade dos Estados na repressão à criminalidade em relação a fatos que
ocorreram além de suas fronteiras.
Mas, o crime político, pelas características que o ensejam, não justifica a concessão
de extradição. A razão pode ser encontrada na diferença existente entre os crimes
comuns e os crimes políticos. Enquanto nos primeiros a criminalidade é considerada
absoluta, ou seja, todos os povos, no mesmo grau de civilização, consideram tais atos
delituosos repugnantes na mesma proporção; nas infrações políticas a criminalidade é
relativa, um país pode punir um fato que em outro é de somenos gravidade, aquilo que
parece sujeitar-se a penas mais graves em determinado momento histórico transforma-se em
ato de civismo em outra época . Analisando por este ângulo, a não-extradição de um
criminoso político não acarretaria em um descumprimento dos deveres do Estado, enquanto
membro da coletividade internacional, de colaboração para que as leis sejam respeitadas
e a justiça obedecida.
A doutrina majoritária chega ao ponto de afirmar que, ao conceder a extradição do
criminoso político, o Estado requerido estaria influindo na política interna do país
requerente, visto que, tal natureza de infração ofende exclusivamente o Estado em que
foi cometida.
Por outro lado, inversamente ao que ocorre com os delinqüentes comuns, os criminosos
políticos - se são elementos perigosos para a sua pátria - não o são, via de regra,
relativamente a ordem social do país que lhe deu refúgio. A presença de um refugiado
culpado por delito político não é considerado um perigo ou uma razão para temor ou
receio da parte do país que o recebeu como asilado.
Além disso, nas questões desta natureza, ao menos em tese, acredita-se que não
existirá, pela parte do Estado requerente, a necessária e serena imparcialidade na
administração da justiça. Pois, segundo Bento de Faria (apud Trat. de derecho penal, I,
p. 217) "a justiça administrada pela própria vítima não é justiça, é
vingança".
3.3) QUALIFICAÇÃO DE CRIME POLÍTICO
Alguns autores consideram como crime político os delitos contra a segurança interna do
Estado, com o fim de modificar a forma de seu governo ou sua constituição política.
Mas, a corrente majoritária, inclui também nesta categoria de crime aqueles dirigidos
contra a segurança externa do Estado, contra sua independência, contra a integridade de
seu território e suas relações com outros Estados (ACCIOLY, 1998, p.363.).
Preliminarmente, podemos definir crime político como "aqueles dirigidos, subjetiva e
objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições
políticas e sociais" (HUNGRIA, 1958, p. 256). Não é fácil dizer do seu conteúdo
e limites, no tempo e no espaço, porém, não resta dúvida que em seu conceito são
incluídos os delitos que atingem a estrutura política do Estado, as suas instituições
públicas, a sua independência e a sua soberania.
Há quem pretenda conceituar crime político distinguindo este dos crimes sociais. Esta
distinção não se justifica, atualmente as questões políticas se dilataram e
evoluíram para questões mais propriamente político-sociais. A ordem política
compreende não só a específica organização do Estado, mas também a estrutura da
organização social, da qual o Estado é sustentáculo. O crime político atenta
diretamente contra a personalidade do Estado , enquanto o crime social é o que visa a
atacar desde suas bases até a estrutura da organização social. Dito isto, nenhum
alcance apresenta semelhante distinção, para o efeito de diverso tratamento dos crimes
em questão, pois que entre as finalidades específicas do Estado se compreende a
segurança da ordem na organização social, que diz, evidentemente, com sua própria
segurança.
A noção de criminalidade política é ampla, seu conceito é variável, inexistindo no
direito positivo tal definição. Costuma-se analisá-la de acordo com posições
doutrinárias que reduzem a teoria do crime político a um dualismo conceitual: "de
um lado, crime político puro ou absoluto e, de outro lado, crime político relativo ou
misto. Aquele, traduzindo-se em ações que atingem a personalidade do Estado ou que
buscam alterar-lhe ou afetar-lhe a ordem política e social; este - crime político
relativo - embora revestido da motivação política de seu agente, projeta-se em
comportamentos geradores de uma lesão jurídica de índole comum" (Extr. 493,
04.10.89 - RTJ 134/652, p.670 ). Na prática, consiste numa ação ou omissão contra a
organização política e social do Estado ou contra o governo legalmente constituído.
"... todos os fatos são políticos, e, principalmente, política é a ação de
atacar o quartel, a qual teve como base a motivação política de dar sustentação ao
regime vigente e, se necessário tomar o poder. E, evidentemente, à política se dedicava
o ora extraditando" (Extr. 493, 04.10.89 - RTJ 132/ 652. p. 653).
Neste caso, tratava-se de uma ação armada que visava à modificação do status quo
político, atingindo o Estado na sua personalidade, na sua estrutura, na sua
organização, tornando-se evidente a prática do delito político.
"Hão de ser considerados crimes políticos, os praticados pelo extraditando, (...)
aqueles destinados à contestação da ordem econômica e social. (...) Fatos
enquadráveis na lei penal comum e atribuídos aos rebeldes - roubo de veículo utilizado
na invasão do quartel, e privações de liberdade, lesões corporais, homicídios e danos
materiais, perpetrados em combate aberto, no contexto da rebelião -, são absorvidos no
direito brasileiro, pelo atentado violento ao regime, tipo qualificado pela ocorrência de
lesões graves e de mortes (Lei de Segurança Nacional, art. 17)".(Extr. 694,
13.02.97 - RTJ 166/66. p.91) .
3.4) BEM JURÍDICO TUTELADO
Até agora, tem-se formulado como crime político "a infração que atinge a
organização do Estado, como um todo, minando os fundamentos dos poderes públicos
constituídos, como a conspiração, o atentado contra a segurança do Estado, a fraude
eleitoral" (Forense Universitária, 1992. v.VII. p.3167).
Baseado nesta definição, o bem jurídico é a organização do Estado, a forma dinâmica
de suas instituições. Lembrando que a organização do Estado e o Estado em
si são um só, sendo assim, o crime político tem como sujeito passivo o Estado.
Entretanto, as demarcações ainda são vagas, a locução "organização do
Estado" traduz uma abrangência ampla e enfraquece qualquer conceito razoável de
crime político. Os crimes de lesa-humanidade, como o crime de genocídio, que fere
gravemente a humanidade, devido à "Convenção para a prevenção e sanção do
crime de genocídio" (realizada pela ONU), exclui tal delito do rol dos crimes
políticos para efeito de extradição. No Brasil esta orientação da ONU resultou na
promulgação da Lei nº 2889/56:
"Art. 1º. Quem com intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, como tal."
Mas, apesar de ser permitida a extradição no crime de genocídio, ele não deixa de ser
um crime contra a organização do Estado.
Ainda em relação ao Direito brasileiro, a Lei nº 6.815/80 atribui com exclusividade ao
STF a apreciação do caráter da infração, dando-lhe a faculdade de não considerar
crime político "os atentados contra Chefes do Estado ou quaisquer autoridades, assim
como os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem
propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou
social" (art. 77, parág. 2º e 3º, Estatuto do Estrangeiro). Conclui-se daí que
tais crimes são de natureza política, mas, dadas as circunstâncias do fato, o STF pode
reconhecer neles outra qualificação, possibilitando a extradição.
Diante disso, questiona-se se podemos ter sinais característico da tipicidade do crime
político. Em busca de uma solução concreta, a primeira tarefa é delimitar o sujeito
ativo, os meios e o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal Político.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, servidor público ou não, agente que exerça
atividade política ou privada. Os meios são todos aqueles que possam lesionar o bem
social.
Quanto aos bens jurídicos, numa visão primária e de acordo com o Direito Penal
poderíamos dividí-los em: a) bens institucionalizados na coisa pública; b) bens da
personalidade; c) bens de natureza social (TOLEDO, 1994, p. 15-20). A importância para o
estudo em questão são estes últimos, pois são os bens de natureza social que o crime
político fere.
Bens de natureza social, entende-se, aqueles que dizem respeito a valores fundamentais da
sociedade e como tal inalienáveis: direito a um Poder constituído conforme a livre
vontade popular; a ter representantes comprometidos com os interesses sociais; a ter plena
liberdade de manifestação do pensamento sem lesar direito alheio; a ter direito a uma
sociedade justa na distribuição dos bens e valores sociais, sem exploração de
quaisquer entes, inclusive do Estado; etc. Toda a ação que tenha por objetivo negar,
alterar, violar os valores da sociedade e suas necessidades fundamentais é um ato
político, que, quando tipificado, configura-se como delito político.
Por fim, podemos classificar os delitos políticos em quatro categorias: 1ª. os que
ofendem à vida, à integridade física e a condição natural de vida em sociedade pela
lesão a seus membros: delito de genocídio, grupos de extermínio ou sonegadores de
direitos de comunidades religiosas, raciais, etc.; 2ª. os que ofendem a paz (segurança)
social: delitos de subversão armada ou dissimulada, levante social contra os direitos
civis, insubordinação, terrorismo, etc.; 3ª. os que ofendem a valores subjetivos socias
(moral e probidade): abuso e tráfego de poder político, influência e desvio do
prestígio econômico e social em detrimento da sociedade, etc.: 4ª. os que ofendem a
liberdade autêntica da sociedade na escolha de mandatários políticos: fraude eleitoral,
compra de votos, etc.
3.5) CRIMES CONEXOS, CRIMES COMPLEXOS
Sabe-se do dualismo conceitual que classifica o crime político em absoluto ou relativo.
Em matéria de não-extradição, situação complicada é a que suscita os denominados
crimes políticos relativos, que são os crimes complexos ou mistos e os crimes comuns
conexos a crimes políticos.
Quando se trata de infrações puramente políticas, crime político absoluto, a solução
dos casos de pedido de extradição é facilitada, sendo a recusa, em geral, admitida. Mas
não raro acontece que a infração, do ponto de vista objetivo, viola o direito de um
indivíduo e molesta o Estado como pessoa jurídica; enfim, pode acontecer que o delito
comum se encontre conexo com outro delito político, ou o ato incriminado pode, a um só
tempo, constituir atentado à ordem política ou social e atentado a direitos privados ou
individuais.
Por longo tempo, a orientação era de que os delitos comuns, ainda que violentos, desde
que praticados no curso de uma rebelião, seriam contaminados pela natureza essencialmente
política desta, seguida pelos países europeus - no ano de 1872 a1876 - para recusar à
França a extradição de rebeldes da Comuna, procurados por delitos objetivamente comuns.
Em 1890, o Instituto de Direito Internacional, reunido em Oxford, adotara uma resolução
na qual "os fatos que reunissem todos os caracteres de crimes de direito comum não
devem ser excetuados da extradição, em razão apenas da intenção política de seus
autores", mas, para apreciar os fatos cometidos no curso de uma rebelião política,
de uma insurreição ou de uma guerra civil, é preciso saber se eles seriam ou não
necessários em tal situação.
A matéria foi revista pelo Instituto, daí concluindo-se que seriam excluídos da
extradição os delitos conexos (mistos) e complexos - os delitos políticos relativos - a
menos que se tratassem de crimes graves.
São delitos conexos aqueles nos quais há uma pluralidade de fatos delituosos, vinculados
uns aos outros numa relação de meio e fim. Na doutrina, há vários sistemas utilizados
para verificar se a conexidade é capaz de revestir de caráter político a infração
comum, em condições de isentar o infrator da extradição:
- Sistema da separação: quando as infrações distintas, a despeito de sua conexidade,
podem ser encaradas separadamente, deve-se conceder a extradição. Este sistema, porém,
possui dificuldades de aplicação, é impossível julgar um delito comum cometido com fim
político, isolado do caráter político que o marca, e ademais o sistema restringe o
instituto do asilo político, que dessa forma compreenderia apenas os delitos políticos
puros.
- Sistema do fim ou do motivo: a infração cujo motivo é político deve obstar a
extradição, a menos que o meio empregado para executá-la tenha um caráter de
atrocidade. Vários tratados de extradição, entretanto, consignam a ressalva de que a
alegação de fim ou motivo político não impedirá a extradição, se o fato constitui,
principalmente, um delito comum. Neste sentido, também se pronuncia o Sr. Ministro Rocha
Lagoa, "a alegação do fim ou motivo político não impedirá a extradição, quando
o fato constituir principalmente uma infração comum da lei penal, ou quando o crime
comum, conexo ao político, constituir o fato principal" (Extr. 162, 21.06.50 - p.
24).
- Sistema da preponderância: procede-se ao exame de qual a infração que predomina, a
política ou a comum; se a culpabilidade política é a mais grave, não será possível a
extradição. É o mais difundido para verificar a existência de crime político
relativo, mas, não é uma técnica muito perfeita, é difícil perceber se o elemento
político está em situação inferior em relação ao comum ou vice-versa. Entretanto, é
necessário reconhecer quando o delito, embora tenha fim político, é crudelíssimo,
constitui um caso dúbio, em que o interesse afetado não é apenas o de determinada ordem
social, mas, antes, o da própria humanidade. Neste caso, predomina a opinião favorável
a concessão da extradição.
A Comissão Jurídica Interamericana, na XI Conferência Interamericana, sugeriu alguns
critérios para a verificação da predominância política de um fato questionado:
"1) São delitos políticos as infrações contra a organização e o funcionamento
do Estado;
2) São delitos políticos as infrações conexas com os mesmos. Existe conexidade quando
a infração se verificar: a) para executar ou favorecer o atentado configurado no item 1;
b) para obter a impunidade pelos delitos políticos;
3) Não são delitos políticos os crimes de barbaria, vandalismo e em geral todas as
infrações que excedam os limites lícitos do ataque e da defesa;
4) Não é considerado delito político, para efeito de extradição, o genocídio, de
acordo com a Convenção das Nações Unidas" (JSTF, Lex 206).
No ordenamento brasileiro, o art. 77, parágrafo 1º, da Lei nº 6.815/80 implica na
aplicação do critério da preponderância. Entretanto, é uma diretiva vaga, que resulta
na valoração de cada caso concreto. "E a Corte tem levado em conta o critério da
preponderância para afastar a extradição, ou seja, nos crimes preponderantemente
políticos" (Extr. 694, 13.02.94 - RTJ 166/66. p.67).
O parágrafo 2º repete o preceito constitucional sobre a competência para o julgamento
da extradição, que caberá ao Supremo Tribunal Federal, sendo ele que determinará a
natureza do delito. "Toda interpretación debe estar fundada en el criterio de la
legalidade y en el principio del dubio pro reu, descartando, in limini, las soluciones que
intentem efectuar la calificación a través de una pretendia solidariedad pasiva"
(FERNANDEZ, 1972, p. 52).
Quanto aos delitos complexos, o ato incriminado, em que se funda o pedido de extradição,
pode constituir, a um só tempo, atentado à ordem política ou social e atentado a
direitos privados ou individuais. Por exemplo, "o homicídio de que é acusado o
extraditando teve lugar durante uma sedição. Ocorreu assim um ataque ao direito de
segurança do Estado, juntamente à ofensa contra a segurança de pessoa e vida, aquele de
natureza nitidamente política, e esta caracteristicamente um delito comum"
(Extr.162, 21.06.50 - p.25).
A diferença entre os delitos conexos e os delitos complexos é que estes têm como
característica constituirem-se de um ato único, inseparável em seus diferentes
elementos. Para Accioly, da mesma forma que na hipótese da conexidade, a prática dos
Estados, em geral, consagra a tese da assimilação dos delitos complexos, em que entra
algum ato de natureza política, aos delitos puramente políticos.
Não é esse, porém, o critério determinado pelo legislador brasileiro, uma vez que o
art. 77, parágrafo 1º, do Estatuto manda atender ao critério da preponderância
(aliás, tal como ocorre no delito conexo). Também aqui "caberá, exclusivamente, ao
Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração"(Estatuto, art.
77, parágrafo 2º).
4) CONCLUSÃO
Paralelo à crescente interdependência econômica, política, cultural, social entre os
povos deve se desenvolver a solidariedade, pois existem questões de cunho universal, que
afetam a todos. Sabe-se da importância da extradição na ordem mundial, que ela é um
meio de combate à impunidade e que envolve a colaboração de todos os Estado.
Entretanto, para que se efetive, devem estar presentes certos requisitos, que os próprios
Estados definem. Um deles foi aprofundado no paper e refere-se ao crime político. O que
se verificou, em relação a tal delito, foi seu caráter de cogência em sentido
negativo, ou seja, negando a extradição nos casos em que ele se apresenta. Foram
encontradas algumas dificuldades no decorrer do trabalho. A princípio, a tarefa seria
definir crime político baseando-se nas jurisprudências, pois seu conceito nunca foi tema
de nenhum tratado, lei ou convenção. Entretanto, esgotadas as possibilidades nesta
área, não se verificou uma resolução de maneira satisfatória, ou seja, um conceito
que não se resumisse a um ou alguns casos concretos. As doutrinas também foram muito
utilizadas, e, a partir de alguns autores, surgiu a idéia de definir crime político
baseando-se no "bem jurídico tutelado".
Muitos autores nacionais e algumas jurisprudências resumem os crimes políticos aos
enumerados na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), entretanto, convém não
esquecer que a estabilidade da ordem política e social, visada pelo Estado, também
envolve a integridade física e a condição natural de vida em sociedade de seus membros.
O que é muito ressaltado no paper é que o crime político atinge a "personalidade
do Estado", "suas instituições políticas e sociais". Ora, o Estado, como
entidade orgânica, é composto por todos os seus membros, seu território, seu governo e
sua capacidade de entrar em relação com outros Estados. Desta forma, conclui-se que,
qualquer desses elementos que venha a ser lesionado ou ameaçado de lesão (a vida e a
integridade física dos membros da sociedade, a paz social, os valores subjetivos sociais,
a independência nacional, a integridade do território, as relações do Estado com os
demais Estados, a forma de governo,...), pressupõe a prática de um crime político.
5) BIBLIOGRAFIA
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Ana Paula Scóz Silvestre
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina
retirado de : http://www.neofito.com.br/front.htm