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A COMPATIBILIZAÇÃO DA ALADI E DO MERCOSUL COM O GATT *

Guido F. S. Soares**

 
 

Sumário: I - Introdução: A Diplomacia Econômica e o GATT. II - As Organizações de Integração Econômica Regionais e o Exame de Sua Compatibilidade, de acordo com o Art. XXIV do GATT. III - Os Procedimentos de Verificação de Compatibilidade e o Caso da ALALC. IV - A Introdução no GATT de um Tratamento Particular aos Países em Vias de Desenvolvimento: a Parte IV, e a Rodada Tóquio (a Cláusula de Habilitação). V - O Caso da ALADI. VI - O Exame da Compatibilização do GATT e do MERCOSUL. VII - Conclusões. Anexo Único: Relação das Perguntas contidas in GATTL/7540 de 26/X/1994.

I - Introdução: A Diplomacia Econômica e o GATT

Um dos fenômenos que muito marcadamente dá o tom característico das relações internacionais desde o final da Primeira Guerra Mundial, tem sido a crescente importância e a conseqüente regulamentação das relações econômicas internacionais, a níveis globais. Na verdade, nos séculos anteriores, as relações econômicas ou eram versadas a níveis bilaterais, ou, quando objeto de regulamentações globais, o eram a título de grandes tratados multilaterais firmados ao final de grandes guerras, e assim mesmo, em assuntos tópicos, como reparações de guerra, indenizações ou o comércio de determinados produtos ou em setores delimitados, como conseqüência de imposições aos vencidos. Com o predomínio das relações bilaterais, era natural que os esquemas normativos próprios a tal cenário, fossem os relevantes e que as condições pactuadas entre dois Estados (como cláusulas convencionais de melhor tratamento recíproco entre as Partes Contratantes, ou seja, "cláusulas de nação mais favorecida") muito dificilmente poderiam ser estendidas para outros parceiros comerciais. Sendo assim, em tal clima, imperava o protecionismo, em particular uma política de discriminação, com a tendência de poucos países dominarem o cenário das relações comerciais internacionais e imporem suas condições a outros países.

Outro fato digno de nota na atualidade, é que o exercício da diplomacia econômica, se tem desenvolvido, com primazia, nos quadros das relações internacionais multilaterais, do tipo parlamentar, ou seja, no interior de organizações internacionais permanentes(1). Na verdade, a tendência que se esboçava nos últimos anos do Séc. XIX, de prestigiar-se a diplomacia multilateral de cunho institucional, e que teve alguma expressão na experiência da União Panamericana(2) e na Liga das Nações, tem, no final do conflito mundial de 1939/45, seu pleno reconhecimento, através da institucionalização das organizações especializadas das Nações Unidas, das quais logo se destacaram aquelas criadas em 1944, em Bretton Woods, o FMI e o BIRD, antes mesmo da subscrição da Carta de São Francisco.

Deve notar-se que, anteriormente a esse período histórico, inexistia, a nível das relações internacionais globais, qualquer tentativa de regular-se o conjunto das relações financeiras, monetárias e comerciais entre os Estados. Por certo, a percepção do entrelaçamento e interdependência das economias dos Estados, entre elas, (em especial com a duras experiências da Grande Depressão dos anos 30 e do Setembro Negro do "crack" da Bolsa de Nova York, que configuraram a denominada "Década Perdida nas economias dos países em geral), a vivência dos resultados desastrosos para a situação mundial, de desequilíbrios agudos internos (como os que levaram à instalação do III Reich na Alemanha), e sobretudo a situação caótica do comércio internacional do imediato pós-guerra, sufocado por um protecionismo generalizado, foram os elementos detonadores a que, cessada a Segunda Guerra Mundial, os Estados buscassem a citada regulamentação a nível internacional. Outros fatores inerentes à própria dinâmica do comércio internacional motivariam a que o tema das trocas internacionais passassem a integrar o campo definitivo da diplomacia dos Estados: a) os volume e valores (em dólares) do comércio internacional que passaram a crescer a partir de 1945; b) o alargamento dos setores regulamentados, para além do comércio de mercadorias (hoje, inclusive, com a inclusão do comércio de serviços e da proteção da propriedade intelectual), c) a emergência de novos atores na economia internacional, ao lado dos Estados, tais as organizações de integração econômica regional, as organizações de países fornecedores de determinados produtos (como petróleo, café...) as organizações privadas transnacionais e a relevância de certos atores privados no fluxo internacional de bens (a ex.: os bancos privados, as organizações não governamentais de determinados serviços, como a IATA) e d) a emergência de novas fontes normativas do comércio internacional, ao lado das legislações nacionais, (algumas delas com evidentes reflexos nas relações internacionais), atos de natureza bilateral (contratos que estabelecem futuras cláusulas para a compra e venda de determinados produtos) e os acordos multilaterais : as organizações intergovernamentais, como o GATT a OCDE e em particular, a imponente legislação elaborada na Europa Ocidental pelas organizações de integração econômica regional (CEE e EFTA).

Contudo, a imediata experiência no Pós-Guerra, que faria entrever a constituição de um tripé que representaria a regulamentação das relações internacionais financeiras (BIRD), das monetárias (FMI) e das comerciais, mostrou que o cenário ficaria incompleto, pela impossibilidade de estabelecer-se uma Organização Internacional do Comércio (que, como se sabe, só seria factível, em 1994, ao final da Rodada Uruguai, em Marrakhech, dentro dos quadros normativos do GATT, e que seria instalada em 1995).

Na verdade, a Carta de Havana, conforme elaborada por ocasião da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Emprego, (o equivalente para o comércio internacional do que tinha sido a reunião em Bretton Woods para o FMI e o BIRD), de 21 de novembro a 24 de março de 1948, previa, dentre outros dispositivos, a instituição de uma Organização Internacional do Comércio, ao lado de uma série de regras relativas ao emprego e à atividade econômica, ao desenvolvimento econômico e à reconstrução, à política comercial internacional, às práticas comerciais restritivas, a acordos intergovernamentais sobre produtos de base e sobre métodos de resoluções de controvérsias comerciais entre Estados. Contudo, os dispositivos referentes à Organização Internacional do Comércio jamais entrariam em vigor, pela falta de ratificação do tratado instituidor pelos EUA (principal parceiro das trocas internacionais, já naquele momento histórico), sem que, no entanto, os Estados se tivessem descartado da possibilidade de adotarem os dispositivos específicos referentes à política comercial. Assim é que o conteúdo da Carta de Havana relativo a política comercial foi retomado, com a subscrição do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, GATT, em 30 de outubro de 1947, em vigor a partir de 1º de janeiro de 1948, entre Estados Partes (originalmente, 23 Estados, dentre os quais o Brasil, todos de economia de mercado). É necessário esclarecer que a institucionalização do GATT como um foro de negociações comerciais, resultou do término, em outubro de 1947, de uma primeira rodada de negociações tarifárias entre os mencionados 23 Estados, que, desejaram, independentemente dos possíveis resultados nos esforços para a criação da citada Organização Internacional do Comércio, deixar firme e estabelecido o mecanismo relacionado às negociações tarifárias a nível global, que naquele momento, tinha comprovado sua utilidade.

Isto posto, o que ficou estabelecido para regulamentar, nos níveis possíveis, o comércio internacional, foi uma série de regras que podem ser descritas, a partir da maneira de operação do GATT, e que se encontram vigentes, até o momento da instalação da futura Organização Internacional do Comércio, em 1995: a) um fórum de negociações comerciais, (em data posterior, reconhecido como pessoa jurídica de Direito Internacional e como uma organização especializada das Nações Unidas), no qual são adotadas medidas para a liberalização do comercio internacional e a instauração de termos comerciais mais claros e previsíveis entre as Partes (devendo esclarecer-se que são Partes do GATT, não só Estados, como territórios, tal Hong Kong); b) um conjunto de regras adotadas multilateralmente, em negociações específicas, e que devem presidir ao comportamento dos Governos, a fim de estabelecer relações comerciais mais equilibradas entre as Partes; c) um espaço onde os representantes das Partes, no exercício de funções de negociadores, procuram resolver controvérsias de natureza comercial entre as mesmas. Conforme observou o Prof. Olivier Long, antigo Diretor Geral do GATT (1968-1980), no seu Curso na Haia, em 1983 (3), o que torna o GATT uma organização internacional atípica, com dificuldades para sua caracterização jurídica, é o fato de nele conviverem duas realidades: a) uma série de normas sobre relações comerciais internacionais (portanto, feitura e exercício de regras de direito material, substantivo ou processual) e b) um "locus" de negociações, onde se exerce a diplomacia comercial (portanto, o exercício da política). Não é por outra razão que a referência a GATT queira significar tanto a organização, (nas expressão exemplificativa: Missão Permanente junto ao GATT ou "O GATT resolveu...") quanto às regras do tratado de 1948 e suas posteriores adições (a ex.: o Art. XX do GATT, a Parte IV do GATT), quanto, ainda, a ambas as realidades (a ex.: "as necessidades de modernização do GATT").

A convivência no GATT das regras de direito material (em princípio, relativamente rígidas, como convém às normas jurídicas) com o exercício da diplomacia comercial (por sua natureza, extremamente dinâmica e fortemente apoiada nos interesses políticos dos Estados), determinou a própria natureza da organização: "um sistema de regras e um mosaico de exceções" (na expressão de J.H. Jackson, transcrito apud O. Long, citado). Na verdade, é difícil descrever-se o sistema do GATT, sem, conjuntamente, referir-se ao sem número de exceções determinadas pelas Partes, as quais podem, por vezes, parecer mais importantes que as próprias regras (ou, serem em número tão elevado, que dariam a impressão de desfigurarem o sistema principal). Claro está que qualquer sistema jurídico contem dispositivos que permitem sua adaptação a situações factuais novas ou excepcionais, (e dentre os sistemas jurídicos se compreendem os tratados multilaterais, os quais, em geral, contemplam situações excepcionais de não aplicação ou de adaptações na aplicação de suas normas), mas no GATT, tal fenômeno se torna imprescindível para a própria existência do sistema, dada a complexidade do assunto regulado, o comércio internacional, altamente sensível aos interesses imediatos dos Estados e extremamente mutável na sua configuração conjuntural e estrutural.

Tais fenômenos determinam, por outro lado, a dificuldade de fazer-se uma análise do GATT, enquanto organização internacional: dada a extrema variabilidade de suas regras, o descrito num momento histórico pode não ser válido para outro (quando então se deve tornar a visualizar todo o sistema, com suas novas exceções e com métodos interpretativos renovados). Nem se conclua que o aparente caos que emerge da análise do quadro jurídico do GATT seja inerente à diplomacia econômica; na verdade, bem diferente é a realidade de uma organização internacional de integração econômica, fenômeno que se caracteriza por regras institucionais relativamente rígidas, votadas de maneira solene e cujas poucas exceções são estabelecidas de maneira igualmente rígida(4), conforme mostra a experiência da União Européia, desde a instituição da CECA com o Tratado de Paris de 18/IV/1951, e da CEE e EURATOM com os Tratados de Roma de 25/III/1957, e as sucessivas modificações por atos solenes entre os Estados Partes (dentre os quais: os tratados de fusão dos Executivos, o Ato Único Europeu e o Tratado de Maastricht), todos votados fora dos quadros legislativos correntes da(s) organização(ções) econômica(s) de integração regional européia (consideradas, portanto, normas de um Direito de Integração originário, e não um direito derivado da atuação dos órgãos legisladores instituídos nas organizações de integração econômica regionais).(5)

Importa notar que o sistema do GATT, com suas regras fundamentais e o reticulado de exceções, é uma criação pragmática dos Estados, que tem conseguido promover a liberalização do comércio internacional, através dos enfoques da desmontagem de políticas protecionistas das Partes, em favor de um sistema consensual mais equilibrado entre as mesmas, e, em que pesem a fluidez das medidas compensatórias a título retaliatório (assimiláveis a "sanções" aos inadimplentes) e a falta de um arcabouço racional, o GATT tem atraído o interesse e a participação dos Estados e demais Partes na execução das metas propostas. Entre ser um sistema racional e integrado, o GATT se apresenta como um sistema operativo, que tem convivido com suas inúmeras exceções internas. Interessam no presente estudo, duas exceções: a) uma existente nas regras originais do GATT (a do Art. XXIV) e b) outra, introduzida pela prática diuturna nas negociações do GATT e, finalmente, ao término da Rodada Tóquio, corporificada como "jus scriptum" no sistema do GATT, relativa a tratamento preferencial em benefício dos países em vias de desenvolvimento (denominada, atualmente: "cláusula de habilitação"), a qual, adotada, passou a conviver com o sistema do GATT.

II - As Organizações de Integração Econômica Regionais e o Exame de Sua Compatibilidade, de acordo com o Art. XXIV do GATT

Já na versão original do GATT, eram inúmeras as exceções ao princípio fundamental da não discriminação no comércio internacional, pedra angular do sistema, que como se sabe, dispõe sobre a multilateralização automática de condições de tratamento mais favorável concedidas bilateralmente entre dois ou mais Estados, ao universo das Partes Contratantes (princípio que ficou conhecido como "clausula de nação mais favorecida")(6). Na verdade, dispõe o § 1º do Art. 1º do GATT que "qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma Parte Contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produto similar, originário do território de cada uma das outras Partes Contratantes ou ao mesmo destinado".

Ora, a criação de um regime preferencial entre poucos Estados e que não se aplica a terceiros Estados, contraria frontalmente o princípio da extensão de vantagem, favor, imunidade ou privilégio a todas as Partes do GATT. Tais fenômenos são típicos das organizações regionais de integração econômica, onde os Estados Partes criam, na terminologia do GATT, um "território aduaneiro" onde vigora um sistema preferencial entre eles, com a exclusão de outros Estados. Contudo, diante da modesta experiência da união aduaneira que, à época do nascimento do GATT existia entre Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, o BENELUX, os redatores das primitivas regras do GATT tiveram a idéia de estabelecer como uma das exceções à regra da cláusula da nação mais favorecida, a permissão, no Art. XXIV, da existência de uniões aduaneiras e de zonas de livre comércio, nas condições elencadas no mesmo. Conforme bem observou o Prof. Olivier Long:

"os redatores deste artigo não pensavam numa construção tão imponente como a CEE, mas simplesmente em arranjos entre dois ou três países, como o BENELUX. Também não poderiam imaginar que a CEE seria levada a concluir acordos preferenciais com países novos e pouco desenvolvidos, aos quais, no passado, relações especiais os ligavam. Nem mesmo poderiam imaginar que numerosos países em vias de desenvolvimento buscassem na integração regional, um meio de promover seu desenvolvimento econômico e que recorressem ao modelo da união aduaneira ou de zonas de livre comércio para tal, ainda que não dispusessem de recursos econômicos suficientes para levá-los a cabo, segundo os critérios rigorosos do Art. XXIV: "um plano e um programa para o estabelecimento, num prazo razoável, de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio" (op. cit. p. 35, em tradução livre).

O Art. XXIV, assim, não só permite a existência de unicamente duas formas de integração econômica regional, a união aduaneira e a zona de livre comércio, como igualmente as incentiva, no § 4º do citado artigo(7). Contudo, ademais de definir o que considera como união aduaneira(8), ou seja aquele espaço territorial aduaneiro único onde se eliminaram direitos alfandegários e outras restrições comerciais entre os Estados Partes, além de ter-se estabelecido uma tarifa externa e uma regulamentação do comércio exterior comuns em relação a terceiros países, e o que constitui uma zona de livre comércio(9), ou seja, o espaço territorial aduaneiro onde vigora o princípio da livre circulação de bens originários dos países membros (sem, no entanto estabelecer-se qualquer regra quanto a relações das partes com terceiros países), o Art. XXIV elenca as condições que legitimam sua inclusão nas exceções às regras do GATT, expressamente permitidas, e que têm sido esclarecidas pela prática diuturna dos exames efetuados pelo GATT. Tais condições, na verdade, autênticos requisitos que legitimariam as uniões aduaneiras e as zonas de livre comércio, (diga-se, bastante mais rigorosas em relação às uniões aduaneiras, dados os aspectos relacionados com o estabelecimento de uma política de comércio exterior comum), são classificadas pelos Professores Dominique Carreau, Thiébaut Flory e Patrick Juillard, no seu Manuel de Droit International Économique, 3ª edição, Paris, L.G.D.J., 1990, em obrigações de ordem interna e obrigações de ordem externa. Dentre as primeiras, se elencam: a) a obrigação de que os arranjos integrativos cubram o "essencial das trocas comerciais" (definido, na prática do GATT, em termos qualitativos, ou seja, aquelas atividades que sejam componentes dos setores mais representativos das economia dos Estados partes, e não relacionadas a determinados produtos ou determinados setores da economia dos mesmos); b) a existência de um plano ou programa que contenha previsões precisas sobre o estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio, e a existência de um prazo razoável entre a instalação definitiva das mesmas e o final de um período transitório (que é possível haver, por força do § 5º do Art. XXIV). Dentre as obrigações de ordem externa, há duas regras, a primeira das quais, de difícil aplicação: "o estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio deve ter por objeto facilitar o comercio entre os territórios constitutivos e não opor obstáculos ao comércio de outras Partes Contratantes com tais territórios" (Art. XXIV § 4º), ou seja, não devem servir para desviar correntes de comércio, ou, na expressão corrente: devem ser "trade creating" e não "trade diverting"(10); e a segunda, aplicável unicamente às uniões aduaneiras, e que merece maiores considerações. Na verdade, dispõe o Art. XXIV. § 5, al. a): "no caso de uma união aduaneira ou de um acordo provisório concluído visando à formação de uma união aduaneira, os direitos aduaneiros, estabelecidos no momentos da formação dessa união ou da conclusão desse acordo provisório, não serão, no seu conjunto, no que respeita ao comércio com as Partes Contratantes estranhas a tais uniões ou acordos, de uma incidência geral mais elevada, nem os regulamentos de trocas comerciais mais rigorosos, que os direitos e as regulamentações aplicáveis às trocas comerciais nos territórios constitutivos dessa união, antes de formação de tal união ou da conclusão do acordo segundo o caso"; por outro lado, os direitos aduaneiros e as outras regulamentações aduaneiras que cada membro da união vier a aplicar a terceiros países, deverão ser idênticos na substância (Art. XXIV § 8, al. a). Sendo assim, nas uniões aduaneiras, a tarifa externa comum deve representar a média das tarifas nacionais, que eram aplicadas pelos Estados membros da união, antes da entrada em vigor desta, o que implica numa redução dos níveis dos direitos nacionais ou sua eliminação; sendo dado que a elevação de uma tarifa anteriormente consolidada se encontra sujeita a condicionamentos pelo GATT (em função dos princípios de manter-se o equilíbrio em função da consolidação das concessões tarifárias e para evitarem-se eventuais prejuízos a terceiros Estados e Partes membros do GATT e não partícipes da união), o Art. XXIV § 6º prevê a hipótese de uma renegociação das concessões, com finalidades compensatórias, entre os membros da união e terceiros Estados.

III - Os Procedimentos de Verificação de Compatibilidade e o Caso da ALALC

Os procedimentos de verificação da compatibilidade entre as organizações regionais de integração econômica e as normas do Acordo Geral do GATT, são regulados pelo Art. XXIV, § 7º do citado Acordo Geral, assim redigido:

a) "Toda Parte Contratante que resolva participar de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio ou de um acordo provisório, concluído para o estabelecimento de tal união ou de tal zona, comunicará, sem demora às PARTES CONTRATANTES(11) e lhes fornecerá, a respeito dessa união ou dessa zona, todas as informações que lhes permita dirigir ás Partes Contratantes os relatórios e recomendações que julguem apropriados.

b) Se após haver estudado o plano e o programa compreendidos num acordo provisório a que se refere o parágrafo 5, em consulta com as partes de tal acordo, e tendo devidamente em conta as informações colocadas a sua disposição, de conformidade com o disposto no item a) deste parágrafo, as PARTES CONTRATANTES chegarem á conclusão de que tal acordo não oferece possibilidades de resultar no estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio no prazo previsto pelas partes do acordo, ou considerarem que o prazo não é razoável, as PARTES CONTRATANTES formularão suas recomendações às partes no citado acordo. Estas não o manterão nem o colocarão em vigor, conforme o caso, se não estiverem dispostas a modificá-lo segundo tais recomendações.

c) Qualquer modificação substancial do plano ou do programa a que se refere o item c) do parágrafo 5, deverá ser comunicada às PARTES CONTRATANTES, que poderão solicitar das Partes Contratantes interessadas, que iniciem consultas com aquelas, se a modificação parecer vir a comprometer ou atrasar indevidamente o estabelecimento da união aduaneira ou da zona de livre comércio.

É estabelecido um Grupo de Trabalho ("Working Party") pelas PARTES CONTRATANTES, composto de representantes de Partes do GATT, o qual examina os documentos, ouve peritos dos Estados envolvidos no pedido de aprovação de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio e termina sua tarefa com um Relatório (Report), com recomendações. Cabe às PARTES CONTRATANTES uma decisão final sobre a compatibilidade ("consistency with) ou não do proposto pelas entidades envolvidas, em relação às normas do GATT. Trata-se, portanto, de duas fases: uma, de formação de uma opinião a respeito de fenômenos apresentados e outra, decisória, quanto à conformidade de tais fenômenos com a norma legal do GATT.

Deve notar-se que todo o procedimento não é contencioso e se desenvolve por canais diplomáticos (em algo assimilável a um procedimento administrativo de controle de legalidade na aprovação de estatutos de uma sociedade comercial, por uma instância administrativa interna dos Estados, excluídos os aspectos de esta exercer seus poderes aprobatórios finais, pois, no caso do GATT, não se trata de aprovação com finalidades de legalização de atos privados). Em tais procedimentos, as autoridades, seja na fase informativa, seja na fase decisória, não têm qualquer poder de modificar a vontade das partes, sendo vedada qualquer alteração dos documentos apresentados; seus poderes de exame e de controle, se restringem a recomendar aos Estados a adoção de determinadas medidas, a fim de tornar as organizações de integração regional propostas, de conformidade com as normas do GATT (sem qualquer possibilidade de outras sanções que aquelas decorrentes de legitimação de medidas reparatórias por partes de terceiros Estados eventualmente prejudicados). Portanto, não se pode falar em procedimento de "legitimação", mas meramente de "verificação de compatibilidade".

Duas exceções são previstas no que se refere ao procedimento previsto: a) quanto se tratar de uma decisão definitiva sobre algo já instalado, a decisão se toma por maioria de maioria de 2/3, na qual podem as PARTES CONTRATANTES aprovar propostas "que não se ajustem completamente às disposições dos parágrafos 5 a 9 inclusive, com a condição de que tais propostas tenham por resultado o estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio" (Art. XXIV § 10): e b) quando se tratar de regimes de períodos transitórias, antes de uma instalação definitiva da organização regional, as decisões são tomadas em caráter provisório, até que se instale, definitivamente, a organização de integração econômica regional. Na realidade, podem ser considerados, igualmente, como regimes excepcionais, os procedimentos menos exigentes que têm sido adotados, na aplicação do Art. XXIV, em relação às integrações propostas pelos países em vias de desenvolvimento (e tal fato, antes mesmo da entrada em vigor da Parte IV do GATT e da instituição da cláusula de habilitação, conforme aprovadas na Rodada Tóquio, conforme se verá a seguir).

É necessário notar que, antes mesmo da instauração da cláusula de habilitação, ou seja, antes que o tratamento preferencial aos países em vias de desenvolvimento se tivesse tornado uma regra escrita do GATT, havia o que o Prof. O. Long denominou de "um certo laxismo" na aplicação do sistema do GATT, em relação ao reconhecimento de organizações de integração regional de qualquer natureza, seja daquelas instituídas entre países em vias de desenvolvimento, seja daqueles acordos preferenciais celebrados entre países industrializados e países em vias de desenvolvimento (cujo exemplo foi a conclusão da Convenção de Yaoundé de 1963, entre a então CEE e as antigas colônias de África, seguidos da Convenção de Yaoundé II e a série dos Acordos de Lomé). Tal fato se explica em razão de o GATT propugnar por um aumento das correntes de comércio internacional, sendo dado que aquelas organizações de integração econômica regionais, por mais desrespeitosas que sejam dos condicionamentos formais do GATT, propiciam a liberalização do comércio mundial a nível regional e acabam por promover uma expansão econômica dos países em vias de desenvolvimento. Vale a pena transcrever as observações do Prof. Olivier Long, no mencionado Curso da Haia:

"...a fim de facilitar as tentativas de integração regional dos países em desenvolvimento, as Partes Contratantes têm escolhido deixá-los seguir seu curso e se contentam em reservar-se os seus direitos, nos termos do Acordo Geral. Assim, os países comprometidos com tais acordos de integração, podem prosseguir com sua tarefa. As outras partes contratantes têm, por ocasião do exame pelo Conselho dos relatórios provisórios, em princípio bienais, a possibilidade de acompanhar os progressos de tais empreendimentos. Têm elas igualmente a ocasião de fazer valer seus direitos decorrentes do Acordo Geral, caso estimem necessário. O que tem sido excepcional." (Op. cit. p. 116).

Um exemplo ilustrativo dos procedimentos segundo o Art. XXIV do GATT, pode ser o da aprovação do pedido de exame da compatibilidade do Tratado de Montevidéu de 18 de fevereiro de 1960, (que criava uma zona de livre comércio entre seus signatários e instituía a Associação Latino-Americana de Livre Comércio, a ALALC, então entre Brasil, Argentina, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai), com as regras do GATT, nomeadamente o Art. XXIV, ao tempo em que inexistia qualquer tratamento mais favorável a países em vias de desenvolvimento. Conforme documentos publicados in GATT, Basic Instruments and Selected Documents, Ninth Supplement, Genebra, fevereiro 1961, (p. 21-2, onde se encontram as "CONTRACTING PARTIES Conclusions adopted on 18 November 1960" e p. 87-94, com o "Report adopted on 18 November 1960" pelo "Working Group"), fica-se informado que o Grupo de Trabalho foi constituído na 16ª Sessão das PARTES CONTRATANTES em 1959, se reuniu em junho de 1960 e concluíu seus trabalhos em 18 de novembro de 1960, durante a realização da 17ª Sessão; seu Relatório compõe-se de três partes: I- "The Provisions of the Montevideo Treaty and Their Effects on Trade" (com as seguintes subseções: abolição de direitos alfandegários e outros encargos; remoção de outros obstáculos ao comércio; agricultura e produtos agrícolas, com as subpartes: a política agrícola e seus objetivos, e acordos entre Estados-Membros a respeito de produtos agrícolas); II- "Compatibility of the Montevideo Treaty with Article XXIV of the General Agreement", em três parágrafos(12) e III- Conclusões, que foram integralmente aprovadas pelas PARTES CONTRATANTES. A decisão das PARTES CONTRATANTES foram vasadas nos seguintes termos (cf. Conclusions adopted on 18 November 1960, op. cit. p. 21-22, em tradução livre):

Após cuidadoso exame da documentação colocada à sua disposição, as PARTES CONTRATANTES aprovaram as seguintes conclusões:

a) As PARTES CONTRATANTES examinaram, de acordo com o parágrafo 7 do Artigo XXIV do Acordo Geral, as provisões do Tratado de Montevidéu, assinado pelos Governos da Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, cujo propósito é o estabelecimento de uma área de livre comércio entre países da América Latina e tomaram conhecimento das informações submetidas pelos países signatários a tal respeito.

b) As PARTES CONTRATANTES tomaram nota das provisões do Tratado de Montevidéu, bem como das declarações feitas pelos representantes das partes naquele Tratado, no sentido de que seus Governos estão firmemente determinados a estabelecer, dentro do limite do prazo estabelecido no Tratado, uma área de livre comércio, no sentido do Artigo XXIV.

c) No presente estágio de seu exame, as PARTES CONTRATANTES pensam que permanecem algumas questões de natureza jurídica e prática que seriam difíceis de resolver, unicamente na base do texto do Tratado, e que tais questões poderiam ser discutidas com mais proveito à luz da aplicação do Tratado de Montevidéu. Por tais razões, as PARTES CONTRATANTES, na presente conjuntura, não julgam apropriado fazer recomendações às partes do Tratado, conforme o parágrafo 7 do Artigo XXIV.

d) Tal conclusão claramente não preclui os direitos conferidos às PARTES CONTRATANTES pelo Artigo XXIV e não previne, de nenhuma maneira às partes do Tratado de Montevidéu de prosseguir com a aplicação daquele Tratado, quando esteja ratificado.

e) As PARTES CONTRATANTES saúdam a determinação dos membros da Associação Latino-Americana de Livre Comércio que são partes contratantes do Acordo Geral, em fornecer informações às consultas conforme o Artigo XXIV, bem como às medidas resultantes da aplicação do Tratado. As PARTES CONTRATANTES, de igual forma, notam com satisfação a presteza com que os membros da Associação Latino-Americana de Livre Comércio propiciarão informações adicionais, conforme o parágrafo 7 (a) do Artigo XXIV, à medida em que a Associação se desenvolva;

f) As PARTES CONTRATANTES tomam nota de que as partes contratantes podem, igualmente, ter recurso a outros procedimentos estabelecidos no Acordo Geral, com a finalidade de considerar a justificação de qualquer medida adotada dentro do quadro de aplicação das provisões do Tratado de Montevidéu, estando certamente aberta aos membros da Associação, a possibilidade de invocar os benefícios do Artigo XXIV, na medida em que considerem que este Artigo forneça justificações para qualquer ação que possa, de qualquer forma, ser inconsistente com uma disposição ou com disposições do Acordo Geral.

É necessário notar que, nem por ter havido um parecer inconclusivo sobre a compatibilidade da ALALC com as normas do GATT, aquela organização de integração regional, com todos os seus defeitos, não deixou de ser instalada e de funcionar, até 12 de agosto de 1980, data em que seu ordenamento jurídico foi substituído e a organização de integração regional se transformou na atual Associação Latino-Americana de Integração, ALADI, instituída pelo Tratado de Montevidéu 1980.

Referindo-se ao tratamento especial e diferenciado mais favorável, que então a prática do GATT dispensava, naquele momento histórico, aos países em vias de desenvolvimento, antes mesmo que tivesse havido uma legitimação do mesmo, escreveria em 1983 o Prof. Olivier Long, no seu já mencionado Curso na Haia:

Tal tendência é particularmente notável nos casos de acordos de união alfandegária ou de zona de livre comércio concluídos entre os países em vias de desenvolvimento. Existe uma vintena deles pelo mundo. Sua lista não pode ser esboçada exatamente; certos dentre eles deixaram de existir de fato, sem terem sido formalmente abolidos. A maioria de tais acordos não contêm "um plano e um programa para o estabelecimento num prazo razoável de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio", como estipula o artigo XXIV, parágrafo 5 c). Mais freqüentemente, definem os objetivos e, para começar, contêm concessões comerciais preferenciais. Contudo, os países em vias de desenvolvimento signatários de tais acordos, não se sentiram impelidos a pedir às PARTES CONTRATANTES uma derrogação pela qual poderiam "aprovar propostas que não seriam inteiramente conformes" às regras aplicáveis ao estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio (art. XXIV, par. 10). (Op. cit., id., p. 115).

É evidente que tais conceitos são inaplicáveis no caso da integração que foi tentada pela antiga ALALC. Em que pese a justificada crítica de que não conseguiu ela, nos prazos pactuados, fazer emergir a pretendida integração, deixou, contudo importantes realizações, particularmente ao nível de concessões tarifárias outorgadas entre as Partes Contratantes, em função de vários mecanismos de desgravamento tarifário, os quais seriam revistas e incorporadas ao mecanismo jurídico e à organização que lhe sucederia, a ALADI (Resoluções do Conselho de Ministros das Relações Exteriores da ALALC, CM/Resoluções 1 a 8, de 12/VIII/1980, da mesma data da firma do Tratado de Montevidéu 1980 e que fazem partes do ANEXO I deste).

IV - A Introdução no GATT de um Tratamento Particular aos Países em Vias de Desenvolvimento: a Parte IV e a Rodada Tóquio (a Cláusula de Habilitação)

Embora o GATT se possa apresentar como um sistema onde mal se pode dizer onde estão as regras e onde se inserem as exceções, por outro lado, representa ele uma tentativa de regulamentar as relações comerciais internacionais entre os Estados, de maneira mais aceitável e possível pela quase totalidade das Estados atuais, que são partes contratantes do mesmo. Tal fato explicaria, igualmente, os fenômenos de a organização refletir as mutações temporais havidas nas relações internacionais, com os conseqüentes reflexos nos esquemas normativos primitivos, e que passaram a pedir um "aggiornamento". Assim sendo, seria compreensível que o GATT, elaborado a partir de um desiderato de restabelecer-se um neoliberalismo no comércio internacional, dentro de uma ótica de reconstrução das economias no imediato Pós-Guerra, e que tinha tido por pressuposto a existência de Estados não intervencionistas e o primado de uma igualdade juridicamente reconhecida entre eles, viesse a sofrer alguma influência com os embates da emergência de novos Estados africanos e asiáticos e sua assunção maciça nas organizações internacionais, bem como a abertura de frentes de erosão nas velhas concepções do Estado, em favor do reconhecimento de uma situação de desigualdade real entre os principais atores internacionais (fatos que tiveram sua consagração na realização da I UNCTAD em março-junho de 1964).

Fundado na necessidade de promover-se à instalação de um livre-cambismo a partir de um mecanismo de multilateralização da cláusula de nação mais favorecida, o GATT de 1948, apenas incidentalmente e na forma de bem definidas exceções, consagrava um tratamento especial aos países em vias de desenvolvimento; uma das exceções, como já se apontou, dizia respeito precisamente à consagração de um certo laxismo em relação ao reconhecimento de compatibilidade entre as normas do GATT e os projetos de integração econômica regional entre aqueles países (conforme expresso nas normas ao mencionado Art. XXIV § 10 do Acordo Geral de 1948). Outras práticas de reconhecimento de situações especiais aos países em vias de desenvolvimento, conquanto não contempladas no quadro jurídico, emergiram na prática do GATT, conforme algumas decisões no quadro da Rodada Kennedy.

A partir da realização da I UNCTAD em 1964, já o primeiro reflexo seria a introdução da PARTE IV no Acordo Geral do GATT, adotada a 26/XI/1964, denominada "Comércio e Desenvolvimento" (em vigor a partir de 27/VI/1966) e que passou a reconhecer, na letra da lei, as ações das Partes Contratantes, no que se refere às excepcionalidades em favor dos países em vias de desenvolvimento. A Parte IV tem servido como base legal para: a) impulsionar e justificar uma ação conjunta e concertada das Partes Contratantes, em função de incrementar o comércio com os países em vias de desenvolvimento e b) reconhecer-se, de pleno direito, o princípio da não reciprocidade, toda vez que se tratasse de relações que pudessem dizer respeito a tais países. À juntada da Parte IV no Acordo Geral, seguiu-se a institucionalização do Comitê de Comércio e Desenvolvimento como órgão permanente do GATT, por mandamento do novo Art. XXXVIII § 2 (f).

Deve dizer-se que a consagração do princípio da "não reciprocidade", conforme introduzido pela Parte IV no Acordo Geral, não veio legitimar o princípio de "preferências", com o qual tem certa analogia. Na verdade, "não reciprocidade" diz respeito a distinguir entre, de um lado, relações comerciais estabelecidas entre Países industrializados (nas quais se aplicam as regras originárias do GATT, onde impera a obrigação da reciprocidade, na base de compensações, no caso de concessões não extensíveis a terceiros) e, de outro lado, relações comerciais que dizem respeito aos países em vias de desenvolvimento (nas quais "as partes contratantes desenvolvidas não esperam reciprocidade pelos compromissos assumidos por elas nas negociações visando a reduzir ou eliminar os direitos alfandegários e outros obstáculos ao comércio das partes contratantes menos desenvolvidas", Art. XXXVI, § 8). A não reciprocidade da Parte IV, na verdade, consagra a teoria da "dualidade de normas no GATT", ou seja, entre os países industrializados, impera o princípio da reciprocidade, enquanto nas relações que dizem respeito a países em vias de desenvolvimento, há um comprometimento de não pretender receber-se reciprocidade por parte dos países em desenvolvimento (portanto, existe um alcance negativo na não reciprocidade). No que concerne a "preferências", têm elas um alcance positivo: trata-se de um tratamento especial concedido aos países em vias de desenvolvimento, em geral consubstanciado em medidas compensatórias, (preferências generalizadas concedidas pelos países industrializados aos países em vias de desenvolvimento, ou ainda, preferências intercambiadas entre países em vias de desenvolvimento) que, por sua natureza, são discriminatórias (e portanto, proibidas pelo Art. I do Acordo Geral); na verdade, as concessões de "preferências", até a realização da Rodada Tóquio, eram efetuadas através do procedimento dos "waivers" do Art. XXV § 5(13) do Acordo Geral, derrogatório do princípio da cláusula da nação mais favorecida do Art. I do mesmo.

Contudo, o sistema dos "waivers" não pareceu satisfatório aos interesses dos países em vias de desenvolvimento; assim, a partir da II UNCTAD em Nova Delhi, com a adoção da Resolução 21(II) que reconhecia ter havido "um acordo unânime sobre a instauração, numa data próxima, de um sistema mutuamente aceitável e generalizado de preferências, sem reciprocidade nem discriminação, que será vantajoso para os países em vias de desenvolvimento", nos foros do GATT emergiu a discussão de instrumentalizar-se o que se passou a denominar um "Sistema Generalizado de Preferências" (SGP), em particular, tentando-se manter de pé o edifício cuja base repousava no princípio da cláusula da nação mais favorecida do Art. I do Acordo Geral. Com a Decisão L/2345 de 25/VI/1971, foi acordado: "sem prejuízo de qualquer outro artigo do Acordo Geral, serão derrogados os dispositivos do Artigo I, por um período de dez anos, na medida necessária para permitir às partes contratantes desenvolvidas de conceder...um tratamento tarifário preferencial aos produtos originários de países e territórios em vias de desenvolvimento".

O alcance limitado e as restrições inerentes à aplicação do princípio da não reciprocidade, que já representavam uma grande reviravolta nas regras originárias do GATT, bem como o reconhecimento, de vigência limitada no tempo do sistema geral de preferências, deveriam ser contornados e ampliados, com uma importante revesão do Acordo Geral, através da Rodada Tóquio, que se desenrolaria na reunião ministerial de 12 a 14 de setembro de 1973 (da qual participaram 99 Estados, na maioria partes contratantes, dos quais 2/3 países em vias de desenvolvimento, representando o total dos participantes, 9/10 das exportações mundiais): a participação dos países em vias de desenvolvimento seria preponderante e os temas a eles relativos, teriam um peso considerável na agenda dos trabalhos. Os documentos produzidos na Rodada Tóquio e que foram aprovados na sua integralidade, constituem uma coleção de atos, que poderiam ser descritos da seguinte forma:

a) 2 Protocolos tarifários (o de Genebra, relativo a concessões tarifárias acordadas por países industrializados e o Protocolo Adicional, com as listas dos produtos dos países em desenvolvimento);

b) uma série de acordos multilaterais (5 acordos sobre medidas não tarifárias, denominados "Códigos"(13), a revisão do Código Antidumping de 1968, 2 acordos sobre produtos de base e um sobre o comércio de aeronaves civis) e, finalmente,

c) uma série de declarações e um memorando de reforma do quadro jurídico das trocas comerciais internacionais, elaborados pelo "Grupo Quadro Jurídico", esquematizados a 12/IV/1979 ao final da Rodada Tóquio e formalmente adotados pelas PARTES CONTRATANTES, por consenso, durante a 34ª Sessão das PARTES CONTRATANTES, na verdade, decisões que implicariam numa autêntica reforma do Acordo Geral. Um dos textos mais importantes se intitula: "Tratamento Diferenciado e Mais Favorável, Reciprocidade e Participação Mais Completa dos Países em Vias de Desenvolvimento"("Differential and More Favourable Treatment Reciprocity and Fuller Participation of Developing Countries"); foi adotado por Decisão de 28 de novembro de 1980, doc. L/4903 (publicado in GATT Basic Instruments and Selected Documents, 36th. Supplement, março 1981, p. 203-205) e consagrou dois princípios, que passariam a ser referidos, na terminologia do GATT, como: "cláusula de habilitação" ("enabling clause") e "clausula evolutiva" (também denominada "cláusula do retorno gradual", pela qual um Estado que anteriormente gozava de tratamento diferenciado mais favorável, pode notificar sua renúncia ao mesmo).

A denominada "cláusula de habilitação", na verdade, é um princípio geral que tornou legal, no quadro do GATT (onde vigora o princípio da cláusula de nação mais favorecida, no Art. I do Acordo Geral), a possibilidade de um tratamento preferencial em favor de Estados em vias de desenvolvimento, que passaram a, legitimamente, poder usufruir de um subsistema de preferências comerciais outorgadas pelos países industrializados a seu favor, ou outorgadas entre eles mesmos, como um elemento permanente do sistema jurídico do GATT. Sua redação mais simples e direta consta do Art. 1 da citada Decisão, nos seguintes termos: "Não obstante as disposições do artigo primeiro do Acordo Geral, as Partes Contratantes podem acordar um tratamento diferenciado e mais favorável aos países em vias de desenvolvimento, sem acordá-lo a outras partes contratantes". Denomina-se "de habilitação", "porque seus dispositivos não impõem uma obrigação de acordar um tratamento diferenciado e mais favorável, mas permitem às partes contratantes tomar tais medidas(15)" (cf. O. Long, op. cit., p. 122). Conforme bem acentuam os Profs Guy Feuer e Hervé Cassan, o regime coberto pela clausula de habilitação "comporta limites: de um lado, a outorga de preferências não constitui uma obrigação jurídica, mas uma simples faculdade para as partes contratantes desenvolvidas (leia-se: industrializadas); de outro, a cláusula não se aplica às preferências especiais tais como as que decorrem da Convenção de Lomé, se bem que uma nota anexa à Declaração permita incluir nela categorias de tratamentos preferenciais não previstas pela própria cláusula" (in Droit International du Développement, Paris, Dalloz, 1985, p. 526-7, em tradução livre).

Dentre os campos cobertos pela cláusula de habilitação encontram-se, precisamente, as preferências tarifárias e não tarifárias intercambiadas entre países em vias de desenvolvimento nos acordos regionais, ou, nos exatos termos do Art. 2 (c) da Decisão de 29/XI/1979: as propostas de instituição ou de modificação de "regional or global arrangements...for the mutual reduction or elimination of tariffs and...for the mutual reduction or elimination of non-tariffs measures, on products imported from one another" (devendo notar-se que a lista dos assuntos compendiados no mesmo, não é exaustiva, conforme nota 2 ao texto, a qual deixa às PARTES CONTRATANTES a faculdade de examinar quaisquer outros assuntos). Importa notar que a cláusula de habilitação introduziu uma modificação extremamente relevante nos procedimentos de exame pelo Conselho do GATT sobre a compatibilidade dos acordos de integração econômica regional e as normas do mesmo. Trata-se do Art. 4 da Decisão de 28/XI/1979, segundo o qual, qualquer parte contratante que pretenda instituir uma organização de integração econômica regional, ou ainda que pretenda modificar as anteriormente examinadas pelo GATT, deverá: a) notificar as PARTES CONTRATANTES, fornecendo-lhes todas as informações que estas julgarem necessárias relativamente a tal empreendimento; e b) propiciar oportunidades adequadas para consultas expeditas, a pedido de qualquer parte contratante interessada, relativamente a qualquer dificuldade ou assunto que possa surgir e, no caso de um pedido em tal sentido, o Conselho providenciará consultas entre os peticionários e as partes contratantes envolvidas na organização de integração econômica, com fins de encontrar soluções satisfatórias entre todas.

Portanto, a partir da introdução da cláusula de habilitação, o procedimento dos Grupos de Trabalho ("Working Party") ficou circunscrito àqueles assuntos que as PARTES CONTRATANTES julgarem apropriados; ao instituir e delegar suas atribuições ao escalão burocrático inferior do GATT, o Comitê de Comércio e Desenvolvimento, as PARTES CONTRATANTES estabelecem as atribuições do Grupo de Trabalho, bem como um quadro geral dentro do qual se deverá conduzir o procedimento ("terms of reference"). No caso de não haver a constituição de um Grupo de Trabalho, as obrigações dos Estados partes de uma organização de integração econômica regional, face às PARTES CONTRATANTES, são de simplesmente notificar-lhes a criação da organização de integração econômica regional e de apresentar-lhes relatórios periódicos bienais sobre o andamento da implementação do empreendimento.

V - O Caso da ALADI

Em que pese ter havido uma incorporação de vários atos elaborados pela ALALC ao novo sistema da ALADI, conforme já se mencionou, entre o Tratado de Montevidéu de 1960 e o Tratado de Montevidéu 1980, houve uma evidente ruptura:

a) são claras as diferenças das modalidades de integração propostas: no caso da ALALC, a pretensão era de criar-se uma zona de livre comércio, através de concessões de caráter comercial, negociadas caso a caso, e posteriormente consolidadas e extensíveis aos demais Estados membros, por força da aplicação da cláusula de nação mais favorecida, portanto, um sistema de cunho marcadamente comercialista(16), ao passo que na ALADI, o objetivo é a instituição de uma área de preferências mais amplas, a ser instituída através dos mecanismos do estabelecimento de uma preferência tarifária regional, da subscrição ou legitimação de acordos de alcance regional e acordos de alcance parcial, cuja convergência possibilitará avançar-se nas etapas posteriores de integração;

b) o caráter eminentemente comercialista da ALALC será substituído por um mecanismo mais flexível, de vocação macro, correspondente às três funções da nova ALADI: a promoção e regulamentação do comércio recíproco, a complementação econômica e o desenvolvimento de ações de cooperação econômica que possibilitem a ampliação de mercados;

c) ao reconhecimento ineficaz de um estatuto especial para países de menor desenvolvimento econômico relativo, na sub-área da ALALC, o novo sistema da ALADI incorpora como um dos eixos centrais de sua atuação, um apoio institucional em favor daqueles países e reconhece, expressamente a categoria de países de desenvolvimento intermediário, a fim de determinar tratamentos distintos, com normas diferenciadas para cada caso;

d) ao contrário da ALALC, a ALADI se constitui como um sistema aberto, no qual se admitem adesões de países não compreendidos na sub-região, bem como prevê a participação de países não membros em ações parciais com os países membros, e também a participação da Associação, enquanto ator, nos movimentos de cooperação horizontal entre países em vias de desenvolvimento;

e) à rigidez dos conceitos que embasavam as instituições da ALALC, ou seja, a feição unívoca e unitária do programa de liberalização comercial, através da multilateralidade e reciprocidade, (que pressupunham uma inexistente relativa homogeneidade entre os Estados membros), contrapõem-se os cinco princípios básicos da ALADI: pluralismo, convergência, flexibilidade, tratamentos diferenciais e multiplicidade (mais respeitosos da heterogeneidade de fato existente na sub-região latino-americana, e mais consentâneos com um pragmatismo que poderá levar a etapas superiores de integração regional).

Deve acentuar-se que uma dos pontos fundamentais do sistema de integração estabelecido na ALADI, é a possibilidade da subscrição de acordos de alcance regional e de acordos de alcance parcial, portanto o exercício de uma política de maior autonomia aos Estados Membros. Acordos de alcance regional são aqueles dos quais participam todos os Estados membros e que podem cobrir um extenso campo de assuntos, que o Tratado de 1980 elenca: assuntos comerciais, de complementação econômica, agropecuário, de promoção comercial, de cooperação científica e tecnológica, de promoção de turismo e de preservação do meio ambiente, dentre outros; tratam, assim, de assuntos temáticos e se apresentam como os campos mais propícios onde irá incidir o princípio da convergência. Acordos de alcance parcial, um dos elementos mais diferenciadores entre ALALC e ALADI e que conferem a esta seu caráter dinâmico, são aqueles de que só participam alguns dos Estados membros (admitida, contudo, a adesão de outros Estados não partes originárias), mas cujos dispositivos e eventuais benefícios não se estendem de modo automático ao universo dos outros Estados membros da ALADI (mesmo porque, inexiste nesta a automaticidade conferida pela cláusula de nação mais favorecida, como na antiga ALALC); podem revestir as formas de acordos relativos aos mesmos assuntos elencados para os acordos de alcance regional e devem eles conter dispositivos que tornem possível sua aplicação multilateral, seja entre países membros da ALADI, seja a outros países latino-americanos, (embora, como já se disse, sejam, fundamentalmente, acordos reservados aos Estados membros signatários dos mesmos)(17). Na sua Resolução nº 2, o Conselho de Ministros da ALADI definiria as possíveis formas de que podem revestir-se os acordos de alcance parcial: acordos comerciais, acordos agropecuários, acordos de promoção comercial e, finalmente os acordos de complementação econômica (que têm por finalidade promover ao máximo o aproveitamento dos fatores de produção, estimular a complementação econômica, assegurar condições eqüitativas de competição, faciliar a colocação de produtos no mercado internacional e impulsionar o desenvolvimento equilibrado e harmônico dos países membros).

Instituído o novo sistema de integração sub-regional na América Latina, foi, portanto, necessário proceder ao exame de sua compatibilidade com as normas do GATT, num momento em que já estava em vigor no sistema do GATT, como uma norma expressa, o tratamento aos países em vias de desenvolvimento, em especial, a cláusula de habilitação (portanto, em condições bem diferentes daquelas que presidiram ao exame da ALALC). Na verdade, o antecedente da ALALC em nada serviria ao GATT, na sua tarefa de examinar a ALADI, pois, no caso desta última, se tratava de uma realidade jurídica "ex novo", mesmo porque, "et pour cause", como já se apontou, a nova organização tinha, formalmente, incorporado no seu ordenamento jurídico, de maneira expressa, muitas das realizações normativas da anterior (incorporação formal essa que se constitui, ademais, numa prova adicional da existência de uma nova realidade).

Assim, dentro do novo procedimento instituído no GATT com a cláusula de habilitação, a Delegação do Uruguai, em representação dos Estados Partes da ALADI, notificaria, a 1º de julho de 1982, às PARTES CONTRATANTES, a adoção do Tratado da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), subscrito em Montevidéu, a 18 de agosto de 1980 (Doc. L/5342), o qual seria apresentado na 47ª sessão do Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento, na mesma data (Doc. COM.TD/112), e comunicado no relatório deste Comitê às PARTES CONTRATANTES, a 02/XI/1982 (Doc. L/5401). A seguir, em várias outras sessões do Comitê de Comércio e Desenvolvimento, haveria discussões sobre a ALADI (a série de documentos COM.TD/, em particular, 118, 120, 126, 127 e 128), bem como referências específicas nos relatórios do Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento às PARTES CONTRATANTES (a série dos documentos L/, com os relatórios de praxe, 5401, 5735, 6092, 6241, 6418 e 6605, e aqueles relatório especiais relativos à implementação dos dispositivos da cláusula de habilitação, L/5689, 6158, 6145/Add.1, 6531, 6946, 6985 e 6985/Add.1).

Merece destaque o fato de que, no exame da compatibilidade das normas da ALADI com as do GATT, não se seguiu o procedimento da constituição de um Grupo de Trabalho, tendo bastado uma simples notificação de sua existência ao Comitê de Comércio e Desenvolvimento, que o apresentou às PARTES CONTRATANTES.

VI - O Exame da Compatibilização do GATT e do MERCOSUL

Tal como no caso da ALADI, o exame do MERCOSUL pelo GATT dar-se-ia já em plena vigência da cláusula de habilitação; firmado o Tratado de Assunção, a 26/III/1991, em regime transitório de instalação de um mercado comum entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, foi o GATT informado, pela primeira vez, de sua existência, no dia 17 de feVereiro de 1992. Tal comunicação, contudo, seria feita de maneira transversal, através da informação rotineira prestada pelo Secretariado da ALADI (doc. L/6985, Restricted, de 05/III/1992) sobre várias de suas realizações, dentre as quais se incluía a celebração do Acordo de Complementação Econômica nº 18, (subespécie de acordo de alcance parcial), cujo objetivo tinha sido: "incorporar ao quadro legal da ALADI, aqueles dispositivos do Tratado de Assunção que basicamente dizem respeito à integração do comércio entre tais países (ACE 18)"; diga-se, contudo, que na referida comunicação, o Secretariado da ALADI ressalvava que a mesma estava sendo feita "in advance of the information to be furnished to the contracting parties in due course on measures taken last year by the member countries of the Association under the 1980 Treaty of Montevideo". Na verdade, informações adicionais seriam prestadas pelas delegações do Brasil, Argentina e Uruguai, conforme doc. L/704.

Porém, contrariamente ao caso da ALADI (cujo exame de compatibilidade, conforme visto, não foi sujeito ao procedimento do Grupo de Trabalho), o exame da compatibilização do GATT com as regras do MERCOSUL, passaria pelo procedimento da constituição de um "Working Group", que, no momento em que se terminava o presente artigo, ainda estava em andamenteo.. Na verdade, a gênese da constituição do Grupo de Trabalho para o MERCOSUL mostra, inclusive, as possíveis razões que têm levado o GATT a adotar seu procedimento ou dispensá-lo, por ocasião do exame da compatibilidade das organizações de integração econômica com suas próprias normas.

Prosseguindo nos esforços de formar sua convicção, a 10 de agosto de 1992, o Comitê de Comércio e Desenvolvimento ouviria os depoimentos dos Embaixadores Rubens Barboza e Felix Peña, Subsecretários das Chancelarias, respectivamente do Brasil e da Argentina, os quais, em exposições extremamente bem estruturadas, esclareceram, a primeira, (COM.TD/W/496), sobre os aspectos econômicos do Tratado de Assunção, que estabeleceu o MERCOSUL e a segunda, (COM.TD./W/497) sobre os assuntos de natureza institucional e jurídica do mesmo, assim como sobre a lógica interna do processo de negociação sub-regional na América Latina.

Na sua 72ª Sessão, presentes altos funcionários das Chancelarias do Brasil, Argentina e Uruguai, (com a finalidade de prestarem informações diretamente solicitadas), o Comitê de Comércio e Desenvolvimento, conforme relatório da citada reunião, no doc. COM.TD/132, Restricted, de 01/X/1992, teve de decidir-se sobre os seguintes posicionamentos, no concernente ao exame da compatibilidade do MERCOSUL, com as normas do GATT, resultantes das discussões havidas em plenário: ou se a) se tratava de um procedimento simples e que uma notificação dos Estados Partes bastaria, de conformidade com a cláusula de habilitação (cf. § 10 de COMT.TD/132); ou se b) seria aplicável no caso, o procedimento previsto no Art. XXIV do Acordo Geral, uma vez que se tratava de um acordo provisório para o estabelecimento de uma união aduaneira e que o mero procedimento de revisão da cláusula de habilitação não seria suficiente, dado que o MERCOSUL envolvia uma ampla gama de aspectos da integração econômica ("a full-fledged customs union covering "substantially all the trade"), desde produtos, serviços e investimentos, com implicações importantes para terceiros países. Como resultado de um "non paper" circulado durante a sessão e por proposta do Presidente do Comitê, ficou decidido que este empreenderia negociações com vistas a um consenso, bem como (§ 18 de COM.TD/132): a) ao estabelecimento de um Grupo de Trabalho pelo Comitê de Comércio e Desenvolvimento, cujo Relatório deveria ser transmitido às PARTES CONTRATANTES e uma cópia ao Conselho; b) durante as discussões no Grupo de Trabalho, qualquer parte contratante poderia referir-se a qualquer dispositivo do Acordo Geral; c) as discussões no Grupo de Trabalho deveriam basear-se numa notificação bastante completa lastreada nos textos legais apontados (em particular, o Tratado de Assunção e o Acordo de Complementação Econômica nº 18) e num questionário cujas perguntas deverias ser elaboradas pelas partes contratantes do GATT e respondidas pelos Estados Partes do MERCOSUL.

Na sua 48ª Sessão, as PARTES CONTRATANTES tomaram nota do decidido na reunião de julho de 1992 do Comitê de Comércio e Desenvolvimento, em particular das propostas "Procedures for MERCOSUL Examinations", que formalizavam as conclusões daquela reunião de julho (GATT Basic Instruments and Selected Documents, Supplement nº 39, Genebra, dez. 1993, em particular p. 19-20). Decidiram que o Presidente das PARTES CONTRATANTES realizaria consultas entre as partes contratantes, conducentes ao estabelecimento de um Grupo de Trabalho, nos aspectos do procedimento a ser seguido, inclusive a formalização de seus termos de referência.

Na 74ª Sessão do Comitê de Comércio e Desenvolvimento, segundo o documento COM.TD/133, Restricted, o Presidente das PARTES CONTRATANTES informou-lhe não ter-se conseguido um consenso quanto ao procedimento a ser seguido e, em conseqüência de reuniões informais, proporia como solução possível, a realização de um Grupo de Trabalho pelo citado Comitê, com os termos de referência que então apresentava como proposta. Ao final da mencionada Sessão, o Comitê de Comércio e Desenvolvimento aprovaria, a 28/V/1993, a constituição de um Grupo de Trabalho, com os seguintes Termos de Referência: "to examine the Southern Common Market (MERCOSUR) in the light of the relevant provisions of the Enabling Clause of the General Agremment, including Article XXIV and to transmit a Report and recommendations to the Committee for submission to the CONTRACTING PARTIES, with a copy of the Report transmitted as well to the Council. The examination in the Working Party will be based on a complete notification and on written questions and answers in accordance with the Terms of Reference, contracting parties are invited to submit to the Secretariat written questions relating to the agreement by March 1994". Importante observar que várias delegações, em particular os delegados da ASEAN e da Comunidades Européias, enfatizaram que "tal solução de compromisso não deverá ser considerada como um precedente para o exame de outros acordos de livre comércio".

Isto posto, a Delegação do Uruguai, na qualidade de coordenador dos Estados signatários junto ao GATT, nele depositaria, a 22 de dezembro de 1993 (doc. L/7370, Restricted, 18/I/1994), o texto principal do Tratado de Assunção, com os ANEXOS I a V, na forma do doc. L/7370/Add.1, Restricted, de 18/I/1994.

A 21 de janeiro de 1994, em reunião das PARTES CONTRATANTES, as partes contratantes foram convidadas a submeter ao Secretariado do GATT, eventuais questões a respeito do MERCOSUL, as quais seriam transmitidas aos Estados Partes deste (doc. GATT/AIR/3545). As questões e respostas dos Estados Partes do MERCOSUL ao questionário, seriam compendiadas no importante documento L/7540, de 26 de outubro de 1994, que representa o repertório dos principais questionamentos levantados pelas Estados partes contratantes do GATT a respeito do MERCOSUL; pela relevância das perguntas, merecem elas constar como ANEXO ÚNICO do presente trabalho (conforme nossa tradução livre).

VII - Conclusões

Como já foi referido anteriormente, pelo fato de o Grupo de Trabalho ainda não ter concluído sua tarefa, e, por conseguinte, na falta de uma decisão das PARTES CONTRATANTES, seria prematuro qualquer afirmativa quanto aos resultados do exame da compatibilidade do MERCOSUL, com as regras do GATT, ou da Organização Mundial do Comércio, (devendo observar-se que não houve inovação, a partir das decisões tomadas ao final da Rodada Uruguai, em Marrakech, no que se refere aos aspectos estudados no presente artigo).

Contudo, mesmo que não tenha havido uma decisão das PARTES CONTRATANTES sobre o exame da compatibilidade do MERCOSUL com as regras que atualmente governam as Partes Contratantes, pode-se, pelo menos, a partir do exame dos procedimentos anteriores, concluir sobre a idéia que sua maioria faz do MERCOSUL.

A partir das discussões até agora havidas, pode-se concluir que as Partes Contratantes pensam tratar-se o MERCOSUL de uma organização de integração econômica de tal relevância para a economia dos países da subregião latino-americana, com importantes reflexos nas relações comerciais com terceiros países e naquelas com o resto do mundo, a ponto de ter sido julgado necessária a constituição de um Grupo de Trabalho, para melhor justificar futura decisão das PARTES CONTRATANTES sobre a compatibilidade entre o MERCOSUL e as normas que regem suas relações globais.

Deve ser dito que semelhante precaução reforça o valor da importância que se tem atribuído ao MERCOSUL, como polo de criação de comércio internacional, em particular na presente fase histórica do GATT/OMC, em que a cláusula de habilitação teria dispensado critérios mais rígidos para o citado exame de compatibilidade.

ANEXO ÚNICO

RELAÇÃO DAS PERGUNTAS CONTIDAS NO DOCUMENTO GATT L/7540, DE 26 DE OUTUBRO DE 1994: "WORKING PARTY ON THE SOUTHERN COMMON MARKET (MERCOSUR) AGREEMENT - QUESTIONS AND REPLIES", FORMULADAS PELAS "partes contratantes" DO GATT ***

1. ELIMINAÇÃO DE DIREITOS, ENCARGOS E OUTRAS RESTRIÇÕES APLICADAS NO COMÉRCIO RECÍPROCO DOS ESTADOS PARTES

1.1. Entendemos que a eliminação de direitos, encargos e outras restrições aplicadas no comércio recíproco dos Estados Partes tem tido prosseguimento conforme programado no Anexo I do programa de liberalização do Acordo do MERCOSUL. Gostaríamos que as Partes confirmassem se existe algum plano de mudança do previsto e, se algum, gostaríamos de saber sobre tais propostas de mudança.

1.2. Têm sido implementadas as decisões de reduções tarifárias e eliminação de restrições não tarifárias conforme propostas e descritas no Anexo I? Que espécies de mudanças estruturais são contempladas em cada país no que concerne a tais eliminações?

1.3. O Art. 5 do Acordo especifica os principais instrumentos de polícia econômica e comercial que serão utilizados para o estabelecimento do MERCOSUL. Em relação ao programa de liberalização comercial, poderiam as Partes dizer: a) sobre se tem havido exceções ao aos cortes automáticos e lineares de tarifas implementados segundo os prazos do Anexo I do Acordo? b) em que estágio de remoção de barreiras alfandegárias se encontra o processo? c) se a redução percentual de 20% ao ano na lista de exceções para reduções tarifárias submetidas pelas Partes individualmente, tem ocorrido na maneira especificada no Acordo?

1.4. Tem o cronograma de redução tarifária do Anexo I, art. 3, sido respeitado até o momento pelos Estados Partes do MERCOSUL?

1.5. A 31 de dezembro de 1994, estarão eliminados todos os direitos alfandegários entre os países do MERCOSUL no que respeita a todo o comércio recíproco?

1.6. Tem o cronograma para a redução de exceções propostas conforme descritas no Anexo I, Arts. 6 e 7 sido respeitado por todos os Estados Partes do MERCOSUL?

1.7. O Art. 10 do Anexo I prevê que todas as restrições não tarifárias serão eliminadas da área de mercado comum até 31 de dezembro de 1994. Há um plano concertado e programado para a abolição de tais restrições não tarifárias? NO caso positivo, poderia o mesmo ser sumariado?

1.8. Poderiam as Partes do MERCOSUL indicar as medidas tomadas em situações contempladas no Art. 50 do Tratado de Montevidéu 1980? (Anexo I, Art. 2(b)).

1.9. Tem a Argentina aplicado o imposto estatístico sobre importações? No caso positivo, qual é o nível do imposto?

1.10. O comércio entre as Partes estará isento de quaisquer taxas relacionadas com importações ou exportações que não estejam cobertos pelo Art. VIII do GATT? No caso positivo, qual será o ônus de custas a serem atribuídos a terceiros Estados parceiros no comércio?

2. A COORDENAÇÃO DE POLÍTICAS MACROECONÔMICAS

2.1. As Partes chegaram a um acordo sobre a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais conforme decidido pelo Tratado?

2.2. Qual o progresso verificado relativamente à coordenação e à harmonização de políticas macroeconômicas? Podem as Partes do MERCOSUL brevemente informar sobre as implementações da integração econômica até a presente data, juntamente com um bosquejo de quais planos que têm sido feitos para posteriores desenvolvimentos? Poderia um cronograma ser traçado para futuros planos de integração?

2.3. Poderiam diferenças em políticas macroeconômicas constituir fatores para retardar o programa de liberalização ou a introdução de uma união aduaneira?

3. ESTABELECIMENTO DE UMA TARIFA EXTERNA COMUM E A ADOÇÃO DE UMA POLÍTICA COMERCIAL COMUM, EM RELAÇÃO A TERCEIROS ESTADOS OU GRUPOS DE ESTADOS

3.1. Podem as Partes informar sobre o progresso que tem sido feito nos níveis tarifários a ser conseguido com a aplicação da tarifa externa comum (TEC) de acordo com o Artigo 5? Qual a possibilidade de que a TEC estar em vigor, conforme planejado ato fim do período de transição em dezembro de 1994?

3.2. O Parágrafo 2 do Artigo 1 e Artigo 5 (c) se relacionam à tarifa externa comum. Gostaríamos de saber in detalhes a cobertura dos produtos, os excluídos, o prazo para o estabelecimento da tarifa externa comum, da taxa de tarifa externa comum para cada produto e, finalmente, uma comparação do nível geral de taxas tarifárias entre a tarifa externa comum e as taxas tarifárias de cada Estado Partes (na base da média ponderada ou de taxas aplicadas)

3.3. Até que ponto tem progredido a aplicação da tarifa externa comum em função de uma coordenação de políticas comerciais com terceiros países? Há alguns acordos posteriores sobre tais incidentes?

3.4. Os Estados Partes do Mercado Comum do Sul fixaram-se como objetivo o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum, em relação a terceiros Estados ou grupos de Estados. Contudo, o documento L/7370/Add.1 não fornece qualquer informação sobre a tarifa externa comum nem sobre um plano para estabelecê-la. Em tal caso: a) Será o Mercado Comum do Sul uma união aduaneira ou uma zona de livre comércio entre os Estados interessados? No primeiro caso, podem os Estados do MERCOSUL informar sobre o estabelecimento de uma tarifa externa comum (níveis tarifários, programas para o estabelecimento da tarifa, etc.) e a adoção de uma política comercial comum?

3.5. Relatórios recentes tem indicado que os países do MERCOSUL têm tido alguma dificuldade em acordar uma tarifa externa comum. Uma união alfandegária (em oposição ao uma área de livre comércio) seria um projeto realista?

3.6. Como se visualiza a implementação da tarifa externa comum? Conquanto tal fato não pareça estar coberto em detalhes (Art. 5 (c) somente), nosso entendimento é que tal intenção seja de aplicar uma tarifa externa máxima de 20%, com 11 pontos tarifários aplicáveis entre 0% e 20%. Presumivelmente os países do MERCOSUL procurarão harmonizar ao nível mais baixo das tarifas existentes os países membros do MERCOSUL, com um mínimo de rotatividade e deverão estar alerta para os perigos de diversificações de comércio anticompetitivos, se a tarifa externa vier a ser concentrada ao nível mais elevado da relação 0-20%?

3.7. Tem sido dito que uma das Partes deseja fixar a tarifa externa comum em determinados setores que possa resultar num acréscimo incidental de tarifas de terceiros países. Poderiam as Partes assegurar que a TEC não afetará negativamente terceiros países, ao assegurar que a TEC será estabelecida de acordo com os dispositivos do Art. XXIV:5 (a)?

3.8. Haverá exceções à TEC? Em caso afirmativo, haverá uma lista indicativa dos direitos que serão cobrados por cada Parte? Qual o prazo que será aplicado a fim de integrar qualquer exceção na TEC?

3.9. Se houver exceções, a TEC cobrirá substancialmente todo o comércio entre as Partes?

3.10. Quais serão exatamente os produtos para os quais nenhum prazo foi até o momento estabelecido para a adoção de tarifas externas comuns? (Fornecer mais detalhes sobre processamento de dados, telecomunicações e outros).

3.11. No programa de liberalização comercial esquetamizado no Anexo I, há referência a diferentes etapas para produtos nas exceções planejadas, Quais são tais produtos? Tais exceções são parte das razões pelas quais a TEC na fronteira não poderá ser estabelecida até 1º de janeiro de 1995? Entendemos que um acordo sobre 85% do produtos a ser incluído na TEC a partir de tal data deverá estar pronto em junho de 1994, enquanto o prazo do ano 2.006 tenha sido fixado para o restante.

3.12. Em que momento a TEC poderá ser examinada pelas partes contratantes?

3.13. De conformidade com o Artigo XXIV:5(c) do GATT, qualquer acordo provisório conducente á formação de uma união alfandegária deverá compreender um plano e prazo para a formação de tal união alfandegária, num prazo razoável. Os prazos mencionados em 3.2. e 3.3. àcima devem estar incluídos no Acordo MERCOSUL, uma vez que temos o entendimento que tal Acordo seja uma união alfandegária, de conformidade com o Artigo XXIV:(8)(a)(ii) e com o parágrafo 2 do Artigo 1 do Acordo MERCOSUL. Contudo, o citado Acordo somente prevê prazos para a eliminação de direitos, encargos e outras restrições aplicáveis pelos Estados Partes no comércio recíproco, e não estabelecem prazos para a introdução de uma tarifa externa comum ou uma política comercial comum. Gostaríamos de ter maiores informações sobre a consistência ao Acordo MERCOSUL, com o Art. XXIV:5(c) do GATT.

3.14. Podem as Partes confirmar que os requisitos exigidos pelo Artigo XXIV:6 do Acordo Geral serão preenchidos?

3.15. Poderiam as Partes explicar a maneira pela qual tencionam determinar os direitos dos fornecedores principais, de acordo com o Artigo XXVIII do GATT?

3.16. Em outubro de 1991, a Argentina elevou suas tarifas gerais de alumina de zero a 5%. Têm as tarifas de outros produtos sido elevadas pela Argentina ou qualquer outra Parte do Acordo, e, no caso positivo, considerariam as Partes que tal elevação está conforme com os requisitos do Artigo XXIV:5(a) do Acordo Geral?

3.17. No Acordo MERCOSUL, não há confirmação específica de que uma política comercial comum será adotada. Estaria, ainda, uma política comercial planejada para ser introduzida? Se tal for o caso, qual o prazo para a introdução de uma política comercial comum e quais são os detalhes de tal política comercial comum?

4. REGRAS DE ORIGEM

4.1. Regras de Origem encontram-se incluídas na Convenção Internacional sobre a Simplificação e a Harmonização de Procedimentos Alfandegários, bem como no Ato Final da Rodada Uruguai. Em que medida foram tais regras aproveitadas como guias quando as presentes Regras de Origem para a Classificação de Origem foram estabelecidas e haveria quaisquer divergências?

4.2. Qual tratamento será dado aos bens manufaturados ou processados nas zonas francas e qual a porcentagem de valor agregado que será atribuído a eles, na sua origem, pelo MERCOSUL?

5. MEDIDAS COM EFEITOS NAS IMPORTAÇÕES DE TERCEIROS PAÍSES

5.1. De acordo com o Art. 4 do Acordo MERCOSUL, os Estados Partes aplicarão sua legislação doméstica para as restrições às importações cujos preços são influenciados por subsídios, dumping ou qualquer outra prática desleal. A tal respeito, que espécie de medidas estão contempladas a ser tomadas no que respeita a tais restrições?

5.2. Como os Estados Partes do MERCOSUL restringirão as importações cujos preços são influenciados por subsídios, dumping ou outras práticas desleais? Como deverá ser definida a expressão: "prática desleal"?

5.3. Poderiam as Partes informar se tem havido algum progresso na redação das regras comuns relativas a concorrência comercial, conforme o Art. 4 do Acordo?

6. TRATAMENTO NACIONAL

6.1. Segundo o Art. 7 do Acordo MERCOSUL, na área de impostos, encargos e outros direitos internos, os produtos originários dos territórios de um Estado Partes deverão gozar nos outros Estados, do mesmo tratamento que os produtos produzidos internamente. Qual é a a exata definição dos mencionados impostos, encargos e outros direitos internos? Gostaríamos, igualmente uma confirmação sobre se aos produtos importados de um Estado não membro será dado o mesmo tratamento que os produtos originários de um território de um Estado Parte.

7. COMPROMISSOS SOB A ALADI

7.1. Poderiam as relações entre o MERCOSUL e a ALADI ser explicadas?

7.2. Quais são as diferenças do ponto de vista de acordos comerciais, entre a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e o Tratado de Assunção?

7.3. Referência é feita ao Tratado de Montevidéu 1980 e aos acordos de alcance parcial e aos acordos de complementação econômica, sob seus auspícios. Poderia ser explicado as implicações legais do Tratado de Montevidéu sobre o Acordo do MERCOSUL? Mais especificamente, gostaríamos de ser informados a respeito do Anexo I, Artigos 2(b) e 12, e Anexo II, Artigos 1(b) e (c), bem como Artigo 19 (idêntico ao Artigo 12, Anexo I) do Tratado de Assunção.

7.4. No doc. COM/TD/W/497 (pp.1-2) afirma-se que protocolos adicionais e decisões aprovados sob a égide do MERCOSUL, serão igualmente registrados na ALADI, e terão efeitos diretos nos países que o constituíram. Como as decisões tomadas no MERCOSUL afetarão os países membros da ALADI que não partes do MERCOSUL? Qual acordo estabelece parâmetros e/ou um quadro geral?

8. ADESÃO

8.1. A Bolívia é um observador no MERCOSUL. Quais são as perspectivas para uma adesão da Bolívia ao Acordo? Existem previsões de estender este Tratado a novos membros adicionais?

8.2. Poderão terceiros países além dos pertencentes à Associação Latino-Americana de Integração, ALADI, ser membros do Tratado de Assunção?

9. SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

9.1. Como funcionarão os dispositivos do Acordo (Anexo III) sobre soluções de controvérsias? Serão eles coerentes com o GATT?

9.2. Sabemos que existe o Protocolo de Brasília sobre resoluções de controvérsias. Difere o mesmo do Anexo III?

10. DADOS SOBRE COMÉRCIO

10.1. Poderiam as Partes providenciar uma atualização dos dados do Apêndice I e II do documento L/7044, o qual mostra o total das exportações e importações de cada Parte, em função do destino?

10.2. Poderiam ser fornecidas algumas informações sobre o comércio do MERCOSUL, nos últimos três noas: comércio total entre os países do MERCOSUL e o resto do mundo; comércio com os países da ALADI; comércio entre os países do MERCOSUL?

10.3. Quanto de comércio preferencial existe entre os países do MERCOSUL e os países da ALADI?

11. "TRADE CREATION/TRADE DIVERSION"

11.1. As Partes no Acordo têm empreendido estudos sobre os efeitos do Tratado no que respeita à criação e à dispersão do comércio? Em que medida as Partes esperam haver efeitos de dispersão?

12. MERCOSUL E OS ESFORÇOS DE INTEGRAÇÃO NO HEMISFÉRICO OCIDENTAL

12.1. Qual é a visão dos Estados Partes do MERCOSUL em relação a este Acordo e outros esforços de integração regional? O Tratado forma parte da ALADI, mais compreensivo geograficamente. O MERCOSUL tem, igualmente, um acordo com os EUA sobre um Conselho de Comércio e Investimento, sob os auspícios da "Entreprise for the Americas Initiative" do Presidente Busch. Qual o posicionamento a respeito do NAFTA? Poderia o MERCOSUL ser interpretado como um movimento em direção a uma integração latino-americana ainda mais extensa?

12.2. Podem uniões aduaneiras ou áreas de livre comércio oferecer tratamento recíproco preferencial? (NAFTA, recentemente instituída, ofereceu filiação à Argentina, que é membro do MERCOSUL).

12.3. Como o MERCOSUL se adaptaria a um processo mais extensivo de integração regional na América Latina- em que medida é ele um passo em direção a uma área de livre comércio na América Latino e Caribe ou a uma área de livre comércio das Américas?

13. SERVIÇOS

13.1. Ainda que os termos de referência do Grupo de Trabalho sejam apenas relacionados com o GATT, e especialmente o Artigo XXIV e a Cláusula de Habilitação, torna-se difícil não adentrar em outras áreas, uma vez que o MERCOSUL foi imaginado para tornar-se um acordo sobre integração econômica, igualmente cobrindo serviços. Durante os últimos meses nas negociações da Rodada Uruguai, um dispositivo foi adicionado ao Artigo V do GATS, diretamente relacionado com os esforços de estabelecimento do MERCOSUL, nomeadamente o parágrafo 3(b), que permite "um tratamento mais favorável a pessoas jurídicas de propriedade ou controladas por pessoas físicas das partes em tais acordos". Seria interessante conhecer as opiniões dos países interessados sobre a espécie de tratamento mais favorável cogitam, e quais razoes econômicas residem na determinação de discriminar empresas controladas por terceiros países e que se dedicam a operações negociais substantivas na área do MERCOSUL. Poderia tal discriminação ser benéfica à economia de um país, e não poderia ela tornar-se um desincentivo a investimentos mais rentáveis?

14. OUTRAS ÁREAS

14.1. Que outras perspectivas temporais existem para as outras áreas do Acordo? Poderia ser oferecido ao Grupo de Trabalho um relato sobre os assuntos a que se têm dedicado os 11 grupos de trabalho? Gostaríamos, por exemplo, de ter a certeza de que o Subgrupo sobre Transporte Marítimo não planeja impor novas restrições, a ex.: novas preferências de carga entre os Estados Partes.

15. TRANSPARÊNCIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO ACORDO

15.1. Tencionam os Estados Partes do MERCOSUL notificar o GATT sobre qualquer modificação no Tratado de Assunção?

15.2. Tencionam eles regularmente submeter relatórios que permitam avaliar o impacto e o funcionamento do Tratado de Assunção?


* O autor agradece a contribuição do Ministro José Alfredo Graça Lima, que reviu e sensivelmente melhorou o presente artigo.

** Diplomata. Professor Adjunto de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP (em licença).

*** Em tradução livre do autor do presente artigo. As perguntas foram formuladas pelas partes contratantes do GATT. As respostas fornecidas pelos Estados Partes do MERCOSUL, se encontram omitidas.

(1) Entendemos que há, basicamente, dois tipos de diplomacia: a) a bilateral, tradicional, das relações Estado a Estado e b) a multilateral, exercida: 1) em congressos e conferências internacionais, especialmente convocadas por Estados ou por organizações internacionais, com reuniões que se exaurem com a realização do objetivo para o qual foram convocadas; 2) em parlamentos compostos de representantes de Estados, que podem ser instituídos, seja por tratados-fundações que criam organizações internacionais permanentes e institucionais, seja por tratados multilaterais que estabelecem reuniões periódicas entre as Partes (neste último caso, sem que se institua uma organização internacional típica, com uma sede e possivelmente com uma personalidade jurídica). O interesse na distinção entre as duas classes da diplomacia multilateral, reside no fato de que na diplomacia por congressos e conferências, as regras procedimentais são estabelecidas "ad hoc", pelas próprias reuniões, enquanto que na diplomacia parlamentar (o segundo subtipo), as regras de procedimento são estabelecidas de maneira prévia a quaisquer reuniões, e em geral, de natureza relativamente rígida. Por regras procedimentais entendemos aquelas que indicam, basicamente, a legitimação das Partes integrantes das reuniões, estabelecem os procedimentos decisórios (quorums de reunião e de deliberação) e as questões relativas à criação de órgãos e/ou comissões, com funções definidas bem como a indicação de pessoas com atribuições de presidir, dirigir e secretariar suas reuniões.

(2) A União Panamericana, antecessora da atual Organização dos Estados Americanos, com justa razão, pode ser considerada a mais antiga organização internacional. Na verdade, as tentativas, em particular dos EUA, de dar-lhe, nos seus primórdios, um caráter eminentemente comercial, foram substituídas por motivações políticas, que lhe determinaram o futuro, totalmente despregado de finalidades econômicas.

(3) Olivier Long "La Place du Droit et ses Limites dans Le Système Commercial Multilatéral du GATT" in Recueil des Cours, Academia de Direito Internacional da Haia, 1983, IV, vol. 182, p. 9-142, em particular, p. 24.

(4) A tentação seria de estabelecer um paralelismo entre a relativa rigidez que existe nas normas internas de natureza constitucional dos Estados (que corresponderiam àquelas das organizações internacionais de integração econômica) e as normas que são votadas por um parlamento ou congresso de natureza constituinte (assimiláveis às normas do GATT).

(5) Veja-se do autor, o artigo: "A Atividade Normativa do MERCOSUL, nos Dois Primeiros Anos de Vigência do Tratado de Assunção: Um Balanço Positivo?" in Boletim de Integração Latino-Americana, nº 12, jan-mar. de 1994, Brasília, Ministério das Relações Exteriores, Subsecretaria-Geral de Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior, Núcleo de Assessoramento Técnico, 1994, p. 7 a 44 (em particular, "II- Supranacionalidade e Vigência dos Atos dos Órgãos das Organizações de Integração Econômica, no Interior dos Estados", a p. 7-10)

(6) Na verdade, as cláusulas de nação mais favorecida foram criações pragmáticas do Século XIX, e de uso generalizado nos tratados bilaterais de comércio, sobretudo, entre o Reino Unido e seus parceiros. O uso da expressão no contexto do GATT, quer significar a multilateralização automática das concessões trocadas a nível bilateral ou multilateral restrito, tornado-as automaticamente vigentes, igualmente, por entre todos os Estados e Partes membros do GATT, mesmo que alguns destes não tenham participado das negociações das mencionadas concessões.

(7) Eis os termos do Art. XXIV § 4º do texto do GATT, conforme publicado com a Lei nº 313 de 30/VI/1948: "As Partes Contratantes reconhecem que é recomendável aumentar a liberdade do comércio, desenvolvendo, através de acordos livremente concluídos, uma integração mais estreita das economias dos países participantes de tais acordos. Reconhecem, igualmente que o estabelecimento de uma união aduaneira ou de um zona de livre comércio deve ter por finalidade facilitar o comércio entre os territórios constitutivos e não opor obstáculos ao comércio de outras Partes Contratantes com esses territórios".

(8) Assim dispõe o § 8º, inc. a) do Art. XXIV: "entende-se por união aduaneira a substituição de dois ou vários territórios aduaneiros, por um único território aduaneiro, no caso de esta substituição ter por conseqüência: 1º) que os direitos alfandegários e outras regulamentações comerciais restritivas sejam eliminados no essencial das trocas comerciais entre os territórios constitutivos da união, ou pelo menos no essencial das trocas comerciais relativas aos produtos originários de tais territórios: 2º) que os direitos alfandegários e outras regulamentações aplicadas por cada membro da união ao comércio com os territórios que não estejam compreendidos na mesma, sejam idênticos em substância".

(9) Assim dispõe o § 8º inc. b) do Art. XXIV: "entende-se por zona de livre comércio, um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais os direitos alfandegários e outras regulamentações comerciais restritivas são eliminados no essencial das trocas comerciais relativas a produtos originários dos territórios constitutivos da zona de livre comércio".

(10) Houve a realização de um "panel" proposto pelos EUA contra a CEE em 1982, segundo o qual aquele país arguía que os acordos de associação entre a CEE e países mediterrâneos de 1975-78 (em particular com Marrocos, em 1976) estariam desviando o comércio tradicional dos produtos procedentes da Califórnia. O Relatório do "Panel" adotado em 1985, não foi jamais adotado pelo Conselho do GATT. Veja-se referência apud Dominique Carreau, Thiébaut Flory e Patrick Juillard, Manuel de Droit International Économique, 3ª edição, Paris, L.G.D.J., 1990, p. 126.

(11) "PARTES CONTRATANTES", escrito em caixa alta, significa "Partes Contratantes agindo coletivamente" (Art. XXV § 1º do GATT), que na versão em espanhol do GATT, se traduziu por "la Organización". Em caixa baixa, (com maiúsculas ou minúsculas iniciais), partes contratantes significa os Estados e outras entidades que participam "pleno jure" do GATT.

(12) Eis seus termos, livremente traduzidos: " 30. O Grupo de Trabalho considerou a questão da compatibilidade do Tratado de Montevidéu com o Artigo XXIV do Acordo Geral. Vários membros do Grupo de Trabalho sustentarem que as informações fornecidas antes e durante as reuniões, não foram de molde a permitir um parecer final ("a final statement of opinion") sobre o assunto, e enfatizaram o fato de que devido à estrutura do Tratado e à natureza geral de determinadas provisões que não puderam ser, no presente estágio, suficientemente esclarecidas, através de respostas dos Estados Membros, um estudo posterior do Tratado de Montevidéu e suas implicações práticas seria necessário". 31. Os Estados Membros, de sua parte, consideraram que as provisões do Tratado estavam em conformidade com as provisões dos parágrafos 5 a 9 do Artigo XXIV do Acordo Geral. Dúvidas foram levantadas no relativo ao fato de que alguns Estados não eram partes contratantes do Acordo Geral. 32. O Grupo de Trabalho concordou em que o Tratado de Montevidéu não propicia à imediata eliminação de todas as restrições ao comércio entre os signatários e que poderia ser considerado pelas PARTES CONTRATANTES, como estando dentro dos procedimentos relativos a acordos provisórios conducentes à formação de uma área de livre comércio, no sentido do Artigo XXIV". (p. 94, op. cit.).

(13) Eis os termos do Art. XXV, § 5 ("waivers"): "Em circunstâncias especiais não previstas em outros artigos do presente Acordo, as PARTES CONTRATANTES poderão dispensar uma parte contratante de uma das obrigações que lhe forem impostas pelo presente Acordo, com a condição de que tal decisão seja aprovada por maioria de dois terços dos votos expressos, compreendendo essa maioria mais da metade das partes contratantes. Por votos semelhantes, as PARTES CONTRATANTES poderão, igualmente: i) determinar certas categorias de circunstâncias excepcionais às quais serão aplicáveis outras condições de voto para isentar uma parte contratante de uma ou mais obrigações: ii) prescrever os critérios necessários à aplicação da presente alínea.

(14) Trata-se dos 5 acordos sobre medidas não tarifárias, geridos cada qual por um Comitê especialmente criado para tal e colocados dentro do quadro geral da burocracia do GATT: a) Código sobre Subsídios e Medidas Compensatórias; b) Código sobre Barreiras Técnicas ao Comércio; c) Código sobre Procedimentos em Matéria de Licença de Importação; d) Código sobre Valoração Aduaneira; e) Código sobre Compras Governamentais.

(15) O termo "cláusula de habilitação" é uma tradução bastante desajeitada de sua denominação em inglês "enabling clause". Na verdade, para melhor exprimir o conteúdo da cláusula, a noção mais próxima nos sistemas de direito romano-germânico poderia ter levado a adotar-se a denominação de "princípio de facultatividade" ("princípio", porque não existente numa única cláusula ou dispositivo de um único ato e, "facultatividade", porque depende da vontade da parte contratante para a sua adoção).

(16) Para uma análise comparativa entre ALALC e ALADI, veja-se, do autor o artigo: "Direito Supranacional nas Comunidades Européias e na América Latina: O Caso da ALALC/ALADI e o Mercado Comum Brasil-Argentina", in Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 80, junho de 1991, vol. 668, p. 11/34.

(17) O Conselho de Ministros da ALADI, em sua Resolução nº 2, com a finalidade de dar certa coerência ao sistema dos acordos de alcance parcial, com vistas a não desfigurar a Associação e assegurar garantias adequadas aos demais Estados partes, estabeleceu uma série de requisitos para a celebração dos mesmos, dentre os quais se destacam a prévia notificação ao Comitê de Representantes da ALADI sobre a intenção da negociação deles (para efeitos de informação aos demais Estados Partes, eventuais interessados em deles participar), a partir da qual, após 30 dias, se autorizaria, em princípio, o início das negociações.
 

                                   RETIRADO DE: www.mre.gov.br/getec/webgetec/bila/16/1artigos/3guido.htm