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Empresas binacionais brasileiro-argentinas no Mercosul

Jorge José Lawand - Advogado em São Paulo-SP, Pós Graduado em Direito Civil pela FMU.
 
 

O Estatuto das empresas binacionais brasileiro-argentinas originou-se da concordância de vontades entre os governos do Brasil e da Argentina, e como necessidade de uma maior integração econômica entre os dois países vizinhos. com o escopo de se tornarem mais estreitas as relações comerciais, rumo à consolidação do Mercado Comum do Cone Sul, cujo principal sustentáculo funda-se no bom relacionamento entre os dois países em tela.

O Tratado em si buscou conjugar dois interesses comuns, quais sejam, a constituição, ou melhor, a união entre duas nacionalidades diversas. no sentido de tentar harmonizar as legislações, criando-se uma lei única para que as empresas dos dois Estados interajam entre si ampliando portanto os seus mercados.

Passou-se por várias etapas até concluir-se por um acordo comum de binacionalidade em termos empresariais.

Primeiramente, houve um Tratado cujo conteúdo principal visava a formação de um Estatuto comum entre as empresas brasileiro-argentinas.

Este Tratado foi firmado pelos Chefes de Estado do Brasil e da Argentina em 6 dejulho de 1990, juntamente com a Ata de Buenos Aires, a qual havia diminuído os prazos da integração entre o Brasil e a Argentina, com o propósito de agilizar a formação de um Mercado Comum com ojetivos mais concretos, ou seja, um bloco comercial que objetivasse aquelas diretrizes que seriam igualmente instituídas no Tratado da Assunção já no ano de 1991, em que se encontra definitivamente explicitado os seguintes objetivos, pelos quais se buscam atingir as quatro liberdades, quais sejam:

1)  de circulação de mercadorias;

2)  circulação de serviços;

3)  circulação de mão de obra e;

4)  circulação de capitais.

Todavia, a estrutura institucional do Mercosul e mais recentemente, a que atualmente está concebida, encontra-se ainda na fase de livre circulação de mercadorias, constituindo-se assim em uma União Aduaneira, não tendo sido atingido, portanto, oficialmente, e formação de um verdadeiro e legitimo Mercado Comum, como nos moldes de Mercado Comum Europeu.

O termo União Aduaneira significa um intercâmbio comercial entre os países, e que na sua essência consiste na liberação dos encargos tributários e comerciais que seriam cobrados numa operação normal de comércio internacional. Isto foi obtido graças à criação e consecução da TEC (Tarifa Externa Comum).

Outrossim, com o escopo de se avançar na formação do bloco econômico durante o encontro  de Presidentes dos países membros do MERCOSUL, realizado em Las Leñas, na Argentina, em 6 de julho de 1990, ao mesmo tempo em que se reuniam pela segunda vez o Conselho do Mercado Comum, foram intercambiados os instrumetnos de ratificação do Tratado para o estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais brasileiro-argentinas.

Porém, no Brasil, especificamente, entrou em vigor quase dois anos após sua assinatura, tendo sido aprovado pelo Decreto Legislativo nº 26, de 26 de amio de 1992 e promulgado pelo Decreto nº 619, de 29 de julho de 1992. Isto porque o país tinha adotado o princípio do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional, expressamente contido no artigo 171 da Constituição Federal de 1988, o qual foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6 de 15 de agosto de 1995.

Ademais, a legislação brasileira sobre as empresas binacionais brasileiro-argentinas evoluiu muito desde o Decreto que promulgou o Tratado, sendo regida atualmente pelos seguintes documentos: portaria de 19 de agosto de 1993 do Ministério das Relações Exteriores; Portaria nº 60, de 22 de setembro de 1993, expedida pelo Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, a qual regulamentou a forma de aplicação do Tratado, estabelecendo o regulamento das atribuições e funções da autoridade de aplicação do Estatuto; Instrução Normativa nº 41, de 28 de setembro de 1993 do Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC, da Secretaria de Política Comercial do Ministério da Indústria do Comércio e do Turismo, disciplinando o arquivamento de atos constitutivos de Empresas Binacionais brasileiro-argentinas no país.

Uma empresa binacional é considerada o "tipo ideal" para aqueles países que desejam participar de um processo de integração econômica, tal como é o Mercosul (Mercado Comum do Cone Sul) e aliás.vem sendo reconhecido desde o fim da década dos anos 60, quando iniciavam-se em várias partes do mundo a formação de blocos comerciais entre os países, com o intuito de dinamizarem e desenvolverem o comércio e as economias regionais.

A principal característica de uma empresa binacional é o alargamento regional da sua constituição e base de produção industrial, e que representa uma.vantagem econômica, pelo fato de se ampliar o mercado consumidor.

Com efeito. em uma estrutura binacional ou plurinacional do capital, que é em suma a alma de qualquer empresa, estas estarão totalmente voltadas.para o processo de integração regional, o que aumenta demasiadamente o seu poderio competitivo pela circunstância de que estará exclusivamente estruturada para atuar junto ao Mercosul, mercado cujos lineamentos e fundamentos são diferentes da atuação dentro de um âmbito restritivamente nacional.

As decisões serão controladas e localizadas nos próprios países integracionistas e em especial com metas voltadas. para os mercados consumidores da região do mercado comum.

As empresas binacionais produzirão conforme as necessidade do mercado regional, sempre atenta às transformações econômicas e políticas, de acordo com o que for estabelecido pelos países componentes do bloco econômico.

A doutrina especializada no assunto cita inúmeros tipos de empresas binacionais, dentre as quais podemos citar:

1)  Corporação Andina de Fomento (com personalidade jurídica de direito internacional);

2)  Bi ADEX' (Banco de Financiamento das Exportações, com sede no Panamá).

Estes exemplos trazem a contexto a questão de Itaipu, empresa formada entre Brasil e Paraguai, a qual não se enquadra nos moldes das empresas binacionais brasileiro - argentinas.

Como primeiro argumento temos que a empresa Itaipu Binacional surgiu de um Tratado de 1973 entre os governos brasileiro e o paraguaio, pelo qual fundou-se o órgão que iria supervisionar a construção da hidrelétrica.

Possui características de empresa privada, ou melhor, personalidade jurídica de direito privado, mas não como as empresas binacionais que além de atuarem para um mercado mais amplo, tem características próprias das joint ventures que são contratos associativos onde se objetiva a composição de capitais e técnicas entre empresas distintas, com ou sem surgimento de nova personalidade jurídica. Visa-se, com as binacionais, uma integração econômica, com o intuito de ampliar capacidades ou realizar negócios conjuntos no âmbito do Mercosul.

O ponto mais peculiar de ltaipu é e fato de estar fundamentada em duas ordens jurídicas, podendo ser denominada, portanto. de pessoa jurídica de direito privado binacional.

A empresa é.regida basicamente pelo Tratado que a originiou, assim nem ao Brasil, muito menos ao Paraguai é facultado relegar o fundamento convencional, contido em sede de direito internacional, sobre o qual os dois países construíram o estatuto da empresa.

Aliás, toda esta temática é muito bem analisada pelo Ilustre jurista Francisco Rezek, Professor e Ministro de SupremoTribunal Federal, no seu curso de "Direito Internacional Público" nos seguintes termos:

"ltaipu Binacional é um caso singular. Mediante tratado de 1973 Brasil e Paraguai fundaram a entidade destinada a construir, para depois administrar. a mais potente hidrelétrica de mundo de hoje. Proveram-se de capitais públicos e lhe conferiram persenaildade jurídica de direito privado - segundo o modelo das chamadas modernas empresa públicas.

Toda pessoa jurídica encontra sua legitimidade e sua regência numa determinada ordem jurídica: a ordem internacional no caso dos Estados e organizações, a ordem nacional de certo Estado no caso das pessoas de direito público interno e de direito privado. O que singulariza ltaipu é seu embasamento não em uma, mas simultaneamente em duas ordens jurídicas domésticas; trata-se, com efeito, de. uma pessoa jurídica de direito privado binacional. As leis paraguaias e as leis brasileiras orientam alternadamente suas relações jurídicas conforme, por exemplo, a nacionalidade ou o domicílio da outra parte), e os juizes de um e outro dos dois paises podem conhecer, à luz de semelhantes critérios, do.eventual litígio.

A natureza jurídica de ltaipu é pois essencialmente diversa daquela das organizações internacionais. Não obstante, a empresa recolhe apreciável benefício do fato de resultar da conjugação de duas vontades soberanas, e de ter sido, assim, instituída por tratado. ltaipu não está sujeita ses transtornos, que se podem abater sobre toda empresa ( e, com maior naturalidade ainda, sobre empresas estatais ) por força das decisões do poder público. Nem ao Brasil, nem ao Paraguai é facultado esquecer a base convencional, assentada em direito das gentes, sobre a qual um dia os dois países construíram o estatuto da empresa. Ela não se encontra sujeita, por exemplo, a uma medida expropriatória paraguaia ou a uma interdição unilateral brasileira. ltaipu esteve à margem do congelamento de ativos financeiros que alcançou, no Brasil, em maio de 1990, as pessoas naturais e as empresas em geral, mesmo estrangeiras."

De fato, como pode ser constatado do quanto foi exposto, verifica-se que houve a aplicação de um tratado isolade e especifico entre os dois países - Brasil e o Paraguai - para a consecução de um projeto de desenvolvimento do setor hidrelétrico com o escopo de se obter o suprimento da necessidade de energia para os grandes centros urbanos brasileiros, que viram passar por um surto industrial mais intensificado no final da década de 80, sendo que o Estado do Paraguai possui atualmente uma posição interessante, qual seja, a de ser um exportador de energia elétrica para o Estado brasileiro, pois o consumo interno daquele país é menor do que a capacidade de energia gerada.

Assim pode-se concluir pela existência de vários aspectos confirmardores da tese de que a empresa de ltaipu, não é empresa binacional nos moldes do Tratado assinado entre o Brasil e e Argentina.

E, ademais, a título de reforçar as idéias inicialmente delineadas, temos que ltaipu se constituiu muito antes de 1990 quando foi efetivamente celebrado o Tratado para o estabelecimento do Estatuto das empresas binacionais entre Brasil e Argentina,e poer fim que este último acordo entre brasileiros e argentinos é algo muito mais amplo, pois está voltado para o Mercosul e para a consecução de seus objetives principais, como a formação de uma zona de livre comércio e muito mais que isso, pois englobará quem sabe num futuro bem próximo a efetiva liberdade de circulação de pessoas e capitais.

As empresas binacionais estão vinculadas ao processo integracionista que se quer formar no âmbito de Mercosul, e não para a consecução de um projeto isolado, tende sido inclusive previsto um Comitê binacional com o objetivo de difundir a adoção de empresas binacionais no Brasil e na Argentina.

Assim qualquer dúvida que. surja quanto a aplicação do Estatuto será competente o Comitê para deliberar sobre a questão que lhe seja colocada pelos interessados.

A característica fundamental éa de que o Comitê expressa função de um órgão de consulta dos Governos.

Com efeito, será assim um órgão de supervisão, cujo papei fundamental e de destaque é a apreciação e parecer sobre como está ocorrendo a implantação do Estatuto.

A formação do Comitê será composta de agentes governamentais e investidores nacionais de cada país.

O Comitê deverá inclusive tentar aperfeiçoar o Estatuto, que como visto anteriormente, tem como objetivo primordial facilitar o desenvolvimento econômico entre o Brasil e a Argentina.

Enfim, o Comitê atua como um organismo supragovernamental, com o escopo de auxiliar e cooperar com os Estados brasileiro e o argentino, na implantação do Estatuto, aumentando o nível de relacionamento comercial entre os dois países.

Isto tudo está a demonstrar que o Mercosul apesar das dificuldades que tem encontrado para a sua total implementação tal como foi projetado e previsto no Tratado de Assunção de 1991, tornou-se uma realidade fâtica e jurídica, pois tal como foi a implantação das empresas binacionais, os direitos que constam dos Tratados outrora e recentemente assinados entre Brasil e Argentina, fazem com que se objetive um progresso em direção a harmonização cada vez meis completa da legislação entre os Estados componentes de Mercosul.
 

                            RETIRADO DE:  www.ujgoias.com.br/cgd/13a010.htm