O Título X — Dos Crimes Contra a Fé Pública — reúne várias modalidades de falso, dentre as quais a Falsidade Documental, englobando, outrossim, a Falsidade Material e a Falsidade Ideológica. O interesse do Estado sobressai imediatamente. Cumpre conferir credibilidade aos símbolos e papéis públicos e particulares. Nele, tantas vezes, apóiam-se relações jurídicas de inestimável valor. Em se tratando de documentos públicos, a própria credibilidade do Estado se faz presente.
Em havendo falsificação de passaporte, emitido pelo Estado, a simples criação do documento, no sentido de emissão, é bastante para fazer-se presente o interesse oficial.
A definição dos tipos penais, dentre outros, obedece ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, o contexto axiológico reclama distinções a fim de a resposta jurídica ajustar-se a cada hipótese normativa. Não faz sentido a lesão corporal ser punida com a mesma pena cominada ao homicídio. O impacto que tais infrações provocam no respectivo bem jurídico é diferente. A igualdade, materialmente, só se configura tratando distintamente situações diferentes. Diga-se o mesmo, comparando a consumação e a tentativa. No particular, sem dúvida, ganha significativo realce a culpabilidade, entendida no sentido moderno, ou seja, reprovabilidade ao agente por haver decidido e executado o delito, em circunstâncias censuráveis.
Há distinção entre criar e utilizar o falso, não obstante a identidade das sanções cominadas.
No tocante ao passaporte, o uso se faz no momento da saída do país (exigência da Polícia Federal) e quando o passageiro chega ao país de destino, devendo exibi-lo às autoridades locais.
Há, na espécie, em havendo burla, dois momentos da mesma ilicitude. O crime, entretanto, é um só. O mesmo resultado normativo com pluralidade de conseqüências materiais. Assim, na hipótese pensada, o delito se consuma no Brasil, eventual êxito, no exterior, será exaurimento (tem, como pressuposto, a consumação e configura a vantagem obtida pelo agente do crime.)
A competência da Justiça brasileira resta configurada; além do engodo ocorrer no território nacional, a aplicação da lei penal no espaço é disciplinada no art. 7º, I, b, e art. 7º, II, b, c/c § 2ºdo Código Penal.
Em chegando ao país estrangeiro, se o agente não for ali admitido, ao fundamento de tentativa de entrada irregular, será, incontinenti, devolvido ao Brasil. É o que, em Direito Internacional, se denomina deportação. Coloca-se, aqui, esta pergunta: a deportação inibirá o Brasil de aplicar sanção penal? Caso o faça, ocorrerá o odioso bis in eadem?
As sanções jurídicas atendem a particularidades de cada setor dogmático. Não é a quantidade que conta. Importante é a espécie. Há fatos de que decorrem várias sanções: o motorista de carro oficial que, culposamente, atropelar e matar o pedestre, causando danos materiais a vítima, cujo direito é transmitido aos sucessores, ao mesmo tempo infringe norma administrativa que o obriga a estar atento às regras do Código Nacional de Trânsito. Decorrem, pois, do mesmo acontecimento, sanções penal, civil e administrativa. Uma não exclui a outra.
A deportação, no magistério de Francisco Rezek e Jacob Dolinger, ‘‘é o processo de devolução de estrangeiro que aqui chega ou permanece irregularmente, para o país de sua nacionalidade ou de sua procedência. Enquanto que na expulsão a remoção se dá por prática ocorrida após a chegada e a fixação do estrangeiro no território do país, a deportação se origina exclusivamente de sua entrada ou estada irregular no país.
O deportado poderá retornar ao Brasil desde que atenda às exigências da lei.’’
O falso se manifesta através de várias ações. Interessam, aqui, duas espécies, atraindo cada qual o respectivo crime. Se o agente confeccionar o falso, ou de qualquer modo concorrer para a feitura, fornecendo, por exemplo, a sua fotografia, o fato se ajusta ao disposto no art. 297, verbis: ‘‘Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro’’. Em sendo assim, o uso será apenas o referido exaurimento. O art. 304 pressupõe utilização de falso gerado por outrem, quando, então, não haverá incidência do comando do art. 29 do Código Penal — quem de qualquer modo concorrer para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade.
O trabalho do penalista, fundamentalmente,
é classificar a conduta. Trabalho aparentemente simples. Não
conduzirá, entretanto, ao resultado certo apenas com interpretação
gramatical. Reclama também investigação lógica
sistemática.