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A História do Mercosul

Mercado Comum do Sul tem raízes antigas, mas nasceu formalmente em 1991
 


 Roberto Lavagna


Introdução

Há quinhentos anos portugueses, espanhóis e os primeiros habitantes destas terras começaram a construção das bases de uma comunidade cultural, política e econômica que, através dos anos, buscou maneiras de manifestar ao mundo seu riquíssimo potencial. Entre elas, a integração foi uma meta acalentada durante longas décadas. 

A primeira tentativa de um projeto de integração no Cone Sul remonta a 1909. Um grupo de políticos e empresários da Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai propôs a criação da União Aduaneira do Sul, o que não vingou, mas acabou refletindo na iniciativa alemã, de 1929, de criar a União Aduaneira da Europa. Os primeiros passos concretos de uma união entre os países da região aconteceu em 1960, com a criação da Associação Latino-americana de Livre Comércio (Alalc), que vinte anos mais tarde se transformaria na Associação Latino-americana de Integração (Aladi).

Alalc - Aladi

A meta da Alalc era eliminar as barreiras comerciais entre os países membros em um período de 12 anos. Em 1978,entretanto, os 11 países - Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela - decidem reestruturar a Associação. O Tratado de Montevidéu de 1980 estabeleceu então a Aladi como sucessora da Alalc. Seu objetivo passou a ser "o comércio bilateral entre os países membros, e entre os países membros e terceiros países através de acordos bilaterais e multilaterais, com a meta de chegar a um livre comércio regional (1). Anteriormente, a Alalc realizava cordos dos quais participavam primordialmente todos os países que a integravam. 

Os mecanismos de integração da Aladi são mais flexíveis que os da Alalc. Se baseiam em um enfoque setorial: acordos de alcance regional que compreendem a todos os membros da Associação, e acordos de alcance parcial que são acordos comerciais que concedem preferências a alguns produtos específicos, firmados normalmente por dois países membros. As vezes, os acordos de alcance parcial são mais amplos e se denominam Acordos de Complementação Econômica. Até 1995 foram estabelecidos no âmbito da  Aladi 32 acordos de alcance parcial e de complementação econômica, a metade deles assinados nos anos noventa. 
 
 

Relação Bilateral Brasil - Argentina

Em dezembro de 1985, Brasil e Argentina assinam a declaração de Foz de Iguaçu, que cria as bases para a futura integração do Cone Sul. Os dois governos eram os primeiros eleitos pelo voto direto depois do período de ausência da democracia, e enfrentavam a necessidade de reorientar suas economias. O peso da dívida externa contraída pelos militares, a falta de novos créditos, a necessidade de fazer grandes investimentos para a modernização e para competir com o mundo levou a uma compreensão que este processo de reconversão e expansão teria mais vantagens se fosse encarado em conjunto. 

A Argentina tem a idéia de uma "associação preferencial" com o Brasil, e convida representantes do país para uma reunião privada, sem compromissos, para discutir o assunto, em fevereiro de 1986. Uma casa particular em Don Torcuato serviu de lugar para dois dias de discussões em um clima de exploração e troca de idéias. 

Algumas semanas depois, é o Brasil quem convida para uma reunião semelhante, também em uma residência não-oficial, em Itaipava. Era um sinal de aceitação da iniciativa argentina, e começava-se a desenharas características do acordo. Uma idéia central era que este acordo devia servir não para fechar-se em si mesmo, mas para dar maiores oportunidades para que as economias dos dois países e, o conjunto, saísse a integrar-se ao mundo. A idéia de um acordo econômico e político desta natureza gerava ceticismo e dúvidas.

Ceticismo porque os países vinham, com outros da América Latina, de uma experiência de acordos sem sucesso ou de resultados muito limitados, como foram a Alalc e a Aladi. 

Dúvidas, porque em 1986, salvo a excepcional experiência da Comunidade Econômica Européia (CEE), não havia outras experiências de integração relacionadas com economias relativamente desenvolvidas ou em desenvolvimento. Nesta época ainda não tinham sido assinados os acordos entre Estados Unidos e Canadá, menos ainda o Nafta, que une estes países ao México, e inclusive a CEE passava por momentos difíceis.

Neste sentido, os acordos de Argentina e Brasil, que juntos representam 95% da influência dentro do que hoje é o Mercosul, foram pioneiros no que se chama "regionalismo aberto", ou seja, integrar regionalmente para se relacionar melhor com a economia internacional.

Em 29 de julho de 1986 se assina a Ata para a Integração Argentino-Brasileira, conforme já era esperado, pois a declaração de Foz do Iguaçu criou o compromisso de até meados deste ano ser apresentado um informe com as prioridades para a cooperação. Mas os negociadores apresentaram um esquema completo e avançado de integração, depois de uns poucos meses de um trabalho intenso, negociações e convencimento interior de cada um dos governos dos dois países. 

    Os princípios gerais do acordo foram: 

1) a economia moderna e competitiva exigia certas especializações para aproveitar melhor as escalas de produção, as vantagens naturais ou os recursos humanos que cada um dos países tinha, mas devia ser uma integração moderna, onde estas especializações não significavam que um país cresceria em matéria industrial enquanto o outro ficasse com o papel de provedor de bens agrícolas. Ou seja, se rejeitava a idéia de uma especialização inter-setorial.

Ao contrário, se propunha expressamente que a integração e especialização fosse dentro de cada um dos setores, ou seja, deveria ser intra-setorial, assegurando que cada um dos países desenvolvesse plenamente os diferentes ramos da indústria e do setor agropecuário, especializando-se em alguns produtos dentro de cada um deles. 

2) O acordo deveria oferecer benefícios simétricos para os dois países, o que significava a existência de mecanismos flexíveis, graduais e progressivos. A partir de então, em sucessivas reuniões foram se assinando diversos Protocolos Setoriais que abarcaram três grandes campos:

O do aumento do comércio, reduzindo impostos e levando em conta o abastecimento 

A reconversão industrial conjunta de indústrias existentes, como as dos setores de produção de máquinas, de automóveis e de siderurgia. Assim como o carvão e o aço foram nos anos 50 os setores chaves da integração européia, as indústrias de de produção de máquinas e equipamentos foram eleitas como o núcleo desta nova integração.

O desenvolvimento de setores novos ou incipientes, como o de informática, biotecnologia, comunicações e de colaboração em matéria de uso pacífico da energia nuclear. 

Para consolidar este processo de integração, os governos brasileiro e argentino assinaram em 1988 o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, pelo qual demonstraram o desejo de constituir um espaço econômico comum no prazo de dez anos, por meio da liberalização comercial. Entre outras medidas, o Tratado prevê a harmonização das políticas macroeconômicas e a suspensão de todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio de bens e serviços. Em agosto de 1989 o Tratado foi sancionado pelos congressos de Brasil e Argentina.

A partir desta data foram assinados 24protocolos sobre temas diversos como bens de capital, trigo, produtos alimentícios industrializados, indústria automotriz, cooperação nuclear etc. Todos estes acordos foram absorvidos em um único Acordo, denominado Acordo de Complementação Econômica nº14, assinado em dezembro de 1990, no âmbito da Aladi, que constitui o referencial adotado posteriormente no Tratado de Assunção.
 
 

Nasce o Mercosul

Em agosto do mesmo ano, Paraguai e Uruguai se juntaram ao processo em curso, resultando na assinatura, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção para a Constituição do Mercado Comum do Sul - Mercosul. Visando uma inserção mais competitiva na economia internacional, os fundadores do Mercosul formalizaram no Tratado de Assunção seus modelos de desenvolvimento, caracterizado pelo incentivo à abertura econômica e aceleração dos processos de integração regional. 

O Tratado de Assunção estabeleceu mecanismos para a formação de uma Zona de Livre Comércio e de uma União Aduaneira. O principal objetivo era criar meios para ampliar as dimensões dos mercados nacionais, condição essencial para acelerar o processo de desenvolvimento econômico com justiça social. Este objetivo deve ser alcançado com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio, mediante o eficaz aproveitamento dos recursos naturais disponíveis, a preservação do meio-ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação das políticas macroeconômicas e a complementação dos diversos setores da economia. 

Em destaque no Tratado também a necessidade de promover o desenvolvimento científico-tecnológico e modernizar as economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens e serviços disponíveis, a fim de melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. Também ficou expresso no documento que o Tratado deve ser considerado como um novo avanço para o desenvolvimento progressivo da integração na América Latina.

Para alcançar estes objetivos o Tratado de Assunção estabeleceu:

- um programa de liberalização comercial, consistindo de reduções tarifárias progressivas (tarifa zero em 31/12/94),lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições não-tarifárias(quotas, restrições fitosanitárias) ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restrições ao comércio entre os países;

- A coordenação de políticas macroeconômicas, que se realizaria gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não-tarifárias. Tal exercício visaria a assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-partes e a evitar que eventuais descompassos nas políticas dos quatro Estados-partes viessem a favorecer ou prejudicar artificialmente a competitividade de bens e serviços; 

- Uma tarifa externa comum, que incentivaria a competitividade externa dos Estados e promoveria economias de escala eficientes; 

- Constituição de um Regime Geral de Origem, um Sistema de Solução de Controvérsias e Cláusulas de Salvaguardas; 

- O estabelecimento de listas de exceções ao programa de liberação comercial para os "produtos sensíveis", as quais seriam reduzidas anualmente em 20%, até31/12/94, com tratamento diferenciado para o Paraguai e o Uruguai. 

Etapas da Integração

A partir da assinatura do Tratado de Assunção, iniciou o chamado Período de Transição, que se estendeu até 31 de dezembro de 1994. Neste período a preocupação foi  remover obstáculos tarifários e não-tarifários à livre circulação de bens, capitais e pessoas, bem como os elementos incompatíveis com o processo de integração, constituídos na fase de industrialização substitutiva. . No plano tarifário, o Tratado 

estabeleceu cronograma automático de redução de tarifas e redução anual da lista de exceções dos chamados "produtos sensíveis". No plano não-tarifário, buscou-se derrubar medidas administrativas e normas técnicas e sanitárias que constituíssem obstáculos à livre circulação ou que criassem distorções no comércio, tudo isso baseado num verdadeiro espírito de desregulamentação e de harmonização.

Em 17 de dezembro de 1994 os quatro países sócios do Mercosul assinaram o Protocolo de Ouro Preto, estabelecendo a nova estrutura institucional do Mercosul destinada a vigorar durante o período de consolidação da União Aduaneira. O Protocolo também fixou a data de 1ºde janeiro de 1995 para aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC) para 85% dos produtos importados de terceiros países. Também foram acertadas algumas exceções à liberalização do comércio. Cada país ficou com uma lista de produtos cuja Tarifa Externa irá sendo decrescida gradativamente, até se equiparar com a TEC no ano de 2.001. As Tarifas Internas convergirão até chegar a 14% em2.001 para Brasil e Argentina e 2.006 para Paraguai e Uruguai, e 16% em 2.006 para os produtos de Tecnologia da Informação. Por último, 90% dos bens comercializados começaram a circular livremente.

Em relação a estrutura hierárquica, o Protocolo de Ouro Preto definiu o Conselho Mercado Comum (CMC) como o nível mais alto, constituído pelos Ministros de Relações Exteriores e de Economia de cada país membro. Um nível abaixo, fazendo o papel de corpo executivo, está o Grupo Mercado Comum (GMC),formado por 16 membros representantes dos Ministérios de Relações Exteriores e de Economia e do Banco Central de cada país. Em outro nível se encontra a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), encarregada de assistir ao GMC e velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum; a Comissão Parlamentar Conjunta (CPJ), órgão representativo dos parlamentos dos países do Mercosul; o Fórum Consultivo Econômico e Social (FCES), órgão de representação dos setores econômicos e sociais; e a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM),, com sede permanente em Montevidéu, com função operacional e de prestação de serviços aos demais órgãos.

Outra decisão fundamental do Protocolo de Ouro Preto foi a de outorgar "personalidade jurídica" ao Mercosul, o que converteu o Mercado Comum em sujeito de direito internacional público, e permite a relação como bloco com terceiros países, grupos econômicos e organismos internacionais

Relacionamento Externo

Em 22 de dezembro de 1994 o Conselho da União Européia e o Mercosul divulgaram declaração conjunta onde assinalaram o interesse de estabelecer uma associação político e econômica inter-regional. Após rodadas de negociações em Bruxelas (setembro) e Montevidéu (outubro) foi assinado em Madri, no dia 15 de dezembro de 1995, o Acordo Marco de Cooperação entre a Comunidade Econômica Européia e o Mercosul. Este acordo foi o primeiro celebrado entre dois sistemas regionais de integração, abrindo as portas para a criação de um espaço econômico que congrega hoje 580 milhões de consumidores. O Acordo estabelece mecanismos conjuntos de cooperação em matéria aduaneira para o comércio inter-regional com a intenção de liberalizá-lo plenamente no ano de 2.008. Hoje 47% dos investimentos diretos no Mercosul provêm da UE, e o intercâmbio comercial alcança 40 milhões de dólares. 

O Mercosul e o Chile compartilham desde 1º de outubro de 1996 de uma Zona de Livre Comércio, pela qual circulam bens e produtos originados nos Estados membros e no Chile, e cuja redução de taxas avançará progressivamente nos próximos anos. Esta associação responde a fórmula "4+1", que estabelece o Mercosul para os acordos com terceiros países.  O intercâmbio comercial do Chile com o Mercosul alcançou cinco milhões de dólares em 1995, o que representa quase um terço do intercâmbio que mantém entre si os sócios do Bloco.

Com a Bolívia o Mercosul assinou em 15 de dezembro de 1996 o Acordo de Complementação Econômica Mercosul - Bolívia. Depois de alguns anexos, ficou acordado que entraria em vigor em 1º de janeiro de 1997. 

Hoje o Mercosul é uma realidade tangível e apresenta no dia-a-dia dos cidadãos do Cone Sul. O processo de integração está firmemente consolidado, é irreversível, e abrange ainda mais do que união econômica, buscando   também a  integração cultural e social que ajudará no progresso dos povos que habitam o continente.
 

Notas

(1). Organização Mundial de Comércio, Regionalism and the World Trading System (Genebra, OMC, 1995). 

(2) Além dos acordos da Aladi, existe outro acordo setorial importante no Hemisfério Ocidental: o AutoPacto Canadá-EstadosUnidos. Neste acordo bilateral, firmado em 1965, se prevê um comércio de automóveis e auto-peças isento de taxas. É importante não só pelo volume que envolve - o setor automobilístico é atualmente o maior segmento da maior relação de comércio bilateral do mundo - senão também pelo precedente que criou. Foi o primeiro ato significativo que Estados Unidos e Canadá fizeram no período pós-guerra com respeito ao multilateralismo. Ao iniciar as negociações bilaterais da Área de Livre Comércio, em 1986, tanto os negociadores dos Estados Unidos como os do Canadá enfatizaram a positiva experiência que representou o AutoPacto. O mesmo foi incorporado no Acordo de Livre Comércio Canadá-EUA.


 
 

 

 RETIRADO DE: www.mercosul.trix.net/historia-main.htm