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DESLEALDADE NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
Waldivino Carvalho dos Santos

O art. 4º do Decreto Federal nº 1602, de 23 de agosto de 1995, define dumping como sendo ‘‘a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de drawback, a preço de importação inferior ao valor normal’’, sendo este definido como sendo ‘‘o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador.’’

A matéria atinente à prática desleal no comércio internacional ainda é incipiente no Brasil, eis que somente agora, na década de 90, é que surgiram os primeiros passos da globalização da economia, de forma ostensiva e acirrada, exsurgindo daí diversas brechas, assentadas muitas vezes em suposta legitimidade, das quais os grandes conglomerados econômicos e financeiros do mundo se valem para a venda dos seus produtos.

O exportador, movido muitas vezes pela voracidade de lucros, pratica concorrência desleal, visando à dominação do mercado e o conseqüente aniquilamento da indústria doméstica, daí a necessidade da criação de mecanismos de proteção desta, destacando-se entre estes, de acordo com Roberto Campos, os ‘‘direitos antidumping aplicáveis quando as importações são ofertadas abaixo do ‘‘valor normal de mercado’’, os ‘‘direitos compensatórios’’,. usados para neutralizar os efeitos dos subsídios dados no país exportador, e as ‘‘salvaguardas’’ para evitar dano grave às indústrias domésticas. Segundo o festejado economista, tais mecanismos ‘‘visam estabelecer defesas legítimas contra a concorrência do tipo predatório, sem bloquear as correntes normais de comércio’’.

Todavia, se ainda é incipiente, conforme salientado, a matéria referente ao rechaçamento da prática desleal de comércio, sob a modalidade de dumping, as normas que regem o comércio internacional e que, conseqüentemente, oferecem meios para reprimi-la é bastante vasta, estando consubstanciada em acordos internacionais, especialmente o GATT, leis (a mais recente, a 9.019/95), decretos legislativos e decretos, em especial o citado Decreto nº 1602, de 23 de agosto de 1995.

A preocupação do Brasil com as práticas de comércio desleal que, em última análise, caracterizam o abuso do poder econômico, está evidenciada até mesmo na Constituição Federal que, no parágrafo 4º do seu artigo 173, estabelece que ‘‘a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência, e ao aumento arbitrário dos lucros.’’

Identificado o valor normal do produto, através de operação complexa, onde se leva em consideração diversos fatores, passa-se à aferição do preço de exportação do mesmo produto ou similar, exportado ao Brasil, desconsiderando-se impostos, descontos e reduções ‘‘efetivamente concedidos e diretamente relacionados com as vendas de que se trate’’, obtendo-se, da diferença entre eles (valor do produto e o seu preço de exportação), a margem de dumping.

No que concerne ao dano ou ameaça de dano decorrente da prática de dumping, a sua aferição não é feita de forma aleatória, mas com base em dados objetivos, colhidos através de processo investigatório, de natureza administrativa, instaurado a requerimento da indústria doméstica pretensamente lesada, endereçado à Secretaria de Comércio Exterior — Secex, do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, onde buscar-se-á a demonstração do nexo causal entre o dano e as importações objeto do dumping.

Durante o procedimento investigatório, onde é assegurado o exercício da ampla defesa, poderão ser editadas ‘‘medidas antidumping provisórias’’, nos termos do art. 34 do decreto em apreço, sendo que seu artigo 35 estabelece que o procedimento perde o seu objeto, com o conseqüente arquivamento do feito, se o exportador assumir voluntariamente compromissos satisfatórios de revisão de preços ou de cessação das exportações a preço de dumping, desde que, obviamente, tal conduta venha a eliminar o efeito prejudicial causado à indústria brasileira.

É natural que a indústria doméstica prejudicada possa recorrer, isolada ou concomitantemente, ao Poder Judiciário, para a satisfação do seu direito, com base no art. 5º, inciso ], da Carta Fundamental, segundo o qual ‘‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.’’

E o direito da indústria doméstica prejudicada nesse sentido não é outro senão o de restabelecer a lealdade nas relações afetas ao comércio internacional, sem ingerências ilegais, truculentas e abusivas, tendentes à dominação do mercado e à conseqüente eliminação da concorrência.

A satisfação de tal direito, todavia, não é fácil, diante até mesmo da globalização da economia, conforme salientado, em que as grandes indústrias mundiais estendem os seus tentáculos em todas as direções, buscando mercados promissores, especialmente de países semi-industrializados, impedindo o desenvolvimento das suas indústrias ou o nascimento de outras, num processo injusto e cruento, no qual o mais fraco queda, inelutavelmente, vencido.

É necessário, por isso mesmo, que tanto o Poder Executivo, através dos seus diversos órgãos competentes, em especial a Secex, quanto o Poder Judiciário, ajam de forma intimorata, sem receios nem temores, impedindo a proliferação desse grande mal que já inquieta a nossa economia, levado a efeito, muitas vezes, por conglomerados industriais poderosos, visando ao aniquilamento da indústria nacional e à conseqüente dominação do mercado para, seguidamente, praticar preços abusivos, ou queda de qualidade dos produtos, em prejuízo ostensivo, em qualquer dos casos, da ordem econômica brasileira.

O certo é que o direito não socorre aos que dormem, daí por que, sentindo-se a indústria nacional prejudicada, deverá pleitear a eliminação de tal prática desleal de forma imediata, em todas as frentes possíveis, arraigada no pensamento de que, se o infrator tem o poder econômico, tem ela mecanismos adequados e eficientes para reprimi-lo.



Waldivino Carvalho dos Santos
Advogado e procurador do Distrito Federal

retirado de : http://www.neofito.com.br/