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A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS:  uma breve análise das estruturas  de ações atuais

 

Mônica Teresa Costa Sousa[1]

                                                          

  1. Introdução
  2. Breve histórico
  3. Estruturas

3.1  A Assembléia Geral

3.2  O Conselho de Segurança

3.3  A Corte Internacional de Justiça

3.3.1        O Tribunal Penal Internacional

3.4  O Conselho Econômico e Social

3.5   O Secretariado

3.6  O Conselho de Tutela

4        A ONU hoje

4.1  Aspectos gerais

4.2  A ONU e as Organizações não governamentais

4.3  Regionalização e formação de blocos na ONU

4.4  A ONU e a proteção dos Direitos Humanos

5        As operações para manutenção da paz

6        Sistema de financiamento da ONU

7        A necessidade de reformas na ONU

8        Conclusões

9        Bibliografia

 

 

                                                                                                             

 

1. Introdução

A Organização das Nações Unidas, ou simplesmente ONU, é a maior das organizações políticas do mundo. Atualmente conta com quase 200 Estados membros, quase a totalidade do globo. A cada dia, novos países manifestam interesse em juntar-se a ONU, já que alguns dos grandes problemas mundiais são discutidos e algumas vezes até resolvidos na reunião da Assembléia Geral, ou através de medidas tomadas pelo Conselho de Segurança. Ë certo que a ONU não é a mais perfeita organização do globo, até mesmo porque seria impossível encontrar unanimidade de pensamento em um local em que estão representados países das mais diferentes etnias, religiões, graus de desenvolvimento, línguas, formas de governo. Mas muitos estudiosos chegam a afirmar que há  necessidade de existência das Nações Unidas, já que uma quantidade considerável de suas ações têm repercussão em escala mundial. A ONU colabora com programas de desenvolvimento econômico,   social, de saúde, de proteção ao meio-ambiente e aos Direitos Humanos. A ONU  é uma organização internacional e intergovernamental onde apenas têm assento os Estados, embora haja uma participação não oficial da sociedade civil através das ONG’s. Neste trabalho são apresentados os órgãos componentes da ONU, suas funções, ações atuais e as mudanças acontecidas nesses quase 50 anos de Nações Unidas.

 

2. Breve histórico

A Organização das Nações Unidas é composta por 188 Estados, surgiu em 1945, em São Francisco, Estados Unidos. Originariamente composta por 51 membros, a ONU nasceu com o objetivo de preservação da paz e segurança mundiais. Ante a iminente vitória contra o III Reich, os países aliados viram uma urgente necessidade em institucionalizar as relações internacionais. Esse novo organismo deveria ser eficaz, e para isso, teria que contar com as grandes potências, sem entretanto comprometer o caráter de universalidade.

Dentre os 51 Estados fundadores desta instituição, 21 eram americanos, e, em 26 de junho de 1945, é assinada a Carta de São Francisco, criando a Organização das Nações Unidas, que tem quatro principais objetivos: manter a paz e segurança internacionais, desenvolver relações amistosas entre as nações, lutar pela cooperação internacional na solução dos conflitos e ser o centro de harmonização das ações dos Estados membros.

 

3. Estruturas

A ONU foi criada com seis órgãos principais, tais sejam o Conselho de Segurança, o Conselho de Tutela, a Assembléia Geral, o Secretariado, Conselho Econômico e Social e a Corte Internacional de Justiça. O Conselho de Tutela não é mais considerado órgão estrutural da ONU, ante o crescente movimento de descolonização. Há uma preocupação em indicar a Assembléia Geral como órgão de maior destaque, já que todos os Estados membros estão representados, mas não há dúvidas sobre a importância superior do Conselho de Segurança.[2]

 

3.1 A Assembléia Geral

A Assembléia Geral é tida como o mais abrangente órgão das Nações Unidas. Todos os Estados membros das Nações Unidas estão representados na Assembléia Geral e todos com direito a voto, nas mesmas condições. Cada Estado, um voto. A Assembléia Geral se reúne anualmente, a partir de setembro, na rede da ONU em Nova Iorque. Alguns dão a tais reuniões da Assembléia Geral uma importância diminuta, chegando a dizer que  são mais espetáculos que conferências, e atribuindo-lhes uma personalidade manhatiniana (uma das sedes da ONU fica em Manhattan, EUA)[3]. A verdade é que, sendo ou não um espetáculo, as reuniões da Assembléia Geral são necessárias, nem que seja para a promoção da colaboração entre a comunidade internacional. Lamentável é que as resoluções da Assembléia sejam meras opiniões, sem força impositiva, já que isto é reservado ao Conselho de Segurança.   Alguns dizem que esse fato é decorrência direta da idéia dos Estados Unidos de delegar a Assembléia Geral mera “autoridade residual”, deixando as questões relevantes para o Conselho de Segurança. Na reunião da Assembléia Geral, as delegações dos Estados membros são chefiadas pelos Ministros das Relações Exteriores. As decisões da Assembléia, quando de natureza processual, são tomadas por maioria simples dos presentes e dos votantes, e quando envolvem matéria mais complexa, como paz e segurança internacionais, a maioria é de dois terços.

As reuniões da última década representaram um teste para as Nações Unidas. Questões  extremamente complexas foram submetidas à apreciação da Assembléia, como a intervenção armada em alguns territórios, a mundialização das regras do comércio, a preservação do meio-ambiente como patrimônio universal, mas a sensação decorrente dessas últimas reuniões é muita falácia e pouca ação. A ONU  parece não estar  preparada para lidar com as mudanças complexas dos anos 90, e continua a agir através de um formalismo que muitas vezes nada mais é que um obstáculo a ações que poderiam realmente ser relevantes, como a preocupação com a fome mundial. Além disso, a teoria da ação conjunta internacional, proposta pela Assembléia, é confrontada com coligações de países poderosos, com a renovação de sentimentos nacionalistas e étnicos eclodindo nas diversas partes do mundo, com uma rediscussão dos conceitos de soberania, ingerência e responsabilidade internacional, e ao que parece, essas discussões, se não ignoradas pela Assembléia Geral, são sub-avaliadas, já que discutir ingerência e soberania pode não ser um assunto caro aos países que efetivamente controlam a tomada de decisões nas Nações Unidas, e outros não são que não os do Conselho de Segurança.

 

3.2 O Conselho de Segurança

Na estrutura das Nações Unidas, o Conselho de Segurança é o principal responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais. Órgão de efetivo poder de decisão na ONU, é  formado por 15 membros: 5 com assento permanente (Estados Unidos, Inglaterra, França, China e Rússia), e 10 com assento temporário. Os membros com assento permanente só podem decidir em unanimidade e possuem direito de veto nas questões que lhes são submetidas. Fácil é identificar que o Conselho é formado pelos grandes vencedores da II Guerra Mundial. O Conselho de Segurança é órgão decisivo nas intervenções armadas da ONU, o que o torna detentor da possibilidade de uso de uma espécie de “violência legítima” em esfera internacional. Uma característica interessante, porém nada democrática, do Conselho de Segurança, é a decisão diferenciada em duas instâncias. A decisão primeira, tomada em caráter reservado por Estados Unidos, França e Inglaterra, é chamada de instância P3. A Segunda decisão, esta sim, da totalidade do Conselho, é chamada de instância P5. A decisão tomada pelos EUA, França e Inglaterra tem um caráter nítido de “ocidentalização”. É sabido ainda que o Conselho de Segurança promove mais reuniões a portas fechadas que sessões públicas. Estes fatos fortalecem ainda mais o movimento pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Há candidatos ao posto de membro permanente do Conselho, como o Brasil, a Índia, a Argentina, o Paquistão, a Itália, o Japão, a Alemanha, dentre outros. Interessante é notar que, caso um dos três últimos seja aceito, abre-se o Conselho a um país perdedor da II Guerra.  Entretanto, as negociações para mudanças no Conselho, embora sempre renovadas nas reuniões da Assembléia Geral, caminham a passos lentos, afinal o direito de veto dos países com assento permanente pode ser usado contra mudanças na Carta das Nações Unidas, inclusive quanto a mudanças de alteração no Conselho.[4]

 

3.3 A Corte Internacional de Justiça     

Embora o nome possa causar essa impressão, a Corte Internacional de Justiça (C.I.J.) não tem o statu de tribunal supranacional, em primeiro lugar porque a ONU não é  um superestado, em segundo, porque não existe um Tribunal supranacional, e finalmente, porque a CIJ não pode impor suas sentenças ante as características do próprio Direito Internacional. A CIJ é composta por 15 Juízes, com mandato de 09 anos, permitida uma reeleição, sendo que não pode haver dois Juízes de mesma nacionalidade. São eleitos por maioria absoluta da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança (não há, neste caso, direito de veto no Conselho).

Somente os Estados têm acesso a CIJ, embora, em caráter consultivo, ou seja, na solicitação de pareceres, é concedido o acesso às Organizações Internacionais. Um Estado não estará submetido à jurisdição da CIJ se não manifestar seu consentimento. Apenas 59 membros da ONU reconhecem a jurisdição da CIJ, sendo apenas um do Conselho de Segurança; a Inglaterra. As decisões da CIJ não podem simplesmente ser impostas, e muitos países as ignoram, como os EUA, citando como exemplo o caso Breard x Estados Unidos, quando a sentença condenando à pena de morte do paraguaio Breard, acusado por estupro e assassinato nos EUA, foi suspensa pela CIJ, mas mesmo assim Breard foi executado. Esse caráter de não obrigatoriedade das sentenças da CIJ acaba por transformá-la em mero órgão consultivo.[5]

 

3.3.1 O Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é uma “compartimentação” da CIJ. Efetivado em 1998, já era há muito idealizado pelos juízes da CIJ. O TPI se ocupa especificamente de três tipos de crimes: genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Assim como a CIJ, é situado em Haia, Holanda, e é formado por 18 Juízes de renome internacional, além de fiscais e investigadores. Os países signatários do Estatuto do TPI se comprometem a processar, de acordo com sua legislação interna, os acusados dos crimes de competência do TPI, ou então entregar o acusado para julgamento ante o Tribunal. Os fiscais do Tribunal podem iniciar de ofício suas investigações, mas não podem promover acusações baseando-se em motivos políticos, estabelecendo ainda o TPI que não poderá haver  ações judiciais arbitrárias. A formalização do TPI deve-se à urgência dos casos de genocídio em Ruanda , no Camboja e na ex Iugoslávia.

 

3.4 O Conselho Econômico e Social

As funções atribuídas ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas estão, assim como as dos outros organismos, dispostas na Carta das Nações Unidas, destacando-se entre estas a promoção de melhoria da qualidade de vida, melhoria das condições de trabalho, de implementação de condições para o progresso econômico e social, solução de problemas internacionais de caráter econômico, social, sanitário e problemas conexos, cooperação internacional nas áreas de educação e cultura. O Conselho Econômico e Social coordena o trabalho de todos os organismos especializados da ONU, na busca do desenvolvimento. Na tentativa de popularizar suas ações, recorre algumas vezes às ONG’s que trabalham com desenvolvimento, chamando seus representantes para a reunião do Conselho. É também o gerenciador das atividades do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BIRD (Banco Mundial). As tarefas do Conselho Econômico e Social da ONU talvez sejam as de repercussão mais direta no cenário internacional, atualmente controlado pelas normas finaceiras e de mercado. Mais uma vez, é a ideologia americana a dominante em um órgão das Nações Unidas, afinal, o FMI e o BIRD nada mais são que centros de expansão da política imperialista americana. A relação de endividamento que os países subdesenvolvidos têm com os fundos internacionais é de absoluta dependÊncia, o que é extremamente conveniente aos Estados Unidos, grandes controladores do capital mundial e de organizações diretamente vinculadas ao Conselho Econômico da ONU os já citados FMI e BIRD, a ainda a OMC.[6]

 

3.5 O Secretariado

Ao Secretariado estão reservadas as funções administrativas e burocráticas das Nações Unidas. O Secretário Geral é o mais alto e principal funcionário da ONU, eleito por um período de cinco anos, nomeado pela Assembléia Geral, após prévia recomendação do Conselho de Segurança. É preferível que o Secretário Geral não seja nacional dos países membros permanentes do Conselho de Segurança. O atual é o Sr. Kofi Annan, de Gana, ocupante do posto desde 1997. Mister ressaltar que, não só o Secretário Geral, mas qualquer funcionário das Nações Unidas não está a serviço de seu governo, mas sim da organização, o que dá ao corpo funcional da ONU uma idéia de imparcialidade. Uma das principais funções do Secretário Geral é chamar a atenção do Conselho de Segurança para as questões de ameaça a paz e segurança internacionais. Tem ainda as funções de conciliador e mediador de conflitos, além de utilizar-se da “diplomacia preventiva” para evitar que surjam novos conflitos internacionais. Os casos de intervenção armada das Nações Unidas são responsabilidade direta do Secretário Geral, mas sem esquecer que a decisão final cabe realmente ao Conselho de Segurança.

 

3.6 O Conselho de Tutela

A intenção da Carta das Nações Unidas, ao estabelecer o Conselho de Tutela, era criar um órgão que supervisionasse a administração dos territórios protetorados, ou sob tutela de outros Estados. Era formado pelos cinco membros do Conselho de Segurança. O objetivo principal do Conselho de Tutela  era promover o desenvolvimento dos territórios tutelados, bem como promover a idéia de independência dos mesmos. Esse propósito cumprido, tanto é que todos os territórios tutelados alcançaram a independêdncia. Em novembro de 1994 o Conselho pôs fim ao acordo para a administração do último dos 11 territórios originários do programa de tutela, o território das Ilhas Palau, no Pacífico, que eram administradas pelos Estados Unidos. O Conselho de Tutela, embora ante o movimento de descolonização, não mais possui importância significativa junto a ONU, mas poderá se reunir quando necessário.

4. A ONU hoje

O cenário internacional mudou sobremaneira ao longo do meio século de existência da ONU, embora a estrutura e mesmo as atitudes e posicionamentos da organização tenham se mantido quase que inalterados. Embora vários órgãos da ONU se achem diretamente ligados à idéia de desenvolvimento, ainda é muito pouco o que é  concretizado, através das ações da ONU referentes ao desafio do subdesenvolvimento, por exemplo. Por mais que algumas ações tenham resultado, como o programa de ajuda a refugiados, algumas outras não passam de discussões e reuniões sem resultados, e não é este o papel que deve ser desempenhado pelas Nações Unidas

 

4.1 Aspectos gerais

Em um mundo infestado de conflitos, a ONU facilita as negociações entre governos e até as soluções dos mesmos, mas não sem despertar controvérsias. Atuando nas mais diversas áreas, a ONU enfrenta a discussão do conceito de soberania dos Estados membros, a preservação de territórios como se fossem patrimônio mundial, intervenções armadas por países externos aos conflitos, enfim, uma série de fatores relevantes na consideração do papel da ONU como catalisador de ações para resolução dos diversos problemas mundiais. Apenas a idéia de preservação universal da paz num mundo em que as nações são soberanas já é motivo suficiente para se discutir, por exemplo, as ações militares de intervenção promovidas pela ONU. As Nações Unidas não são um governo supranacional. Os países não renunciam  à sua soberania ao tornarem-se membros da ONU. Mas as ações das Nações Unidas são questionadas sobre diversos pontos de vista, o que torna, muitas vezes, difícil a efetivação de algumas de suas ações, mesmo que acobertadas pelo “manto da paz e segurança mundiais”

 

4.2 A ONU e as Organizações Não Governamentais

Não se pode falar em organizações internacionais sem menção às Organizações Não Governamentais, ou ONG’s, como são conhecidas. As ONG’s (grupos civis voluntários, sem fins lucrativos, de âmbito local, nacional ou internacional) exercem, muitas vezes, uma influência maior que a das organizações governamentais junto aos Estados. Algumas, como a Anistia Internacional, Greenpeace, Médicos Sem Fronteiras, trabalham em escala mundial e suas ações são bastante significativas, indo além dos discursos dos governantes, principalmente quando o  Estado é omisso e fraco perante determinadas questões.

As ONG’s representam os mais diversos setores nacionais e internacionais, e influem de forma significativa  no trabalho da ONU, tanto é que mais de 1.550 ONG’s estão cadastradas no Departamento de Informação Pública das Nações Unidas, e muitas delas têm representantes oficiais na sede da ONU, constituindo-se num vínculo entre os interesses da sociedade civil e dos Estados. As  ONG’s interferiram de forma direta na criação do Tribunal Penal Internacional (1998), bem como na Convenção de Proibição às Minas Terrestres, em 1997. 

O Conselho Econômico e Social muitas vezes convida, em suas sessões, representantes das mais de 1.520 ONG’s que, ao redor do mundo, se ocupam do desenvolvimento econômico e social dos povos. A participação dessas organizações junto a ONU constata o fato de que nem só os Estados são ouvidos nas Nações Unidas embora,  não se possa retirar desta o caráter de organização restrita a Estados. Outros setores da sociedade civil, além das ONG’s, também são considerados junto a ONU, como os grupos empresariais, os sindicatos, as associações profissionais, dentre outros.

 

4.3 Regionalização e formação de blocos na ONU

A ONU é uma organização formada por Estados soberanos, não por blocos de países. Embora haja uma tendência natural de agrupamento, ante uma similitude de etnias, religião, língua, não há que se falar, na Assembléia Geral, em decisões regionalizadas. O caráter de universalidade da ONU estaria seriamente comprometido se assim fossem tomadas as decisões.[7] As Nações Unidas formam um único instrumento, uma congregação entre os Estados membros. O direito de voto estendido de forma igualitária na Assembléia Geral a cada um dos países faz deste órgão o mais democrático das Nações Unidas. Nenhum país, ou mesmo bloco de países, por mais poderosos que seja, pode ditar as regras na ONU. Nem mesmo os países do Conselho de Segurança , que não pode agir sem levar em consideração o caráter universal da ONU.

A regionalização, embora tenha alguns aspectos positivos, pode acabar sendo um entrave para os procedimentos universais. A criação, por parte dos Estados membros, de blocos isolados, pode acabar erguendo, em volta desses Estados, uma barreira intransponível para a cooperação universal, o que poderia ocasionar prejuízos para os países postos como outsiders. Imaginemos o que aconteceria se todos os países detentores de armas nucleares se unissem para votar contra os tratados de não proliferação de armamentos nucleares. O certo que os países geralmente votam como acreditam que cada questão merece ser votada. Algumas vezes, é fato que os países com os mesmos pontos de vista tendem a votar da mesma forma, mas isso não pode significar uma eterna segmentação.

 

4.4 A ONU e a proteção dos Direitos Humanos

A ONU vem realizando um trabalho de destaque na promoção dos Direito Humanos, embora muitos dos países membros simplesmente ignorem essas ações, como a luta contra a pena de morte, mantença de presos políticos e erradicação da tortura. Mas é inquestionável a contribuição das Nações Unidas, principalmente no financiamento de entidades que promovem os Direitos Humanos. A ONU criou o primeiro diploma legal sobre Direitos Humanos de alcance mundial , em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, além de diversos tratados que versam sobre direitos políticos, econômicos, sociais e culturais. A  também desempenha papel diferenciado na promoção dos direitos da mulher, da criança e do adolescente e dos povos em desenvolvimento. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos provoca nos governos a solução de questões polêmicas em relação aos Direitos Humanos, investigando a violação dos mesmos e sancionando, na medida do possível, as atitudes de violação. Os particulares podem prestar denúncias no Alto Comissariado, quando há violação de seus direitos. Este escritório está em funcionamento 24 horas por dia, através de um número de fax específico para o recebimento de denúncias (41 22) 917 00 92. A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas possui especialistas que observam a situação dos Direitos Humanos em determinados países, que se ocupam das violações sobre tortura, presos políticos, exploração infantil, trabalho escravo, recebendo denúncias, investigando e repassando as informações ao Alto Comissariado, alertando também a comunidade internacional. Esses especialistas também auxiliam os governos nas obrigações deste em matéria de desenvolvimento dos Direitos Humanos, como capacitação das polícias internas, redação da legislação pertinente, melhoramento do sistema penitenciário, dentre outras tarefas. Algumas operações para a manutenção da paz também estão intrinsecamente ligadas à proteção dos Direitos Humanos das populações dos países em conflito.

A criação do Tribunal Penal Internacional é um grande passo na punição  dos crimes de guerra, em sua maioria relacionados com o abuso contra os Direitos Humanos, como o genocídio, a tortura e a prisão política. Uma das ações mais significativas da ONU na promoção dos Direitos Humanos foi a contribuição para a extinção do regime do apartheid na África do Sul, mediante um extensa campanha que chegou a contar com um embargo de armas e adoção de convenções internacionais que condenavam o regime de segregação. Também contam com o apoio da ONU as ações para democratização ao redor do mundo. Mais de 50 países, ao longo dos quase 50 anos de existência das Nações Unidas já pediram o auxílio da organização para a consolidação do processo democrático e realização de eleições livres.

 

5. As ações para manutenção da paz

A ONU tem como princípio básico, desde o seu surgimento, a manutenção da paz e segurança internacionais, e algumas características próprias das Nações Unidas, como a universalidade e imparcialidade, devem facilitar o alcance deste objetivo. É bem verdade que os conflitos armados não estão extintos, ao contrário, são inúmeros e muitas vezes de difícil solução, já que implicam em guerras por motivos étnicos, religiosos, conquistas de território, dentre outros. Alguns têm a idéia de que a ONU deveria impor sua vontade sobre esses conflitos e pôr fim a todos, na defesa da paz mundial, o que daria à organização característica de um “Estado global”, o que evidentemente não ocorre. A imposição da vontade das Nações Unidas não pode ser simplesmente a decorrência de uma decisão. Impor, em caráter universal, uma “vontade” da ONU, seria questionar todo u arcabouço de relações internacionais baseado, em sua maioria, em conceitos clássicos de soberania e reservas quanto à ingerência.

Nessa discussão, muitos aspectos estão envolvidos, como o conceito de soberania, o direito de ingerência, a própria paz mundial. O que se sabe é que a ONU tenta lutar pela paz, através da tentativa de solução pacífica dos conflitos ou ainda através da utilização das forças de paz.  As Nações Unidas promovem a paz quando protegem os Direitos Humanos, quando utilizam a diplomacia preventiva, como forma de evitar os conflitos, quando enviam suas tropas para territórios sob conflito, em momentos de crise internacional, as Nações Unidas se esforçam para diminuir a tensão e facilitar as negociações, enfim, há uma série de medidas chanceladas pela ONU que se justificam como mantenedoras da segurança e paz mundiais. Os grandes defensores destas ações da ONU chegam a dizer que, ao promover o desenvolvimento econômico e social, as Nações Unidas também contribuem para a paz, atacando em suas raízes uma das causas da guerra, mas tal afirmação chega a ser demagógica. Além das ações preventivas, a ONU também presta ajuda humanitária, auxilia refugiados, ajuda a reconstruir a infraestrutura de muitos países dizimados pela guerra. O desarmamento mundial é outra preocupação constante para as Nações Unidas, que estabelecem normas e fortalece a idéia de desarmamento mundial. Algumas dessas ações da ONU vêm tendo algum impacto na comunidade internacional, embora o mundo ainda esteja longe de ficar completamente livre das armas. Podem ser citados como esforços da ONU, neste sentido, o Tratado de Proibição Absoluta dos Testes Nucleares, a Organização para Proibição de Armas Químicas e Convenção sobre Armas Desumanas, cujo objetivo principal é banir o emprego das minas terrestres. É certo que essas ações nem sempre são eficazes em caráter absoluto, mas já são um passo no caminho da paz mundial.

Embora as ações para manutenção da paz sejam constantes, a ONU não tem legitimidade para impor a paz à força, porque não é a ONU um governo mundial. A eficácia das ações de paz da  depende da vontade direta dos Estado membros, e muito principalmente do Conselho de Segurança, que pode propor soluções pacíficas para o conflito, ou exercer “pressão diplomática” sobre os Estados beligerantes. Quando fracassadas essas tentativas de paz, é discutida a tomada de medidas mais enérgicas, como as sanções econômicas e os embargos, restando, após essas medidas, o uso da força, o que só acontece sob o controle total dos Estados membros. As Forças de Paz da ONU (ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz em 1988)   têm caráter eminentemente internacional. As ações para manutenção da paz são estabelecidas pelo Conselho de Segurança que determina a duração, extensão, alcance e financiamento dessas ações. A proposta é, então, submetida à votação da Assembléia Geral.

Os Estados membros enviam voluntariamente os seus contingentes para as operações armadas da ONU, e estes contingentes permanecem sob a obediência de seus governos, já que não há juramento de obediência às Nações Unidas. A quantidade de operações para a manutenção da paz tem se mantido estável nos últimos anos, e hoje são 15 (República Centro Africana, Sierra Leoa, Saara Ocidental, Haiti, Índia/Paquistão, Tajakistão, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Chipre, Geórgia, Kosovo, El Golán, Iraque/Kuwait, Líbano, Oriente Médio/Palestina) as missões das Nações Unidas ao redor do mundo, decorrente da intervenção das forças de paz. Muitas vezes essas operações militares promovidas pela ONU passam pela discussão do conceito de direito de ingerência e soberania, mas a Assembléia Geral argumenta que essas ações são, acima de tudo, um fator decisivo para a solução de conflitos. O custo dessas operações (que têm fundo próprio) é rateado proporcionalmente entre os países membros, e é pequeno se comparado ao custo de uma guerra, tanto em termos econômicos com em termos de sofrimento humano.

 

6. Sistema de financiamento da ONU

A Carta das Nações Unidas obriga todos os Estados membros a pagar uma quota para a manutenção da infraestrutura da ONU. Essa quota é calculada em razão da participação do Estado na economia mundial.  Em média, a ONU gasta 10.000.000 de dólares ao ano, provenientes das quotas obrigatórias e das doações voluntárias dos Estados membros. NA década de 60, a ONU passou por uma grave crise financeira, chegando mesmo a comprometer os salários de seus funcionários, e alguns países, como a França e a ex-URSS já se recusaram a financiar as operações de paz da ONU. Além disso, alguns países ricos e industrializados como os Estados Unidos, já figuraram na lista dos grandes devedores das Nações Unidas.  Tais problemas, quando enfrentados por organizações de menor porte, tomam proporções gigantescas quando acontecem na maior organização política do mundo. Há um órgão especializado nas Nações Unidas, o Escritório de Planificação de Programas, Orçamento e Contadoria das Nações Unidas, que se subdivide em organismos menores, todos com funções específicas relativas ao controle de gastos das Nações Unidas.

Os Estados membros financiam proporcionalmente a manutenção da ONU, de acordo com sua capacidade econômica, sendo o cálculo das quotas feito com base no Produto Interno Bruto de cada país.  Essa estatística é revista a cada três anos, com base em dados sobre o crescimento de cada país, para garantir que o rateio das despesas seja justo e exato. Vigora, pois, na ONU, a máxima de “quem pode mais, paga mais”.  Há ainda uma sanção para os maus pagadores da ONU: é retirado o direito de voto na Assembléia Geral do país cuja soma devedora iguale ou supere o valor pago há dois anos.

 

7. A necessidade de reformas na ONU

Mudanças significativas aconteceram no mundo ao longo desses quase 50 anos de Nações Unidas, que não poderia, ao longo de todo esse tempo, permanecer inerte e inalterada. Algumas reformas na ONU já forma efetivadas, em comparação com sua estrutura original, tais como a nomeação de um inspetor geral para supervisão interna, redução de gastos administrativos, integração dos programas de Direitos Humanos sob uma única coordenação, integração dos programas de repressão ao terrorismo, tráfico de entorpecentes e lavagem de dinheiro sob uma única coordenação, entre outros programas. Têm-se dado à ONU um caráter mais ágil e decisivo na discussão dos problemas internacionais. Há uma preocupação crescente e atual com a coordenação estratégica e intercâmbio de informações, para que  ONU possa, de forma mais efetiva, solucionar os problemas que lhe são apresentados.

O atual Secretário Geral, na tentativa de integralizar e agilizar o trabalho das Nações Unidas, dividiu em três as áreas de trabalho da ONU, tais sejam: paz e segurança, assuntos econômicos e sociais e assuntos humanitários e de desenvolvimento. Essas ações coordenadas e inovadoras, entretanto, somente terão êxito se apoiadas pelos Estados membros. A reforma do Conselho de Segurança, por exemplo, é estudada por um grupo de trabalho contínuo e específico, que tenta chegar a um consenso entre as dezenas de propostas enviadas pelos países membros da ONU. As comissões de estudos sociais e de desenvolvimento deparam-se com economias e mercados flutuantes, mas não podem interromper seus trabalhos a espera de uma estagnação econômica mundial. È justamente a alteração veloz do cenário global que conduz as mudanças da ONU. O que não pode mais preponderar é a idéia de muitos países industrializados que apenas desejam que a ONU mantenha o status quo. As mudanças, ainda caminhando, são necessárias e imprescindíveis.

 

8. Conclusões

Pesa sobre a ONU uma grande responsabilidade: a solução dos problemas mundiais. É  certo que essa incumbência não é exclusiva das Nações Unidas, mas por ser a ONU a maior organização política do mundo, e que tem por objetivo a mantença da paz e segurança internacionais lhe é reservada uma grande parcela de atribuições na procura pela solução dos conflitos, sejam estes econômicos, sociais, étnicos, religiosos. Não há ações de real significado por parte das Nações Unidas para encurtar a distância entre os pobres países do Sul e os ricos países do Norte. Ao contrário, o que se vê, são organizações subsidiadas pela ONU, como o FMI e o BIRD terem em suas mãos quase de forma definitiva o destino econômico de muitos países. A ONU não pode ser um reflexo do pensamento dos grandes credores mundiais, nem mais um palco de imposição das decisões tomadas pelo G7, ou o seu caráter universal estará seriamente comprometido.

A ONU deve desempenhar um papel  mais atuante ante as grandes mazelas mundiais, como a fome e a pobreza, e não apenas que se conheçam as ações da ONU através das ofensivas armadas, pelas forças ditas “de paz”, sob a argumentação da proteção dos Direitos Humanos. Muitas vezes essas intervenções nada mais são que o exercício absurdo e demasiado do direito de ingerência, e não é por sugestão de países como a Jamaica ou o Chile que acontecem essas intervenções.

Embora promova ações louváveis, a ONU não pode portar-se como uma organização internacional subserviente a alguns poucos países, notadamente os que formam o Conselho de Segurança. As mudanças acontecidas nesse meio século de sua existência são ainda pequenas ante a rapidez com as mudanças ocorrem no mundo. A reforma do Conselho de Segurança, por exemplo, é mais que necessária, pois cinco países não devem decidir acima de quase duzentos. A vontade das Nações Unidas não pode ser a vontade dos membros mais influentes. Um mundo mais justo e pacífico é certamente a vontade da maioria, e esta deve prevalecer.

 

9. Bibliografia

ACIOLLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva. 3ª ed., 1993

BERTRAND, Maurice. A ONU. Petrópolis: Vozes, 1995

CHENOIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã. 1996

CHILDERS, Erskine e URQUHART, Brian. A world in need of leadership: tomorrow’s United Nations. Suécia: Dag Hammarskjold Foundation, 1990

MELLO, Celso Albuquerque D. de. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, vol.I, 2000

Ministério das Relações Exteriores. A palavra do Brasil nas Nações Unidas: 1946-1995. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1995

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 3ª ed. 1993

SÁ, Hernane Tavares de. Nos Bastidores da ONU. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio e Biblioteca do Exército, 1967

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1997

WATERS, Maurice. The United Nations. International Organization and Administration. Londres: The Macmilliam Company Collier, 1967

Outras fontes

www.un.org

 

 

Texto enviado pelo Autor

 



[1] Advogada, pós-graduada em Direito Público pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR e  mestranda em Direito (Relações Internacionais) na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

[2] Ricardo Seitenfus, em Manual das Organizações Internacionais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997, p. 125, citando Ernest Gross, afirma que “Assim, as grandes potências “não são membros do Conselho de Segurança porque a ele cabe a função primordial de manter a paz; é por elas serem membros, que o Conselho tem essa função primordial” 

[3] Hernane Tavares de Sá é um dos que atribui um caráter excessivamente americanizado à ONU, chegando a dizer que “... na verdade, muitos dos delegados não fazem objeções à personalidade manhattaniana das Nações Unidas. Sucede que eles próprios são entusiásticos novaiorquinos, e se sentem muito mais felizes nos Estados Unidos que em seus próprios países...” (in Nos Bastidores da ONU, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1967, p. 66)

[4] O Conselho de Segurança é senhor de todas as decisões das Nações Unidas. Somente o que interessa a este órgão é efetivado. E há que se notar também a superioridade americana na posição final do Conselho. O que interessa aos Estados Unidos é o que será concretizado, assim como aconteceu na Guerra do Golfo. Teria sido mais prudente estender o prazo do embargo econômico ao Iraque, mas por intervenção direta dos EUA a intervenção armada teve início em um mínimo espaço de tempo.

[5] “Logo, os grandes conflitos internacionais têm passado à margem do principal órgão judiciário da ONU, causando uma sensação de impunidade dos infratores do direito internacional e um mal-estar generalizado, pois prioriza menos o direito e mais a negociação. Justamente por esta razão, a Corte é pouquíssimo conhecida dos cidadãos, que tanto dela precisam.” (SEITENFUS, Ricardo, Manual das Organizações Internacionais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997, p. 131)

[6] “Hoje em dia, visto que nenhum Estado pode confrontá-los militarmente e que nenhum vai questiona-los no plano do sistema de propriedade dos meios de produção, os Estados Unidos gozam de uma situação sem precedentes na história.” (CHENOIS, François, A mundialização do capital, São Paulo, Xamã, 1996, p.19)

 

[7] “Comparando com a fracassada experiência da Liga das Nações, a ONU pode apresentar importantes conquistas: a) Sua universalidade, pois reúne quase duas centenas de Estados; b)...; c) a ampliação de suas atividades, sobretudo o auxílio ao desenvolvimento; d)afirmou seu caráter de indispensabilidade, pois as críticas que lhe são endereçadas objetivam sua reforma e não sua extinção” (SEITENFUS, Ricardo, op.cit., p. 131/132)