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ESTUDOS E RELATÓRIOS
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A QUESTÃO DOS TRANSPORTES NO CONTEXTO ALCA UP
O histórico dos países da América Latina mostra que, até um certo tempo atrás, não havia uma preocupação no que se refere a integração entre os países vizinhos. Tentando reverter esse quadro e acompanhando a tendência mundial de somente avançar economicamente com a participação de grupos de países, foram criados acordos como ALALC, ALADI, Pacto Andino, entre outros. Na maioria destes acordos, o protecionismo existente e outras questões político-econômicas como a oposição por parte do setor privado acostumado à política de substituição às importações fizeram com que os mesmos não conseguissem alcançar seus objetivos. 

Com a criação do MERCOSUL e agora da ALCA, essa tentativa de acompanhar a tendência mundial e criar acordos internacionais gera, mais uma vez, uma preocupação no alcance dos objetivos por parte dos países participantes. Independente do nível de integração econômica que possa existir entre os mesmos, a questão do transporte internacional de cargas merece um destaque devido a influência direta, na composição do preço final de exportação ou importação. Essa influência ocorre devido o transporte estar exatamente no meio do processo de exportação ou importação. Em outras palavras, de um lado tem-se a indústria produzindo seus bens, do outro lado, os consumidores externos. O transporte é exatamente o elo de ligação entre essas partes.

No contexto da ALCA, o Brasil estará inserido em uma área de livre comércio com países industrializados, em desenvolvimento industrial e até mesmo com países pouquíssimos industrializados, cuja economia é quase que totalmente voltada à agricultura. Essa diferença é, até certo ponto, benéfica para todos pois facilita a troca de mercadorias produzidas por alguns países e inexistentes em outros. Para que essa troca seja favorecida, o custo do transporte se torna elemento que merece uma análise mais profunda entre os países participantes do acordo. Os Estados Unidos possuem uma infra-estrutura de transportes eficiente ao contrário de muitos países da América Latina. Porém, cada país deve adotar uma política própria ou para com países não integrantes desse acordo, referente à melhoria e à excelência dos serviços prestados no âmbito dos transportes. Dessa maneira, a questão tarifária seja a nível de fretes internacionais ou até mesmo a nível de custos portuários, aeroportuários, rodoviários e ferroviários deve ser levada em conta, de modo a tornar os preços mais competitivos, fundamentais ao desenvolvimento econômico de cada país e, consequentemente, ao sucesso dessa área de livre comércio. 

Os custos com transportes internacionais são elevados pois temos que considerar vários fatores que os influenciam diretamente. Além do frete, tem-se os custos com armazenagem, capatazia, estivadores, práticos, segurança, adicionais aos fretes, entre outros. Considerando o transporte marítimo, o Brasil leva uma desvantagem devido aos altos custos portuários. O gráfico abaixo mostra o quanto é oneroso operar com container em portos brasileiros, além de comparar com os custos operacionais de outros países pertencentes ao acordo da ALCA.Fonte: Associação de Comércio Exterior do Brasil

Os portos brasileiros precisam sofrer uma modernização urgente. A maior tentativa foi a Lei de Modernização dos Portos que começou a ser projetada em 1992, concluída em 1993 e que ainda não foi sancionada. Vários motivos afetaram diretamente esse processo de modernização. Os estivadores não querem correr o risco de perder as vantagens e benefícios que recebem e o medo que os importadores e exportadores possuem com relação ao tratamento diferenciado quando usarem os serviços portuários devido ao volume de carga a ser comercializado, são barreiras à modernização portuária brasileira. 

Problemas como péssimas instalações portuárias, falta de tecnologia avançada assim como a falta de mão de obra qualificada para prestarem serviços com qualidade, acabando de vez com a demora e com o aumento de custos nos processos de importação e exportação, são comuns em portos brasileiros e em outros países latinos. No caso específico do Brasil, mais de 85% das exportações passam pelos portos, tornando os preços de tais produtos elevados. Nesse contexto, o Brasil não está conseguindo elevar suas exportações como deveria. Considerando o déficit da Balança Comercial Brasileira no mês de março/97, o governo tomou medidas para conter as importações que eram financiadas em até 360 dias, com exceção às importações de Petróleo e derivados e às mercadorias com valores inferiores a US$ 10.000,00. Tais medidas afetam às importações e até auxiliam a redução do déficit. Porém, as exportações precisam ganhar maior apoio no que se refere à redução de custos operacionais com transporte, além da já ocorrida eliminação de impostos e da participação dos empresários para modificar os procedimentos de promoção dos produtos brasileiros no exterior. Tais problemas com as importações não são novidades. O gráfico abaixo apresenta o percentual das importações brasileiras no contexto do ALCA em 1995.Fonte: ALCA - Estatísticas Gerência de Relações Internacionais e Comércio ExteriorFevereiro/97 

Aumentar a produtividade, elevar a participação dos empresários em terminais privados e modificar toda a estrutura portuária brasileira, investindo em tecnologia, qualificando a mão de obra, entre outros, não é fácil. Países europeus passaram por processos de modernização portuária a longo prazo, contando com o setor privado e com os trabalhadores portuários. Até nos dias atuais, tais países sofrem reformas portuárias em busca de melhor qualidade e menor preço. A nível de ilustração, Roterdã criou um novo terminal para containers que acabou de ser construído recentemente. Países latinos como a Argentina e o Peru sofreram profundas mudanças portuárias no início dos anos 90, devido às mudanças que o Chile fez nesse setor. Tais mudanças objetivavam atrair cargas de outros portos de outros países, aumentando o volume de cargas no porto chileno. Tentando amenizarem tais perdas, o Peru e a Argentina também privatizaram grande parte dos serviços portuários seguindo a tendência de seus países vizinhos, com o objetivo tornarem seus produtos a serem exportados ou importados mais competitivos, assim como, atrair mercadorias provenientes de outros países. 

A participação do setor privado e do setor público são essenciais ao desenvolvimento portuário brasileiro. Não há modelos nem regras a serem seguidos. Tais processos de modernização devem ser feitos de forma coerente à realidade brasileira. No contexto da ALCA, tais medidas se tornam urgentes, pois a competição entre os países será bastante acirrada. Não é interessante o Brasil perder cargas para portos argentinos. Percebendo a gravidade desse assunto, a região sul do Brasil conta com uma boa quantidade de portos, sendo que alguns desses já estão passando por processos de arrendamentos no que se refere aos seus terminais, armazéns e entrepostos frigoríficos. 

Como se sabe, mais de 80% das cargas mundiais são transportadas por via marítima. No que se refere ao transporte internacional ferroviário, apenas 3% das cargas são transportadas por esse meio de transporte. Na América Latina, a situação não é muito diferente. 

Conforme foi citado, até um certo tempo atrás, os países latinos não preocupavam em se integrarem. As ferrovias aqui construídas eram planejadas para escoar a produção agrícola do interior dos países para os portos. Com o objetivo de dificultar o acesso entre os países, essas ferrovias eram construídas com bitolas diferentes e contavam com o apoio dos governos. No decorrer da história, os recursos que deveriam ser destinados às ferrovias foram desviados para a construção de rodovias. Tal desvio de verba foi bastante prejudicial se considerar o tamanho do território da América Latina e principalmente do território brasileiro. As ferrovias perderam força e o transporte terrestre foi quase que totalmente desviado para o transporte rodoviário. 

Com o acordo da ALCA, praticamente toda a América Latina precisa melhorar seus pátios, terminais, linhas ferroviárias e material rodante para fornecer um serviço de qualidade e atrair mais usuários, com a criação de ferrovias padronizadas, beneficiando a integração dos países pertencentes à ALCA. Tal modernização ferroviária sem dúvida requer tempo e investimentos dos setores privados.

Atualmente o Brasil está passando por um processo de privatização da rede ferroviária e assim como o processo de privatização da Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA), Minas Gerais também está procurando privatizar a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A Malha Nordeste também deve passar por tal processo. A tendência dessas privatizações é aumentar o volume de cargas a serem transportados por esse meio de transporte que traz vantagens como frete internacional menos oneroso, redução do volume de cargas a serem transportadas pelas estradas e consequentemente, redução do número de veículos de cargas nas estradas.

Enquanto o setor ferroviário brasileiro passa por tais transformações, algumas rodovias também estão sendo privatizadas e outras estão contando com a ajuda do governo. Provavelmente, o governo brasileiro investirá, aproximadamente, USD 2 bilhões nas rodovias para melhorar o trânsito entre os dois países mais fortes economicamente da América do Sul - Brasil e Argentina. Nesse sentido, haverá duplicações de rodovias que ligam o Brasil à Argentina e pavimentação de outras estradas. Com essas mudanças, haverá menor desgaste do material rodante, menor consumo de combustível, entre outros benefícios, objetivando tornar esse meio de transporte mais competitivo para as cargas que possuem as características para serem transportadas por rodovias.

O gráfico abaixo mostra que em estradas precárias o custo com o transporte se torna mais oneroso devido ao maior desgaste do material rodante (valores estimados).

Por parte do governo argentino, as rodovias que ligam ao Brasil também ganharão investimentos para construção e manutenção das estradas. Tais medidas referentes ao transporte rodoviário entre o Brasil e Argentina são importantes uma vez que facilitará as trocas comerciais entre os mesmos, tornando menor o custo desse meio de transporte. 

O transporte terrestre brasileiro precisava desses investimentos e dessas mudanças pois, devido à grande concentração de veículos nas estradas nacionais, o estado que elas se encontram é muito precário e com a falta de investimento no transporte ferroviário, não havia um equilíbrio na distribuição das cargas a serem transportadas. Com isso, o transporte rodoviário foi encarecendo e o ferroviário sendo esquecido cada vez mais.

Para que as trocas comerciais por via rodoviária sejam ainda mais favorecidas, deve ser construída uma rodovia que liga os interiores dos países vizinhos aos centros industriais. Dessa maneira, haverá uma redução do tempo de viagem e no volume de cargas transportadas nas rodovias existentes que, em grande parte, foram construídas no litoral com o intuito de explorar o turismo em determinadas regiões.

O transporte aéreo, assim como o rodoviário, o ferroviário e o marítimo também precisa passar por reformas, mesmo sendo um dos meios de transportes mais regulamentados. A IATA - International Air Transport Association controla todo o transporte aéreo, promovendo segurança, regularidade e economia. Nesse sentido, a IATA publica as tarifas de fretes no TACT - The Air Cargo Tariff. Tal controle é feito a partir da divisão do mundo em três partes distintas. A primeira parte engloba as Américas, a segunda parte abrange a Europa e a África e a terceira parte a antiga URSS, a Ásia e a Austrália. Cada uma dessas regiões são responsáveis pelas regras de tráfego e pelas tarifas praticadas para cada parte. 

Apesar de todo esse controle e de toda a preocupação por parte da IATA em estimular o tráfego aéreo, o transporte aéreo brasileiro precisa passar por algumas modificações para se tornar mais competitivo e mais atrativo dentro da ALCA. Os custos aeroportuários, como capatazia e armazenagem, são elevados. A mão de obra nos aeroportos, no que se refere ao serviço operacional, não recebe treinamentos suficientes. Essa falta de treinamento gera certos inconvenientes no carregamento, armazenamento e empilhamento das cargas, principalmente aquelas de natureza perigosa, frágil e perecível.

Assim como no transporte marítimo, os aeroportos necessitam de investimentos para ampliarem suas capacidades operacionais e para prestarem melhores serviços com a redução de custos. O congestionamento e, consequentemente, o risco de avarias e perdas de mercadorias em aeroportos com um elevado índice de movimentação são constantes. Para contornar tal situação, novos terminais estão sendo construídos, como é o caso do aeroporto de Guarulhos e outros terminais que estão sofrendo ampliações, como o do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Os aeroportos da região sul também passam por reformas e até mesmo por construção, como é o caso da cidade de Maringá no estado do Paraná.

Outro grave problema é a falta de linhas aéreas ligando outros aeroportos internacionais brasileiros com países pertencentes ao ALCA. No Brasil, com raras exceções, como Belo Horizonte, os aeroportos não possuem um serviço regular de vôos internacionais. Isso favorece a concentração das cargas internacionais no aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo, o que gera mais custos para os usuários localizados em outras regiões. A solução encontrada para esses casos é a integração ou até mesmo a parceria entre companhias aéreas. Dessa maneira, tem-se maior disponibilidade de espaço e elimina-se certos custos de transporte interno uma vez que tal parceria aumenta a quantidade de vôos entre as regiões e atende as necessidades dos passageiros e das cargas, obedecendo as características principais do transporte aéreo: rapidez e segurança.

Aeroportos como os das cidades de Montevidéu, de Punta del Este e certos aeroportos paraguaios passam por reformas para alcançarem os mesmos objetivos dos aeroportos brasileiros, maior competitividade, melhores serviços e ampliação dos armazéns.

Os problemas que o Brasil e outros países pertencentes à América Latina enfrentam no que se refere ao transporte internacional deverão ser solucionados a médio e longo prazos, através de todas as alterações que devem ser feitas ou que estão sendo feitas referentes a cada meio de transporte. Para solucionar tais problemas a curto prazo, o transporte intermodal surge como elemento facilitador nos processos de exportação e importação. Tal segmento de transporte, que tem como característica transitar uma mercadoria utilizando mais de uma modalidade de transporte, e tendo somente um único conhecimento de embarque que abrange todo o percurso, não é regulamentado no Brasil. Com o intermodalismo seria aproveitado o que cada meio de transporte possui de melhor com a certeza de redução de custos e facilitando o processo de integração do ALCA. 

O intermodalismo favorece a utilização de um outro meio de transporte que é o hidroviário. A América Latina é favorecida com uma ampla bacia hidrográfica. Esse meio de transporte se torna bastante eficaz e também precisa de certos investimentos para sua melhor operacionalização. Corredores de exportação hidroviários eficazes, como o existente entre Paraguai e Brasil através da hidrovia Tietê-Paraná com mais de 2.000 km, reduzem tempo de viagem e trazem uma significativa economia aos seus usuários. Produtos como a soja podem ser transportados entre os dois países e é exportada através do porto de Santos com segurança e redução de custo.

A competitividade está reinando em todos os sentidos e, consequentemente, os países devem adequar-se às novas tendências mundiais suprindo, de uma forma ou de outra, as carências e as deficiências que possuem. Sem essas medidas, torna-se impossível fazer parte de acordos internacionais como a ALCA ou qualquer outro que seja tratado futuramente. Com uma eficiente rede de transportes em todo o país, mesmo que produtos estrangeiros entrando em nosso país, poderemos usufruir das boas condições de distribuição de tais produtos para outras regiões internas e externas, como é o caso da hidrovia Tietê- Paraná favorecendo outros setores da economia brasileira.

Frederico Martini do Espírito Santo
IPAT/UNA