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A constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.316/96.
A validade da inclusão da CSLL na base de cálculo da própria CSLL e do IRPJ
Luís Carlos Martins Alves Jr.*
RESUMO: O presente artigo nasceu de memorial fazendário de nossa lavra em face
do Recurso Extraordinário n. 582.525, sob a relatoria do Ministro Joaquim
Barbosa, cujo objeto é o art. 1º da Lei 9.316/96, que vedou a dedução nas bases
de cálculo da CSLL e do IRPJ o valor pago a título de recolhimento da CSLL.
SUMÁRIO: I. Objeto e objetivo; II. A CSLL e o IRPJ na jurisprudência do STF;
III. O art. 1º da Lei 9.316/96: norma jurídica válida; IV. A base de cálculo na
jurisprudência do STF; V. A jurisprudência do STJ: arts. 43 e 44 do CTN; VI. A
infraconstitucionalidade da controvérsia; VII. A modulação dos efeitos de
inconstitucionalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Constitucional – Tributário – CSLL – IRPJ – Base de Cálculo –
Indedutibilidade – Art. 1º da Lei 9.316/96.
I. OBJETO E OBJETIVO
1.O presente
artigo tem como objeto acórdão do Egrégio Tribunal Federal da 3ª Região que
entendeu constitucional a norma emanada do art. 1º da Lei 9.316/96, mantendo
hígida a sistemática de tributação da CSLL e do IRPJ no tocante a valores que
não podem ser deduzidos da base de cálculo desses mencionados tributos.
2.Objetiva-se
demonstrar que o referido art. 1º da Lei 9.316/96 é dispositivo válido, em
perfeita harmonia com os preceitos da Constituição e em sintonia com a
jurisprudência nacional dominante.
3.Eis o atacado
dispositivo da mencionada Lei 9.316/96:
Art. 1º. O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não
poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua
própria base de cálculo.
Parágrafo único. Os valores da contribuição social a que se
refere este artigo, registrados como custo ou despesa, deverão ser adicionados
ao lucro líquido do respectivo período de apuração para efeito de determinação
do lucro real e de sua própria base de cálculo.
4.O hostilizado
acórdão do TRF 3 tem a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO.
IMPOSSIBILIDADE DA DEDUÇÃO DA CSLL NA APURAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ.
I. Impossibilidade da dedução da CSLL na apuração da base de cálculo do
IRPJ, dada a legalidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.316/96. Precedentes
do Superior Tribunal de Justiça.
II. Apelação provida.
5.Nada obstante o
acerto dessa decisão e a constitucionalidade do citado artigo 1º da Lei
9.316/96, alega-se que foram violados os seguintes dispositivos constitucionais
e legais: arts. 145, § 1º; 146, III, "a"; 150, III, "a" e
153, III, CF; e arts. 43 e 44 do CTN:
§ 1º do art. 145: Sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,
facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a
esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos
da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.
Art. 146. Cabe à lei complementar:
.........
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes;
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
.............
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência
da lei que os houver instituído ou aumentado;
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
.............
III – renda e proventos de qualquer natureza;
43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de
qualquer natureza tem como fator gerador a aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos
patrimoniais não compreendidos no inciso anterior;
44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou
presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
6.Com o devido
respeito e consideração às visões dissidentes, à luz da jurisprudência do STF e
do STJ, se fará ver a inexistência das supostas inconstitucionalidades e
ilegalidades apontadas.
7.De efeito, o
pagamento de tributo não é despesa operacional. É obrigação legal a todos
imposta. Os valores recolhidos a título de CSLL e IRPJ são extraídos do próprio
lucro da pessoa jurídica.
8.Ou seja, se uma
empresa tem um lucro de 100 unidades, sobre esse lucro incide, regra geral, uma
alíquota de 9% da CSLL e de 15% do IRPJ, que resultará no recolhimento de 9
unidades para a Seguridade e de 15 unidades para o Fisco.
9.Se se levar ao
extremo o raciocínio que entende o pagamento de tributo como despesa
operacional, independentemente das disposições legais, não se estranhará que em
vez de um lucro de 100 unidades, defenda-se um lucro de 76 unidades, porquanto
se subtraiam as 24 unidades de CSLL e IRPJ.
10.Assinale-se: a
base de cálculo dos aludidos tributos é o lucro ou a renda, que pode ser real,
arbitrado ou presumido, nela podendo-se incluir o valor do próprio tributo a
ser pago, porquanto esse valor é fruto de uma aquisição de disponibilidade
econômica ou jurídica, ou seja, de um verdadeiro acréscimo patrimonial.
II. A CSLL E O IRPJ NA JURISPRUDÊNCIA DO STF
11.As pertinentes
discussões em redor da base de cálculo da CSLL e do IRPJ, bem como dos
conceitos de lucro e renda, não são novas Suprema Corte brasileira.
12.A CSLL –
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido foi instituída pela Lei 7.689/88, com
fulcro no art. 195, CF, cuja constitucionalidade foi reconhecida nos RREE 138.284
(Relator Ministro CARLOS VELLOSO, J. 01.07.1992, DJ. 28.08.1992) e 146.733
(Relator Ministro MOREIRA ALVES, J. 29.06.1992, DJ. 06.11.1992).
13.A base de
cálculo da CSLL é o lucro da pessoa jurídica, como prescrito na Constituição e
na Lei n. 7.689/88. Esse lucro é apurado antes da provisão do imposto de renda
da pessoa jurídica, como reconhecido nos aludidos RREE 138.284 e 146.733.
14. Sobre essa
"identidade" de base de cálculo e de técnica de apuração entre a CSLL
e o IRPJ, o entendimento manifestado pelo Ministro ILMAR GALVÃO, no RE 146.733:
Irrelevante, igualmente, para tanto, a circunstância de a sua cobrança
e fiscalização serem realizadas pelos agentes encarregados do Imposto de Renda.
Está mais do que claro que a lei não quis transferir para a ‘caixa única’ do
Tesouro Nacional o produto da arrecadação da contribuição social, ao incumbir a
Receita Federal de administrar e fiscalizar o tributo. O que, razoavelmente, se
deve entender é que cabe aos agentes da Receita Federal disciplinar e realizar
os lançamentos pertinentes, fiscalizando as empresas, a fim de evitar
sonegações e retardamentos nos recolhimentos. Enfim, obviou-se a duplicidade de
meios com vistas à arrecadação dos dois tributos, já que têm eles,
praticamente, fonte de referência comum, seja, o balanço anual das empresas. A
Constituição não veda essa providência posta em prática no prol do interesse
público.
15. Nessa senda, o
lucro base de cálculo da CSLL é a renda da pessoa jurídica base de cálculo do
IRPJ, com as particulares especificidades.
16.Nessa linha, é
imperioso recordar o magistério jurisprudencial do STF acerca da renda (lucro)
para efeitos tributários.
17. De efeito, no
RE 201.456 (Redator Ministro NELSON JOBIM, J. 02.05.2002, DJ. 17.10.2003), o
Tribunal entendeu que o conceito de renda, para efeitos tributários, é
eminentemente legal. Segundo o Ministro NELSON JOBIM, "o conceito de lucro real tributável é
puramente legal e decorrente exclusivamente da lei, que adota a técnica da
enumeração taxativa".
18. No RE 200.844
(Relator Ministro CELSO DE MELLO, J. 25.06.2002, DJ 16.08.2002), a Suprema
Corte reafirmou o decidido no aludido RE 201.465, quanto ao conceito de renda
(lucro). Eis elucidativa passagem do voto do Ministro CELSO DE MELLO:
O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a ratio subjacente ao art. 3º, n. I, da Lei n.
8.200/91, cuja eficácia veio a ser revigorada pela Lei n. 8.682/93 (art. 11), e
ao manifestar-se a respeito do benefício em referência, cuja outorga foi
motivada, unicamente, por razões de política legislativa, deixou assentado, no
tema (a) que o diferimento previsto na regra legal mencionada – que traduz mero
"favor legis" – não consubstancia hipótese configuradora de
empréstimo compulsório, rejeitando, por incabível, a incidência do disposto no
art. 148, caput, da Constituição e (b) que o conceito normativo de renda (e de
lucro real) representa noção revestida de caráter simplesmente legal, cabendo,
ao legislador comum, definir-lhe o conteúdo e delinear-lhe o sentido, desde que
observados – como no caso o foram - critérios de razoabilidade, em estrita
consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade.
19. Nessa
perspectiva, é no arcabouço legislativo do IRPJ e da CSLL que se encontra o
significado jurídico de renda (lucro) acolhido pelo STF, e que tem servido como
base de cálculo para os cogitados tributos, tendo, em essência, a idéia de que
"renda pressupõe acréscimo
patrimonial ou a disponibilidade jurídica ou econômica", que pode
ser real, arbitrado ou presumido.
20. Dessa sorte, o
lucro (renda) tributável surge de um plexo normativo que envolve aspectos
contábeis, comerciais e fiscais, com adições, deduções ou compensações, com a
observância da legislação, que informará de modo sistemático e metodológico
quais valores poderão ser adicionados ou excluídos ou compensados.
21.Em suma, sem
prejuízo da idéia de lucro (renda) como acréscimo patrimonial ou da aquisição
de disponibilidade jurídica ou econômica, a tributação desse lucro envolve
complexas operações reguladas por normas infraconstitucionais, mas nem por isso
inconstitucionais.
22.Considerando
que a base de cálculo da CSLL é o lucro líquido, antes da provisão do IRPJ,
convém buscar na legislação desse imposto federal, o significado de lucro
líquido.
23.Para os
propósitos imediatos, serve o contido nos arts. 247 e 248 do Regulamento do
Imposto de Renda – RIR (Decreto 3.000/99):
Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado
pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este
Decreto.
Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma
algébrica do lucro operacional, dos resultados não operacionais, e das
participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei
comercial.
24.Veja-se que
para construir o lucro líquido se
faz necessário o lucro operacional,
enunciado no art. 277 do referido RIR:
Art. 277. Será classificado como lucro operacional o
resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da
pessoa jurídica (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 11).
Parágrafo único. A escrituração do contribuinte, cujas
atividades compreendam a venda de bens ou serviços, deve discriminar o lucro
bruto, as despesas operacionais e os demais resultados operacionais (Decreto-Lei
nº 1.598, de 1977, art. 11, § 1º).
25.Além do lucro operacional, na construção do lucro líquido, os resultados não operacionais os quais
se referem a transações com bens do ativo permanente (arts. 418 e 445 do RIR),
ou seja o conjunto de bens ou direitos, estáveis, destinados ao normal
funcionamento da empresa, bem como os direitos exercidos com essa finalidade.
26.A Lei 6.404/76
divide o ativo permanente em investimentos, imobilizado, intangível e diferido
(art. 178, § 1º, "c"). O art. 179 classifica as contas do ativo
permanente da seguinte maneira:
III - em investimentos: as participações permanentes em outras
sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo
circulante, e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da
empresa;
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens
corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou
exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que
transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;
V – no diferido: as despesas pré-operacionais e os gastos de
reestruturação que contribuirão, efetivamente, para o aumento do resultado de
mais de um exercício social e que não configurem tão-somente uma redução de
custos ou acréscimo na eficiência operacional;
VI – no intangível: os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos
destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade,
inclusive o fundo de comércio adquirido.
27. E, se não
bastassem o lucro operacional e
os resultados não-operacionais (a
envolver o ativo permanente),
há as participações, tudo em observância da legislação comercial.
28.Daí que, concessa venia, as bases de cálculo,
tanto da CSLL, quanto do IRPJ, dada a complexidade desses tributos, e em
homenagem ao princípio da capacidade contributiva, reclamam operações
jurídico-contábeis de adições e deduções que não violam quaisquer dispositivos
constitucionais.
III. O ART. 1º DA LEI 9.316/96: NORMA JURÍDICA VÁLIDA
29.Nesse complexo
quadro normativo surgiu a combatida norma dimanada do art. 1º da Lei 9.316/96.
A inovação legislativa contida na objurgada norma, ao vedar a dedução do valor
do tributo pago na base de cálculo do próprio tributo ou outro tributo, como
sobejamente demonstrado, não é tão nova assim, nem encontra qualquer óbice no
texto constitucional.
30.Com efeito, o
aludido art. 1º obstou que lucro
ou renda (acréscimo
patrimonial) fossem eximidos da incidência de tributos que têm essas grandezas
como bases de cálculo, isso porque o valor
pago a título de CSLL é retirado de sua disponibilidade
jurídica ou econômica (lucro ou renda).
31.Essa quantia
não é grandeza econômica autônoma, mas parcela de seu próprio lucro ou
rendimento que lhe é disponível. Tampouco é o pagamento da CSLL (ou de qualquer
outro tributo) despesa operacional.
32.O art. 189 da
referida Lei 6.404/76 determina que o lucro seja prioritariamente destinado ao
pagamento do IRPJ e da CSLL e à compensação de prejuízos apurados em períodos
anteriores.
33.Nessa linha o
entendimento esposado por Ricardo Mariz de Oliveira:
Eu não consigo ver, logicamente, uma forma de colocar o imposto de
renda antes da apuração do lucro. Vocês vão dizer: mas é necessária a produção
e à manutenção da fonte pagadora, porque se não pagar este imposto que vem ela
perece.
Só que o imposto nasce concomitante ao período-base, ao fim do
período-base, naquele exato momento: tanto que contrariamente, se faz previsão,
se registra como despesa daquele período, mas é uma despesa de destinação.
Tanto é, só para usar comparativamente, que a Lei 6.404/76 coloca o imposto de
renda e a contribuição social depois do lucro líquido, sob a forma de provisão
depois de fechado o lucro líquido.
De forma que – só para sintetizar -, pessoalmente, estou convencido que
é válido não deduzir a contribuição social sobre o lucro, porque entendo que a
contribuição social sobre o lucro é destinação do lucro ao Poder Público dentro
de sua competência e é algo que vem não antes do lucro, como necessário à sua
produção, mas em decorrência do lucro já formado e, portanto, a dedução
dependeria de uma norma de permissão.
33.Com efeito, são operacionais as despesas não computadas
nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva
fonte produtora (art. 299, RIR; e Lei nº 4.506, de 1964, art.
47).
34.O recolhimento
de tributos, com a devida vênia, não faz parte das despesas operacionais
dedutíveis, mas é obrigação legal imposta a todos os contribuintes (art. 3º,
CTN), reitere-se à exaustão.
35.Eis a razão
jurídico-contábil para não se permitir a exclusão do valor da CSLL e do IRPJ na
base de cálculo desses referidos tributos, ou de quaisquer outras obrigações
legais, salvo expressa disposição legal em contrário.
36.Ou seja, à luz
do texto constitucional, da legislação infraconstitucional e da jurisprudência
dominante, a exclusão do valor de tributo pago na base de cálculo do próprio ou
de outro tributo, por implicar na sua redução quantitativa, reclama autorização
legal específica, conforme dispõe o art. 150, § 6º, CF.
IV. A BASE DE CÁLCULO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF
37.O pano-de-fundo da presente
controvérsia é o tema da inclusão do valor do tributo na base de cálculo de
tributo, que já foi objeto de apreciação da Excelsa Corte nos autos do RE
212.209 (Redator Ministro NELSON JOBIM, J. 23.09.1999, DJ. 14.02.2003), cuja
ementa de acórdão está vazada nos seguintes termos:
Constitucional. Tributário. Base de Cálculo do ICMS: inclusão no valor
da operação ou da prestação de serviço somada ao próprio tributo.
Constitucionalidade. Recurso desprovido.
38.Cuide-se que o
tributo objeto do aludido RE 212.209 é o ICMS. Nada obstante, as premissas
utilizadas naquele julgamento servem para orientar na solução deste conflito
normativo:
A base de cálculo dos tributos e a metodologia de sua determinação,
porque constituem elementos de conhecimento indispensáveis para definição do quantum debeatur, necessariamente, devem ser estabelecidos
por lei, em obediência ao princípio da legalidade.
39.Naquela
oportunidade, reafirmando atávica jurisprudência da Corte, manteve-se o
entendimento de que, no caso do ICMS, a cobrança incide sobre o valor da
operação.
40.A despeito de
visitar o ICMS, com suas nuanças, vale transcrever passagem do voto do Ministro
ILMAR GALVÃO que vem a cavalheiro:
Em votos anteriores, tenho assinalado que o sistema tributário
brasileiro não repele a incidência de tributo sobre tributo. Não há norma
constitucional ou legal que vede a presença, na formação da base de cálculo de
qualquer imposto, de parcela resultante do mesmo ou de outro tributo, salvo a
exceção, que é a única, do inciso XI do parágrafo 2º do art. 155 da
Constituição, onde está disposto que o ICMS não compreenderá, em sua base de
cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a
operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à
industrialização ou à comercialização, configure fato gerador de dois impostos.
41.O Ministro
ILMAR GALVÃO usa o argumento insofismável de que não existe vedação
constitucional que impeça o legislador de incluir na base de cálculo de um
tributo o valor pago a título do mesmo ou de outro tributo.
42.Ainda no
aludido voto do Ministro ILMAR GALVÃO, trecho que analisa a repercussão da tese
de que o valor "tributo" não pode compor a base de cálculo de
"tributo":
Na verdade, o preço da mercadoria, que serve de base de cálculo ao
ICMS, é formado de uma série de fatores: o custo; as despesas com aluguel, empregados,
energia elétrica; o lucro; e, obviamente, o imposto pago anteriormente. O
problema, diria que é até de ordem pragmática, em face da dificuldade, quase
incontornável, de eliminar-se da base de cálculo de um tributo tudo o que
decorreu de tributação.
43.Feitas as
devidas acomodações, porquanto sejam tributos diversos, com origens distintas e
especificidades próprias, o fio-condutor
da decisão do STF no RE 212.209 é, em essência, o mesmo a ser usado no presente
conflito, concessa venia.
44.Isso porque a
base de cálculo do ICMS, reconheceu a Suprema Corte, é, nos termos da
Constituição e das leis, o valor da operação, nela podendo-se incluir o valor
do próprio tributo a ser pago.
45.Daí que a base
de cálculo da CSLL e do IRPJ, nos termos da Constituição e das leis, em
particular o indigitado art. 1º da Lei 9.316/96, é o lucro ou a renda, que pode
ser real, arbitrado ou presumido, nela podendo-se incluir o valor do próprio
tributo a ser pago, porquanto esse valor é fruto de uma aquisição de disponibilidade
econômica ou jurídica, ou seja, de um verdadeiro acréscimo patrimonial.
V. A JURISPRUDÊNCIA DO STJ: ARTS. 43 E 44 DO CTN
46.Além das
repelidas jaças de inconstitucionalidade, tem-se alegado que o multicitado art.
1º desrespeitou os artigos 43 e 44 do CTN, lei complementar nacional, cuja
guarda compete precipuamente ao Colendo Superior Tribunal de Justiça.
47.Aquele
respeitável Sodalício, instado a se manifestar ante esse tema, tem decidido que
o pagamento do tributo não se insere como despesa operacional.
48.E que a não
inclusão do valor da CSLL na sua base de cálculo, ou na do IRPJ, não maltrata o
conceito de renda estabelecido no CTN (REsps
784.403, 799.941, 434.156 e 395.842).
VI. A INFRACONSTITUCIONALIDADE DA CONTROVÉRSIA
49.Nada obstante o
reconhecimento da repercussão geral da matéria, tenho que o tema não alcança as
galas de controvérsia constitucional.
50.Nos autos do RE
367.865, o Ministro EROS GRAU estampou:
DECISÃO: Discute-se neste recurso extraordinário a
constitucionalidade da Lei n. 9.316/96, texto normativo que veicula a
impossibilidade de ser deduzido, da base de cálculo do imposto de renda e da
sua própria base de cálculo, o valor pago a título de contribuição social sobre
o lucro.
2. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que a
"não é inconstitucional a indedutibilidade do valor da contribuição social
sobre o lucro da base de cálculo do mesmo tributo (Lei nº 9.316/96 – art. 1º),
pois o pagamento não se insere como despesa" [fls. 143-147].
3. A recorrente sustenta que o provimento judicial violou
preceitos da Constituição do Brasil.
4. Para dissentir-se do acórdão impugnado seria necessária a
análise da legislação infraconstitucional que disciplina a espécie. Eventual
ofensa à Constituição dar-se-ia de forma indireta, circunstância que impede a
admissão do extraordinário. Nesse sentido: o AI n. 511.263, Relator o Ministro
Cezar Peluso, DJ de 17.12.04, o AI n. 446.259, Relator o Ministro Carlos
Velloso, DJ de 9.9.04, e o AI n. 385.023-AgR, Relator o Ministro Nelson Jobim,
DJ de 4.10.02.
Nego seguimento ao recurso com fundamento no disposto no art. 21, § 1º,
do RISTF.
51.Com efeito,
diante de toda essa paisagem normativa que vem sendo descortinada, vê-se que o
conceito jurídico de renda (ou lucro) para efeitos tributários é fruto do
amálgama das disposições constitucionais e infraconstitucionais.
52.O benefício
fiscal da dedutibilidade na base de cálculo da CSLL ou do IRPJ tem sua origem
na legislação infraconstitucional.
53.Está-se dentro
do campo reservado à liberdade de conformação do legislador. Benefícios fiscais
- reza o próprio texto constitucional - são categorias contidas dentro da
referida liberdade de atuação política do legislador tributário.
54.Se a Constituição
concede à Lei a possibilidade de normatizar o benefício da dedução, pode a Lei
modificar ou extinguir esse benefício. Exemplo insofismável é a Lei 8.981/95 é
prova cabal dessa citada liberdade do legislador.
55.Malgrado o
aludido reconhecimento da repercussão geral da presente controvérsia,
recentemente nos autos do RE 571.572
(Relator Ministro GILMAR MENDES), o STF, conquanto tenha reconhecido a
repercussão geral desse mencionado feito, no mérito entendeu que o tema é de
natureza infraconstitucional e não conheceu do recurso extraordinário.
VII. A MODULAÇÃO DOS EFEITOS DE INCONSTITUCIONALIDADE
56.Sem embargo da
forte convicção da validade constitucional do aludido art. 1º da Lei 9.316/96,
é possível que o STF decrete a sua inconstitucionalidade.
57.Se o fizer, é
preciso que o Tribunal saiba que essa combatida norma está em vigor desde 1996,
e reconhecida como válida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e
dos Tribunais Regionais Federais.
58.Segundo
informações fornecidas pela Secretaria da Receita, a revisão dessa sedimentada
jurisprudência, provocará um impacto anual nos cofres públicos da ordem de 8
bilhões de reais.
59.Com a
possibilidade de repetição de indébito ou de compensação dos últimos 5 (cinco)
anos, chegar-se-á a cifra de 40 bilhões de reais que desfalcarão o orçamento da
União Federal e da Seguridade Social.
60.Há manifesto e
excepcional interesse social a reclamar a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99,
se houver a decretação de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.316/96.
* Natural de Campo Maior - PI. Bacharel em
Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI. Doutor em Direito Constitucional
pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Procurador da Fazenda
Nacional perante o Supremo Tribunal Federal. Advogado inscrito na OAB/PI nº.
5060.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11933
Acesso em: 10 nov.
2008.