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Parcela
de preço específica: sua natureza tributária. A legitimidade "ad
causam" das distribuidoras de combustível
Hermes de Alencar Benevides Neto*
INTRODUÇÃO
O
advento da Lei 10.336/01, que instituiu a famigerada CIDE – Combustíveis,
trouxe à tona uma discussão, até então não suscitada, em torno da antiga e
conhecida "Parcela de Preço Específica" que era inserida no preço dos
combustíveis.
Postos
revendedores e distribuidoras de combustíveis, ou as associações coletivos de
ambos, atentaram para o fato de que a citada CIDE fora instituída "em
substituição" à "Parcela de Preço Específica" (PPE), antiga
quantia oriunda de normas infralegais do Poder Executivo que onerava o preço
dos combustíveis. Passaram, então, a bater às portas do Judiciário com intuito
de ver declarada a inconstitucionalidade de referida parcela, por desobediência
ao princípio da estrita legalidade, cumulando, em conseqüência, pedido de
compensação (ou restituição) dos valores pretéritos supostamente indevidos com
os montantes da atual CIDE.
Com
a ajuda do Governo Federal, que divulgou abertamente a tal
"substituição" da PPE pela CIDE, as empresas passaram a demonstrar
que a antiga parcela detinha natureza tributária (afinal, estava sendo
substituída por um tributo que teria rigorosamente as mesmas características e
funções) e que, por isso, não poderia ser instituída por norma infralegal, nem
desrespeitar qualquer outro princípio regente da tributação.
De
tal investida, até agora, decorreram poucas manifestações dos Tribunais, dado o
frescor da matéria. Pouco a pouco, todavia, percebe-se que os juízes e
desembargadores (em decisões monocráticas) que já se debruçaram sobre o tema,
têm-se inclinado favoravelmente à tese dos contribuintes, declarando incidenter
tantum a inconstitucionalidade da PPE (inobstante, em consonância com a
consolidação jurisprudencial, os indeferimentos liminares de compensação –
Súmula 212, do STJ).
Além
da natureza da parcela, também é alvo de discussão a legitimidade (postos,
distribuidoras ou refinarias) para pleitear tais valores em face do que dispõe
o art. 166, do CTN, relativo a "transferência" dos encargos
tributários na cadeia produtiva.
Destarte,
em face deste quadro e da oportunidade que tivemos de estudar o tema, é que se
justifica o presente artigo. Oferecemos nossa singela contribuição para o
deslinde da questão arrimando nossa exposição em um breve balanço histórico dos
preços de petróleo no país, seguida da análise da natureza da parcela e do
estudo sobre a legitimidade para pleitear os valores da PPE.
INSTITUIÇÃO DA PARCELA DE PREÇO ESPECÍFICA
Desde
os idos anos de instituição da Petrobrás, a formação do preço de derivados de
petróleo no país se dava pela agregação de diversos fatores presentes ao longo
da cadeia composta pela atividade de refino, distribuição e revenda O preço dos
derivados era estipulado pelo tabelamento governamental que já previa todos os
custos e margens de lucro dos integrantes da cadeia produtiva.
Tal
sistema, a partir de 1978, era caracterizado pela equalização dos preços dos
derivados em todas as localidades do país (não mais apenas a nível do atacado).
O Governo havia criado o Frete de Uniformização de Preços (FUP) com o
intuito de equalizar os preços tão distoantes em face do imenso território do
país. Essa quantia era imbutida (um "plus" que antes de
1978 não existia) no preço dos produtos que saiam da refinaria (preço de
faturamento) para posterior ressarcimento do transporte feito pelas
distribuidoras.
Através
dessa sistemática, as distribuidoras eram responsáveis pelo transporte dos
produtos, sendo posteriormente ressarcidas, em sua integralidade, através dos
fundos arrecadados pelo FUP. Assim, independente da localidade e da distância,
os custos para as distribuidoras eram equivalentes, visto que ressarcidos na
proporção em que eram gastos. Fosse para o Acre ou para São Paulo, os custos
eram os mesmos, já que os gastos com os transportes eram todos ressarcidos. Dessa
forma, uniformizavam-se os preços. Outrossim, a referida arrecadação se
prestava ainda a subsidiar o álcool, sendo as "sobras" contabilizadas
em uma conta (Conta Derivados) junto ao órgão regulador.
A
partir da década de 90, com o inicio do processo de desregulamentação do
mercado, o Governo Federal liberou a equalização dos preços. Precisamente em
1998, com a Portaria Interministerial dos Ministérios de Minas e Energia e da
Fazenda nº3, de 27 de julho de 1998, o mercado de derivados de petróleo ganhou
nova feição, tendo sido iniciada a fase de transição para a abertura total a
ser feita quase 4 anos mais tarde.
Com
o citado instrumento normativo, foi extinta a parcela do FUP e criada em seu
lugar a Parcela de Preço Específica, que, da mesma forma, compunha o
preço de faturamento da refinaria.
Assim,
ficaria, em regra, tabelado o preço nas refinarias (incluindo a PPE) e liberado
o preço para as distribuidores e postos varejistas. O FUP, nesse contexto, não
teria mais sentido, pois o transporte dos produtos ficaria por conta das
distribuidoras que não mais seriam ressarcidas.
Todavia,
a expressiva arrecadação da FUP, a essa altura, se destinava a objetivos que
ultrapassavam a mera uniformização de preços. O Governo Federal ainda intentava
a utilização desse montante para cobrir os subsídios cruzados (entre derivados
do petróleo), os subsídios do álcool; os subsídios ao transporte em regiões
muito remotas.
Além
disso, era necessária parcela que servisse como "amortecedor" das
eventuais flutuações no mercado internacional de petróleo e/ou a cotação do
real que, por decisão do Governo, não fossem transferidas para o consumidor. Restava,
ainda, a necessidade de ressarcimento dos créditos da Petrobrás, decorrente de
saldos das contas junto ao órgão regulador.
Daí,
em substituição a FUP, fora criada a Parcela de Preço Específica para suportar
todos estes gastos. Na norma instituidora da exação, em seu art. 4º, a
literalidade do dispositivo se reporta ao art. 13, da Lei 4.452/64, afirmando
que a parcela se destina ao ressarcimento dos custos previstos no citado art.
13. De forma conciliadora e em adaptação a nova sistemática dos preços do
petróleo, pode-se dizer que a interpretação sistemática e histórica da norma
leva à conclusão de que o art. 13, da Lei 4.452/64 se refere aos custos gerais
extra-refinaria que correspondem ao acima exposto (subsídios, transporte,
flutuações cambiais e etc).
A
PPE, pois, restou instituída em manifesta substituição a arrecadação do FUP. (Veja-se que o Governo Federal, em
sua histórica necessidade arrecadatória, jamais iria extinguir uma exação de
tamanha relevância e utilidade, sem substituí-la por outra, muito embora tenham
seus reais fins perecido)
DA NATUREZA TRIBUTÁRIA DA PPE
À
luz do art. 3º, do CTN, e dos vastos ensinamentos da doutrina pátria, não resta
dúvida quanto à natureza tributária da Parcela de Preço Específica.
Sem
maiores elucubrações, a literalidade do art. 3º, do CTN, nos fornece os
elementos caracterizadores de um tributo, in verbis:
"Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em
moeda, ou cujo valor nela possa se exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada."
Acrescentando
os ensinamentos doutrinários, temos que tributo tem os seguintes elementos: i)
prestação imposta unilateralmente pela lei; ii) de direito
público; iii) obrigação ex-lege; iv) não
contraprestacional, nem sanção por ato ilícito; v) obrigação
inderrogável ou indisponível.
A
PPE é inegavelmente prestação pecuniária compulsória. Devia ser paga na
aquisição dos derivados ainda na refinaria por imposição unilateral do Poder
Público.
É
obrigação decorrente "de lei" (no caso, houve esdrúxula instituição
por norma infralegal) e é de direito público. A vontade do contribuinte é
irrelevante.
Não
é contraprestacional. Fica claro pela regulamentação dos preços que a quantia
da PPE se destina ao Governo Federal, enquanto o preço de realização, que
corresponde à contraprestação, é destinado à refinaria.
Obviamente,
a obrigação da PPE não decorre de ato ilícito. Pelo contrário decorre da
própria lei, sendo indisponível, pois o credor não pode modificá-la, nem o
devedor pode deixar de cumpri-la conforme exigido.
Ademais,
a PPE também não pode ser caracterizada como preço público. Aliás, nem a mais
aguçada criatividade conseguiria enquadrar tal parcela nesse instituto.
Observe-se
que, muito embora a doutrina divirja quanto à exata conceituação do preço
público, um dos seus elementos é inquestionável, qual seja, a contratualidade. E
esse ponto já é suficiente para afastar o argumento tendente a caracterizar a
PPE como preço público. Isto porque tal parcela não decorre de contrato.
Demais
disso, estando precisada a natureza tributária da Parcela de Preço Específica e
afastada a possibilidade de caracterizá-la como preço público, em que pese sua
denominação, só nos resta determinar-lhe a espécie tributária (imposto, taxa,
contribuição de melhoria, contribuição "especial" ou empréstimo
compulsório).
De
pronto, afastamos o imposto por ter como característica fundamental a
desvinculação (art. 16, do CTN). Ou seja, as receitas oriundas dessa espécie de
tributo são completamente desvinculadas de qualquer fim, fundo ou prestação
específica, devendo o montante da arrecadação se destinar aos gastos ordinários
de dado Estado. Obviamente, não é o caso da PPE que tem finalidades específicas
conforme exposto acima
Quanto
à taxa, também não há como enquadrar a PPE em sua conceituação. A citada
parcela não remunera serviço público específico e indivisível, nem muito menos
o exercício de poder de polícia (art. 145, inciso II, da CF). Pelo contrário, a
PPE tem como fato gerador a venda dos derivados de petróleo pela refinaria e
não a prestação de dado serviço.
Contribuição
de Melhoria não é, pois não decorre de obra pública (art. 145, inciso III, da
CF). Empréstimo Compulsório; muito menos, já que não se destina a atender
despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública ou de guerra, nem de
caso de investimento público de caráter urgente e relevante (art. 148, da CF).
Resta,
pois, a possibilidade de encartá-la como contribuição "especial". E
neste conceito é possível vislumbrá-la.
As
contribuições "especiais" não têm uma definição pacífica fixada pela
doutrina e pela jurisprudência pátria. Nem mesmo sua denominação e sua natureza
estão livre das controvérsias hodiernas.
Todavia,
sem enveredar por essa tortuosa discussão, podemos afirmar que o elemento
nuclear das contribuições sociais é o seu caráter de parafiscalidade latu
sensu.
Ou
seja, as contribuições "especiais" são tributos que tem uma
finalidade constitucional específica diferente do intuito de arrecadação. São
espécies que se destinam à realização de um fim constitucional, seja o custeio
da seguridade social, seja a intervenção em dado domínio econômico, seja a
realização do interesse de categorias profissionais ou econômicas.
Sua
arrecadação, pois, visa custear a realização de um fim constitucionalmente
previsto. Esse ponto é justamente a parafiscalidade latu sensu a que se
refere a doutrina.
No
caso sub eximane, nos parece cristalino o enquadramento da PPE com
contribuição "especial". Tal parcela, além de não se enquadrar nas
espécies tributária vistas, perfaz ainda o elemento caracterizador da
contribuição "especial" que é a parafiscalidade.
Não
resta dúvida de que o intuito da PPE não é meramente arrecadatório. Pelo
contrário, sua instituição tem a função de intervir no mercado de derivados de
petróleo para possibilitar subsídios, evitar variações incessantes de preços ao
consumidor, possibilitar o transporte dos produtos a áreas remotas dentre
outras finalidades. A PPE era, pois, contribuição de intervenção no domínio
econômico nos termos do art. 149, da CF.
Tanto
isso é verdade que a arrecadação da PPE em dezembro de 1998 foi de R$ 495
milhões, e, em janeiro de 1999, com a desvalorização do real em relação ao
dólar, houve uma queda abrupta, passando para R$ 130 milhões. Isso mostra que a
parcela servia como mecanismo de intervenção econômica que utilizava o Governo
Federal para "amortecer" as mudanças no câmbio. Quando a moeda
nacional desvalorizava ou o preço do petróleo no globo subia, a PPE era
reduzida para não haver repasse de tais flutuações para os consumidores finais.
(1)
Reforça
a tese, a instituição, através da Lei 10.336/01, da
"CIDE-Combustíveis" em substituição à PPE.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PPE
Pelo
acima exposto são dispensáveis maiores considerações acerca da impossibilidade
da cobrança da Parcela de Preço Específica.
Como
exação de caráter tributário teria necessariamente que seguir os ditames dos
arts. 150, inciso I, da Carta Magna e 97, do CTN, devendo ser instituída por
lei (princípios da reserva legal e da tipicidade cerrada).
Nesse
sentido, os primeiros pronunciamentos do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, sob a relatoria do Excelentíssimo Desembargador Federal Élio Wanderley
de Siqueira Filho, in verbis:
Origem: TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Agravo Reg no Agravo de Instrumento 45729
Processo: 200205000269322 – PE
Órgão Julgador: Terceira Turma
DJ: 18/02/2003 - Página::935
Relator(a)
Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. PARCELA DE PREÇO ESPECÍFICA - PPE. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DA
CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE. PRESENÇA DOS
REQUISITOS LEGAIS. COMPENSAÇÃO. MEDIDA SATISFATIVA.
1. O PEDIDO DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO
NO DOMÍNIO ECONÔMICO - CIDE, ATÉ O MONTANTE CORRESPONDENTE AO VALOR RECOLHIDO A
TÍTULO DE PARCELA DE PREÇO ESPECÍFICA - PPE, ENTRE AGOSTO DE 1998 E
DEZEMBRO DE 2001, DEVE SER ACOLHIDO, EM RAZÃO DA PRESENÇA DOS REQUISITOS
LEGAIS, JÁ QUE FORAM LEVANTADOS RAZOÁVEIS ARGUMENTOS NO SENTIDO DA
INCOMPATIBILIDADE DA COBRANÇA DE TAL PARCELA COM O ORDENAMENTO JURÍDICO.
2. QUANTO À COMPENSAÇÃO, APESAR DE SUA NATUREZA PRECÁRIA E DA
NECESSIDADE DA HOMOLOGAÇÃO DA DITA COMPENSAÇÃO PELO FISCO, NÃO PODE SER
DEFERIDA EM SEDE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, EM FACE DA PROVISORIEDADE QUE A
CARACTERIZA.
3. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.
DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA PLEITEAR A COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO
Conforme
exposto acima, a PPE surgiu em substituição à FUP e, como tal, integrava o
preço de faturamento da refinaria. Em termos concretos, o preço dos produtos ao
sair da refinaria para as distribuidoras (preço de faturamento) era composto
pelo preço de realização, que custeava os gastos da refinaria, as parcelas de
PIS e COFINS e a Parcela de Preço Específica. Em singela expressão numérica:
PFat = PReal + PIS/COFINS + PPE. (Portarias Interministeriais dos Ministérios
de Minas e Energia e da Fazenda nº 03/98 e 149/99) (2)
Esta
sistemática, durante todo o período de cobrança da PPE – Agosto de 1998 a
Dezembro de 2001, permaneceu inalterada, sendo seus valores fixados pelo
Governo Federal através das Portarias Interministeriais dos Ministérios de
Minas e Energia e da Fazenda e da Agência Nacional de Petróleo.
O
Preço de Realização servia para custear o processo de refino e era direcionado
à refinaria (central petroquímica); as parcelas de PIS e COFINS correspondiam a
aplicação das alíquotas sobre as operações realizadas e, por fim, a Parcela de
Preço Específica era quantia fixada (PFat – PReal – PIS/COFINS) e recolhida à
Conta Única do Tesouro Nacional. (3)
Essa
sistemática, como se vê, obrigava a refinaria a recolher os valores relativos à
PPE, nos termos da Portaria nº 56/00, da ANP. Assim, em outros termos, a
central petroquímica fazia o papel de contribuinte da referida
"CIDE", mas, em contrapartida, não arcava com o ônus financeiro do
tributo, pois todos os seus custos eram cobertos pelo preço de realização.
Do
ponto de vista do direito tributário, tal assertiva vai nos levar
necessariamente ao tortuoso e debatido art. 166, do Código Tributário Nacional.
Isto porque corresponde justamente ao debate sobre repercussão jurídica e
financeira de tributos.
O
citado dispositivo assim dispõe:
"Art. 166. A restituição de tributos que comportem por sua natureza
transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove
haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro,
estar por este expressamente autorizado a recebâ-la."
Diante
do já avançado nível de estudo que gravita em torno do tema, nos limitamos a
concluir que o dispositivo se refere aos casos em que haja "transferência
jurídica" do tributo, e não mera "transferência financeira" que,
a rigor, ocorre com qualquer tributo.
Assim,
o art. 166, do CTN, estaria se referindo àqueles casos em que a lei
expressamente transfere o encargo a outrem e ainda àqueles que por sua natureza
são "construídos" juridicamente para repercutir (tributos indiretos).
A
pacífica jurisprudência do STJ assim dispõe:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. COMPENSAÇÃO. REPETIÇÃO
DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO INDIRETO. TRANSFERÊNCIA DE ENCARGO FINANCEIRO O
CONSUMIDOR FINAL. ART.
166, DO CTN. ILEGITIMIDADE ATIVA. CORREÇÃO MONETÁRIA. SALDOS
CREDORES ESCRITURAIS. MATÉRIA DE DIREITO LOCAL. PRECEDENTES.
(...)
3. A respeito da repercussão, a Primeira Seção do Superior Tribunal de
Justiça, em 10/11/1999, julgando os Embargos de Divergência nº 168469/SP, nos
quais fui designado relator para o acórdão, pacificou o posicionamento de que
ela não pode ser exigida nos casos de repetição ou compensação de
contribuições, tributo considerados diretos, especialmente, quando a lei que
impunha a sua cobrança foi julgada inconstitucional. (...)
5. Tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo
encargo financeiro são somente aqueles em relação aos quais a própria lei
estabeleça dita transferência.
6. Somente em casos assim aplica-se a regra do art. 166, do Código
Tributário Nacional, pois a natureza, a que se reporta tal dispositivo legal,
só pode ser a jurídica, que é determinada pela lei correspondente e não por
meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se
disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, a
aludida transferência.
7. Na verdade, o art. 166, do CTN, contém referência bem clara ao fato
de que deve haver pelo intérprete sempre, em casos de repetição de indébito,
identificação se o tributo, por sua natureza, comporta a transferência do
respectivo encargo financeiro para terceiro ou não, quando a lei,
expressamente, não determina que o pagamento da exação é feito por terceiro,
como é o caso do ICMS e do IPI. A prova a ser exigida na primeira situação deve
ser aquela possível e que se apresente bem clara, a fim de não se colaborar
para o enriquecimento ilícito do poder tributante. Nos casos em que a lei
expressamente determina que o terceiro assumiu o encargo, necessidade há, de
modo absoluto, que esse terceiro conceda autorização para a repetição de
indébito.
8. O tributo examinado (ICMS) é de natureza indireta. Apresenta-se com
essa característica porque o contribuinte real é o consumidor da mercadoria
objeto da operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito)
repassa, no preço da mercadoria, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres
públicos o imposto já pago pelo consumidor de seus produtos. Não assume,
portanto, a carga tributária resultante dessa incidência. Em conseqüência, o
fenômeno da substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de
fato pelo contribuinte de direito, ocorre na exigência do pagamento do imposto
do ICMS.
9. A repetição do indébito/compensação do tributo debatido não pode ser
deferida sem a exigência da repercussão. Ilegitimidade ativa ad causam das
empresas recorridas configuradas. (...)
(AgResp 436.894/PR - STJ – 1ª Turma – Min. Relator José Delgado –
Dezembro/2002)
Observando
a sistemática de regulamentação de preços dos derivados de petróleo à luz do
que se interpreta do art. 166, do CTN, chega-se a seguinte conclusão:
A
central petroquímica é quem recolhe o tributo, sendo considerada o contribuinte
de direito. Conforme a disposição das normas instituidoras da PPE
(Portarias Interministeriais dos Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda nº
03/98 e 149/99), a exação é um plus acrescido ao montante do preço de
realização, que remunera todos os custos oriundos do refino e a margem de lucro
correspondente. Assim, a central petroquímica, a despeito de ser contribuinte
da exação, não arca com o ônus financeiro da PPE, pois já tem todos os seus
custos e lucros cobertos. Seu papel é de adicionar a PPE, incluindo-a no preço
praticado com as distribuidoras.
As
distribuidoras, por sua vez, adquirem os produtos da central petroquímica com a
PPE embutida. Nessa etapa da cadeia produtiva, a parcela é absorvida, compondo
os custos gerais da atividade de distribuição.
Tais
empresas acabam arcando com o encargo tributário transferido da etapa anterior.
Comportam-se, pois, como contribuintes de fato.
Observe-se
que esse caso enquadra-se justamente nas hipóteses previstas pela a doutrina e
pela jurisprudência de repercussão jurídica, diferente da mera repercussão
financeira.
A
lei expressamente transfere ao terceiro o ônus do tributo quando prevê uma
sistemática de tabelamento governamental que separa todo o custo e lucro do
contribuinte de direito (central petroquímica) do encargo financeiro tributário
(PPE), remetendo, assim, para o ente posterior da cadeia, o ônus da exação.
A
repercussão jurídica da PPE é assaz cristalina que nos permite, inclusive, não
adentrar na análise mais complexa da repercussão que se dá nos tributos
indiretos, como IPI e ICMS.
O
eterno professor Hugo de Brito Machado, em intocável Parecer assim ementado
"CIDE. LEI N.º 10.336/2002. DISTRIBUIDORES E VAREJISTAS DE COMBUSTÍVEIS. MANDADO
DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM", traz brilhante exposição
sobre a questão da repercussão jurídica que ocorre com a
"CIDE-Combustíveis" (Lei 10.336/02) exatamente no momento da
transação entre refinaria e distribuidoras, in verbis:
"De
fato, as refinarias têm o chamado "preço de realização do produtor",
o qual remunera todos os seus custos, inclusive tributários (tributos diretos),
e sua margem de lucro. Como um plus sobre esse "preço de
realização", de sorte a formar o preço exigido dos distribuidores de
combustíveis, incidem ICMS, PIS, COFINS e CIDE, em clara demonstração de
transferência jurídica de seu ônus financeiro para os compradores. São as
próprias regras da Agência Reguladora (ANP) que viabilizam a incidência de tais
encargos como um plus que, por isso mesmo, não é suportado pela
refinaria (vendedora), mas pelo distribuidor (comprador), parte vinculada à
operação de comercialização que consiste no fato gerador do gravame. (4)
Não
resta dúvida, pois, de que as distribuidoras são contribuintes de fato do
tributo, tendo que "acomodá-lo" dentre os seus custos com a atividade
de distribuição.
Com
relação à etapa seguinte, a distribuição para os postos varejistas, não há que
se falar em repercussão jurídica, pois não há previsão legal de transferência,
nem há ônus direto a ser embutido no preço, senão financeiramente em virtude da
etapa anterior.
Mais
uma vez é cristalina a lição de Hugo de Brito Machado:
"Na comercialização, por seu turno, percebe-se que a CIDE onera uma
operação, ou um fato realizado entre duas pessoas. Afinal, a venda do
combustível pela refinaria (fato gerador) não ocorre sem que haja um comprador,
e as condições nas quais ocorre citada operação viabilizam o integral
repasse do encargo financeiro para aquele que adquire o produto. Tudo ocorre
nos exatos termos em que a jurisprudência do STJ considera haver repercussão
jurídica do encargo financeiro. Essa repercussão ocorre juridicamente entre
a refinaria e o distribuidor, os dois sujeitos envolvidos no fato gerador, e de
modo meramente financeiro do distribuidor para o varejista, e deste para
o consumidor final, pois a CIDE, nesses momentos subseqüentes, não mais onera
diretamente o preço praticado, estando nele embutida apenas financeiramente, em
virtude de operação ocorrida etapas antes."
Por
fim, ratificando o esposado vale relembrar que a PPE é substituta do antigo FUP
(Frete de Uniformização de Preços) que foi parcela adicional ao preço de
faturamento da refinaria para ressarcir as distribuidoras.
Veja-se
que as distribuidoras "pagavam mais caro" pelos produtos (acréscimo
do FUP), mas, em contrapartida, eram ressarcidas a posteriori. Com a
extinção do FUP e criação da PPE em seu lugar, as distribuidoras continuaram
"pagando mais caro", sem entretanto, serem ressarcidas, visto que o
transporte dos produtos passou a sua responsabilidade.
Isso
demonstra que foram justamente as distribuidoras que tiveram que arcar com a
instituição da Parcela de Preço Específica, pois perderam o ressarcimento de
tais valores oriundo do FUP.
Assim,
como conclusão final, tem-se, decididamente, que a legitimidade ad causam
é das distribuidoras de combustíveis.
Notas
1Revista Brasileira de Energia Vol. 8
N° 1 - 1° Sem/2001. A Formação de Preços dos Derivados de Petróleo no
Brasil. Márcio Werner Lima Sathler e Maurício Tiomno Tolmasquim.
2Art. 4º A diferença entre o preço de
faturamento de cada produto, de que trata o art. 1º, e a soma do respectivo
preço de realização, a que se refere o art. 2º, com as contribuições PIS/PASEP
e COFINS, constitui-se em parcela de preço específica (PPE) destinada a
assegurar o ressarcimento de despesas objeto da alínea "c" do inciso
I, e das alíneas "a", "b", "d" e "h" do
inciso II do art. 13 da Lei nº 4.452, de 5 de novembro de 1964, com alterações
posteriores, a qual terá seu valor calculado, mensalmente, de acordo com a
seguinte fórmula:
Parcela
de preço específica n = PFAT n - [PR n +
(PIS/PASEP + COFINS)], onde:
Parcela
de preço específica n = valor da parcela de preço específica do
produto no mês n;
PFAT
n = preço de faturamento do produto, na condição à vista, nas
refinarias produtoras no mês n, exclusive ICMS;
PR
n = preço de realização do produto, nas refinarias produtoras, no
mês n;
PIS/PASEP
= valor (R$/(1 ou kg)) da contribuição PIS/PASEP;
COFINS
= valor (R$/(1 ou kg)) da contribuição COFINS
3 "Art. 8º A CPQ (central
petroquímica) obriga-se a recolher a diferença de que trata o art. 4º, da
Portaria Interministerial nº 149, de 23 de junho de 1999, dos Ministérios da
Fazenda e de Minas e Energia, com amparo no art. 13 da Lei nº4.452, de 5 de
novembro de 1964, e de outros dispositivos legais que vieram a sucedê-los,
relativamente à gasolina comercializada."
§1º
O recolhimento referido no caput deste artigo deverá ser feito pela CPQ
diretamente à Secretaria do Tesouro Nacional – STN, mediante depósito em conta
do Banco do Brasil S/A, em conformidade com os mecanismos instituídos pela
Instrução Normativa STN nº 4, de 31 de julho de 1998."
4
In "http://www.hugomachado.adv.br/pareceres/cidelegi.doc"
*advogado
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/
Acesso em: 27 fev. 2007.