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O fim da autocompensação. Ou como ficou a compensação tributária na Lei nº 8.383/91 após o advento da Lei nº 10.833/2003





Artur Alves da Motta*




1. Introdução

            A compensação como forma extintiva do crédito tributário (art. 156, inciso II, do CTN) ganhou na esfera federal um forte impulso a partir da Lei n.º 8.383/91, mais particularmente quando o art. 66 passou a permitir ao contribuinte que compensasse o valor do tributo indevido ou recolhido a mais, com o valor do próprio tributo devido e desde que fosse com tributos, contribuições e receitas da mesma espécie (art. 66, § 1.º, da Lei n.º 8.383/91).

Posteriormente, e respaldada pelo art. 170 do CTN, a Lei n.º 9.430/96, possibilitou ao sujeito passivo (conceito mais amplo, portanto) a utilização de crédito, relativo a tributo ou contribuição administrada pela Receita Federal – desde que passível de restituição ou ressarcimento – fosse utilizado na compensação com débitos próprios de quaisquer tributos administrados pela Receita Federal (art. 74).

            Este mesmo artigo, alterado pela Lei n.º 10.637/2002, determinou que essa compensação fosse realizada mediante a entrega de declaração informando os créditos utilizados e os débitos compensados (art. 74, § 1.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação dada pela Lei n.º 10.637/2002).

            Sendo esta declaração de compensação uma confissão legal de dívida, fica dispensada a constituição formal do crédito tributário para as compensações indevidas (art. 74, § 6.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação da Lei n.º 10.833/2002). Mas isto não afasta para a Receita o dever de informar que essa compensação não foi efetuada, abrindo-se o prazo de 30 dias para que o sujeito passivo recolha as diferenças (art. 74, § 7.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação determinada pela Lei n.º 10.833/2002). Por óbvio que esta decisão que reputar inadmissível a compensação deve ser motivada, consoante estabelece o art. 50 da Lei n.º 9.784/99.


2. Análise da jurisprudência atual

            Em face destas últimas alterações legislativas (Lei n.º 10.637/2002 e 10.833/2003) fica superada a possibilidade de autolançamento para a compensação (rectius: autocompensação) sem a devida informação à Receita.

            Uma coisa é a possibilidade de autocompensação na própria escrita fiscal, possível antes da Lei n.º 10.637/2002, uma vez que a jurisprudência admitia tranqüilamente a desnecessidade de informação à fiscalização:

            (RESP 710.829/PE, Rel. Min. José Delgado, 1.ª T., j. 03.03.2005, DJ 02.05.2005 p. 235)

            Mas decisões como estas devem ser assimiladas cum granus salis. É que o próprio STJ já afirmou que a compensação se rege pela lei vigente à época em que a compensação deve ser feita:

            (RESP 555.058/PE, 2.ª T., j. 16/10/2003, Rel. Min. Castro Meira, DJ 25.02.2004 p.00162)

            (RESP 487.173/RJ, 1.ª T., j. 05/08/2003, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 08.09.2003)

            Assim, no período anterior à vigência das Leis n.º 10.637/2002 e 10.833/2003, o sujeito passivo podia realizar a sua compensação com parcelas do próprio tributo, sem a necessidade de informar tal fato à Receita Federal (a autocompensação). É a conclusão a que se chega com o apoio da jurisprudência do STJ:

            (RESP 463.123/SP, Rel. Min. Denise Arruda, 1.ª T., j. 05.04.2005, DJ 02.05.2005 p. 156. Negritei)

            Depois da Lei n.º 10.637/2002, a coisa definitivamente mudou de figura, pondo fim à autocompensação:

            Este último julgado, da relatoria do Exmo. Min. Teori Zavascki é enfático: depois da Lei n.º 10.637/2002 o contribuinte tem o dever de entregar a declaração contendo as informações sobre os créditos e débitos utilizados (ERESP. 488.992/MG) para a Secretaria da Receita Federal.


3. Outras questões ligadas à compensação

            Entretanto, como se não bastassem parâmetros legais já abordados, existem outros pontos a enfocar eis que eles usualmente aparecem nos processos judiciais em que se pleiteia o reconhecimento da compensação. Deve ser lembrado que tampouco se pode admitir como válida uma compensação quando o valor do tributo (crédito fiscal) utilizado como crédito compensável esteja sendo discutido judicialmente. Assim estabelece a vedação legal trazida pela Lei Complementar n.º 104/2001, que inseriu o art. 170-A, no CTN:

            Por sinal, o Eg. STJ tem afirmado a plena aplicabilidade do dispositivo:

            (RESP 352.859/CE,. 2.ª T., j. 21/03/2002, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 06/05/2002)

            Importante mencionar que mesmo antes da vedação legal, a Súmula 45 do TRF da 4.ª Região e a Súmula 212 do STJ (na sua redação original) já continham disposição de igual teor:

            SÚMULA 45 do TRF da 4.ª Região

            Súmula 212 do STJ:

            Vide também um conceito muitas vezes esquecido do art. 74 da Lei n.º 9.430/96, que estabelece que "o sujeito passivo que apurar crédito (...) poderá utiliza-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos (...)". O negrito é proposital.

            São freqüentes nos embates judiciais com o fisco federal os pedidos de compensação com a utilização de créditos havidos de terceiros ou pedidos para a transferência de créditos a terceiros. Já o disse o Eg. TRF da 4.ª Região que esses créditos só se prestam para a compensação com débitos próprios, reafirmando o sentido da lei:

            (AI N.º 2002.04.01.021833-3/SC, 2.ª T., j. 24/9/2002, Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares. Destaquei com itálico)

            (AMS n.º 2001.70.00.011623-9/PR, 1.ª T., j. 28/11/2002, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria).

            (Agravo de Instrumento n.º 2003.04.01.055495-7/PR, 1.ª T., j. 31/3/2004, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJ maio/2004. Negritei).

            Vale lembrar que a legislação tributária (CTN, art. 123) nega a validade a convenções particulares quanto a responsabilidade pelo pagamento de tributos (e aqui se pode equiparar a compensação, por força do art. 156, inciso II, do CTN, tendo em vista que esta também é modalidade de extinção dos créditos tributários):

            Outras formas de extinção do crédito tributário, em atenção ao princípio da legalidade (art. 150, inciso I, da Constituição de 1988), dependem de lei específica, como diz o art. 170 do CTN:

            Daí a falta de amparo legal – atestada pela melhor jurisprudência – para o aproveitamento dos créditos havidos de terceiros ou o pleito para transferir a estes os créditos fiscais reconhecidos judicialmente.


4. Conclusão

            Se é certo que a compensação se rege conforme as leis vigentes no momento em que a compensação é feita – conforme a jurisprudência referida acima –, a lei foi categórica ao instituir o dever de o contribuinte ou sujeito passivo, informarem esta situação (art. 74, § 1.º da Lei n.º 9.430/96, com a redação dada pela Lei n.º 10.637/2002), sob pena de esta compensação não ser homologada (art. 74, § 7.º da Lei n.º 9.430/96) e o débito ser inscrito em Dívida Ativa da União para cobrança pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 74, § 8.º da Lei n.º 9.430/96).

            Em face da leitura dos textos legais e da análise dos julgados que enfrentaram temas correlatos se conclui que a autocompensação prevista pela redação original do art. 66 da Lei n.º 8.383/91 não mais existe, tendo cedido o passo para a compensação dependente da homologação fiscal (a partir da Lei n.º 10.637/2002).



*procurador da Fazenda Nacional em Porto Alegre (RS), especialista em Direito Tributário e mestrando em Direito do Estado pela pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul



Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/>. Acesso em: 06 dez. 2006.