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O regime jurídico das contribuições especiais no Direito brasileiro

 

 

Juraci Altino de Souza*

 

 

SUMÁRIO: 1 introdução. 2 esboço histórico das contribuições especiais. 3 as contribuições especiais no contexto jurídico-pátrio. 3.1 a sua natureza jurídica: as várias classificações propostas pela doutrina. 3.2 o reconhecimento da sua natureza jurídica tributária. 3.3 as contribuições especiais como espécie tributária autônoma. 3.4 o seu conteúdo finalístico como fator essencial. 3.5 a referibilidade da atividade estatal ao contribuinte das contribuições especiais. 4 a competência constitucional das pessoas políticas para instituir contribuições. 5 as espécies de contribuições especiais. 5.1 as contribuições sociais. 5.1.1 as contribuições sociais gerais. 5.1.2 as contribuições sociais de seguridade social. 5.2 as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas. 5.3 as contribuições de intervenção no domínio econômico. 5.4 a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. 6 princípios constitucionais aplicáveis à imposição das contribuições especiais. 7 conclusão. Bibliografia.


1 INTRODUÇÃO

          O presente trabalho tem por escopo a análise do regime jurídico das chamadas contribuições especiais no direito brasileiro. Em nossa abordagem, buscamos levantar, preliminarmente, o histórico dessas contribuições, bem como os motivos determinantes do seu surgimento, reportando-nos aos acontecimentos econômicos e sociais que tiveram lugar em meados do século passado, no pós-guerra, como decorrência do Estado social e interventor.

          Buscamos, na seqüência, posicionar as contribuições especiais no contexto jurídico pátrio, enfrentando o problema da sua natureza jurídica, com a visita às várias classificações propostas pela doutrina, concluindo pela sua natureza indiscutivelmente tributária, com supedâneo no Texto Constitucional.

          Explicitada a natureza jurídica tributária das contribuições especiais, partimos para a tarefa de situá-la no contexto tributário, enfrentando a questão da delimitação acerca da espécie tributária na qual deve ser a mesma classificada, ou se, ao contrário, deve ser ela catalogada como espécie tributária autônoma, diferente das figuras clássicas a que alude o artigo 5.° do Código Tributário Nacional.

          Ao depois, destacamos o entendimento unânime da doutrina segundo o qual o conteúdo finalístico das contribuições é fator indissociável da natureza destas, circunstância que as diferencia dos impostos que, por expressa disposição constitucional, têm vedada a vinculação de suas receitas a órgão, fundo ou despesas específicos.

          Foi enfrentada, ainda, a questão da necessidade da existência de referibilidade ao sujeito passivo das contribuições da atividade estatal que deu causa à sua instituição.

          Feitas todas essas abordagens, voltamo-nos, finalmente, à análise das diversas espécies de contribuições especiais: as contribuições sociais gerais, as contribuições sociais de seguridade social, as contribuições de interesse de categorias profissionais e econômicas, as contribuições de intervenção no domínio econômico e, por fim, a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, com a busca das peculiaridades de cada uma desses grupos de exações, bem como, com a identificação particular das várias imposições existentes, atinentes à cada grupo, com a indicação das normas de direito positivo que sobre elas versam.

          No desenvolvimento desta tarefa socorremo-nos das lições da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, trazendo à baila as diversas posições existentes sobre um mesmo tema, filiando-nos, em várias oportunidades, a esta ou aquela corrente de entendimento.

          Nosso objetivo, como se vê, não foi, e nem poderia ser, tentar dizer, taxativamente, "o que é" ou "o que não é" a melhor forma do direito, encastelando-nos em verdades incontestáveis, eis que, como se sabe, em ciência, as perguntas são mais importantes que as respostas. Ou, se preferirmos, as respostas são importantes, sim, mas só na medida em que abrem espaços a novas perguntas.


2 ESBOÇO HISTÓRICO DAS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

          No início do século XX percebeu-se a existência e relevância de algumas questões sociais, não conhecidas antes da Revolução Industrial, as quais se pode denominar de "efeitos colaterais" dos regimes capitalistas.

          Problemas ligados ao conteúdo da relação de trabalho, à saúde e à educação pública passaram a chamar a atenção da sociedade e, por conseqüência, do próprio Estado.

          As atribuições do Estado, até então guiadas pelo pensamento de cunho absenteísta liberal, alargaram-se, passando a merecer a atenção estatal além dos temas sociais, aqueles relacionados com a economia e o meio- ambiente.

          Na segunda metade do século, no período do pós-guerra, houve uma intensificação da atividade legislativa estatal voltada para a disciplina da economia, por meio da intervenção estatal no domínio econômico, da criação de regras voltadas a conter a formação de trustes etc.

          Consolidava-se a convicção de que não mais poderia prosperar a idéia liberal segundo a qual a sociedade civil seria suficiente para realizar todos os objetivos por ela pretendidos, sem a interferência do Estado, apenas com as regras auto-reguladoras do mercado. Ganhava corpo a percepção nítida de que o alcance de determinados objetivos só seria possível com a atuação positiva do Estado pautada na noção de solidariedade. Nasce, então, o denominado Estado Social (Welfare State).

          Nesta perspectiva, as normas estatais deixam de representar veículos que continham somente limites dirigidos ao poder estatal, e passam a contemplar questões outras, em consonância com a noção de solidariedade típica do denominado Estado Social.

          É neste contexto que surge a figura da contribuição, como exação cobrada pelo Estado.

          As contribuições são, portanto, fruto do Estado social e interventor.

          Para sua adequada compreensão impõe-se considerar as profundas alterações no papel do Estado e da Administração decorrentes da passagem de um Estado Liberal para um Estado Interventor nas ordens econômica e social.

          No liberalismo, partia-se de uma separação entre sociedade e Estado para se defender a esfera jurídica individual dos cidadãos contra ingerências do Poder Público, tidas como agressivas. O Estado era considerado um "mal necessário", devendo cuidar estritamente das seguranças internas e externas, à Justiça e alguns outros poucos serviços públicos.

          Com o advento do Estado Interventor restaram alteradas quantitativa e qualitativamente as formas de atuação do Poder Público. O Estado passa a intervir de forma mais freqüente na sociedade, tanto por meio da elaboração de normas como também mediante políticas públicas destinadas a por fim à miséria da classe operária, a fornecer prestações e utilidades materiais e a corrigir as disfunções do mercado. Passa a orientar e a regular a atividade econômica e mesmo a exercer atividades produtivas.

          Os cidadãos, por sua vez, passam a se tornar dependentes da atuação dos poderes públicos. Aumenta a importância da atividade administrativa, uma vez que é por meio dela que o Estado passa a satisfazer as necessidades dos cidadãos. Os atos administrativos veiculam não mais apenas gravames, mas também vantagens para os particulares. Os indivíduos passam a desejar que o Estado atue em seu favor, concedendo-lhe uma licença, uma benefício previdenciário, uma subvenção. Estado e sociedade entrelaçam-se ainda mais e não de forma esporádica ou pontual.

          Novos fins passaram a orientar a atuação estatal, dentre os quais se coloca a busca do bem-estar. Para atingir tais fins, o Estado teve de lançar mão também de novos meios.

          A tributação, nessa perspectiva, como instrumento de obtenção de recursos para financiar as atividades do Poder Público, também sofreu modificações. As contribuições se revelam um instrumento de intervenção do Estado na economia e na ordem social.

          Às espécies tributárias tradicionais se acrescentaram exações especiais, "sui generis", cuja inadequação aos esquemas tradicionais levou a que se cunhasse a expressão "parafiscalidade", como forma de enquadrar sua cobrança.

          De se perceber, pois, que a noção de parafiscalidade mostra-se excessivamente marcada por componentes ideológicos típicos do Estado Liberal. A "fiscalidade" propriamente dita, a cobrança de impostos e taxas, destinava-se a atender necessidades e atividades típicas do Poder Público. As novas tarefas que este passou a exercer foram colocadas "ao lado" de referidas atividades tradicionais, como se não tivessem passado a constituir também atribuições estatais. Estar-se-ia, nesta linha de raciocínio, diante de necessidades "complementares", como a previdência social e os interesses de categorias econômicas e profissionais.

          Seja como for, porém, resta clara a convicção de que o aparecimento das contribuições é decorrência direta do intervencionismo que caracteriza o Estado Moderno, particularmente como Welfare State, e a busca de um enquadramento jurídico da arrecadação vertida para a organização profissional, em moldes corporativistas, para a organização da economia e para a Seguridade Social.


3 AS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS NO CONTEXTO JURÍDICO PÁTRIO

          3.1 A SUA NATUREZA JURÍDICA : AS VÁRIAS CLASSIFICAÇÕES PROPOSTAS PELA DOUTRINA

          A doutrina pátria não tem um posicionamento unânime quanto a natureza jurídica das contribuições especiais. Com efeito, embora a maior parte dos autores enxergue nessa espécie de exação a natureza jurídica de tributo, parte dela tem diversa opinião.

          Leandro Paulsen é daqueles estudiosos que entendem ter as contribuições especiais a natureza jurídica tributária, afirmando ser possível vislumbrar na própria Constituição Federal quais as características muito bem definidas comuns a todas espécies tributárias:

a) obrigação pecuniária voltada ao custeio das atividades dos entes políticos ou outras atividades do interesse público; b) instituída por lei e independentemente da vontade do sujeito passivo; c) que não constitui sanção de ato ilícito. Tal decorre, segundo o autor, da circunstância de que em todas as normas existentes no Capítulo "Do Sistema Tributário Nacional" inserto na Constituição Federal, ser possível verificar-se que está a se cuidar de obrigações em dinheiro, tanto que há diversas referências à base de cálculo e alíquota. Ademais, tributa-se porque há a necessidade de recursos para manter as atividades a cargo do Poder Público, ou, ao menos, atividades que são do interesse público, ainda que desenvolvidas por outros entes. Também o caráter compulsório resta evidente na medida em que a Constituição coloca a lei, que a todos obriga, como fonte da obrigação tributária, tal como se vê do art. 150, I, do Texto Constitucional, o que, ao mesmo tempo, evidencia a sua natureza compulsória de obrigação "ex lege", marcada pela generalidade e cogência da lei, independente da concorrência da vontade do sujeito passivo, como para estabelecer o requisito formal para a instituição válida de tributos, qual seja, que se dê mediante lei em sentido estrito. Vê-se, ainda, que as diversas outorgas de competência se fazem em face de simples manifestações de riqueza do contribuinte (no caso dos impostos), de serviços específicos e divisíveis prestados pelos entes políticos, do exercício efetivo do poder de polícia, da realização de obra que implique riqueza para os proprietários de imóveis ou, ainda, em face da simples necessidade de buscar meios para custear determinadas atividades vinculadas a finalidades previstas no texto constitucional, com ou sem restituição. Em nenhum ponto, se tem a outorga de competência tributária em face de um ilícito; não guardam, as diversas espécies tributárias, nenhuma relação com o cometimento de ilícitos pelos contribuintes, decorrendo disso, pois, a noção de que tributo não constitui sanção de ato ilícito.

          Verificados tais traços, pondera Leandro Paulsen, estaremos, necessariamente, diante de um tributo, o que atrai a incidência do regime jurídico-tributário, a começar pelas limitações constitucionais ao poder de tributar e, no plano infra-constitucional, pelas normas gerais de direito tributário. [1]

          Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado, em escrito conjunto, asseveram que ao outorgar competência tributária às três esferas de poder político, a Constituição não define o que por tributo se deva entender, o mesmo acontecendo, por outro lado, com vários outros conceitos presentes em seu texto, a exemplo de soberania, Estado de Direito, povo, sociedade, entre muitos outros, pois presume alguma inteligência em seus intérpretes. Assim, o conceito de tributo pode ser extraído, dedutivamente, das demais disposições constitucionais.

          Destacam citados autores, citando Geraldo Ataliba, que deparando-se o jurista com uma situação em que alguém esteja colocado na contingência de ter o comportamento específico de dar dinheiro ao estado (ou a entidade dele delegada por lei), deverá inicialmente verificar se se trata de: a) multa; b) obrigação convencional; c) indenização por dano; d) tributo. Assim, diante de ordenamentos jurídicos como o brasileiro, não haveria espaço para uma quinta classificação. Trata-se, destacam os autores nominados, de idéia já implícita na Constituição, em face da qual e dos conceitos extraídos do Código Tributário Nacional e do art. 9.° da Lei n.° 4.320/64, pode-se definir tributo como sendo toda prestação pecuniária compulsória, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei, cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada e cujo produto da arrecadação constitua receita pública derivada. [2]

          Instaladas tais premissas e considerando que as contribuições se encaixam perfeitamente nesse conceito, concluem os autores referidos que sua natureza é inegavelmente tributária.

          Hugo de Brito Machado compartilha desse entendimento majoritário na doutrina pátria, quando assevera:

          É induvidosa, hoje, a natureza tributária dessas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem sentido prático porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis. No caso de que se cuida, a Constituição afastou as divergências doutrinárias afirmando serem aplicáveis às contribuições em tela as normas gerais de Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias, [...]. [3]

          Também Paulo de Barros Carvalho não dissente deste entendimento, quando destaca que o legislador constituinte prescreve manifestamente que as contribuições são entidades tributárias, subordinando-se em tudo e por tudo às linhas definitórias do regime constitucional peculiar aos tributos. [4]

          Roque Carrazza, se referindo ao artigo 149 da Constituição Federal, é categórico ao afirmar que basta a sua leitura para percebermos que todas as têm natureza nitidamente tributária, mesmo porque, com a expressa alusão aos arts. 146, III e 150, I e III, ambos da CF, fica óbvio que deverão obedecer ao regime jurídico tributário. [5]

          Já Marco Aurélio Greco destoa dessa linha de pensamento, sustentando que o texto constitucional aponta para uma natureza não tributária das contribuições:

          De fato, se o art. 149 determina seja aplicada a disciplina típica do Direito Tributário, se manda aplicar as normas gerais de Direito Tributário, se impõe limitações da legalidade, anterioridade e irretroatividade para as contribuições, é porque elas não estão dentro do âmbito tributário. Não pertencem a este gênero. Se estivessem, não precisaria mandar observar tais ou quais regras e critérios; se a intenção fosse dar-lhes a natureza tributária, bastaria incluir um item IV ao art. 145 e toda a sistemática e regime tributário seriam automaticamente de observância obrigatória. Ou então, bastaria determinar a aplicação integral do regime tributário e prever as exceções que julgasse pertinentes, como faz com os impostos. [6]

          Trilhando um raciocínio algo parecido com o de Marco Aurélio Greco, Marçal Justen Filho, citado por José Eduardo Soares de Melo, afirma que ao prever, como regra geral, a submissão das contribuições ao regime tributário, a Constituição confirmou a inexistência de identidade total e rigorosa entre as duas figuras, eis que, se assim fosse, não teriam sentido as regras dos arts. 149 e 154, sendo suficientes a disciplina geral sobre tributos. Desta forma, conclui o autor, "as contribuições especiais sujeitam-se ao regime tributário, mas com determinados temperamentos, derivados de suas características". [7]

3.2. O RECONHECIMENTO DA SUA NATUREZA JURÍDICA TRIBUTÁRIA.

          Não obstante as posições contrárias, que são minoritárias, não é possível deixar de concluir pela natureza eminentemente tributária das contribuições especiais no sistema constitucional brasileiro. As lições doutrinárias neste sentido, expostas no subitem anterior falam por si próprias.

          Ora, afigura-se nos inescapável a conclusão de que tudo aquilo que está sujeito ao regime jurídico tributário é tributo. Neste particular, de extrema felicidade a conclusão de José Eduardo Soares de Melo:

          De tudo resulta que as contribuições tipificam-se como tributos, por traduzirem receitas públicas derivadas, compulsórias, com afetação a órgão específico (destinação constitucional) e por observarem regime jurídico pertinente ao sistema tributário. [8]

          Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a natureza jurídica tributária das contribuições, quando, ao se manifestar sobre a Contribuição Social sobre o Lucro, dispôs que "Não é inconstitucional a instituição da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, cuja natureza é tributária." [9]

          3.3 AS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS COMO ESPÉCIE TRIBUTÁRIA AUTÔNOMA

          Explicitada a natureza jurídica tributária das contribuições especiais, resta ainda a delimitação acerca da espécie tributária na qual seria a mesma classificada ou se, ao contrário, estas devem ser catalogadas como espécie tributária autônoma, diferente das figuras clássicas a que alude o artigo 5.° do Código Tributário Nacional.

          Sacha Calmon Navarro Coêlho é daqueles que afirma categoricamente que as contribuições são, em essência, impostos. Assevera que a Constituição de 1988 criou essas exações como "impostos afetados a finalidades específicas dando-lhes o nome de contribuições." [10]

          Destoando desse entendimento, o notável Roque Antonio Carrazza ensina que as chamadas contribuições sociais são verdadeiros tributos, embora qualificados pela finalidade que devem alcançar, podendo, assim, revestir a natureza jurídica de imposto, de taxa ou de contribuição de melhoria, conforme as hipóteses de incidência e bases de cálculo que tiverem. Para explicitar essa afirmação, Carrazza assevera que a contribuição social para a seguridade social é, para o empregador, um imposto, cuja hipótese de incidência seria remunerar pessoa que paga previdência social, enquanto que para o empregado não passa de uma taxa de serviço, exigível porque os serviços previdenciários em geral lhe são postos a disposição. [11]

          Já Luciano Amaro, após afirmar que o tratamento jurídico-constitucional diferenciado que é dado às contribuições especiais como um todo (destinação específica, a par de uma disciplina constitucional peculiar, no que respeita aos seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes) dificulta a afirmação singela de que essas contribuições são impostos, ou são taxas, ou ora são uma coisa, ora outra, termina por concluir :

          Uma terceiro grupo de tributos é composto pelas exações cuja tônica não está nem no objetivo de custear as funções gerais e indivisíveis do Estado (como ocorre com os impostos) nem numa utilidade divisível produzida pelo Estado e fruível pelo indivíduo (como ocorre com os tributos conhecidos como taxa, pedágio e contribuição de melhoria, que reunimos no segundo grupo). A característica peculiar do regime jurídico deste terceiro grupo de exações está na destinação a determinada atividade, exercitável por entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessária ou útil à realização de uma função de interesse público. Nesse grupo se incluem as exações previstas no art. 149 da Constituição, ou seja, as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, bem como a contribuição referida no art. 149-A da Constituição (acrescido pela EC n. 39/2002), destinada ao custeio do serviço de iluminação pública. [12]

          Não obstante o indiscutível brilho das lições retro-expostas, temos para nós que quem melhor angularizou a questão foram Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado, que asseveram que a única utilidade prática de se questionar a natureza jurídica específica de determinada exação é a de determinar quais normas jurídicas lhe são pertinentes. Assim, se considerado que a Constituição confere tratamento jurídico peculiar às contribuições e aos empréstimos compulsórios, pode-se dizer que a Constituição já os definiu como espécies distintas dos impostos, das taxas e das contribuições de melhoria, não tendo sentido dizer que são impostos na medida em que o seu disciplinamento jurídico é diferente. Terminam referidos juristas por concluir que uma explicação razoável para a posição das contribuições no quadro de espécies tributária é a oferecida por Hamilton Dias de Souza, que, na esteira de Geraldo Ataliba e A. D. Gianinni, as classifica como tributos vinculados a uma atividade estatal, situadas porém em posição intermediária entre impostos e taxas, mais próximas dos impostos (completa desvinculação) que das taxas (total vinculação), não pressupondo uma atuação estatal específica e divisível relativa ao contribuinte (taxas), mas também não incidindo sobre um fato desvinculado de qualquer atuação estatal relativa ao contribuinte (impostos). Existiria, assim, uma referibilidade indireta, de uma atuação estatal relacionada a um grupo determinado; o fato gerador pode até se assemelhar bastante ao dos impostos, mas só estará completo diante de uma atuação estatal relativa ao grupo no qual se situa o contribuinte, traço diferenciador das contribuições. [13]

3.4. O SEU CONTEÚDO FINALÍSTICO COMO FATOR ESSENCIAL

          É praticamente unânime na doutrina o entendimento segundo o qual o conteúdo finalístico das contribuições é fator indissociável da natureza destas, diferenciando-as, por isso mesmo, dos impostos que, por expressa disposição constitucional (art. 167, IV), têm vedada a vinculação de suas receitas a órgão, fundo ou despesas específicos. São, portanto, as contribuições, tributo que se caracteriza pela respectiva finalidade. Representam, por isso mesmo, exceção ao art. 4.°, II, do Código Tributário Nacional, eis que o destino do produto de sua arrecadação é fundamental para caracterizá-la como tal e, sobretudo, emprestar juridicidade à sua exigência.

          Para Zelmo Denari para a adequada identificação da natureza jurídica das contribuições especiais deve-se ter presente que somente podem estas ser instituídas "quando motivadas por qualquer forma de intervenção no domínio econômico, bem como no interesse das categorias profissionais ou econômicas, e mesmo no plano da seguridade dos trabalhadores urbanos e rurais". Assevera, ainda, que para distinguí-las das taxas e das contribuições de melhoria - também tributos vinculados -, basta considerar dois elementos fundamentais, se destacando entre estes o sentido finalístico, pelo que as contribuições da espécie vinculam o ente público a atuar, de uma forma interventiva, no domínio econômico, ou a prestar serviços de previdência ou assistência social aos trabalhadores e demais. [14]

          Desta forma, a validade jurídica da norma instituidora da contribuição especial só pode ser reconhecida se efetivamente cumprida a finalidade prevista constitucionalmente, que determinou a sua criação. Assim, a correta destinação da respectiva receita assume relevância não só tributária como constitucional e legitimadora da competência. Se inexistente o órgão, a despesa ou a pessoa que fundamentou o exercício dessa competência, este será ilegítimo.

          E nem se argumente que o art. 4.°, II, do Código Tributário Nacional baniu o critério da destinação do tributo como relevante juridicamente no cenário tributário pátrio. Luciano Amaro é contundente ao ensinar que nos dias atuais o critério do art. 4.°, II, do CTN não mais se mostra como parâmetro idôneo à determinação da natureza jurídica específica do tributo. Nesta linha, assevera Amaro, a propósito do tema:

          Ou seja, nem se pode ignorar a destinação (como se se tratasse, sempre e apenas, de uma questão meramente financeira), nem se pode cercar o direito tributário com fronteiras tão estreitas que não permitem indagar do destino do tributo mesmo nos casos em que esse destino condiciona o próprio exercício da competência tributária. [15]

          Sendo a contribuição um tributo que se identifica a partir da finalidade indicada na Constituição, a lei não pode criar uma contribuição e possibilitar que seus recursos sejam destinados para um fim distinto daquele que justificou essa exigência, sob pena de inconstitucionalidade.

          Neste sentido o escólio do Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, citado por Hugo de Brito Machado:

          Uma ressalva é preciso ser feita. É que caso há, no sistema tributário brasileiro, em que a destinação do tributo diz com a legitimidade deste e, por isso, não ocorrendo a destinação constitucional do mesmo, surge para o contribuinte o direito de não pagá-lo. Refiro-me às contribuições parafiscais - sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, CF, art. 149 - e aos empréstimos compulsórios (CF, art. 148). Leciona Misabel Abreu Derzi que a ‘Constituição de 1988, pela primeira vez, cria tributos finalisticamente afetados, que são as contribuições e os empréstimos compulsórios, dando à destinação que lhe é própria relevância não apenas do ponto de vista do Direito Financeiro e Administrativo, mas igualmente de Direito Tributário’. E acrescenta a ilustre professora da UFMG, que ‘o contribuinte pode opor-se à cobrança de contribuição que não esteja afetada aos fins, constitucionalmente admitidos; igualmente poderá reclamar a repetição do tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto à aplicação dos recursos arrecadados. É que, diferentemente da solidariedade difusa ao pagamento de impostos, a Constituição prevê a solidariedade do contribuinte no pagamento de contribuições e empréstimos compulsórios e a conseqüente faculdade outorgada à União de instituí-los, de forma direcionada e vinculada a certos gastos. Inexistente o gasto ou desviado o produto arrecadado para outras finalidades não autorizadas na Constituição, cai a competência do ente tributante para legislar e arrecadar. (Misabel Abreu Machado Derzi, notas atualizadoras de Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7.ª edição, de Aliomar Baleeiro, Forense, 1977, pp. 598-599) [16]

          Parece induvidosa, pois, a conclusão de que segundo se extrai do regime constitucional das contribuições, existem dois elementos condicionantes fundamentais que devem ser atendidos na instituição dessa espécie tributária: 1.) o atendimento às finalidades fixadas previamente no texto constitucional (sociais, interventivas e corporativas) e, 2) a destinação do produto da arrecadação à realização dos citados fins constitucionais. Faltando algum dos requisitos citados haverá vício que poderá determinar a inconstitucionalidade da exigência e, por conseqüência, o correlato direito à restituição das quantias pagas indevidamente.

          A doutrina brasileira parece trilhar firmemente esse caminho, Na obra coletiva "As contribuições no Sistema Tributário Brasileiro", apresentada a indagação de qual seria a conseqüência de eventual desvio na destinação de contribuições, a maioria dos autores distinguiu o desvio jurídico, assim entendido aquele autorizado ou determinado em lei, do desvio de fato, que se dá em contrariedade ao dispositivo de lei que determina a destinação. Comentando especificamente essa questão na sua apresentação da obra, Hugo de Brito Machado, seu coordenador, destaca uma súmula das diversas posições expostas no livro, não se furtando de, ao final, expor o seu pensamento:

          No desvio jurídico, a própria contribuição seria inconstitucional, porquanto transformada em imposto. Já no desvio simplesmente de fato não haveria mácula na relação jurídica, cabendo ao Ministério Público, aos cidadãos através da ação popular, etc., obter a correção do destino dos recursos.

          Um dos autores escreveu:

          "Não há, neste último caso (de desvio de fato), como pretender invalidar as relações tributárias e dizer da inconstitucionalidade das leis em razão de ilícito administrativo posterior e cuja correção pode ser buscada.

          Entendêssemos de modo diverso, teríamos, ainda, dificuldades importantes. Senão vejamos: supondo eventual desvio, quais as contribuições inválidas e sujeitas à devolução? Qual o montante desviado? Quais as competências passíveis de restituição? Como estabelecer a relação entre as competências e os desvios. Pagamentos posteriores à correção dos desvios, mas relativos a competências entendidas como afetadas, seriam ainda devidos? Como ficaria, neste caso, o tratamento isonômico aos contribuintes? A repetição dependeria do insucesso das tentativas do Ministério Público de reverter a aplicação equivocada dos recursos e destiná-los à sua finalidade legal? A recuperação e correta destinação de eventual montante desviado tornaria novamente exigível o tributo? Tais questões bem revelam que não se pode confundir o plano do exercício da competência tributária com o da execução do orçamento."

          Alguns autores distinguiram ainda, dentro do desvio de direito, o desvio quantificável (que invalida o montante cujo desvio é autorizado), do desvio de impossível quantificação (que invalida a contribuição como um todo).

          Outros, finalmente, invocaram a "autonomia da relação tributária", afirmando ser a questão da destinação um "problema de direito financeiro" que não invalida a obrigação tributária...

          A nosso ver a tese destes últimos não é procedente, porque em se tratando de contribuições a destinação é essencial. Às contribuições não se aplica a norma do art. 4.° do Código Tributário Nacional.

          Realmente, as contribuições sociais de que trata o art. 149, bem como os empréstimos compulsórios, têm destinação constitucionalmente determinada. [17]

3.5. A REFERIBILIDADE DA ATIVIDADE ESTATAL AO CONTRIBUINTE DAS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

          Sempre se constituiu em matéria de intensas discussões a relativa à determinação da necessidade da existência de referibilidade ao contribuinte da atividade estatal que deu causa à instituição da contribuição especial.

          Ou seja, objetivamente, a questão que se coloca é se a atividade a cuja execução se destina a receita arrecadada com as contribuições especiais é ou não necessariamente referível ao contribuinte, atualmente ou no futuro, efetiva ou eventualmente. A resposta à essa questão é de fundamental importância, na medida em que vai se definir, através dela, quais as pessoas que podem ser colocadas, pela lei, na condição de sujeitos passivos dessa espécie tributária.

          Para Luciano Amaro, a atividade estatal a cuja execução se destina a receita arrecadada nas contribuições não é necessariamente referível ao contribuinte, embora possa sê-lo, em maior ou menor grau, atualmente ou no futuro, efetiva ou eventualmente. Segundo Amaro, a existência ou não dessa referibilidade é um dado meramente acidental (que pode ou não estar presente) e não essencial. [18]

          Já Sacha Calmon Navarro Coelho é daqueles juristas que tem entendimento contrário. Para ele, para que haja uma contribuição especial verdadeira, é necessário que a atuação estatal eleita como fato gerador seja um atuar mediato ou imediato do Poder Público, específico e relativo à pessoa do contribuinte, alertando, ainda, que essa atuação não pode ser obra pública (pressuposto da contribuição de melhoria), nem serviço de utilidade pública (pressuposto da taxa de serviço), nem ato do poder de polícia (pressuposto da taxa de polícia). [19]

          No mesmo sentido a doutrina de Geraldo Ataliba, que ensina que se o imposto é informado pelo princípio da capacidade contributiva e a taxa informada pelo princípio da remuneração, as contribuições são informadas por princípio diverso, qual seja, os seus sujeitos passivos serão pessoas cuja situação jurídica tenha relação, direta ou indireta, com uma despesa especial, a elas respeitante, ou alguém que receba da ação estatal um reflexo que possa ser qualificado como "especial". [20]

          Já Leandro Paulsen afirma que nas contribuições, onde a autorização constitucional é para que sejam instituídos tributos voltados a atuações em áreas específicas, o pressuposto é que sejam chamados a contribuir pessoas relacionadas a tal atuação, advertindo, entretanto, nos seguintes termos:

          Cabe destacar, aqui, que não se trata, necessariamente, de pessoas propriamente beneficiadas pela atuação do poder público, podendo, e.g., ser um grupo cuja existência provoque determinada atuação do Estado, ainda que, eventualmente, de controle, como no caso da contribuição cobrada das entidades potencialmente poluidoras destinada a financiar o controle e monitoramento das condições ambientais, de que trata a Lei 10.165/2000 [...].

          Tal aspecto, de pertinência a um grupo, distingue as contribuições inclusive dos impostos de escopo (extraordinários de guerra ou calamidade – art. 154,II) e dos empréstimos compulsórios (art.148).

          A imprescindibilidade da delimitação dos contribuintes pela identificação do grupo precisa ser destacada, bem como o fato de que a solidariedade que se destaca como traço das contribuições diz respeito aos integrantes do grupo, não justificando a sujeição passiva de terceiros. [21]

          Entretanto, ressalva Leandro Paulsen que, diferentemente das demais contribuições especiais, as contribuições sociais destinadas à Seguridade Social, por força do "caput" do art. 195 do texto constitucional - que prescreve que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade - ostentam uma característica peculiar, qual seja, a de que todos poderão ser chamados a contribuir, independentemente de pertencerem a determinado grupo diretamente relacionado com a atuação estatal, o que positivaria o princípio da Solidariedade Social em matéria de custeio da Seguridade Social. [22]

          Parece-nos que a doutrina citada de Leandro Paulsen, notadamente com a ressalva última no concernente às contribuições à Seguridade Social, melhor angularizou, sob o prima jurídico-científico, a questão da necessidade ou não da referibilidade da atividade estatal ao contribuinte das contribuições especiais, razão pela qual entendemos deva ser adotada em detrimento das demais citadas.


4. A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DAS PESSOAS POLÍTICAS PARA INSTITUIR CONTRIBUIÇÕES

          O art. 149, caput, da Constituição Federal prescreve a possibilidade da União instituir contribuições como instrumento de sua atuação no âmbito social, na intervenção no domínio econômico e no interesse das categorias profissionais ou econômicas. Três, portanto, são as espécies de contribuição: (I) social, (II) interventiva e (III) corporativa, tendo o constituinte empregado, como critério classificatório, a finalidade de cada uma delas, representada pela destinação legal do produto arrecadado. As contribuições sociais, por sua vez, são subdivididas em duas categorias: (i) genéricas, voltadas aos diversos setores compreendidos no conjunto da ordem social, como educação, habitação etc. (art. 149, caput); e (ii) destinadas ao custeio da seguridade social, compreendendo a saúde, previdência e assistência social (art. 149, caput, e § 1.°, conjugados com o art. 195).

          No § 1.° do citado art. 149 da Constituição Federal, conferem-se poderes aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para criarem contribuições, cobradas de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.

          Além das citadas competências citadas, atribuídas às três esferas de poder, observa-se, também, no sistema constitucional tributário vigente, a possibilidade de essa espécie de tributo ser instituída pelos Municípios e Distrito Federal com o objetivo de custear os serviços de iluminação pública. Trata-se da contribuição para o custeio de iluminação pública, a que se refere o art. 149-A da Carta Magna, introduzida pela Emenda Constitucional n.° 39/2002. O constituinte derivado ampliou o rol de competências tributárias, criando nova modalidade de contribuição.


5 AS ESPÉCIES DE CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

          5.1 AS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

          5.1.1 As Contribuições Sociais Gerais

          São denominadas contribuições sociais gerais aquelas contribuições sociais, de competência da União, que não se destinam a custear a Seguridade Social. São reguladas pelo artigo 149 da Constituição Federal e custeiam a atuação do Estado em outros campos sociais, como Salário-Educação (art. 212, § 5.°) e o PIS-PASEP e não são objeto de qualquer exceção, sujeitando-se de formal integral ao regime constitucional tributário, mormente ao princípio da anterioridade.

          Tem sido alvo de intensa controvérsia na doutrina a questão relativa ao campo residual para a criação de novas figuras voltadas ao custeio de outros fins sociais distintos dos inerentes à Seguridade Social, em contraposição ao entendimento de que somente seriam legítimas, nesta área social não compreendia na Seguridade Social, as contribuições expressamente previstas pelo constituinte originário. Em outras palavras: o legislador infraconstitucional disporia de competência para criar novas contribuições sociais que não as nominalmente aludidas no texto constitucional (artigos 212, § 5.°, 239 e 240)?

          Respondendo à questão A Constituição Federal admite a instituição de contribuições sociais gerais, ou seja, outras além das expressamente previstas nos seus arts. 149, 195, 212, § 5.°, 239 e 240? elaborada pelo coordenador da obra coletiva As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, José Eduardo Soares de Melo é peremptório ao reconhecer essa possibilidade, desde que haja observância aos elementos básicos, como, receita pública derivada, compulsoriedade, parafiscalidade, destinação específica dos seus recursos, e vinculação a determinado grupo, citando, a final, como exemplos a contribuição ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (art. 7.°, III), e a CPMF (EC n.°s 21-99 e37-02). [23]

          Na mesma linha, Leandro Paulsen assegura ser possível a instituição de outras contribuições sociais gerais, além daquelas previstas originariamente no texto constitucional, asseverando prestar-se, pois, tal subespécie tributária, como fonte de custeio para a atuação da União na área social, que é definida e delimitada pelos deveres e objetivos apontados pela Carta Magna ao cuidar da Ordem Social, dentre as quais destaca, exemplificativamente: garantir o acesso às fontes da cultura nacional e incentivar a difusão das manifestações culturais, fomentar práticas desportivas, promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas, promover a educação ambiental e proteger a fauna e a flora, demarcar as terras e proteger os bens indígenas, terminando por concluir que a referência expressa, no texto constitucional, às contribuições de Seguridade Social (art. 195) e aquelas referidas nos arts. 212, § 5.°, 239 e 240 não impede a instituição de novas contribuições sociais. [24]

          Já Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado respondem negativamente à essa questão, argumentando que a interpretação do art. 149 da Constituição Federal permite essa conclusão, complementando que, ademais, a admissão de tal possibilidade implicaria no fenecimento definitivo da racionalidade do nosso Sistema Tributário, além de causar profundo desequilíbrio na partilha de competências tributárias realizadas pela Constituição. [25]

          Também respondendo a essa questão pela negativa apresenta-se o Professor Ives Gandra da Silva Martins, para quem, sendo rígido o sistema tributário e regulado pela estrita legalidade, assim como, estando entre as limitações constitucionais ao poder de tributar, o da estrita legalidade, não haveria espaço para a criação de contribuições fora das hipóteses constitucionais, o que representaria - se se reconhecesse essa possibilidade - tornar-se desnecessário o capítulo do sistema tributário na Constituição Federal. [26]

          Na apresentação da referida obra coletiva As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, Hugo de Brito Machado, o seu coordenador, debruçando-se sobre a referida questão da possibilidade de instituição de outras contribuições sociais gerais, além daquelas previstas no texto constitucional, faz uma síntese dos vários posicionamentos doutrinários expostos na obra e, ao depois, expressa o seu pensar a respeito:

          Entre os autores dos estudos que integram esta coletânea alguns a respondem afirmativamente, à consideração de que tais contribuições são necessárias para o custeio de atividades de cunho "social" da União. Afirmam que isso pode ser extraído da literalidade do art. 149, e que, caso não existissem tais contribuições gerais, a parte inicial do citado artigo não teria sentido algum.

          Outros afirmam que não, sustentando que em face da amplitude das atividades de cunho social, admitir tais contribuições implicaria admitir desmedida elasticidade na competência tributária da União, deixando sem sentido os artigos 154, I e 195, § 4.°, que tratam de competências residuais para impostos e contribuições de seguridade.

          Não obstante já tenha o Supremo Tribunal Federal, a propósito das contribuições instituídas pela Lei Complementar 110, admitido a validade da instituição de contribuições sociais gerais, pensamos que a razão está com os que negam essa possibilidade.

          A final o próprio Estado tem função social. Tudo o que o Estado realiza, pelo menos no plano do dever ser volta-se para o social. Assim, é extremamente fácil para o governo justificar qualquer ação estatal com o argumento de que elas são desenvolvidas no interesse social. Em conseqüência, é extremamente fácil para o governo instituir as mais diversas contribuições sociais, passando a tê-las como fonte de custeio de quase todas as atividades estatais, de sorte a tornar praticamente prescindíveis os impostos.

          [ ... ]

          Com a hipertrofia das contribuições, de cuja arrecadação não participam os estados nem os municípios, tende-se a abolir a Federação. E se caminha no sentido de tornar inútil o sistema de garantias constitucionais tributárias.

          Por isto pensamos que a Constituição Federal deve ser interpretada sem desconsideração para os elementos sistêmico e teleológico, atribuindo-se a seus dispositivos significados e alcance que não possibilitem tornar inúteis alguns deles. Em outras palavras, não devemos atribuir ao artigo 149 da Constituição Federal sentido e alcance capaz de permitir a inutilização de diversos dos mais importantes dispositivos dessa mesma Constituição.

          Aliás, quem examinar a evolução dos tributos no Brasil nos últimos anos verá que já experimentamos um considerável aumento da quantidade de contribuições. E essa tendência, se admitirmos a possibilidade das contribuições sociais gerais, com certeza vai resultar na atrofia dos impostos federais, com a conseqüente impossibilidade de manutenção de grande parte dos municípios brasileiros, na quebra do próprio princípio federativo na medida em que os estados, ou a maioria deles, não poderão manter a autonomia que caracteriza a Federação. [27]

          O posicionamento retro, de lavra do Professor Hugo de Brito Machado, nos parece inatacável sob qualquer ponto de vista, a despeito do brilho das lições expostas em sentido contrário, bem como da manifestação na mesma linha do Supremo Tribunal Federal, que entendeu constitucional a contribuição instituída pela Lei Complementar 110, de 29 de junho de 2001, considerando ter aquela exação a natureza jurídica de contribuição social geral, com fundamento de validade no art. 149, 1.ª parte, da CF. [28]

          A doutrina aponta como exemplo de contribuição social geral a contribuição do Salário-Educação, criada pelo artigo 178 da Emenda Constitucional 1/1969 e confirmada na atual Carta Política pelo § 5.° do seu artigo 212, destinada a financiar, como fonte adicional, o ensino fundamental público.

          Da mesma forma, inclui-se como contribuições da espécie as contribuições para o Programa de Integração Social (PIS), criado pela Lei Complementar n.° 7, de 07-09-1970 e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), criado pela Lei Complementar n.° 8, de 3-12-1970, destinados a financiar o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3.° do artigo 239 da CF, previstas no "caput" do artigo 239 da Constituição Federal.

          Classificam-se, ainda, como contribuições da espécie aquelas aludidas no artigo 240 da Constituição Federal, que estabelece ressalvou a cobrança, a par do disposto no artigo 195 da CF, das então existentes contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical. São as chamadas contribuições destinadas a entidades privadas (Sistema "S"). Trata-se de tributo exigido de pessoas privadas (empregadores) relativamente a fatos distintos de atividade estatal, destinados a entidades privadas (SENAI, SESI, SESC, SENAC, etc).

          5.1.2. As Contribuições Sociais de Seguridade Social

As contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade Social encontram-se regradas no artigo 195 da Constituição Federal:

          Artigo 195 – A Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

          I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a.       a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b.      a receita ou o faturamento;

c.       o lucro;

          II – do trabalhador e dos demais segurados da Previdência Social, não incidindo a contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da Previdência Social de que trata o art. 201;

          III – sobre a receita de concursos de prognósticos.;

          IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

          Desde logo a leitura do dispositivo constitucional citado deixa perceber a preocupação do legislador constituinte em estabelecer aquilo que alguns doutrinadores convencionaram chamar de princípio da solidariedade em matéria de custeio da Seguridade Social. Com efeito, o "caput" do art. 195, já de início, prescreve que a seguridade social será financiada por toda a sociedade. Tal previsão, na arguta observação de Leandro Paulsen, confere uma característica peculiar para esta espécie de contribuição, não encontrada nas demais, qual seja, a de que todos poderão ser chamados a contribuir, independentemente de pertencerem a determinado grupo diretamente relacionado com a atuação estatal. [29]

          Na mesma linha de entendimento, Evandro Costa Gama, respeitável procurador da Fazenda Nacional, esclarece que o referido princípio da solidariedade no custeio da Seguridade Social, emergente do texto do art. 195, caput, da Constituição Federal, exerce, como característica peculiar de todo princípio, um papel fundamental na interpretação e aplicação das regras constitucionais e infraconstitucionais relacionadas com a cobrança das contribuições da seguridade social, estabelecendo o dever de solidariedade de todos os integrantes da sociedade no financiamento da Seguridade Social no Brasil. [30]

          Todavia, expressiva doutrina prefere o raciocínio segundo o qual não se afigura razoável que a lei eleja como sujeito passivo de qualquer contribuição aqueles a quem não esteja referida a atuação estatal, ainda que indiretamente. [31]

          Neste sentido a lição de Marçal Justen Filho, citado por José Eduardo Soares de Melo, para quem " [ ... ]. Não é possível a exigência de contribuição daquele que não possua vantagem (mesmo potencial) da atividade estatal." [32]

          Admite-se, consoante a doutrina dominante, que na contribuição possa haver, ao invés de uma referibilidade direta da atuação estatal com o contribuinte, uma referibilidade mediata e indireta, mediante o liame oblíquo, com a presença de uma circunstância intermediária que, de través, de permeio, se coloca entre a atuação estatal e o obrigado. [33]

          De igual pensar o ensinamento de Ives Gandra da Silva Martins, citado por José Eduardo Soares de Melo, para quem, quando uma empresa recolhe a parcela correspondente à folha salarial, embora não seja beneficiária direta do recolhimento, tem nos seus empregados o benefício indireto, eis que estes serão os destinatários da atuação da Seguridade Social, consistindo, a falta dessa vantagem, em circunstância que tem o condão de desnaturar por inteiro a imposição, com afronta ao estabelecido no artigo 195 da Constituição Federal. [34]

          De qualquer forma, porém, o que é possível destacar é que nesta espécie de contribuição a referibilidade da atuação estatal com a pessoa do obrigado é bastante tênue, eis que o grupo em relação ao qual é prestada a atividade é constituído de toda a sociedade, circunstância que, de certa forma, aproxima as posições doutrinárias expostas, eis que, nesta linha de raciocínio, não é possível deixar de reconhecer que, porque toda a sociedade experimenta, ainda que potencialmente, a vantagem da atuação estatal, todos ostentariam condições jurídicas de figurarem como sujeitos passivos dessa exação.

          Voltando agora os nossos olhos para outros ângulos, é oportuno o destaque de que as contribuições sociais de seguridade social também se submetem parcialmente às regras do art. 149 da Constituição Federal, porém ganham especificidade ao se encontrarem inseridas no capítulo da Seguridade Social, com regras e princípios próprios, como se depreende dos arts. 194 e 195.

          Sendo uma subespécie da espécie contribuições sociais a que alude o art. 149 do texto constitucional, as contribuições sociais de seguridade social sujeitam-se às normas gerais de direito tributário previstas no art. 146, III, bem como só podem ser exigidas ou majoradas por meio de lei (art. 150, I) e não podem ser cobradas em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que as houver instituído ou aumentado (art. 150, III, "a"). Entretanto, o regramento comum não vai além da aplicação dos referidos dispositivos constitucionais.

          A primeira distinção visível na leitura do artigo 149 entre os regimes jurídicos das contribuições sociais que encontram lastro naquele dispositivo e daquelas instituídas com base no artigo 195, refere-se a não sujeição destas últimas ao chamado princípio constitucional da anterioridade (art. 150, III, "b"), a teor do que proclama o § 6.° do artigo 195, que estabelece regramento específico a respeito, no sentido de que só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado.

          Outra característica peculiar do regime jurídico das contribuições sociais de seguridade social é a descrição da materialidade dos fatos geradores de cada uma das contribuições previstas nos incisos I, II e III do artigo 195, ao contrário do que ocorre com as contribuições sociais autorizadas pelo artigo 149, daí a razão de existir do § 4.° do artigo 195, inexistente para as hipóteses do artigo 149, que estabelece a competência residual da União com relação às contribuições destinadas ao custeio da seguridade social.

          Como decorrência da fixação das materialidades de cada fato gerador das contribuições sociais de seguridade social na forma assentada no artigo 195, surge, na lição de Evandro Costa Gama, uma importante distinção destas com relação ao regime jurídico das contribuições sociais gerais (art.149, 1.ª parte), consistente na possibilidade de cobrança de contribuições sociais de seguridade social de uma mesma empresa sobre diversas bases econômicas, mas com uma única finalidade: a seguridade social, eis que, enquanto as contribuições sociais gerais do artigo 149 só podem incidir sobre uma única base econômica, por contribuinte, para cada objetivo da Ordem Social (excluída a Seguridade Social), as contribuições de seguridade social do artigo 195, I, podem ser cobradas do mesmo contribuinte sobre bases econômicas diversas (folha de salários, receita ou faturamento e lucro), porém para uma única finalidade (seguridade social). [35]

          Na já citada obra coletiva As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, indaga-se: Por que o art. 195 da Constituição delimita o âmbito de incidência das contribuições de custeio da Seguridade Social? Isso as faz distintas das demais contribuições, instituídas com arrimo no art. 149 da mesma Carta?

          Respondendo a esta indagação, a jurista Angela Maria da Motta Pacheco faz interessante síntese do assunto quando assevera:

          As contribuições de custeio da Seguridade Social são as mais relevantes pois tratam de todo o universo dos cidadãos brasileiros. As demais referem-se a categorias profissionais ou setores econômicos em particular.

          A Seguridade Social está intimamente ligada à segurança de cada indivíduo nas condições básicas para a sua sobrevivência: saúde, previdência e assistência social. Eis o porquê da sua importância. A solidariedade é o grande princípio que informa a Seguridade Social, compreensiva de um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade. Confira-se:

          Art. 194. [ ... ]

          Todos contribuem para a Seguridade Social. Os recursos provém do Orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições do empregador e do empregado. É o que diz o art. 195.

          Art. 195. [ ... ]

          Assim, entende-se o cuidado do Constituinte em traçar, em completude, a sua regra-matriz de incidência tributária. Não há falhas. Não há dúvidas.

          Realmente isto as distingue das demais contribuições. As outras, de intervenção no domínio econômico e do interesse das categorias profissionais não têm norma-matriz delineada na Constituição. Mas só se legitimarão se cumprirem o seu destino constitucional: realmente serem criadas de forma a realizar a intervenção naquele setor da economia ou se tratarem do interesse de categorias profissionais. [36]

          Nessa questão sobressai lúcido o argumento de que, sendo esta uma contribuição que está relacionada com uma atividade estatal que alcança toda a sociedade, o constituinte, para dar segurança e impedir abusos na sua instituição, preferiu definir certas bases para a incidência das mesas, o que não é suficiente, entretanto, para dar-lhe natureza jurídica diversa das demais contribuições do artigo 149 da CF. [37]

          A primeira e mais importante contribuição dessa espécie é aquela incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (CF, art. 195, I, "a").

          Destaca-se, ainda, como espécie dessa contribuição a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), calculada sobre a receita ou o faturamento das empresas e das entidades a ela equiparadas na forma da lei (CF, art. 195, I, "b").

          Temos ainda, nesse mesmo rol, a Contribuição Social sobre Lucro, exigida das pessoas jurídicas e das pessoas que lhes são equiparadas (CF, art. 195, I, "c").

          Estabelece, por outro lado, o artigo 195, II, da Constituição Federal, a competência da União para instituir a contribuição para a seguridade social do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, a qual não incidirá sobre aposentadorias e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o artigo 201 do Texto Maior.

          Prevê, ainda, a Constituição, as contribuições sociais destinadas a financiar a seguridade social, incidente sobre a receita de concursos de prognósticos e do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (CF, art. 195, III e IV).

          Estabelece ainda o § 8.° do artigo 195 da Constituição Federal a contribuição social para a seguridade social, chamada de contribuição ao Funrural, devida pelo produtor, parceiro, meeiro ou arrendatário rural, bem como o pescador artesanal e respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, cobrada mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da respectiva produção.

          No campo da seguridade social não é possível deixar de destacar, ainda, como mais uma contribuição destinada ao seu custeio, a polêmica Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, instituída pelo artigo 74 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cuja arrecadação destina-se ao financiamento das ações e serviços da saúde, cuja vigência tem sido objeto de sucessivas prorrogações, estando ainda hoje em vigor.

          Interessante, ainda, neste ponto, destacar que, a despeito do entendimento doutrinário - não consensual, é bem verdade - de que as contribuições para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ostentam natureza tributária, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, que tal exação nunca tivera natureza tributária, eis que não exige o Estado, na espécie, para si, a contribuição (RE 100.249, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 01.07.88).

          Estabelece, por fim, o § 4.° do artigo 195 da Constituição Federal, a competência residual da União para instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da Seguridade Social, desde que obedecido o disposto no seu artigo 154.

          E, à guisa de conclusão, oportuno, ainda, o destaque de que, a teor do que soa o § 1.° do artigo 149 do Texto Constitucional, cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário, caracterizando-se tal exação como autêntica contribuição social destinada à seguridade social.

5.2. AS CONTRIBUIÇÕES DE INTERESSE DE CATEGORIAS PROFISSIONAIS E ECONÔMICAS

          As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, também denominadas de contribuições corporativas, destinam-se a custear as pessoas jurídicas de direito público ou privado que têm por escopo fiscalizar e regular o exercício de determinadas atividades, bem como representar, coletiva ou individualmente, categorias profissionais, defendendo seus interesses. São exemplos destas espécies as contribuições que os advogados pagam à Ordem dos Advogados do Brasil, as contribuições que os médicos pagam ao Conselho Regional de Medicina, as contribuições que os contabilistas pagam ao Conselho Regional de Contabilidade, além de outras com iguais características. [38]

          Tais contribuições, que dizem de perto com o interesse de determinados grupos econômicos ou profissionais, não foram objeto de uma disciplina muito pródiga por parte do constituinte, que limitou-se a indicar o pressuposto para a sua criação: atuação em específicas áreas que denotem interesse de categorias econômicas ou profissionais. [39]

          Também aqui ganha relevo, a exemplo do que ocorre com as outras espécies de contribuições, a questão que se relaciona com a eleição dos seus sujeitos passivos. Se inclina a doutrina ao entendimento de que não se requer, para a cobrança dessa contribuição, que elas gerem benefícios individuais diretos e imediatos aos específicos contribuintes. Como destaca Marco Aurélio Greco [40], "existe apenas um grupo institucionalizado que exerce certa profissão ou integra a categoria econômica e uma entidade com atribuições no respectivo âmbito ", para concluir que só de forma muito difusa e etérea é que se pode dizer existir uma vantagem relacionada ao pagamento da contribuição.

          A exemplo das demais espécies de contribuição, as contribuições corporativas não estão imunes à discussões doutrinárias quanto à sua adequada configuração jurídica. Com efeito, a par daqueles juristas que a consideram autênticas contribuições, existem aqueles que enxergam nessa exação verdadeiras taxas de polícia. Neste sentido é interessante destacar a posição de Américo Lacombe, citado por José Maurício Conti, segundo a qual os Conselhos e Ordens fiscalizadoras do exercício das diversas profissões, nada mais são do que autarquias criadas pela União, com a finalidade precípua de exercer poder de polícia mediante a fiscalização das diversas profissões, concluindo-se, daí, que os valores das anuidades exigidas pelas mencionadas autarquias nada mais são do que taxas de polícia. [41] Entendimento semelhante esposa Roque Carrazza, citado por José Eduardo Soares de Melo, que observa que os Conselhos profissionais praticam atos de polícia, já que deliberam sobre inscrições em seus quadros, decidem sobre assuntos relacionados à ética profissional, aplicam penalidades, aferem a habilitação profissional, todas estas atividades caracterizadoras de autêntico poder estatal de polícia, razão pela qual teriam ditas contribuições a natureza de taxa de polícia. [42]

          É elemento essencial, nesta espécie de contribuição, identificar a existência de um grupo profissional ou econômico em relação ao qual a finalidade constitucional autorizadora da instituição da contribuição se relaciona. Se não há um grupo profissional ou econômico ao qual a finalidade se refira, faltará um elemento do modelo constitucional das contribuições. O sujeito passivo deve participar efetivamente de uma categoria profissional ou grupo econômico para o qual a contribuição especial é destinada. A contribuição é exigida porque o contribuinte é parte de algum grupo, de alguma classe ou de alguma categoria identificada a partir de certa finalidade qualificada constitucionalmente.

          Por último, apenas convém salientar que o Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade (RE n.° 198.092-3 e RE n.° 191.022-4), já decidiu que a contribuição sindical cobrada no interesse de categorias profissionais é tributo que se ajusta ao disposto no artigo 149 da CF, catalogando-se como contribuição corporativa, diferentemente do que se dá com a contribuição confederativa de que trata o artigo 8.º, inciso IV, do Texto Constitucional, que não possui idêntica natureza tributária, eis que não é dotada de compulsoriedade, sendo obrigatória apenas para os filiados ao respectivo sindicato, ao qual ninguém é obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado, a teor do que proclama o inciso V do citado artigo 8.° da Constituição Federal.

          5.3 AS CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

          As contribuições de intervenção no domínio econômico, chamadas de CIDEs ou contribuições interventivas, estão previstas no artigo 149 da Constituição Federal, que estabelece a competência exclusiva da União para instituir as contribuições da espécie, como instrumento de sua atuação na área.

          Sem estabelecer as respectivas hipóteses de incidência possíveis e, bem assim, os aspectos a elas inerentes, o mencionado dispositivo deixa "em aberto" ao legislador infraconstitucional a possibilidade de estabelecer o aspecto material das CIDEs que vierem a ser criadas, estabelecendo restrição apenas quanto à observância do disposto nos artigos 146, III e 150, I e III, da Magna Carta. Apenas o § 2.º do referido dispositivo, introduzido pela Emenda Constitucional 33/2001, restringiu em certa medida a esfera de alcance para a instituição dessa exação pela União, eis que, antes de seu advento detinha a União, nesse campo, verdadeira "carta em branco", com possibilidades quase ilimitadas para a criação das CIDEs, a vista da textura aberta dos termos e expressões encontrados no referido artigo 149 da CF.

          Na tarefa de bem compreender essa figura jurídica, de pronto se impõe a necessidade de definir-se o alcance e o sentido da expressão "domínio econômico", encontrada no texto do artigo 149 da CF, bem como, a de determinar em que medida pode o Estado nele intervir através da cobrança da contribuição em causa.

          No entanto, uma conclusão é certa: o caráter finalístico das referidas exações, pois que de maneira taxativa o texto constitucional impõe como condição inafastável a de que a cobrança da CIDE seja utilizada como instrumento da atuação da União nas áreas eleitas como objeto de incidência.

          Em obra específica sobre o tema, Hamilton Dias de Souza e Tercio Sampaio Ferraz Júnior lecionam que domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada e que a intervenção no domínio econômico pode dar-se com fundamento no "caput" do artigo 173, no seu § 4.° e com base no artigo 174 da CF/88. [43] Com efeito, o termo "intervenção" já indica uma atuação em setor que lhe é estranho

          A intervenção se dá quando o Estado atua no campo da atividade econômica que é garantida à exploração dos particulares nos termos do artigo 170 da Constituição Federal. O Estado ingressa nesta esfera apenas para atender os interesses coletivos.

          Os princípios norteadores da Ordem Econômica estão relacionados no artigo 170 da Constituição Federal. As atividades econômicas, como regra geral, são livres e a intervenção do Estado só poderá ocorrer excepcionalmente para assegurar os princípios enumerados nos incisos desse artigo. A intervenção estatal terá por objetivo corrigir ou estimular comportamentos econômicos visando a proteção dos fins relacionados nos citados incisos do artigo 170 do Texto Constitucional, se constituindo, pois, em ato excepcional, já que a Ordem Econômica diz respeito ao setor privado.

          Assim, quando a atividade privada, pressionada pelas forças de mercado próprias dos regimes capitalistas, atua em aberto confronto com postulados constitucionais, visando, por exemplo, a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário dos lucros, reconhece-se o cabimento da intervenção estatal, a teor do que proclama o § 4.° do artigo 173 do Texto Constitucional.

          Da mesma forma, atento aos princípios garantidos nos incisos do artigo 173 da CF, o Estado poderá intervir na ordem econômica como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, tudo como previsto no artigo 174 da Carta Política.

          Em estreita síntese, esclarecem Hamilton Dias de Souza e Tercio Sampaio Ferraz Júnior:

          [ ... ] a instituição de contribuição de intervenção é possível quando haja (i) efetiva intervenção do Estado no domínio econômico, nos limites das possibilidades constitucionalmente previstas para tanto, (ii) em atividade originariamente reservada ao setor privado ou que tenha a este sido transferida por autorização, concessão ou permissão, (iii) e que cause um gasto excepcional do Estado ou benefício especial a determinado grupo de indivíduos, componentes do setor objeto da intervenção efetuada. [44]

          No mesmo sentido, a posição de André Luiz Fonseca Fernandes, para quem a intervenção no domínio econômico que dá ensejo à instituição desta contribuição é aquela que o Estado realiza sobre atividades econômicas em sentido estrito, isto é, sobre aquelas atividades reservadas à iniciativa privada e excepcionalmente sujeitas à participação estatal (art.173 da CF/88), vinculadas a um regime jurídico de direito privado, fundadas na livre iniciativa e na busca do lucro, incluindo-se neste conceito as concessionárias, permissionárias e as autorizadas de serviços públicos. [45]

          A seu turno, Marco Aurélio Greco, citado por André Luiz Fonseca Fernandes, sintetiza o assunto ensinando que a intervenção admitida pela Constituição é a que tem por objeto assumido neutralizar distorções que, sob a ótica econômica ou social, podem surgir no campo da iniciativa privada, para ao depois concluir que a contribuição de intervenção pode assumir a feição de instrumento de custeio de despesas para que a intervenção se viabilize, ou ela própria pode ser o instrumento da intervenção, como por exemplo, funcionando como equalizadora de preços ou custos. [46] Desta forma, coerente com o discurso do artigo 170 da CF, que nomina princípios gerais da atividade econômica, se a ordem econômica deve observar os ditames da justiça social, resulta claro que o Estado pode intervir na economia para corrigir distorções econômicas ou sociais criadas pela iniciativa privada, o que implica a instituição de CIDEs não só para custear uma atuação do Estado, mas também para servir de instrumento de correção de tais distorções.

          Como exemplo de contribuição de intervenção no domínio econômico temos o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, que tem como normas básicas que estabelecem regras a respeito os Decretos-leis 2.404, de 23-12-87, e 2.414, de 12-02-88 e a Lei 10.206, de 23-03-2001. Referida exação teve reconhecida a sua natureza de contribuição interventiva pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento Plenário do RE 177.137-2-RS, relator o Ministro Carlos Velloso, j. de 25-05-1995. O acórdão manifestou o entendimento de que não importa o nome dado ao Adicional em apreço, sendo certo, apenas, que tem ele caráter tributário, sendo uma contribuição especial da espécie contribuição de intervenção no domínio econômico e, ainda, que guarda conformação com a Carta Constitucional de 1988.

          Da mesma forma temos ainda, como espécie de CIDE, a Contribuição ao IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool, regulada pelos Decretos-leis 308/1967, 1.712/1979 e 1.952/1982, que estabeleceram a obrigação de seu recolhimento pelos produtores de açúcar e de álcool, para custeio da intervenção da União na economia canavieira nacional. O Supremo Tribunal Federal, pondo fim à controvérsias, decidiu, em julgamento Plenário, que tal contribuição é compatível com a CF de 1988 (RE 214.206-9-AL, relator o Ministro Nélson Jobim, j. em 15-10-1997).

          De outro lado, a Contribuição ao IBC – Instituto Brasileiro do Café, disciplinada pelo Decreto-lei n.° 2.295, de 21-11-1986, destinada ao financiamento, modernização, incentivo à produtividade da cafeicultura, da indústria do café e da exportação, bem como, ao desenvolvimento de pesquisas, dos meios e vias de transporte, dos portos, da defesa do preço e do mercado, interno e externo, bem como, ainda, das condições de vida do trabalhador rural, também catalogada, sob a égide da Constituição anterior, como contribuição de intervenção no domínio econômico, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, conforme decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 198.554-2-SP, Relator o Ministro Carlos Velloso, j. em 19-09-1997).

          Outra espécie de CIDE é a denominada Contribuição ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, que tem por finalidade proporcionar recursos destinados a cobrir parcela do custo de cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do serviço, criada pela Lei n.° 9.998, de 17-08-2000, da qual são contribuintes todas as prestadoras de serviços de telecomunicações, sob regime público ou privado.

          Engrossa, ainda, o rol de contribuições da espécie, a Contribuição ao Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações – FUNTTEL, com o objetivo de estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações, criada pela Lei n.° 10.952, de 28-11-2000, cobrada sobre a receita bruta das prestadoras de serviços de telecomunicações, nos regimes públicos e privados.

          Na mesma linha, temos ainda a Contribuição para Financiamento ao Programa de Estímulo à Interação Universidade/Empresa para Apoio à Inovação, criada pela Lei n.° 10.168, de 29-12-2000, destinada a estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo e cobrada das pessoas jurídicas detentoras de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como das signatárias de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no Exterior, relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica., incidindo sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no Exterior a título de remuneração decorrente das mencionadas obrigações.

          Mais recentemente, a Lei n.° 10.336, de 19-12-2001, com lastro nas disposições da Emenda Constitucional 33/2001, instituiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a Importação e a Comercialização de Petróleo e seus Derivados, Gás Natural e seus Derivados, e Álcool Etílico Combustível – CIDE, cobrada do produtor, do formulador, do importador, pessoa física ou jurídica, dos combustíveis mencionados. Referida contribuição tem a finalidade declarada de pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo, de financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás, bem como, de programas de infra-estrutura de transportes.

          Existe, ainda, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica – CONDECINE, instituída pela Medida Provisória 2.228-1, de 06-09-2000 e Lei 10.454, de 13-05-2002, que tem como fato gerador a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas, com fins comerciais, devida pelo detentor dos direitos de exploração comercial da obra ou de seus direitos de licenciamento no país, destinada ao custeio da atividade interventiva de incentivo a indústria cinematográfica e videofonográfica.

          Por fim, merece destaque a obrigação criada pela Lei 9.991, de 24-07-2000, alterada pela Lei 10.438, de 26-04-2002, que tem como sujeitos passivos as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos de distribuição de energia elétrica, as concessionárias de geração e as empresas autorizadas à produção independente de energia elétrica e as concessionárias de serviços públicos de transmissão de energia elétrica, que ficam obrigadas a aplicar anualmente determinadas percentagens de sua receita operacional líquida em pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico e programas de eficiência energética no uso final. Trata-se de contribuição de intervenção no domínio econômico, determinando-se a prática de comportamento compulsório, embasada nos artigos 170, VII e 218 da CF/88.

5.4. A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA

          A Emenda Constitucional n.° 39/2002 acrescentou ao já complexo quadro de contribuições mais uma figura, qual seja, a da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública, adicionada à competência dos Municípios e do Distrito Federal (CF, art. 149-A, introduzido pela citada Emenda).

          Referida contribuição tem sido alvo de intensos debates doutrinários, merecendo destaque, neste particular, a tormentosa questão da correta delimitação do universo de contribuintes dessa exação, com observância dos princípios constitucionais da impessoalidade e da igualdade.

          Discute ainda a doutrina se tal exação guardaria a conformação jurídica de genuína contribuição ou se, ao revés, de autêntica taxa de serviço, devendo sua cobrança, se prevalecida esta última hipótese, observar o pressuposto de o serviço prestado ostentar as características da especificidade e divisibilidade, a teor do que exige o artigo 145, II, da Constituição Federal, atributos estes que parece não exibir aludida exação.

          De qualquer forma, trata-se de exação nova, que tudo indica ter a natureza jurídica tributária e que está a merecer, ainda, tanto por parte da doutrina quanto da jurisprudência, uma maior reflexão sobre os seus contornos fáticos e jurídicos.


6. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À IMPOSIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

          Reconhecida a natureza jurídica tributária das contribuições especiais, imperioso é concluir que estas se submetem aos comandos constitucionais, erigidos em princípios, aplicáveis às demais espécies tributárias, salvo as exceções que destacamos abaixo.

          Por força do comando expresso do § 6.° do artigo 195 da Constituição Federal, as contribuições sociais de seguridade social podem ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando, portanto, as regras emergentes do princípio da anterioridade tributária insculpidos no artigo 150, III, "b" da CF. As demais espécies de contribuições submetem-se integralmente ao aludido princípio, além de submeterem-se, também, aos comandos do princípio da anterioridade nonagesimal previsto na alínea "c" do mesmo inciso III do artigo 150 da nossa Carta Política.

          Não resta qualquer dúvida que todas as espécies de contribuições, em exceção, submetem-se, ainda, ao princípio da legalidade tributária estrita, contemplado no inciso I do artigo 150 da CF, em razão do que só podem ser instituídas ou majoradas através de lei, sujeitando-se, ainda, à todas as regras do artigo 97 do Código Tributário Nacional, que se constituem em desdobramento do aludido primado constitucional.

          É indiscutível que se aplicam também às contribuições especiais a regra do inciso II do artigo 150 da CF, que veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situações equivalentes.

          Da mesma forma, absolutamente pertinente e aplicável às várias contribuições especiais a regra estampada na alínea "a" do inciso III do artigo 150 da CF, que veda cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Trata-se de regra que consagra a irretroatividade da norma jurídico-tributária e que se constitui em desdobramento do primado da segurança jurídica encontrado nas dobras do texto constitucional, sendo portanto de indiscutível aplicação a todos os tributos.

          Indiscutível, ainda, a aplicação às espécies tributárias aqui tratadas da regra constitucional encontrada no inciso IV da Carta Magna, que veda a utilização de tributo com efeito de confisco. Com efeito, no julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do pedido de liminar apresentado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 2.010, relatada pelo Ministro Celso de Mello, decidiu aquela Corte suspender a eficácia do artigo 2.° e parágrafo único da Lei n.º 9.783/99, que introduziu alíquotas progressivas, majorando a contribuição de seguridade social devida pelos servidores civis da União Federal, ativos e inativos e pelos pensionistas. O Tribunal, na decisão em questão, considerou relevante a tese da ofensa ao princípio que veda a utilização de tributo com efeito de confisco.

          Por fim, como espécie tributária que é, submete-se a contribuição especial à regra do inciso V do artigo 150 da Constituição Federal, que veda que se estabeleça limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais.


7. CONCLUSÃO

          Em face de tudo o que expusemos no presente ensaio, verificamos que, na segunda metade do século XX consolidou-se a convicção de que não poderia mais prosperar a idéia liberal segundo a qual a sociedade civil seria suficiente para realizar todos os objetivos por ela pretendidos, sem a interferência do Estado, apenas com as regras auto-reguladoras do mercado. Ganhava corpo, então, a percepção de que o alcance de determinados objetivos só seria possível com a atuação positiva do Estado pautada na noção de solidariedade. Nasce, então, o denominado Estado Social (Welfare State). É neste contexto que surge a figura da contribuição, como exação cobrada pelo Estado. As contribuições são, portanto, fruto do Estado social e interventor. Novos fins passam a orientar a atuação estatal, dentre os quais se coloca a busca do bem-estar. Para atingir tais fins, o Estado teve de lançar mão também de novos meios. A tributação, nessa perspectiva, como instrumento de obtenção de recursos para financiar as atividades do Poder Público, também sofreu modificações. As contribuições se revelam um instrumento de intervenção do Estado na economia e na ordem social.

          Verificamos, ainda, que a doutrina pátria não tem um posicionamento unânime quanto a natureza jurídica das contribuições especiais, embora a maioria dos autores considere tributária a sua natureza, já que, em tudo e por tudo, submetem-se, salvo algumas exceções às regras aplicáveis aos tributos em geral.

          Verificamos, ainda, que a maioria da doutrina reconhece na contribuição uma espécie tributária autônoma , diferente das figuras clássicas a que alude o artigo 5.° do CódigoTributário Nacional.

          Destacou-se, também, o conteúdo finalístico das contribuições como fator essencial e indissociável da natureza destas, diferenciando-as, por isso mesmo, dos impostos que, por expressa disposição constitucional, têm vedada a vinculação de suas receitas a órgão, fundo ou despesas específicos. São, portanto, as contribuições, tributo que se caracteriza pela respectiva finalidade, representando, por isso, exceção à regra estabelecida no artigo 4.°, II, do CTN.

          Foi possível concluir, ainda, que a doutrina não tem posição pacífica acerca da questão se a atividade estatal a cuja execução se destina a receita arrecadada nas contribuições deve ser necessariamente referível ao sujeito passivo dessa exação, embora a maioria dos estudiosos entenda deva existir, necessariamente, essa referibilidade, ainda que indireta ou mediata.

          Verificamos, ainda, que a exemplo das demais áreas, os doutrinadores também não têm entendimento unânime quanto à possibilidade, com lastro na competência constitucional prevista na primeira parte do artigo 149 da CF, da instituição de outras contribuições sociais, além das já previstas no texto constitucional. Não obstante isso, nos posicionamos ao lado do Professor Hugo de Brito Machado, para quem o reconhecimento dessa possibilidade resultará na atrofia dos impostos federais, com repercussão negativa nos demais entes federativos, partícipes dessa arrecadação, com a quebra do próprio princípio federativo.

          Vimos também que as contribuições sociais de seguridade social são regidas pelo princípio da solidariedade em matéria de custeio, o que as diferencia das demais espécies de contribuição, tendo essa peculiaridade repercussão direta no que se refere à referibilidade da atuação estatal ao sujeito passivo dessa exação, cujo espectro, por isso mesmo, se revela mais amplo, abrangendo toda a sociedade.

          Vimos, por fim, que o legislador federal foi pródigo na instituição de diversas espécies de contribuições, destacando, a final, a aplicação às diversas espécies aqui tratadas dos princípios constitucionais tributários que estabelecem limitações ao poder de tributar.


NOTAS

1.        PAULSEN, Leandro. Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 366-367.

2.        MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 275-277.

3.        MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 27.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 419.

4.        CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 17.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43.

5.        CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 18.ª ed., São Paulo: RT, p. 513.

6.        GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma Figura "sui generis"). São Paulo: Dialética, 2000, p. 80-81.

7.        MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário, 4.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 80.

8.        MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 92.

9.        STF, RE 146.733-SP, in RTJ 143/684.

10.      COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 402.

11.      CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 3.ª ed., São Paulo: RT, 1991, p. 304.

12.      AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 11.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 62 e 84.

13.      MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos . Op. Cit., p. 277-278.

14.      DENARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2002, p. 121-122.

15.      AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 77

16.      MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p.22.

17.      MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p.20-21.

18.      AMARO, Luciano. Op. Cit., p.84.

19.      COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p.405.

20.      ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 5.ª ed., Malheiros, 1980, p. 171.

21.      PAULSEN, Leandro. Op. Cit. p. 376.

22.      PAULSEN, Leandro. Op. Cit, p. 382.

23.      MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 356

24.      PAULSEN, Leandro. Op. Cit., p. 369-370.

25.      MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos . Op. Cit., p. 301.

26.      MARTINS, Ives Gandra da Silva. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 341.

27.      MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p.09-10.

28.      STF: ADI-MC 2.556-DF e ADI-MC 2.568-DF, Relator Min. Moreira Alves, julgadas em 09.10.2002. Informativo STF n.° 285, de 07.10.2002.

29.      PAULSEN, Leandro. Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. Op. Cit., p. 382.

30.      GAMA, Evandro Costa. As Contribuições Sociais de Seguridade Social e a Imunidade do art. 149, § 2.°, I, da Constituição Federal. Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.sinprofaz.org.br/CEJ/Trabalhos/EvandroCostaGama.htm

31.      SOUZA, Hamilton Dias de; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e a Federação. In: Ives Gandra da Silva Martins (Coord.), Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 100.

32.      MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 150.

33.      BARRETO, Aires . Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais, 2.ª ed. rev., São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 38.

34.      MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 138.

35.      GAMA, Evandro Costa. Loc. cit.

36.      PACHECO, Angela Maria da Motta. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários-ICET, p. 82-83.

37.      MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 15.

38.      MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 270.

39.      CINTRA, Carlos César Sousa; LOPES FILHO Juraci Mourão. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários-ICET, 2003, p. 140.

40.      GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit., p. 237.

41.      CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos Tribunais. 1.ª ed., São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p. 65.

42.      MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 270.

43.      SOUZA, Hamilton Dias de; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit., p. 69.

44.      SOUZA, Hamilton Dias de; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit., p. 71.

45.      FERNANDES, André Luiz Fonseca. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. In: Ives Gandra da Silva Martins (Coord.), Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 349.

46.  FERNANDES, André Luiz Fonseca. Op.Cit., p. 351.


BIBLIOGRAFIA

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* professor de Direito Tributário nos cursos de graduação e pós-graduação no Centro de Ensino Superior de Dracena (CESD), bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (FADAP), bacharel em Ciências Contábeis, pós-graduado em Direito Tributário e Direito Processual Tributário

 

 

SOUZA, Juraci Altino de. O regime jurídico das contribuições especiais no Direito brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1213, 27 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9090>. Acesso em: 14 nov. 2006