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Auxílio-doença. Benefício por incapacidade é negado pelo INSS, violando-se garantia legal
Luiz Salvador*
Daniel Pestana Mota**
*Luiz Salvador é advogado
trabalhista com escritório central em Curitiba, Secretário Geral da ALAL (www.alal.info), Representante Brasileiro no
Depto. De Saúde do Trabalhador da Jutra (www.jutra.org),
Diretor da ABRAT, da AAT-PR e do Sindicato dos Advogados de SP e membro
integrante do corpo técnico do Diap.
**Daniel Pestana Mota é mestre em
sociologia do trabalho pela UNESP. Advogado trabalhista e previdenciário
O noticiário da imprensa nacional
tem divulgado que o percentual de benefícios por incapacidade negados pela
perícia do INSS encontra-se, atualmente, num patamar de 20% a 30%. Nessa faixa
encontram-se tanto os segurados que estão requerendo o benefício por
incapacidade quanto os que já se encontravam afastados, e que após a
alta-médica tem que retornar ao trabalho mesmo sendo portadores de laudos, exames,
receitas e atestados demonstrando ainda permanecerem seqüelas incapacitantes.
O INSS tenta justificar o elevado número de negativas argumentando que os
segurados não estão bem informados a respeito de quem tem o direito aos
benefícios por incapacidade, situação esta que se agrava pela falta de
oportunidades no mercado de trabalho.
O argumento pode até ser válido para algumas situações específicas, mas não
traduz a regra geral. Temos presenciado situações de queixas de trabalhadores
com incapacitações reconhecidas e comprovadas por exames, laudos e atestados,
todos rejeitados, sem qualquer fundamento, pelos médicos e peritos do INSS.
Aliás, tais fatos são de conhecimento público e notório, resultando na
movimentação de diversos setores da sociedade, dentre os quais muitos
sindicatos e seguimentos de operadores em saúde do trabalhador, todos buscando
que as irregularidades praticadas pelos médicos e peritos do INSS deixem de
existir: 1
É certo que a política adotada pelo INSS, buscando reduzir o número de
concessões de benefícios por incapacidade sem qualquer critério médico, ou
ainda a de prognosticar uma data futura para a recuperação da capacidade
laborativa dos segurados - as repudiadas “altas programadas” – nada mais faz do
que negar vigência à garantia assegurada quer pela Constituição Federal, quer
pelas leis ordinárias que disciplinam os benefícios previdenciários e norteiam
a atuação da própria Previdência Social.
Afinal, a Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, garante a promoção
do bem estar de todos sem qualquer forma de discriminação, e, além disso, exige
que se garanta a dignidade da pessoa humana. No mesmo sentido, seu art. 196
dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido através de
políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco e de outros
agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação. Por fim, o art. 201 da Carta Magna estabelece
que os planos de previdência social, nos termos da Lei, atenderão a cobertura
dos eventos de doença, incluídos os resultantes de auxilio-doença por
incapacidade física para o trabalho.
A legislação ordinária, seguindo o princípio da solidariedade adotado pela
Constituição Federal, dispõe que o segurado em gozo de auxilio-doença,
insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a
processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade, e.
não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de
nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado
não-recuperável, for aposentado por invalidez. (Lei 8.213/91, art. 62).
Portanto, entre o que diz o texto da lei e entre o que se pratica pelo INSS há
um colossal abismo, cuja tentativa de escamoteá-lo ampara-se na propagação da
idéia de existir um propalado déficit nas contas da Previdência. Segundo dados
do próprio Governo Federal até o dia 9 de dezembro de 2005 já teriam sido
desembolsados R$ 12,5 bilhões com a concessão de benefícios por incapacidade,
valor este superior a todos os dispêndios de 2004 e 15 vezes maior que todo o
valor destinado ao Ministério da Saúde para investimentos.
De nossa parte temos denunciado o equívoco do Governo Federal e sua intenção
clara de esconder o quadro real e os verdadeiros motivos de ser levada a cabo a
política escolhida também pelo Presidente Lula, que acaba por aprofundar o
desmonte do sistema público de Previdência Social. 2 Refém de uma política
econômica pra lá de hortodoxa, o país vem desviando recursos da Previdência
Social para pagamento de juros da dívida interna e externa, reverberando de
forma falaciosa um inexistente déficit nas contas do INSS, o que é desmentido,
de forma comprovada, por estudos sérios, como o publicado pela Associação
Nacional dos Fiscais da Previdência (ANFIP). Desde 2003 existe um substancioso
documento elaborado pela entidade oferecendo um sólido diagnóstico alternativo
do sistema previdenciário. Entre outras coisas, o documento desmistifica o mito
do déficit da Previdência, resgatando o modelo trazido pela constituição de
1988 de um sistema de seguridade social integrado. Segundo o estudo, esse
sistema não apenas não tem déficit, como tem um superávit da ordem de 30
bilhões de reais. 3
Outro problema de extrema gravidade é a falta de indicadores sérios e seguros
sobre as avaliações periciais, bem como a completa ausência de publicidade
sobre as normas internas do INSS que disciplinam tais atividades. Quem faz tal
afirmação é Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro-SP e uma das maiores
autoridades nacionais em doenças ocupacionais. Segundo Maeno, “os indicadores a
serem avaliados devem traduzir a missão da seguradora. No caso do INSS, como se
trata de um seguro social, de caráter público, seria de se esperar que tivesse
indicadores que expressassem o caráter solidário, público, social. Assim, os
peritos e as perícias deveriam ser avaliados quanto ao enquadramento correto do
tipo de benefício (por exemplo, B31 ou B91), quanto ao número de contestações
às suas conclusões periciais, etc. No entanto, apesar de termos discutido em
mesas, esses indicadores foram definidos somente pelo INSS e não são públicos.
Tampouco são públicas as ordens internas que definem procedimentos de diversas
naturezas, inclusive, condutas periciais. Do segurado, assim, é roubado o
direito de contestação, pois a “ordem interna” que fundamentou tal ou qual
conduta não é de conhecimento público. É clandestino à sociedade”.
É preciso que se faça valer a letra da lei e, sobretudo o espírito da
Constituição. Um novo Governo, havendo ou não reeleição, não parece disposto a
modificar o terrível quadro que se abateu sobre a questão dos benefícios por
incapacidade. Os candidatos do PT e do PSDB possuem o mesmo discurso, dando
como certa mais uma reforma da Previdência Social, no caminho das exigências
feitas por organismos internacionais e tendo como pano de fundo a controvertida
questão do déficit das contas do INSS. Não é preciso mais do que coragem para
realizar as mudanças que o sistema exige. Todavia, tais mudanças devem observar
a realidade dos fatos, sem o que os trabalhadores de um modo geral tendem a
adoecer cada vez mais por conta de ambientes de trabalho pouco saudáveis, onde
se busca o lucro de poucos à custa da vida ceifada de milhões de brasileiros.
SALVADOR, Luiz; MOTA, Daniel Pestana. Auxílio-doença. Benefício por incapacidade é negado pelo INSS, violando-se garantia legal. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22639. Acesso em: 6 out. 2006.