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Substituição tributária, não
cumulatividade e pagamentos fracionados
Flávio Diamante*
O princípio da não
cumulatividade tem sido enfocado como se fosse vinculado de modo necessário,
condicionado, aos casos de múltiplos pagamentos. Alguns doutrinadores o têm
confundido com o esquema de pagamentos fracionados em função de cada transferência
de propriedade, ocorrente em cada venda, em cada escambo mercantil etc.
Enfocando
mal a incidência múltipla ou polifásica do ICMS sobre os valores agregados,
ocorrentes com relação a cada contribuinte, pregam que, não havendo na
substituição tributária uma sequenciada dedução de créditos fiscais, perfaz-se
um desrespeito ao princípio anticumulação inserto na LCN.
A
doutrinação descuidada, superficial, quanto aos objetivos e ideais mais amplos
e elevados, pode confundir, desinformar – e assim, precipitando jurisprudência
de semelhante teor, prejudicando o pleno entendimento da funcionalidade da TVA,
retardar a lenta evolução do sistema.
A
não cumulatividade, que consiste em simples não reincidência de um tributo
sobre a mesma base de cálculo, é apropriada para as indiretas incidências
polifásicas, mas funciona perfeitamente e continua indispensável nos casos de
incidência direta e pagamentos únicos, naturalmente integralizados (como no
IVV), e com os integralizados artificialmente (como nos casos de substituição
tributária) ou unifásicos e integrais (como na importação de bens por pessoa
física).
O
IVV monofásico, direto sobre o EVA mais o restante do faturamento, parece um
IVC sem reincidência cumulativa. Ele tem débito absoluto (relacionado
diretamente à obrigação tributária) sem créditos fiscais. Ao atingir o total do
faturamento cobrindo de uma só e única vez o somatório dos econômicos valores
agregados, ou o EVA integralizado, mostra ser não cumulativo de modo claro e
incontestável.
O
IVV funciona como que por um diferimento de incidência e de pagamento para o
final do fluxo de coisas comerciáveis, serviços ou mercadorias. Situando-se em
um dos extremos, possibilita um raro caso de justa substituição tributária num
esquema ortodoxo e racional.
A
função dos créditos fiscais é conduzir os cálculos para a justeza da tributação
do valor agregado (TVA), pela via do jogo de minuendos e subtraendos em
respeito ao princípio da não cumulação. Os adeptos do culto do obsoleto
classificam a busca da exatidão como perniciosa interferência da economia no
campo do direito. Contudo, perniciosa é a torcida manipulação de dados por
conveniências eventuais.
O
sistema ideal – o direto (tax on base) – é inexeqüível, tanto quanto é
impraticável a apuração periódica do lucro, num fluxo normal de administração
de compras, vendas, estocagem etc., com custos alteráveis em função de curso de
tempo e de variáveis eventos. No sistema coletivo, o uso de créditos fiscais
gera naturais saldos fluentes ao longo do tempo. Ocorre então a tendência
contínua para a convergência exata com os resultados dos somatórios de virtuais
incidências indiretas e unitárias e/ou das incidências diretas. [01]
O
princípio da não cumulatividade, que permite atingir o EVA indiretamente, deve,
em cada caso, verificar cada contribuinte. Seu objetivo é estabelecer direitos
e obrigações em dupla correspondência, pelo contribuinte e pela fazenda
pública. Ele é a via pela qual a LCN estabelece a tributação do valor agregado
(TVA) brasileira, determinando em síntese:
"Abata-se
do débito calculado todo o imposto cobrado em transações anteriores".
O
princípio da equivalência das cargas, que deduzimos no início da década dos
setenta, visa à necessidade de parametrar a busca de exatidão. Ele visa à
determinação da carga total para evitar incorretos ônus para os contribuintes
e/ou prejuízos para a Fazenda Pública. Ele absorve e traduz para uma linguagem
matemática ou técnica o princípio da não cumulatividade permitindo a
constatação:
"O
somatório dos pagamentos fracionados (ou o algébrico das cargas dos valores
agregados) depois de retificado pela regra do ‘buttoir’, deve equivaler ao
débito fiscal da operação de maior valor, geralmente a última, calculado com a
maior alíquota".
O
princípio da não cumulatividade indispensável na incidência indireta e
polifásica sobre EVAS pode e deve ocorrer em qualquer outro esquema de incidência
do ICMS, envolvente ou não de entidades não comerciais.
O
uso de créditos fiscais calcado no princípio anticumulação classifica um
imposto no grupo da TVA ou do IVA, indireto como em outras nações. Se fosse
viável a incidência direta, ocorreria uma obrigação tributária pela simples
aplicação da alíquota sobre o EVA, em esquema virtual, mas útil como paradigma
por não envolver discussões sobre restrição ou ampliação de créditos.
Quando
à confusão sobre a virtual incompatibilidade entre o princípio e a substituição
tributária, com rigor, o enfoque não deveria se dar sobre a não cumulação, um
mero efeito, e sim sobre a integralização em uma base única, das múltiplas
incidências relativas a cada valor agregado, a importante causa. Quando a base
integralizada corresponde ao somatório das múltiplas bases, o princípio da
equivalência das cargas revela a justa e procurada exatidão.
Mas
fora dos casos da substituição tributária com sua integralização de bases, a
impossibilidadade de contínua determinação do EVA em prazos curtos para
formação de base para cálculo direto motivou a incidência indireta com dois
cálculos objetivos: o minuendo sobre o faturamento como no sistema do IVM e
IVC, da primeira metade do século passado, e o atual subtraendo relativo ao
mesmo tipo de cálculo em transação anterior com a mesma mercadoria.
A
integralização de valores em uma base única para o cálculo simplificado
ocorrente com o diferimento tanto de débitos quanto de créditos fiscais pode
ser irrelevante em respeito ao princípio da não cumulatividade. A substituição
tributária muitas vezes favorece em demasia ao fisco, prejudicando
contribuintes, e até em paralelo premiando injustamente outros. [02]
Pode
ser eventualmente justa com pontos vulneráveis, ou ser considerada instável
resultante de contradição entre dispositivos da LCN; pode ser acusada de muitas
inconveniências mas não pode ser tachada de ofensiva ao princípio da não
cumulatividade pela simples causa da integralização das bases de cálculo. [03]
A
confusão quanto à virtual incompatibilidade entre o princípio e a incidência
unifásica tem resultado de enfoque desajustado também nos casos de pagamentos
de ICMS relativos à importação de bens efetiváveis conforme a legislação
vigente por pessoas físicas.
Num
destes casos, em fase de julgamento, um acórdão conteve um equivocado voto
mencionante de impossibilidade de exigência quanto a pessoa física (quando só
ao comerciante seria possível a compensação do que fosse devido em cada
operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal) e do argumento de que, pela não ocorrência de circulação
de mercadoria, não haveria como aplicar o princípio da não cumulatividade.
A
incidência do ICMS na importação de bem por pessoa física, determinada por lei,
como deveria, é concretizável. A circulação, mera expressão intitulante do
imposto, ocorre, quando é exportada a mercadoria e antes que o importador a
converta em bem por eventual, personal e reformável opção. Quanto à
compensação, ela só é indispensável quando existam créditos dedutíveis, e nem
sempre as operações anteriores envolvem o Distrito Federal, o mesmo ou outro
Estado federado.
A
incidência unifásica não comporta deduções, e por ser integral e ocorrente
sobre a última transação sem repetição, não comporta superposição nem cumulação
de imposto. E assim, de modo lógico e claro, é harmônica com o princípio da não
cumulatividade.
REFERÊNCIAS
COMPLEMENTARES
(CONTIDAS NO E-BOOK DO MESMO
AUTOR "UMA SÍNTESE FISCAL - DO IVC AO IVA")
SIGLAS
EVA- Econômico valor agregado
ICMS- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IVC- Imposto sobre Vendas e Consignações
IVM- Imposto sobre Vendas Mercantís
IVV- Imposto sobre Vendas a Varejo
LCN- Lei Constitucional Nacional
TVA- Tributação sobre Valor Agregado
GLOSSÁRIO – VERBETES: ALÍQUOTA,
BASE DE CÁLCULO, CARGA TRIBUTÁRIA, CONTRIBUINTE, CRÉDITO FISCAL, DÉBITO FISCAL,
ESQUEMA, IMPOSTO, INCIDÊNCIA, MERCADORIA, PAGAMENTOS, PRINCÍPIOS, PROPRIEDADE,
REGRA DO "BUTTOIR", REINCIDÊNCIA, SISTEMA, SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA,
TVA, VALOR, VENDA.
Notas
01
A convergência se exata com o esgotamento dos estoques e do fluxo de
débitos/créditos fiscais físicos. Se o esquema engloba créditos fiscais
financeiros, amplos, a perfeição da convergência fica condicionada ao acúmulo
de faturamento que ultrapasse o valor dos custos do ativo imobilizado.
02
Veja o artigo "O diferimento e os paradoxos da isenção"
03
A substituição tributária pode ocasionar injustiças com a transferência
formalizada de obrigações desvinculada dos direitos. No caso de antecipação ela
permite outras torções além da conhecida subversão da ordem: a injusta
anteposição de obrigações e créditos tributários presumidos a fatos geradores
apenas virtuais.
*bacharel em Ciências Contábeis, fiscal de Tributos Estaduais em Minas Gerais, chefe de Departamento de Tributos e de Consultas Tributárias, presidente de órgão julgador em primeira instância administrativa, aposentado pela SEF/MG, professor de legislação aplicada e administração tributária em cursos abertos
DIAMANTE, Flávio. Substituição tributária, não cumulatividade e pagamentos fracionados. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1125, 31 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8703>. Acesso em: 31 jul. 2006.