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Taxação dos inativos – Do racional ao irracional
Danilo Alejandro Mognoni Costalunga *
A história nos
demonstra que a vida em sociedade e seus sistemas jurídicos
sofreram uma série de importantes e profundas transformações,
aparentemente lentas e progressivas, na formulação de
direitos que conduziram a uma verdadeira revolução na
nossa concepção jurídica, política,
econômica e social.
Estas transformações
dos sistemas jurídicos possibilitaram a passagem de um sistema
irracional para um sistema racional de direito: o arbítrio deu
lugar à justiça e a legalidade, a anarquia do regime
feudal foi substituída pelo reforço do poder de certos
reis e senhores, a economia fechada cedeu para a economia de troca, o
costume foi suplantado pela lei[1].
Do mesmo modo, a
realidade concreta da vida a nós possibilita reconhecermos que
muitos daqueles sistemas jurídicos, sem prejuízo de sua
simultânea abertura material e estabilidade[2], estão
tomando forma novamente: estamos na contramão da história
e da própria lógica na evolução da vida
em sociedade, passando de um sistema racional para um sistema
irracional de direito. Ao menos é esta a conclusão a
que chegamos após a análise crítica de situação
vivenciada pelos servidores públicos estaduais inativos
(aposentados ou pensionistas) concernente à contribuição
previdenciária.
No que diz respeito ao regime
previdenciário dos servidores públicos do Estado do Rio
Grande do Sul, em muito similar aos demais entes federados, é
sabido que a condição jurídica de servidor
público estadual sujeita referido servidor a contribuições
sobre seus vencimentos/proventos, visando contribuir com o regime de
previdência a que pertence, compreendidos os benefícios
previdenciários e da assistência à saúde.
Em
objetiva análise tem-se o seguinte: até o mês de
junho do ano de 2004 o servidor contribuía com 9% mensais,
conforme Lei n.o 7.672/82; de novembro de 1995 a maio de 2000 o
servidor contribuiu com 2% mensais, conforme Lei Complementar n.o
10.588/95, contribuição esta excluída por força
da Lei Complementar n. 11.476/00; e a partir de julho de 2004
contribui o servidor com 11% e mais 3,1%[3] mensais, de acordo com as
Leis Complementares n.º 12.065/04, 12.066/04 e
12.134/04.
Ocorre que com a inatividade do servidor
público, ou mesmo ao tempo em que preenche as condições
necessárias para a inatividade, de acordo com a Emenda
Constitucional n.º 20/98, cessa para este servidor a
contribuição previdenciária obrigatória
que visa custear a seguridade social, vale dizer, não deverá
mais ter descontados de seus proventos o percentual de 5,4% (Lei n.º
7.672/82) e 2% (Lei n.º 10.588/95).
Malgrado a
disciplina legal[4] e a posição do Judiciário[5],
nosso Estado, durante praticamente todo o período que
compreendeu o mês de dezembro do ano de 1998 ao mês de
junho do ano de 2004[6], fez incidir contribuição
previdenciária sobre os proventos dos inativos (5,4% e
3,6%[7], Lei n.o 7.672/82, e 2%, Lei n.º 10.588/95): segundo
informações veiculadas pelo jornal Zero Hora aos
28-05-2004, p. 20, atualmente 99,6 mil inativos contribuem para a
previdência todos os meses com 5,4% sobre seus proventos, sendo
que 15,5 mil inativos estão isentos da referida contribuição
por força de ordem judicial.
Cumpre esclarecer,
a bem da verdade, que a contribuição previdenciária
complementar exigida por força da Lei Complementar n.º
10.588/95, em percentual correspondente a 2% dos proventos líquidos
que percebe o servidor inativo, em data de 03 de maio de 2000, por
força da Lei Complementar n. 11.476, teve sua incidência
sobre os inativos afastada, conforme modificação
operada no art. 1o. da Lei Complementar n. 10.588/95, em que pese a
cobrança tenha sido efetivada pelo Estado do Rio Grande do Sul
por alguns meses posteriores.
Ainda que a Emenda
Constitucional n.º 41/03, expressão do Poder Constituinte
Reformador, juridicamente limitado, tenha instituído de modo
compulsório a estes mesmos servidores o dever de contribuírem
mensalmente para a previdência, e independentemente da solução
adotada pelo STF no julgamento das ADIs 3105 e 3128[8], que
questionaram a mencionada exigência da contribuição
previdenciária dos servidores que antes da EC 41/03 já
eram inativos, o fato é que a contribuição
previdenciária cobrada compulsoriamente dos inativos sob o
regime jurídico da EC 20/98[9] não poderia ter sido
exigida dos servidores jubilados antes da EC 41/03. Esta afirmação
é de fácil e lógica constatação,
afora as inúmeras decisões judiciais que sufragam esta
posição e a verificação de que estavam
estes servidores submetidos a regime jurídico que os isentava
de contribuição previdenciária, ante a razão
de ser de toda discussão jurídica travada no STF por
força das ADIs 3105 e 3128: afinal, o reconhecimento do
direito à isenção de contribuição
previdenciária sob a égide da EC 20/98, norma de
eficácia plena, não é objeto de controvérsia,
e sim se a eficácia – jurídica e social - da EC
41/03 alcançaria os servidores que já haviam adquirido
a inatividade antes de sua existência e vigência. Não
fosse assim, não teríamos cogitado sobre a atual
taxação dos inativos no STF.
Resta
sabermos, então, fiéis ao princípio da
legalidade e, é claro, não descurando do fato de que o
direito deva ser justo, razoável, solidário e
igualitário, qual a razão da exigência mensal da
contribuição previdenciária dos inativos no
período de dezembro de 1998 a junho de 2004, bem como os
motivos que levaram os que se beneficiaram de noticiadas
contribuições a não repeti-las voluntariamente
aos servidores inativos?
Estaríamos retornando
ao sistema irracional de direito, em que a arbitrariedade prevalece
sobre a lei, em que o acatamento da administração ao
direito e à lei deixou de ser regra de observância
permanente e obrigatória, desvirtuando-se a gestão dos
negócios públicos e os fundamentos da ação
administrativa?
[1] Cf. JOHN GILISSEN,
Introdução Histórica ao Direito, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1995.
[2] Cf. INGO
WOLFGANG SARLET, A eficácia dos Direitos Fundamentais, Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003
[3] Em recente decisão,
monocrática, proferida aos 13 de agosto de 2004, o ilustre
Desembargador do TJRS Henrique Osvaldo Poeta Roenick, assim
posicionou-se quando do julgamento do Agravo de Instrumento n.º
70009459694:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO.
CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL À SAÚDE
INSTITUÍDA PELA LEI COMPLEMENTAR N.º 12.066/04.
ILEGALIDADE DO DESCONTO POR AUSÊNCIA DE COMPULSORIEDADE FACE À
NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL.
Sendo a assistência à
saúde apenas um dos pilares da seguridade social e não
tendo ela o caráter da solidariedade que tem a previdência
social, não se pode entender que o plano de saúde
disponibilizado pelo Estado do Rio Grande do Sul tenha o caráter
contributivo-compulsório. Aderem a tal plano os servidores
(ativos e inativos) e pensionista que assim entenderem, sendo
perfeitamente lícito aos demais a não adesão e,
por isso, nestas circunstâncias, indevido o desconto
respectivo. Como conseqüência, não têm eles
qualquer direito aos benefícios correspondentes. Princípio
da liberdade negativa de associação, previsto no art.
5.º, XX, da CF/88. Não-obrigatoriedade da contribuição
que vai declarada.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO
LIMINARMENTE.
[4] Cf. EC n.º 20/98.
[5] Cf. STF -
ADIn n.º 2010-2, ADIn n.º 2049-8, ADIn n.º 2.087-1,
ADIn n.º 2197-4, ADIn n.º 2189-3.
[6] A partir de
julho de 2004 o Estado do Rio Grande do Sul, por força da Lei
Complementar n.º 12.065, de 29-03-2004, em vigor noventa dias
após a data de sua publicação, atendendo nova
disciplina trazida pela EC n.º 41/03, dispôs sobre as
contribuições mensais de 11% para o Regime Próprio
de Previdência Social que incidirão sobre os salários
de contribuição dos servidores ativos e inativos.
[7]
A rubrica de 3,6%, em vigência até o mês de junho
de 2004 por força da Lei n.º 7.672/82, porquanto
destinada à assistência à saúde, embora
sem caráter compulsório, era exigida de todos os
servidores, ativos, ou inativos, tão-somente sendo excluída,
através de ordem judicial, a contribuição
previdenciária correspondente a 5,4% (Lei n.º 7.672/82) e
2¨% (Lei n.º 10.588/95).
[8] Como sabido, o STF, por
7 votos a 4, reconheceu a constitucionalidade da taxação
dos inativos disciplinada pela EC n.º 41/03.
[9] Vale
dizer: para os servidores públicos inativos do Estado do Rio
Grande do Sul até o mês de junho de 2004, à luz
da Lei Complementar n.º 12.065/04.
*Advogado em Porto Alegre - RS, professor de Direito no UniRitter, Membro Efetivo do IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual, Especialista em Direito Processual Civil, Mestrando em Direito pela PUCRS.
Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 25 de julho de 2006.