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A inconstitucionalidade da instrução normativa INSS nº 80/2002. A
ilegal retenção de 11% sobre o faturamento das empresas optantes pelo SIMPLES
João Antônio Coelho e Sá *
O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em franca contraposição à
Constituição da República/88 e à ordem infraconstitucional, demonstrando mais
uma vez sua exacerbada voracidade arrecadatória, reinventou normatização no
sentido de obrigar que as empresas prestadoras de serviços optantes pelo
SIMPLES sofram retenção de 11% "sobre o valor bruto da nota fiscal, da
fatura ou do recibo emitido".
Reinvenção sim! Esdrúxula cobrança já havia sido tentada pelo órgão do
governo quando editou as ordens de serviço OS/INSS/DAF/Nº 203, de 29 de janeiro
de 1999 e OS/INSS/DAF/Nº 209, de 28 de maio de 1999. Tal cobrança foi
plenamente rechaçada pelos nossos tribunais, o que fez com que o INSS, através
da IN 8/2000, afastasse a ilegal retenção.
Contudo, o INSS, utilizando-se de diverso meio normativo, mas com o mesmo
conteúdo prático, editou, no dia 27 de agosto de 2002, com vigência a partir de
1° de setembro do mesmo ano, a Instrução Normativa n° 80/2002, apresentando
dispositivo com a seguinte redação:
"No período de 1º de janeiro de 2000 até o dia anterior à
vigência desta Instrução Normativa, a empresa optante pelo SIMPLES não está
sujeita à retenção de 11% (onze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal,
da fatura ou do recibo emitido, quando prestar serviços executados mediante
cessão de mão-de-obra ou empreitada, na forma do disposto no art. 31 da Lei nº
8.212, de 1991."
Com esta nova redação dada pela IN, as empresas optantes pelo SIMPLES se
viram automaticamente, de forma transversa, obrigadas a sofrer o recolhimento
de 11% sobre o seu faturamento a título de "contribuição social a cargo do
empregador".
O valor retido, conforme estabelecido na Lei 8.212/91, será objeto de
compensação pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente de mão-de-obra,
quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas
sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço ou, sendo impossível,
gerará direito a restituição. Teoricamente, o valor retido a maior será objeto
de compensação ou restituição.
Entretanto, na prática, essa compensação não existe, posto que não há
como se promover a compensação, já que a contribuição social a cargo do
empregador é paga na alíquota única do SIMPLES e, de outra margem, a
restituição quase não funciona, em vista das enormes dificuldades, burocracia e
demora em se obter esta repetição de indébito.
Todavia, os nossos tribunais têm aberto os olhos a esta
inconstitucional/ilegal cobrança, rechaçando, mais uma vez, tormentosa
retenção. Segundo o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, existe:
"uma incompatibilidade técnica entre o regime tributário genérico
da retenção e o regime específico da opção pelo SIMPLES, que levada a efeito
causará injustiça fiscal fazendo com que as microempresas e empresas de pequeno
porte tenham uma redução drástica do capital de giro, inviabilizando o
exercício de suas atividades em face do lento e burocrático procedimento dos
pedidos de restituição" - AMS 2003.38.00.014764-7/MG.
Reforça o Tribunal, em decisão primorosa - sem a conotação política que
às vezes se dá às questões envolvendo entes da Administração Pública -,
reafirmando o direito das "empresas optantes pelo SIMPLES, a
sistemática própria de recolhimento, inclusive em parcela única",
asseverando ser impossível "a integração de norma geral que se utiliza
de sistemática totalmente inconciliável com aquela, porque determina retenção
de valores para posterior compensação (somente possível em recolhimento
separado, em que se pode quantificar o valor a ser complementado ou o valor a
ser compensado)" – AMS nº: 2002.38.00.038136-3 / MG.
Há, inclusive, recente decisão do STJ neste sentido, assim ementada:
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
2. Aplicação da Súmula nº 168/STJ: "Não cabem embargos de
divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do
acórdão embargado."
3. Embargos de divergência a que se nega seguimento."
STJ EREsp 584506/MG – Relator Ministro JOSÉ DELGADO – 1ª Seção; DJ
05.12.2005
Fato é que: a) a Constituição Federal/88 dispõe sobre tratamento
diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno
porte; b) a lei 9.317/96, regulamentando o artigo constitucional
mencionado, institui o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e
Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES, que, em
vista do princípio da especificidade das normas, trata do tema in comento;
c) a norma geral não se aplica às empresas optantes pelo SIMPLES, não
podendo esta revogar a lei 9.317/96, que é norma especial; d) a empresa
optante pelo SIMPLES é submetida a duplo pagamento da mesma contribuição,
tributada quando do pagamento unificado e novamente tributada pela retenção de
percentual de sua fatura, incidindo, portanto, uma forma velada de
bitributação.
Resta claro, portanto, o equívoco do INSS ao reeditar essa
obrigatoriedade de que as "tomadoras de serviços" retenham 11% sobre
a fatura dos "prestadores de serviços" optantes pelo SIMPLES. Há
total incompatibilidade entre a forma de recolhimento das contribuições sociais
do SIMPLES com o regime de recolhimento antecipado de 11% sobre a fatura do
serviço, visto que a Lei n. 9.317⁄96, que instituiu a primeira, é
especial em relação ao artigo da Lei 8.212⁄91, prevalecendo o princípio lex
specialis derogat generali.
Uma empresa que não é optante pelo SIMPLES é obrigada a ver retidos 11%
sobre o total de seu faturamento a título de encargos para a seguridade social.
A empresa OPTANTE PELO SIMPLES, que tem, constitucionalmente, um tratamento
diferenciado e favorecido, é obrigada à retenção do MESMO PERCENTUAL das
empresas não optantes (mesma porcentagem) e ainda recolher as mesmas
contribuições sociais, outra vez, insertas na parcela UNIFICADA do SIMPLES?
É certo que a empresa optante pelo SIMPLES tenha uma obrigação maior
junto ao INSS do que a empresa que não é optante? Seria esta a vontade do
legislador constituinte quando elegeu como norma constitucional o tratamento
diferenciado, favorecido e simplificado às microempresas e empresas de pequeno
porte?
Claro que tal entendimento é um verdadeiro disparate! Uma empresa que
deve ter tratamento diferenciado, simplificado e favorecido é obrigada a pagar
duas vezes - recolher a parcela única e ter a retenção de 11% sobre o total da
fatura, enquanto a empresa que não é optante pelo SIMPLES, que não tem
tratamento favorecido e simplificado, é obrigada somente à retenção dos 11%.
Portanto, não pode prosperar tal entendimento. E temos que lutar contra!
Isso é a inversão total do conceito de "DIFERENCIADO, SIMPLIFICADO E
FAVORECIDO"!! Esta garantia constitucional privilegiando as micro e
pequenas empresas não pode ser menos eficiente do que as normas
infraconstitucionais que tratam das outras empresas que não se enquadrem no
conceito de micro e pequena empresa.
Esta elevada quantia retida, que é, via de regra, entre 70-80% do lucro
da empresa prestadora de serviços. A impossibilidade de compensação entre o
valor retido e a PARCELA ÚNICA do sistema SIMPLES; a grande dificuldade em
obter a restituição dos altíssimos valores retidos a maior pelo INSS (burocracia
e extrema lentidão dos procedimentos); e a enorme diferença entre o valor
compensado e o valor retido, são algumas questões/problemas que inviabilizam a
continuidade das atividades das microempresas e empresas de pequeno porte,
inviabilizando, conseqüentemente, a economia do país.
Desta forma, admitir-se a retenção antecipada dos 11% a título de
contribuição previdenciária é andar na contramão do sistema constitucional e da
sistemática do SIMPLES, mesmo que posteriormente assegurada a restituição do
valor retido.
* Advogado
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8506>. Acesso em: 25 jun. 2006.