Tributos
avaliáveis. Confusões entre as esferas legislativa e executiva
Kiyoshi Harada *
Nos chamados tributos avaliáveis, como são os casos do
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão inter
vivos de Bens Imóveis e de Direitos a ele relativos (ITBI) reina confusão
entre os planos legislativo e executivo.
É claro que o agente administrativo tributário competente
deve apurar a base de cálculo do imóvel por meio de operações aritméticas, para
o lançamento do IPTU, ou homologação do recolhimento antecipado pelo
contribuinte, no caso do ITBI.
No primeiro caso, ocorre o lançamento direto, conforme
art. 149 do CTN. No segundo caso, ocorre o lançamento por homologação, segundo
preceituado no art. 150 do CTN, que consiste no ato pelo qual a autoridade
administrativa tomando conhecimento da atividade exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa. Na omissão da autoridade administrativa considera-se
homologado o lançamento e extinto o crédito tributário pelo decurso de prazo de
cinco anos, a contar da data da ocorrência do fato gerador (parágrafo único do
art. 150 do CRN).
Qualquer que seja a modalidade do lançamento, este é
sempre um procedimento administrativo vinculado.
A atividade do lançamento é obrigatória nos termos da lei,
sob pena de responsabilidade funcional do agente público. É o que está expresso
no art. 142 e parágrafo único do CTN.
Se assim é, óbvio que não cabe ao agente fiscal competente
pesquisar o mercado imobiliário para apuração do valor venal do imóvel a cada caso
concreto. Não cabe ao Executivo eleger os critérios ou métodos avaliativos para
realizar o ato do lançamento, que é procedimento administrativo vinculado.
Vinculado a quê? Vinculado à lei que, com base nas pesquisas feitas pelo
Executivo, aprovou as Plantas Genéricas de Valores – PGVs.
No Município de São Paulo a lei que dispõe sobre a forma
de apuração do valor venal do imóvel, para fins de lançamento do IPTU, é a Lei
de nº 10.235/86 na qual estão anexadas Tabelas de I a VI, contendo listagem de
valores, possibilitando a apuração do valor unitário do metro quadrado
da construção e do terreno (art. 2º).
As Tabelas I a III referem-se à apuração do valor unitário
do terreno considerado os diferentes fatores (profundidade, esquina,
condomínio, encravado, etc.).
A Tabela IV contém fatores de depreciação da construção em
razão da idade aparente. A Tabele V contém seis tipos de construção, com seis
padrões diferentes para cada tipo (residencial horizontal, residencial
vertical, comercial horizontal, etc). Finalmente, a Tabela VI divulga os valores
unitários do metro quadrado da construção para diferentes tipos e padrões
de construção, obtidos por meio de critérios indicados no art. 2º da
Lei.
O valor venal do imóvel resultará da somatória do valor do
terreno e da construção, apurados por meio dessas Tabelas que podem ser
atualizados anualmente por Decreto, ou terem os seus valores majorados por lei,
após nova pesquisa de mercado.
A atividade do Executivo, por meio de seu agente
tributário competente, resume-se no enquadramento do imóvel tributando em um
dos tipos de construção e padrão previstos na lei e nos diferentes fatores do
terreno, para realizar as operações aritméticas com o objetivo de apurar o
valor venal do imóvel, a partir dos valores do metro quadrado da construção e
do terreno que estão apontados na lei. Não lhe é facultado proceder consultas
de mercado. Essa é uma atividade típica do Executivo que antecede a
elaboração do projeto de lei de instituição das Plantas Genérica de
Valores, ou de majoração de valores neles expressos.
Por isso, o Decreto nº 46.228/05 do Município de são
Paulo, que disponibiliza, por via eletrônica, o ‘valor venal’ de cada um dos
milhões de imóveis cadastrados na Prefeitura, com caráter de utilização
compulsaria desses valores, sob pena de não emissão do documento de arrecadação
do ITBI, cuja apresentação ao notário é obrigatória, configura
inconstitucionalidade, ilegalidade e abuso de poder.
Viola o princípio da legalidade tributária, além de
implicar exigência de pagamento antecipado do imposto, que só seria devido por
ocasião da ocorrência do fato gerador, com a transmissão de propriedade
imobiliária, que se dá com o registro do título de transferência, nos termos do
art. 1.245 do Código Civil.
Outrossim, implica descaracterizar o lançamento por
homologação, onde não é dado ao sujeito ativo interferir no ato do pagamento do
tributo. Cabe ao fisco homologar a atividade exercida pelo contribuinte. Não
concordando, cabe-lhe promover o lançamento direto da diferença que entender devido,
notificando o contribuinte para exercer o contraditório.
O Decreto em tela inverte a situação facultando ao
contribuinte apresentar avaliação contraditória, caso não concorde com o ‘valor
venal’ disponibilizado pela Prefeitura, com base em pesquisas de mercado.
À toda evidência, confunde o aspecto abstrato da norma que
define os critérios avaliativos com base nas pesquisas prévias de mercado, com
o aspecto concreto do lançamento com fundamento nas Plantas Genéricas de
Valores aprovadas por lei.
Dessa forma, transforma o lançamento, que é procedimento
administrativo vinculado, em um ato ilegal e arbitrário. Daí porque alguns
imóveis figuram no site da Prefeitura com o valor venal cinco vezes mais
do que aquele consignado na notificação do lançamento do IPTU, feito de
conformidade com a lei.
Se a Prefeitura deseja majorar o ITBI que o faça
abertamente, enviando ao Legislativo um projeto de lei prevendo a elevação da
alíquota, ao invés de continuar arrecadando de forma arbitrária e ilegal,
manipulando a base de cálculo, com fundamento em supostas informações de
mercado, que só poderia resultar de lei, no caso, da aplicação da Lei nº
10.235/86.
Cabível o mandado de segurança contra essa exigência
ilegal e abusiva do ITBI, por meio do Decreto nº 46.228/05, sem prejuízo da
ação direta de inconstitucionalidade perante o E. Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo a fim de expurgá-lo do mundo jurídico.
* Advogado em
São Paulo (SP), professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo,
especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP,
conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), presidente do
Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8491>. Acesso em: 09 jun. 2006.