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Aproveitamento de créditos de ICMS sobre insumos na produção de Energia Elétrica bens do ativo permanente.





Marcília Metzker S. Brêtas* Marta Célia Oliveira**





Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da não-cumulatividade. 3. Fundamentação legal. 4. Conceitos inerentes à atividade de energia elétrica. 5. Irrelevância da modalidade de contratação. 6. Posicionamento do fisco do Estado de Minas Gerais de outros Estados. 7. Considerações finais e Conclusão.

1 – INTRODUÇÃO



O tema vem sendo discutido basicamente no âmbito das concessionárias de energia elétrica, mas interessa à comunidade jurídica e à sociedade em geral por dois aspectos relevantes. Primeiro, porque vedações ao aproveitamento de créditos do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte interestadual e intermunicipal e de Comunicação – ICMS ferem o princípio constitucional da não-cumulatividade universal sob cujo pálio foi instituído e regulamentado o referido imposto. Por segundo, é cediço que impostos incidentes sobre o consumo são considerados indiretos, ou seja, seu ônus é suportado pelo consumidor final; na medida em que são opostas vedações ao creditamento, o custo final dos produtos e serviços fica majorado, em detrimento da economia popular.



O objetivo do presente estudo é demonstrar a viabilidade jurídica para o pleno aproveitamento de créditos de ICMS originados na aquisição de bens para o ativo permanente, especificamente aqueles bens empregados na construção de barragens, redes de transmissão e de distribuição de energia elétrica tais como cimento, ferragens, torres de transmissão, postes, dentre outros ainda não reconhecidos pelo fisco de Minas Gerais como passíveis de crédito.



Para tanto, entendemos, ainda, ser irrelevante para o creditamento que as referidas instalações sejam edificadas pelas próprias concessionárias ou por empreiteiros contratados para tal, quer seja na modalidade de empreitada de mão-de-obra, de serviços ou de empreitada global, mais conhecida como turnkey. [2]

2 – PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE



O ordenamento jurídico brasileiro sacramentou o princípio da não-cumulatividade do ICMS, ao dispor sobre a matéria na Constituição da República de 1988, art. 155, §2º, inciso I, verbis:



Art. 155 Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:



(...)



II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...)



§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:



I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;



No intuito de ilustrar essa análise, apresentamos pontos fundamentais aludidos por juristas quanto ao princípio da não-cumulatividade consagrado na Constituição da República. Vale transcrever parte do voto do Desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, proferido quando do julgamento da Apelação Cível n.160.146-7, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:



“(...) O princípio da não-cumulatividade , um dos traços característicos do ICMS, possui sistemática que determina o surgimento de uma relação de créditos para os contribuintes, vale dizer, estes têm o direito, de índole constitucional, de abater o montante devido nas operações anteriores, não comportando, portanto, qualquer restrição, salvos aquelas previstas na Carta Magna...”



Roque Antônio Carraza nos ensina que o princípio da não-cumulatividade é um dos traços característicos do ICMS e, por isso:



“não pode ter seu alcance nem diminuído nem, muito menos, anulado por normas infraconstitucionais. (...) A garantia constitucional do abatimento – que deflui diretamente do art.155, §2, I, da Constituição Federal – é que, portanto, confere ao ICMS o chamado caráter não-cumulativo. Esta propriedade se perde quando, sob protestos vários (salvos os apontados no art.155, §2, II, da mesma Lei Maior), é negada ao contribuinte a faculdade constitucional de realizar, in concreto, tal abatimento.” [3]



Merecem destaque, ainda, as palavras de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino sobre a matéria:



“O abatimento é, nitidamente, categoria jurídica de hierarquia constitucional reservado ao contribuinte do ICM (hoje ICMS), direito público subjetivo em nível constitucional, oponível ao Estado pelo contribuinte de imposto estadual. O próprio Texto Constitucional que outorgou ao Estado o poder de exigir o ICM (hoje ICMS) deu ao contribuinte o direito de abatimento”.[4]



Sobre esse princípio há muito pouco a acrescentar, visto já haver sido objeto de pareceres de eminentes doutrinadores pátrios. A nossa modesta contribuição encontra-se fundamentada na pertinência de adjetivar o princípio da



não-cumulativade do ICMS como universal. Essa nomenclatura faz-se necessária para diferençar a dimensão do princípio, face ao novo conceito de não-cumulatividade mitigada introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Medida Provisória nº 66/2002, convertida na Lei 10.637/02, que trata da não-cumulatividade do PIS – Programa de Integração Social. [5]

3 – FUNDAMENTAÇÃO LEGAL



A incidência de ICMS sobre operações relativas a energia elétrica também foi tratada em sede constitucional no § 3º, do art. 155. Em análise lógico-sistemática dos preceitos constitucionais já mencionados, é fácil a dedução de que o fenômeno energia elétrica foi equiparado a mercadoria para fins de incidência do ICMS. Entretanto, essa equiparação é ficta, pois a energia elétrica não deixa de ser fenômeno em função de lei. E, como tal, merece atenção diferenciada do fisco quando da identificação das fases do seu ciclo produtivo.



A Lei Complementar nº 87, de 13/09/96, assegurou aos contribuintes o direito ao aproveitamento dos créditos do imposto relativos às aquisições de bens destinados ao Ativo Permanente, a partir de 01/11/96 (art. 36). O § 1o, do art. 20, do mesmo diploma legal, limitou o aproveitamento dos referidos créditos somente às mercadorias ou serviços adstritos à atividade do estabelecimento (que usualmente se confunde com o objeto social da empresa). Então, são considerados alheios à atividade do estabelecimento todos os bens, ainda que registrados no ativo imobilizado, que se destinem a finalidade outra que não à consecução do objeto social da empresa.



O Regulamento do ICMS instituído pelo Decreto nº 43.080, de 13/12/2002, do Estado de Minas Gerais (sucedâneo do Decreto nº 38.104, de 01/08/96) – RICMS-MG, em seu art. 70, § 3º, contém definição do que seriam bens alheios à atividade do estabelecimento como todos os bens que não sejam utilizados direta ou indiretamente na comercialização, industrialização, produção, extração, geração ou prestação de serviço de transporte, interestadual ou intermunicipal, ou de comunicação.



Para dirimir as diversas dúvidas originadas desde então, houve a expedição da Instrução Normativa DLT/SRE nº 01, de 06/05/98, que, em seu art.1º, definiu o que seria alheio à atividade do estabelecimento. [6] No inciso II, alínea a, a crítica que se faz é que certas atividades, se isoladamente consideradas, não são tributáveis pelo ICMS. Todavia, quando se tratam de operações com energia elétrica, tais atividades são imprescindíveis para a geração e circulação da energia, que ao final é a operação tributável. Em interpretação lógico-sistemática desse dispositivo com a alínea c do mesmo inciso, observa-se que o campo de incidência do imposto abrange todas as atividades que auxiliam diretamente a consecução do objeto social de uma empresa, desde que a operação que resulta na saída do bem do estabelecimento seja tributada pelo ICMS.



A partir de 11/07/00 ou, segundo melhor entendimento, a partir de janeiro/2001, por força da Lei Complementar 102/2000, os créditos advindos da aquisição de bens para o ativo fixo da empresa são aproveitáveis em 48 parcelas, havendo uma distribuição temporal de seu aproveitamento, em consonância com o desgaste a ser sofrido pelos bens do ativo fixo.

4 – CONCEITOS INERENTES À ATIVIDADE DE ENERGIA ELÉTRICA



No intuito de subsidiar a compreensão do leitor, são apresentados alguns conceitos básicos aplicáveis à espécie sob análise, fundamentais à caracterização do fenômeno energia elétrica.



No entendimento de autoridades fiscais de Minas Gerais, a rede elétrica é bem imóvel. Logo, não é mercadoria. Nessa mesma linha, a rede elétrica é considerada coisa alheia aos eventos tributáveis pelo ICMS, nos termos do inciso III, do art. 1º, da Instrução Normativa DLT/SRE 01/98 (ver nota nº 3, retro).



Pelo disposto na referida norma, a expressão “do estabelecimento” restringe e delimita o sentido e alcance dos termos (construção, reforma ou ampliação), designando o paciente que sofrerá a ação relativa à construção, reforma ou ampliação. Estabelecimento é uma designação geográfica (local), capaz de determinar as coordenadas para aferir, com precisão, o lugar da ocorrência dos fatos geradores do ICMS e, por via de conseqüência, o sujeito ativo do tributo e o município beneficiário do valor adicionado fiscal (LC nº 60/91).



Assim, somente os materiais adquiridos para serem aplicados em obras tendentes a construir ou modificar (reforma ou ampliação) o estabelecimento é que poderão ser considerados alheios à atividade da empresa, e impedir o aproveitamento dos créditos de ICMS.



De forma análoga, os demais bens dos quais se vale a concessionária para gerar, transmitir e distribuir energia elétrica acabam se confundindo com o estabelecimento, no crivo fiscal, criando impedâncias à compreensão de sua vinculação à operação de saída tributada pelo ICMS e, por conseguinte, vedações ao aproveitamento dos créditos. Como exemplo, a barragem de concreto construída como auxiliar ao represamento de água, absolutamente imprescindível à geração de energia, é entendida pelo fisco como construção civil pura e simples, integrada ao estabelecimento.



Porém, o art. 110 do CTN aborda uma questão de segurança jurídica na legislação tributária, garantindo a aplicação dos conceitos do direito privado, verbis:



Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.



Assim, vale apresentar a conceituação de bens imóveis e bens móveis que se encontram consubstanciadas, respectivamente, nos artigos 79 e 82 do Código Civil vigente, verbis:



Art. 79 – São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar naturalmente ou artificialmente.

Art. 82 - São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.



A harmonia entre as duas normas acima, quando confrontadas, aclaram o entendimento de que são móveis os bens que, quando removidos do local onde se encontram, não sofram destruição, modificação, fratura ou dano. Como exemplo aplicado ao caso sob análise, são bens móveis os postes, torres, cabos elétricos dentre outros.



Conforme o § 3º, do art. 11, da Lei Complementar 87/96, “estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas, exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias (...)”. No RICMS-MG, o mesmo conceito está normalizado no art. 58.



Em relatório não-publicado, elaborado pela Consultoria Gaia, Silva, Rolim & Associados, está preciso o esclarecimento quanto à atividade que deve ser entendida como empresarial, pois o que se visa, no estabelecimento de uma empresa, é a prática de atos econômicos. Atividades não vinculadas à obtenção de ganhos não deverão ser consideradas como definidoras do conceito específico de estabelecimento para fins de ICMS. A estrutura da rede elétrica (compreendendo a transmissão e distribuição) é formada basicamente por estruturas metálicas, de cimento ou de madeira (postes, cruzetas etc.) que suportam os isoladores, segurando os cabos condutores. Por estes últimos é que se transmite a energia. O ato que põe a energia em movimento (aplicação de diferença de potencial nas extremidades dos condutores) é realizado na usina, ou em outro lugar onde estejam instalados os equipamentos necessários para a execução e o monitoramento da atividade. A rede, no caso, é mero instrumento utilizado para a transmissão, é um equipamento cujo uso é monitorado em local diferente do de sua instalação. Não há, portanto, no lugar onde está instalada a rede elétrica, qualquer atividade empresarial, mas somente uma atividade física (a energia que flui). A atividade empresarial é realizada, de fato, onde é feito o monitoramento da transmissão.



Adentrando mais nos conceitos vinculados ao fenômeno energia elétrica, quando se trata de usina hidrelétrica, o termo usina não pode ser ampliado a ponto de ser comparado a estabelecimento. Há que se ressaltar algumas particularidades da usina hidrelétrica que merecem tratamento fiscal diferenciado:



a) inicialmente, buscamos conhecer o conceito de barragem. Apoiados na definição publicada no Dicionário Novo Aurélio Século XXI (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999), barragem é “estrutura construída num vale e que o fecha transversalmente, proporcionando um represamento de água; represa.” Por outra definição, empregada no setor elétrico, “a barragem é a estrutura que tem a função de represar a água, visando, com a elevação do nível d’água do rio, possibilitar a alimentação da tomada d’água. No caso de locais de baixa queda, a barragem tem também a função de criar o desnível necessário à produção da energia desejada”;



b) na mesma linha, o conceito de usina hidrelétrica utilizado é “usina de energia elétrica gerada por turbinas acionadas por uma corrente de água”;



c) os conceitos legais que regem o sistema elétrico encontram-se edificados ao longo de diversos artigos do Decreto 41.019/57, que regulamenta os serviços de energia elétrica (parte do Código de Águas, de 1934). Destacamos, apenas, o parágrafo único do art. 53, que define unidade geradora:



“Art. 53 – São unidades geradoras ativas as destinadas a atender à demanda máxima característica do sistema elétrico do concessionário.(...)



§ único – Entende-se por unidade geradora o motor primário, o gerador e todo o respectivo equipamento auxiliar.”



Em apertada conclusão, as obras civis que envolvem a construção de uma usina hidrelétrica não podem ser, simplesmente, comparados com a edificação de um estabelecimento. Na usina hidrelétrica, o segmento que se assemelha a estabelecimento é, apenas, a casa de máquinas, que abriga equipamentos e pessoas que os operam. As demais partes, na verdade, assemelham-se muito mais a elementos de produção que a construção civil pura, como quer o fisco mineiro. Suponhamos, por absurdo, que existisse disponível no mercado algum tipo de recipiente imenso, com capacidade para armazenar a água necessária à geração de energia hidrelétrica; na classificação fiscal, tal recipiente seria enquadrado como equipamento, passível de crédito. Contudo, devido à completa impropriedade de fabricar e transportar esse recipiente, ele é construído no local onde será aplicado, utilizando-se acidentes naturais e barragens artificiais. A alteração dos meios para obtenção do represamento de água não pode ser fator decisivo para o creditamento do ICMS incidente sobre energia elétrica; são os fins a que se destinam os bens que devem prevalecer para efeitos de crédito de ICMS. Na mesma linha de raciocínio são enquadráveis os postes, torres de transmissão e demais partes e peças que integram as instalações de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, todas elas passíveis de crédito de ICMS.

5 – IRRELEVÂNCIA DA MODALIDADE DE CONTRATAÇÃO



Com o advento dos vários movimentos de qualidade total, reengenharia, downsizing, dentre outros, que culminaram na segmentação das atividades empresariais, é cada vez mais comum a contratação de terceiros para a execução de obras, principalmente quando se tratam de instalações elétricas espalhadas por grandes áreas geográficas. Faremos breve menção a três dessas modalidades, para demonstrar os equívocos nos quais o fisco mineiro incorre ao indicar as possibilidades de creditamento de ICMS:



a) empreitada de mão-de-obra – as empresas que realizam suas obras através da contratação nessa modalidade, adquirem diretamente os materiais e equipamentos e administram a execução da obra, contando apenas com a mão-de-obra terceirizada. Pelo fato de a própria Empresa adquirir diretamente os equipamentos (o creditamento do ICMS incidente sobre a maioria dos materiais não é permitido), o fisco mineiro reconhece o aproveitamento do crédito de ICMS decorrente da aquisição desses bens;



b) empreitada de serviços – também nessa modalidade, à semelhança da anterior, o creditamento do ICMS incidente sobre equipamentos adquiridos diretamente pela Empresa é permitido;



c) empreitada global – essa forma de contratação é a mais prática do ponto de vista da rapidez e do gerenciamento da obra. Em lugar de a concessionária de energia elétrica manter pessoal próprio para fazer coletas de preços ou licitações para aquisição materiais, equipamentos e mão-de-obra, além de pessoal especializado para acompanhar e fiscalizar a execução dos serviços, tem sido comum a prática de contratar, de forma global, a edificação de determinada instalação, pronta para ser operada (turnkey). Entretanto, a despeito da praticidade dessa modalidade de contratação, os créditos de ICMS se perdem, pois o contratado, que efetuou a aquisição, não é contribuinte do ICMS, e o adquirente, que é contribuinte, não foi aquele que efetuou a aquisição dos bens.



Essa questão também é passível de revisão pelos fiscos estaduais, principalmente o mineiro, pois trata-se de equívoco hermenêutico. O creditamento há de se dar em função do fim a que se destina a instalação – ser empregada nas operações com energia elétrica – e não com base nos mesmos critérios erigidos para as demais operações com mercadorias. O empreiteiro que constrói determinada instalação o faz sob mando da concessionária, que é a pessoa legitimada a, de fato, construir e explorar a atividade, sob regime de concessão federal.

6 – POSICIONAMENTO DO FISCO DO ESTADO DE MINAS GERAIS E DE OUTROS ESTADOS



A Companhia Energética de Minas Gerais – Cemig – discutiu administrativamente com o fisco mineiro a possibilidade de aproveitar os créditos do ICMS incidente na aquisição de bens utilizados na prestação do serviço público de energia elétrica. A consulta nº 0057/2001 e respectivo recurso nº 009/2001 foram respondidos por despacho do Secretário de Estado da Fazenda, publicado no Diário Oficial de Minas Gerais de 19/09/2001, que conheceu do recurso interposto pela Cemig, mas negou provimento com a seguinte fundamentação:



“(...) Os bens torres e postes (empregados na linha de transmissão), postes e acessórios: cruzetas, mãos-francesas, cintas, estais (aplicados nas linhas e redes de distribuição), estruturas suporte de equipamentos e barramentos (empregados nas subestações de energia elétrica) e quaisquer materiais de construção aplicados na construção de usinas hidrelétricas, não ensejam aproveitamento de crédito de ICMS, dado que são considerados, na exegese estabelecida no inciso III, artigo 1 da Instrução Normativa DLT/SRE nº 01, de 06/05/98, bens alheios à atividade do estabelecimento”.



Os órgãos fiscais de outras unidades da Federação têm tomado postura menos restritiva ao aproveitamento dos créditos do que o Fisco de Minas Gerais (informações extraídas de relatório não publicado da Consultoria Gaia, Silva, Rolim & Associados).



Estado do Paraná: bens alheios à atividade do estabelecimento são aqueles que não dizem respeito ao seu objeto social. É permitido o aproveitamento do crédito de ICMS referente às aquisições de todos os bens classificáveis no Ativo Imobilizado, segundo os critérios da Lei 6.404/76, ou seja, só não darão direito ao crédito do imposto aqueles bens que não se destinarem à manutenção da empresa e que, portanto, não possam ser classificados nas contas do imobilizado. O Estado se pronunciou a respeito do tema na resposta à Consulta n. 117, de 23.06.1997, da seguinte forma:



“(...) o termo ‘atividade do estabelecimento’, analisando justapostamente, tem o mesmo sentido de ‘objeto social’ que, por sua vez , é o ramo da atividade em que determinada empresa atua ou irá atuar, definido previamente em seu documento constitutivo. (...)”



Estado do Rio de Janeiro: também entende o termo atividade do estabelecimento como sinônimo de objeto social, ressalvando, no entanto, que os bens da administração que não tenham relação direta com as atividades industrial ou comercial da empresa não darão direito ao crédito. Na resposta à Consulta E-04/235.040/97, a Superintendência Estadual de Tributação assim declara:



“Mercadorias alheias à atividade do estabelecimento são aquelas que não se dirigem, diretamente, para a consecução dos objetivos da empresa (...)”



Estado de São Paulo: admite o aproveitamento dos créditos relativos à aquisição de bens para o ativo permanente da empresa, desde que estes estejam ligados às áreas de produção ou comercialização, ainda que estas estejam localizadas na administração da empresa. O Fisco desse Estado, em resposta à Consulta n. 212/97, assim estabelece:



“(...) aqueles bens do Ativo Permanente que forem usados na área industrial propriamente dita ou nas áreas de vendas e compras (suprimentos) – ainda que estas duas últimas áreas estejam localizadas na administração da empresa – portanto, ligados que estão aos processos de industrialização e/ou comercialização, tais aquisições e entradas dão direito de lançar como crédito, na escrita fiscal, o imposto destacado nos documentos fiscais correspondentes ...”

7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Direito ao crédito



Darão direito ao crédito de ICMS aqueles bens do Ativo Imobilizado que contribuem para o desenvolvimento do objeto social das concessionárias de energia elétrica e que sejam integrados ao fornecimento de energia ou outra operação abrangida pelas atividades da Empresa.



O aproveitamento dos créditos é permitido ainda que o bem adquirido não esteja fisicamente vinculado à energia produzida, não esteja diretamente relacionado com a mesma ou não seja utilizado imediatamente na sua produção ou venda.



Os bens integrantes dos processos de geração, transmissão e distribuição, que são atividades integradas, compõem o preço da energia fornecida, na medida em que representam custos necessários para que o produto possa ser vendido ao consumidor, o que representa a realização financeira dos bens adquiridos.

Barragem e Unidade geradora não integram o estabelecimento da Usina



A barragem não pode ser considerada como estabelecimento. Ela é essencial para a produção de energia, em sua função de represar a água. De forma análoga, o corpo de concreto que abriga as turbinas, que integra, juntamente com os equipamentos, a unidade geradora, também não faz parte do estabelecimento. O estabelecimento de uma usina, em conformidade com o preceito legal, só poderá ser considerado o local onde se encontram os operadores da usina, bem como equipamentos de medição, que caracterizam o exercício da atividade. Parece-nos que o fisco mineiro desconhece esses detalhes e, pela habitualidade de as partes estarem fisicamente muito próximas umas das outras, o conceito de estabelecimento vem englobando todas as estruturas independentes que compõem o complexo de uma usina.



Rede elétrica é bem móvel



A rede elétrica pode ser deslocada de um para outro local sem que lhe sejam causados danos. Apenas a estrutura edificada no chão, feita de concreto, para suporte dos postes e torres, não se retira sem destruição ou fratura. Essa estrutura de concreto, isolada e independentemente dos postes e torres, deve ser considerada um bem imóvel por acessão física. O mesmo não se pode dizer dos postes e demais estruturas da rede que, se retirados do local em que se encontram não perderão as suas características intrínsecas.



Em sede doutrinária, Walter Tolentino Alves, assim justifica a classificação das linhas de transmissão como bens móveis:



“O transporte de energia elétrica, é feito através de linha de transmissão, que é uma coisa móvel, pois é constituída de bens suscetíveis de remoção. Neste particular a informação de Carvalho Santos é proveitosa e exata, ao encarar o tema da matéria de rede telefônica e também de energia elétrica: - será imóvel a instalação de uma rede telefônica? Não o é, nem por natureza, nem por destino e nem por disposição de lei, decidiu o Tribunal de São Paulo, em acórdão de 5.11.de 1920, na Revista Forense, volume 35, pagina 233....” [7]



A rede, portanto, é mero instrumento utilizado para a transmissão, é um equipamento cujo uso é monitorado em local diferente do de sua instalação. Não há, no lugar onde está instalada, qualquer atividade empresarial, mas somente uma atividade física (a energia que flui). A atividade empresarial é realizada, de fato, onde é feito o monitoramento da transmissão e da distribuição de energia.



Quanto ao fato de as linhas e redes elétricas não serem mercadorias, no conceito estrito de bens móveis destinados ao comércio, não poderia impedir o aproveitamento dos créditos do ICMS. Isto porque os bens do Ativo Imobilizado, após serem adquiridos pelo usuário final, nunca são mercadorias, pois não se destinam ao comércio. Assim devido ao fato de estes bens se destinarem à consecução dos objetivos da empresa, a LC 87/96 assegura ao contribuinte do imposto o direito de creditar-se do ICMS pago na aquisição dos mesmos.

Violação ao princípio da não-cumulatividade universal do ICMS



A desconsideração do crédito de ICMS oriundo na aquisição de bens para o Ativo Permanente onera, inconstitucionalmente, as operações com energia elétrica e tem reflexos no preço para o consumidor final. A estrutura tributária do ICMS foi edificada de forma a tributar o consumo; as operações intermediárias tributadas, o são no intuito de arrecadar, pari passu, o ICMS correspondente a cada etapa, excluindo-se o tributo incidente na etapa anterior. A produção de energia hidrelétrica requer a construção de barragens, unidades geradoras, redes de transmissão e de distribuição, sem as quais não há o produto; a maior parte de materiais e equipamentos utilizados tem incidência de ICMS, mas o Estado de Minas Gerais não admite que as concessionárias se creditem na apuração final.

Conclusão



Diante do exposto, concluímos pela pertinência de provocar o judiciário para obtenção de pronunciamento acerca das restrições impostas pela Secretaria Estadual da Fazenda de Minas Gerais quanto ao aproveitamento de créditos de ICMS originados na aquisição de bens para o Ativo Permanente, especificamente aqueles utilizados nas barragens, redes de transmissão e distribuição de energia elétrica tais como cimento, torres de transmissão, postes, partes e peças essenciais ao desempenho da atividade.



Não obstante, devemos aproveitar a oportunidade da reforma tributária para deixar claro que as modalidades de contratação de execução das obras relativas às instalações de energia elétrica não podem intervir na sistemática de creditamento do ICMS, uma vez que importa à não-cumulatividade universal do imposto que as operações anteriores sejam consideradas para desoneração do consumo.



[1] Trabalho premiado no VII Congresso de Direito Tributário promovido pela ABRADT – Associação Brasileira de Direito Tributário, realizado em Belo Horizonte, no período de 25 a 27/06/2003.



[2] Modalidade de contrato no qual o empreiteiro se encarrega de contratar mão-de-obra e adquirir os materiais necessários, entregando a instalação pronta para ser utilizada.



[3] Apud CARVALHO, Fábio Junqueira e outra. ICMS – Reflexões sobre a Lei Complementar nº 102/2000. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. p.29.



[4] ibidem, p.30.



[5] Bem diferente da não-cumulatividade universal que alcança o ICMS, a não-cumulatividade mitigada traz em seu bojo restrições ininteligíveis à interpretação do contribuinte, mas tem lá seus fundamentos fiscais para justificar aumento da alíquota de 0,65% para 1,65%.



[6] Art. 1º - Consideram-se alheios à atividade do estabelecimento:



I – os veículos de transporte pessoal;

II – os bens entrados, inclusive mercadorias, ou os serviços recebidos e que:

a) sejam utilizados em atividade exercida no estabelecimento fora do campo de incidência do imposto; (...)

c) não sejam empregados na consecução da atividade econômica do estabelecimento, assim entendidos aqueles utilizados na área de produção industrial, agropecuária, extrativa, de comercialização ou de prestação de serviços;

III – as mercadorias ou os serviços recebidos que se destinam à construção, reforma ou ampliação do estabelecimento.



[7] Curso de Direito de Energia. Forense, 1978. p.206-208





*Advogada e Administradora Graduada em Direito, Administração e Ciências Contábeis pela PUC Minas Gerais, Mestranda em Direito Econômico pela UFMG, MBA Executivo em Finanças pelo IBMEC Minas, Administração Financeira pela Fundação Dom Cabral, Análise de Sistemas de Processamento de Dados pela UFMG, Assistente da Gerência de Planejamento e Gestão Tributária da Companhia Energética de Minas Gerais – Cemig.
**Advogada e Administradora, Graduada em Direito pela UFMG e em Administração pela FUMEC. Membro da equipe da Gerência de Planejamento e Gestão Tributária da Cemig.




Disponível em http://www.cadireito.com.br/artigos.htm Acesso em 07 de jun. de 2006