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Marcelo Magalhães Peixoto
A denominada substituição tributária "para frente" é
constitucional? A partir da edição da Emenda Constitucional nº3/93 tornou-se
legítima a referida cobrança do ICMS, sobre eventos ainda não concretizados?
Trata-se, na realidade, de hipótese de substituição tributária, de antecipação
do fato jurídica tributário ou mera ficção jurídica edificada pelo legislador?
É importante ressaltar, apesar de óbvio, que todos nós sabemos que o legislador
não é livre para moldar o ICMS à sua vontade. Pelo contrário, deve seguir os
arquétipos constitucionais desse tributo.
Tais afirmações valem também quando apontam quem deterá a capacidade tributária
passiva, vale dizer, quem será o sujeito passivo da obrigação tributária,
quando esta nascer, com a ocorrência do fato imponível.
Ao eleger o sujeito passivo da obrigação tributária o legislador deve obedecer
à regra básica: só poderá tributar quem participou da ocorrência do fato
típico. Não pode fazer recair a carga tributária sobre pessoa estranha ao fato
gravado pela incidência fiscal. Noutro giro verbal, ninguém pode ser compelido
pela lei a pagar tributo sem que tenha participado da realização do fato
imponível.
Isto se aplica também quando o legislador tributário cria a figura da
responsabilidade tributária. A eleição da responsabilidade pelo débito
tributário recai – é certo – sobre quem não tem relação pessoal e direta com o
fato imponível, desde que, porém, vinculada, de algum modo, a ele (o empregador
que é responsável pelo recolhimento do imposto sobre a renda na fonte,
incidente sobre o salário)
Não é dado ao legislador escolher o responsável tributário fora da norma
jurídica tributária. Exemplificando, não lhe é permitido onerar com a carga
econômica do ICMS quem não se relacionou, de nenhum modo, com a prática da
operação mercantil que fez nascer esse tributo.
Contudo, o instituto da substituição tributária subdivide-se em:
substituição tributária para trás;
b) substituição tributária para frente.
Na chamada substituição tributária para trás, a lei, tendo em vista comodidades
arrecadatórias, estabeleceu que o tributo será recolhido, pelo substituto, na
próxima operação jurídica (em nome do substituído).
Destarte, a carga econômica do tributo não será suportada pelo realizador da
operação jurídica (o substituído), mas por quem levar a cabo a seguinte (o
substituto).
Em princípio este mecanismo é válido, isto é, ajusta-se aos ditames
constitucionais.
Já na substituição tributária para frente parte-se do pressuposto de que o fato
imponível ocorrerá no futuro e, portanto, é válida a cobrança antecipada do
tributo (ainda mais quando há fundado receio de que o realizador deste fato
futuro praticará evasão fiscal).
Para resguardar interesses fazendários, tributa-se, na substituição tributária
"para frente", fato que ainda não aconteceu (e que, portanto, ainda
não existe e, em tese, poderá nunca vir a existir).
A Carta Republicana veda a tributação baseada em fatos de provável ocorrência.
Essa é uma barreira constitucional inafastável, pois integra o conjunto de
direitos e garantias que a Lei Maior confere ao contribuinte.
É sempre bom ter presente que, se não ocorreram os pressupostos necessários ao
surgimento da própria obrigação tributária – e, portanto, não se pode falar,
ainda, em tributo, por muito maior razão, não se há de cogitar da substituição
de sujeito passivo que ainda nem existe. Eis aqui um limite lógico: somente se
pode substituir sujeito passivo que já exista.
Pois se ainda não surgiu a obrigação tributária, ela não existe e, deste modo,
presumi-lo afronta os postulados constitucionais.
O Ministro César Asfor Rocha, em decisão, teve o ensejo de frisar:
"(...) para que seja regular a substituição é necessário que já exista o
substituído, daí por que a vinculação só pode ser dirigir para o futuro, para
as operações subseqüentes. Se por mais não fosse seria até mesmo por uma
imperiosidade lógica, visto que um contribuinte só poderá substituir outro se
já estiver configurado como tal numa operação considerada.
De qualquer sorte, mesmo com o advento da Emenda Constitucional nº3/93, a
chamada substituição tributária para frente continua inconstitucional criando
no meu juízo mera ficção edificada pelo legislador .
A Emenda nº3/93 criou a absurda figura da responsabilidade tributária por fato
futuro. O preceito em tela "autoriza" a lei fazer nascerem tributos
de fatos que ainda não ocorreram mas que, ao que tudo indica, ocorrerão.
Noutros termos, permite que a lei crie presunções de acontecimentos futuros e,
com elas, faça nascer obrigação tributária.
Ressaltamos também que o art.1º da Emenda nº3/93 é inconstitucional, porque
atropela o princípio da segurança jurídica, em sua dupla manifestação: certeza
do direito e proibição do arbítrio. Esse princípio, aplicado ao Direito Tributário,
exige que o tributo só nasça após a ocorrência real (efetiva) do fato
imponível.
É sempre bom reafirmarmos que o princípio da segurança jurídica diz de perto
com os direitos individuais e suas garantias. É, assim, cláusula pétrea, e,
nessa medida, não poderia ter sido alterado por emenda constitucional (cf.
art.60, § 4º, da CF).
PEIXOTO,
Marcelo Magalhães. Substituição Tributária Para Frente. Disponível em
<http://www.direitovirtual.com.br/artigos.php?details=1&id=115>. Acesso
em 06/06/06.