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Luiz Fernando Vescovi*
SUMÁRIO: 1. Noções introdutórias
– 2. Da legislação específica dos crimes tributários – 3. Da conceituação
prática dos “crimes contra a ordem tributária” – 4. Crítica elaborada a
respeito dos crimes descritos na Lei n.º 8.137/90 – 5. Considerações finais –
6. Referências bibliográficas.
1. Noções introdutórias
Com o advento das grandes
empresas e das movimentações financeiras de cifras bastante elevadas, não
poderia deixar de vir à tona, no que tange à esfera penal tributária, delitos
de ordem econômica com intuito de se desviar verbas volumosas, inclusive por parte
daquele que fora incumbido de resguardar o bem jurídico imediato da ordem
tributária em questão, a saber: o administrador do Patrimônio Público.
É certo, inclusive, que a ordem
econômica (em sentido amplo) não pode ser atingida de maneira direta, mas sim
indiretamente, por atos que venham a ferir tal ordem.
O ataque a essa esfera de bens
jurídicos, caracterizados como supra-individuais, se apresenta um tanto quanto
facilitado, quando, ao agente, torna-se de grande veemência buscar meios delituosos
para se atingir ao fim pretendido, que, além da proteção do patrimônio próprio,
vem a ser o de amarrotar o bom funcionamento da ordem tributária com desvios
e/ou outras formas ilegais de utilização de seu poder para a prática destes.
Não obstante, tais crimes também
podem vir a ser praticados por agentes particulares, ainda que tal prática não
seja levada a cabo de forma tão simples, na medida em que demanda alto
conhecimento técnico para a sua consecução. Assim, por exemplo: quando
provenientes de atos ilícitos praticados contra algum órgão ou setor público,
ou mesmo acerca de fatos que venham a resultar de alguma forma de supressão ou
mesmo a redução de um tributo ou de uma contribuição necessária.
É dessa forma, sob um prisma mais
pragmático, que se caracteriza crime de ordem tributária cometida por
particular.
2. Da legislação específica dos
crimes tributários
De tal maneira, com os já
referidos adventos (tanto na esfera da criação de novas empresas quanto acerca
da proliferação de crimes de ordem tributária), se fez necessária a promulgação
de uma legislação específica do tema, na qual se viesse a tipificar os crimes,
em âmbito tributário, de maneira individualizada, dando a estes as devidas
penas e sanções.
Tal lei foi promulgada e
publicada em 27 de dezembro de 1990, durante o Governo Collor, sob o n.º 8.137,
com a tipificação de dez condutas (além dos crimes contra a ordem econômica e
as relações de consumo), descritas logo em seus dois primeiros artigos.
No que se refere à forma de
execução da lei ao caso in concretu, tem-se especificidades que devem ser
respeitadas, observando a necessidade de se aplicar aos crimes tipificados, por
exemplo, nos incisos I a IV, em conformidade com o caput do art. 1º da Lei, o
que faz com que se projetem dificuldades para a sua realização, no plano
prático.
A legislação pertinente aos
“crimes contra a ordem tributária” aqui em análise está dividida em “crimes
praticados por particulares”, que são aqueles descritos nos arts. 1º e 2º,
elencados pelos seus respectivos incisos. Já no art. 3º, a descrição típica
fica destinada às ações ilícitas praticadas por funcionários públicos no
exercício de suas atividades e/ou atribuições.
EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO
descreve sobre a ofensa que a lei tributária sofre quando da efetivação de um
crime tido como “de ordem tributária”, dando, dessa forma, ênfase ao delito
tributário como condição sine qua non da consecução do tipo penal, in verbis:
“Portanto, os crimes contra a
ordem tributária ofendem o bem jurídico tutelado pela lei penal da mesma forma
como ofendem a legislação tributária. Por tais razões, a infração à legislação
tributária é pressuposto para a ocorrência do crime, daí por que é necessário
que antes de tudo tenha ocorrido o lançamento tributário eficaz.”[1].
Entretanto, em âmbito mais
restrito de análise, no que concerne a aplicação efetiva da lei n.º 8.137/90 a
despeito do crime de omissão de recolhimentos de tributos e contribuições
necessárias, por parte do agente ativo do delito, tem-se os ensinamentos de
MARCELO MACHADO BERTOLUCI:
“(...) Torna-se fundamental que
os aplicadores da Lei n.º 8.137/90 adentrem nas circunstâncias de cada fato
específico. Importante, neste sentido, conhecer o ciclo produtivo da atividade
econômica na qual está inserido o devedor. O ‘deixar de recolher tributos ou
contribuições devidas’ pode resultar do propósito puro e simples de não
adimplir ou, então, da absoluta impossibilidade material de fazê-lo à míngua de
recursos financeiros, ou, talvez, da decisão do contribuinte em utilizar os
recursos de que dispõe para efetuar outros pagamentos indispensáveis para que a
empresa continue em atividade.”[2].
Com as exposições críticas
elaborada por ambos os autores, verifica-se a preocupação de que se deve buscar
o aniquilamento da prática ilícita destes crimes de grande potencial ofensivo
desde a sua origem.
Assim, não se pode deixar para
“remediar” atos que tem por finalidade ferir a ordem tributária somente após a
sua consecução, sob pena de vir a fomentar ainda mais a concretização desse
tipo penal, por não haver uma fiscalização eficiente e sancionador o bastante.
De tal maneira, faz-se nítida a
aceitação de que a necessidade de se ter uma legislação específica para a
tipificação dos crimes de grande porte, como os são os “crimes contra a ordem
tributária”, é de bom grado senão obrigatória.
Para um maior apaziguamento desta
ordem, por meio estatal, é preciso colocar à fronte algo acima dos interesses
particulares, que é justamente o trâmite normal da ordem tributária, como um
todo.
3. Da conceituação prática dos
“crimes contra a ordem tributária”
No campo teórico-legal, o art. 1º
da Lei n.º 8.137/90 descreve o crime “contra a ordem tributária”, acerca da sua
constituição, elencando os tipos penais. Para tanto, a constituição típica se
faz quando da supressão ou redução do tributo, contribuição social ou qualquer
acessório.
No que se refere aos tipos
possíveis para a prática dos “crimes contra a ordem tributária”, PAULO OLÍMPIO
GOMES DE SOUZA pondera duas, que se apresentam transcritas a seguir:
“A partir da edição da Lei nº
8.137/90, pode-se falar de dois tipos de crime contra a ordem tributária, a
saber: a) supressão ou redução de tributo, ou sonegação fiscal, como antes era
denominado (art. 1º, Lei nº 8.137/90) e b) apropriação indébita de tributo
(art. 2º, Lei 8.137/90). Os envolvidos processualmente com esses crimes são: a
União (tributos federais) ou Estados-membros (ICMS); os Ministérios Públicos
federal ou estaduais, pois a ação penal é pública; e, finalmente, o
contribuinte.”[3].
De acordo com a compreensão de
ANTONIO CORRÊA acerca das considerações explicitadas pela Lei n.º 8.137/90, no
que concerne aos delitos contra a ordem tributária, elencam-se duas situações
fáticas em detrimento à Lei n.º 4.729/65, atualmente derrogada pela legislação
analisada no presente estudo:
“A lei atual, de n. 8.137, adotou
técnica legislativa diferente. Tanto assim que considera delitos contra a ordem
tributária duas situações fáticas: a primeira “suprimir tributo ou contribuição
ou acessório” mediante as condutas que consigna como a “supressão” ou a
“redução”. Depois é que estabelece as subcondutas que podem levar à sonegação,
estas constantes de numerus clausus.”[4].
Para tanto, no plano prático,
pode-se caracterizar “crimes contra a ordem tributária” como aqueles que têm
por escopo a deturpação de uma forma organizacional tributária, por vias
ilícitas, para, com isso, se retirar proveito pecuniário próprio, induzindo,
dessa forma, a erro a própria ordem tributária.
Tal assertiva se releva no
fundamento de que à administração se têm prerrogativas fáticas de garantir a
ordem econômica de determinado setor (seja ele em âmbito público ou privado),
não podendo este “corpo maior”, que é a própria ordem tributária, portanto,
estar sob uma tutela vulnerável a atos ilícitos.
4. Crítica elaborada a respeito
dos crimes descritos na Lei n.º 8.137/90
O estudo de crimes sempre
desperta grande interesse entre os estudiosos da área jurídica como um todo.
Porém, quando se trata de matéria que envolva um interesse supra-individual,
como é o caso do presente, ressalta ainda mais, o mérito de sua análise.
Isso se mostra com maior
intensidade em obras que descrevem, de maneira específica, um diagnóstico
profundo elaborado por renomados juristas na área tributária, na qual, um dos
maiores exemplos pode-se citar ROBERTO DOS SANTOS FERREIRA, quando explicita sua
crítica minuciosa no que tange aos “crimes contra a ordem tributária”:
“Os crimes tributários vêm
despertando a atenção dos estudiosos do direito nos últimos anos, ante as
criativas manobras evasivas do contribuinte, capazes de excluir expressivos recursos
dos cofres estatais, contrapostas à multiplicação de tarefas cometidas ao
Estado na atualidade, a qual cria a necessidade de aumentar sua capacidade de
arrecadação tributária.”.
E continua descrevendo acerca do
“dano social” que tais tipos penais vêm acarretando:
“(...) Por outro lado, o dano
social provocado pelos crimes tributários não pode ser subestimado, pois o
‘custo econômico de um só destes delitos pode ser maior que o de todos os
furtos e roubos que se cometem em um ano no país’.” [5].
Fica evidente, por este prisma,
uma preocupação sobre estes crimes de bem jurídico supra-individual que pairam
constantemente sobre a ordem econômica nacional. Isso porque fatos de grandes
proporções, quando da ocorrência de um desses tipos penais, trazem uma
descaracterização no plano econômico que por vezes pode não voltar ao seu
status quo.
De toda sorte, a fenda aberta,
por conta de atos delituosos em face da ordem tributária, descreve um elevado
grau de dano, tido como “dano social”, que não pode deixar de se levar em
conta. A par disso, quando do conhecimento desses atos inescrupulosos,
proporciona certo “ar de perplexidade”, por parte do contribuinte.
Por fim, fica disposta a
necessidade imediata da caracterização absoluta e efetiva dos tipos penais de
interesse acima do particular, com a vontade de se proteger, acima de qualquer
hipótese, a magnitude da circulação tributária, com o primado do interesse
supra-individual em detrimento da veemência privada, sob o prisma da voluntas
legis em alcançar tal “perfeição jurídica”.
5. Considerações finais
Os crimes ditos “contra a ordem
tributária” se alastram de maneira constante e com uma velocidade tamanha que,
por muitas vezes, o Direito Penal acaba por não alcançá-los. Crimes são
cometidos e praticados, bem como imaginados, a todo tempo, e com especializações
em matérias de forma bastante restrita. Fica, dessa forma, cada vez mais
dificultoso ao Poder Judiciário e ao órgão policial competente, localizar e
desvendar crimes dessa grandiosidade.
No que se refere à forma de como
a presente matéria mostra-se explicitada, é de se concluir, a partir daí, que
os crimes contra a ordem tributária apresentam-se, atualmente, bastante
organizados e cada vez mais projetados, com o fim de burlar, de maneira mais
astuta, as leis hoje vigentes.
No entanto, mesmo sendo crimes de
dimensões exorbitantes, sempre se tem a possibilidade de atenuar seus efeitos.
Essa é a verdadeira vontade das leis que tutelam bens supra-individuais, como é
o caso da Lei n.º 8.137/90, dentre outras.
O fato de existirem atos ilícitos
dessa natureza na esfera jurídica não descaracteriza a necessidade de existirem
legislações específicas para se alcançar o bem pretendido com elas, a saber:
uma autêntica ordem de determinado campo supra-individual que, no caso em tela,
é a própria ordem tributária.
Porém, com a possibilidade de uma
efetiva atuação dos órgãos antes referidos, tem-se a noção de que tais atos
ilícitos venham a perder as devidas proporções que detém, na atualidade,
trazendo à tona o “desnorteamento” e as desconstituições desses grandes blocos
de criminosos organizados, dando, assim, melhor rumo às frentes econômicas do
país.
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Notas:
[1] Direito Penal Tributário:
crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. 2. ed. – São
Paulo: Atlas, 1995, p. 119.
[2] O crime de omissão de
recolhimento de tributos e contribuições: aspectos críticos. In Revista de
Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, jul./ago. 2000, p. 149.
[3] Crimes fiscais: duas
divergências a serem superadas. In Revista de Estudos Tributários, Porto
Alegre: Síntese, jul./ago. 2000, p. 143.
[4] Dos crimes contra a ordem
tributária (comentários à lei n. 8.137, de 27-12-1990). 2. ed. – São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 73.
[5] Crimes contra a ordem
tributária. 2. ed., rev. e ampl. – São Paulo: Malheiros, 2002, p. 14/15.
Referências bibliográficas
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira.
Direito Penal Tributário: crimes contra a ordem tributária e contra a
previdência social. 2. ed. – São Paulo: Atlas, 1995.
BERTOLUCI, Marcelo Machado. O
crime de omissão de recolhimento de tributos e contribuições: aspectos
críticos. In Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, jul./ago.
2000.
CORRÊA, Antonio. Dos crimes
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São Paulo: Saraiva, 1996.
EISELE, Andreas. Crimes contra a
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MARTINS, Ives Gandra da Silva
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PODVAL, Roberto (org.). Temas de
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Crimes contra a ordem tributária e processo administrativo. Jus Navigandi,
Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1311>. Acesso em: 02 mar.
2005.
SOUZA, Paulo Olímpio Gomes de. Crimes fiscais: duas divergências a serem superadas. In Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, jul./ago. 2000.
* Acadêmico de Direito do 5º ano do UnicenP – Centro Universitário Positivo e integrante do corpo discente do Núcleo de Estudos em Direito Internacional da UFPR – Universidade Federal do Paraná.
Disponível em: http://www.sadireito.com/index.asp?Ir=area.asp&area=5&Pagina=textosT.asp&texto=3586&categoria=16
Acesso em: 18 nov. 05