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João Felipe Pantaleão Carvalho Santos*
Em 23 de agosto de 2005 o
Prefeito de São Paulo, por intermédio do Decreto n. 46.228/2005, pretende
“ajustar” o valor venal do imóvel para a realização do cálculo do Imposto sobre
a Transmissão “inter vivos” de bens imóveis e direitos a eles relativos –ITBI,
contudo, o referido Decreto vem causando polêmicas no mercado
imobiliário.
Não é para menos. Em uma
simulação no site da prefeitura testou-se um terreno no Morumbi com valor venal
de R$ 400 mil pelo IPTU, o resultado foi uma avaliação de R$ 1.2 milhão, ou
seja, o triplo do valor anterior.
Portanto, pretende o Decreto
corrigir monetariamente a base de cálculo do ITBI, conforme prescreve em seu
art. 7º, § 1º, senão vejamos:
"Art. 7º A base de cálculo do
imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
§ 1º Considera-se valor venal,
para efeitos deste imposto, o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à
vista, em condições normais de mercado".
Surge então, a primeira dúvida:
Que critérios ou condições serão utilizadas para identificar o valor de
mercado?
Tal questão não é respondida pelo
referido Decreto, o que afeta substancialmente a obrigação tributária, tendo em
vista que a medida legal da grandeza do fato gerador, base de cálculo, é omissa
neste ponto.
Neste sentido, Geraldo Ataliba em
sua obra Hipótese de Incidência Tributária é enfático: “Efetivamente, em direito
tributário, a importância da base imponível é nuclear, já que a obrigação
tributária tem por objeto sempre o pagamento de uma soma de dinheiro, que
somente pode ser fixada em referência a uma grandeza prevista em lei e ínsita no
fato imponível, ou dela decorrente ou com ela relacionada”.
Adiante na leitura do Decreto
46.228/05 o art. 8º prescreve:
"Art. 8º A Secretaria Municipal
de Finanças tornará públicos os valores venais atualizados dos imóveis inscritos
no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município de São Paulo.
§ 1º Os valores venais dos
imóveis serão atualizados periodicamente, de forma a assegurar sua
compatibilização com os valores praticados no Município, mediante pesquisa e
coleta permanente, por amostragem, dos preços correntes das transações e das
ofertas à venda no mercado imobiliário, inclusive com a participação da
sociedade representada no Conselho de Valores Imobiliários.
(...)
"§ 3º O valor venal divulgado, em
nenhuma hipótese, será inferior à base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana – IPTU, utilizada no exercício da
transação".
Conforme observado, o § 1º do
art. 8º esclarece que os valores venais dos imóveis serão atualizados
periodicamente, mediante pesquisa e coleta, por amostragem, dos preços correntes
das transações, ou seja, trata-se de mera presunção, puro ato de majoração e não
resultante de efetivas avaliações do valor venal.
Dessa forma, tal "atualização"
disfarçada representa majoração do tributo ferindo o princípio da legalidade
tributária previsto no art. 150, I da Constituição Federal, o qual exige Lei
para a majoração de tributo, bem como art. 97, II do Código Tributário
Nacional.
Não seria justo ao contribuinte,
após uma avaliação baseada em presunção atualizar o valor venal, pedir a
retificação do lançamento, sendo que, segundo o entendimento de Misabel Derzi
& Sacha Calmon Navarro Coelho, “a tarefa de avaliar, de liquidar o tributo,
de torná-lo certo, de aplicar os critérios legais de apuração do valor do
imóvel, de cada contribuinte em particular, não é tarefa do Poder Legislativo
mas do Poder Executivo: é ato estritamente administrativo”. “O Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana”, in Revista de Direito Tributário, São
Paulo, Ed. Ver. Dos Tribunais, jan./jun. de 1979, nºs 7/8, p.
179.)
Cabe, portanto, ao município de
São Paulo desenvolver instrumento jurídico “capaz de determinar, em cada caso
concreto, a base de cálculo do IPTU/ITBI tanto quanto possível, próximo da
realidade imobiliária local, e, ao mesmo tempo, propiciar ao sujeito passivo
elementos que possibilitem a impugnação do valor venal atribuído a seu imóvel,
ofertando avaliação contraditória, na forma do art. 148 do CTN”, conforme
ensinamentos do brilhante advogado Kiyoshi Harada. (“ITBI: breves comentários
sobre o Decreto nº 46.228/2005, do Município de São Paulo”).
Diante do exposto, o referido
decreto ao pretender aumentar o tributo, ferindo o princípio da legalidade
tributária previsto no art. 150, I da Constituição Federal, agride ainda
princípios constitucionais como a anterioridade e a segurança
jurídica.
O art. 150, II, “b”, prescreve
que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...);
II – cobrar tributos: (...); b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
Roque Carraza leciona que, “o
princípio da anterioridade da anterioridade veda a aplicação da lei instituidora
ou majoradora do tributo sobre fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro em
que entrou em vigor. Neste sentido, tolhe o agir não só da Administração
Fazendária, como do próprio Poder Legislativo, já que o impede de estabelecer
que a lei com tais características colha fatos ocorridos ‘no mesmo exercício
financeiro em que haja sido publicada’”.
Portanto, em nosso entendimento,
por tratar-se de um Decreto que pretende, não atualizar a base de cálculo do
ITBI, mas sim majorá-la, deve então o princípio da anterioridade ser
respeitado.
Assim, quando a Constituição
torna expresso tal princípio, art. 150, II, “b”, ela implicitamente proíbe a
utilização de artifícios exegéticos, meios de prova, presunções, ficções,
indícios etc., que, à falta deste ato normativo, levem a um destes
resultados.
Os tipos tributários como se
fecham a realidade tributária, não podem ser alargados por meio de presunções,
ficções ou meros indícios. É inadmissível que o agente fiscal abra aquilo que o
legislador, atento aos ditames constitucionais, cuidadosamente fechou. Ainda que
o agente fiscal pretenda impedir, no caso do ITBI, a realização de transações
imobiliárias onde se omite o valor real da operação, inserindo-se na escritura
um valor qualquer, ao arbítrio das partes não autoriza a utilização do
arbítrio.
Portanto, ainda que o município
de São Paulo busque a justiça por intermédio do Decreto, o mesmo não prevalece
sobre a segurança jurídica, que o princípio da tipicidade fechada confere aos
contribuintes.
Por derradeiro, o Decreto
46.228/05 fere o princípio da não-surpresa do contribuinte, onde torna-se
necessário que os povos conheçam com razoável antecedência o teor e o quantum
dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem
planejar as suas atividades levando em conta os referenciais da
lei.
Conforme entendimento do
professor Eduardo Maneira, assistente na cadeira de Direito Tributário da UFMG:
“O princípio da não-surpresa da lei tributária é instrumento constitucional que
visa garantir o direito do contribuinte à segurança jurídica, essencial ao
Estado de Direito, qualquer que seja a sua concepção (...). Por isso, entendemos
que o imutável é o direito do contribuinte à segurança jurídica, do qual a
legalidade é o mais importante elemento concretizador. A anterioridade, conexa
com a legalidade, não pode ser abolida, mas pode, sim, ser
aperfeiçoada.”
Em face ao Decreto ter entrado em
vigor na data da sua publicação, não houve tempo adequado ao contribuinte para
conhecimento de seu teor, nem tão pouco do nível de “atualizações” realizadas, o
que causou surpresa e revolta ao mercado imobiliário.
* Carvalho Santos Advogados
Disponível em: http://www.sadireito.com/index.asp?Ir=area.asp&area=5&Pagina=textosT.asp&texto=4429&categoria=16
Acesso em: 18 nov. 05