Reflexões sobre o direito à manutenção e à utilização dos créditos do ICMS nas saídas isentas para a Zona Franca de Manaus
Matheus Simões
Gonçalves da Silva
contador, especialista em Direito Tributário
SUMÁRIO: 1. Considerações Preliminares 2. A Regra Constitucional de
Estorno dos Créditos nas Saídas Isentas 3. O Convênio nº 65/88 e a Isenção nas
Remessas para a Zona Franca de Manaus 4. O Convênio nº 06/90 e a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 310 5. A Forma de Concessão de Benefícios Fiscais e o
Veto Presidencial ao Art. 28 da LC nº 87/96 6. Equiparação das Remessas para a
Zona Franca de Manaus às Exportações 7. Conclusões 8. Referencial
Bibliográfico.
1. Considerações Preliminares
No
ano de 2005, a medida cautelar que suspendeu os efeitos do Convênio ICMS nº
06/90 concedida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 310 completa quinze anos. Como se sabe, a norma
suspensa pela medida debutante revogava expressamente a Clausula Terceira do
Convênio ICMS nº 65/88, que assegura aos contribuintes o direito à manutenção e
utilização dos créditos do ICMS decorrentes das aquisições de matérias-primas,
produtos intermediários e materiais de embalagem para emprego no processo
produtivo de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus, remetidas com
isenção do imposto.
À
primeira vista, pode parecer que o tema que estamos nos propondo a analisar não
requer estudos mais aprofundados ou discussões mais acuradas, uma vez que,
estando o Convênio ICMS nº 06/90 com os seus efeitos suspensos pelo Supremo
Tribunal Federal, voltaríamos ao status quo e continuaria em vigor a
regra estabelecida pela Clausula Terceira do Convênio ICMS nº 65/88, objeto da
revogação suspensa, até o julgamento final da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 310. Porém, "surpreendentemente", não tem
sido este o entendimento que vem sendo adotado em alguns Estados.
Apesar
do deferimento da medida judicial suspensiva pelo nosso órgão jurisdicional
máximo, os contribuintes vêm, ao longo desse quindênio, lutando contra algumas
Administrações Tributárias Estaduais que insistem em não admitir a legitimidade
da manutenção e utilização dos créditos fiscais do ICMS decorrentes das
aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem
para emprego no processo produtivo de mercadorias destinadas à Zona Franca de
Manaus, remetidas com isenção do imposto, sendo compelidos a anular os
referidos créditos mediante estorno nas escritas fiscais sob pena de lavratura
de autos de infração por creditamento indevido.
Nesse
contexto, relembrando o décimo quinto aniversário de uma importante batalha
vencida pelos contribuintes, embora a guerra ainda não esteja ganha, vamos
analisar os principais aspectos legislativos e jurisprudenciais relacionados a
esta questão e apresentar algumas posições doutrinárias acerca do tema, para
tentarmos chegar a uma definição sobre a legitimidade ou não da manutenção e
utilização dos créditos do ICMS nas saídas de mercadorias para industrialização
ou comercialização na Zona Franca de Manaus com isenção do imposto.
2. A Regra Constitucional de Estorno dos
Créditos nas Saídas Isentas
Com
a promulgação da Constituição Federal de 1988 ficou estabelecido no seu Art.
155, § 2º, II, "b", como uma das regras de exceção ao
princípio constitucional da não-cumulatividade, que a isenção ou
não-incidência do ICMS, salvo determinação em contrário da legislação,
acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores. Em outros
termos, os contribuintes devem efetuar o estorno proporcional dos créditos do
imposto sempre que a operação ou prestação subsequente ocorrer sob o amparo da
isenção ou da não-incidência do ICMS, conforme transcrevemos abaixo:
Art.
155 ...........
...........
§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:
II
- a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
............
b)
acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Segundo
relato de José Maurício Conti, "trata-se de dispositivo bastante polêmico,
na medida em que, ao impedir o aproveitamento do crédito nas hipóteses em que
menciona, causa distorção no princípio da não-cumulatividade, havendo inclusive
quem entenda ser um caso de antinomia de normas constitucionais".
Nesse
sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho prescreve que a regra de anulação dos
créditos das operações anteriores nas saídas albergadas pela isenção ou
não-incidência do ICMS não se coaduna com a sistemática de apuração do imposto
e o princípio constitucional da não-cumulatividade, deixando-nos o seguinte
ensinamento:
"A
anulação ou estorno dos créditos anteriores à operação imune ou isenta se
constitui em violência atentatória ao princípio da não-cumulatividade. Não faz
sentido determinar o estorno (anulação) dos créditos fiscais de operações
anteriores, perfeitos e acabados, pela simples razão de que o nosso ICMS está
estruturado pelo sistema de imposto contra imposto e não pelo sistema de
mercadoria contra mercadoria."
Em
linha de cognição semelhante, Alessandra Machado Brandão Teixeira preconiza que
a restrição ao aproveitamento dos créditos nas saídas isentas e não-tributadas
produz efeitos negativos sobre a neutralidade do ICMS, uma vez que nessas
hipóteses termina-se por surgir traços de cumulatividade, ressaltando apenas
que, neste caso, faz-se uma de exceção ao princípio da não-cumulatividade
prevista constitucionalmente, o que não nos permite maiores altercações.
"É
evidente que essa regra acarreta um certo grau de cumulatividade, mas essa
circunstância foi autorizada pela própria Constituição Federal, não sendo
passível de questionamento. Na época, o legislador constituinte deve ter
balanceado os valores que estavam por trás desta realidade, e houve por bem
privilegiar a inibição à guerra fiscal, a despeito da não-cumulatividade do
ICMS."
Nos
filiamos ao pensamento da professora mineira quando lembra que a determinação
de estorno dos créditos do ICMS relativos às saídas isentas e não-tributadas
tem sede constitucional, não cabendo qualquer tipo de questionamento. Portanto,
ainda que a Constituição tenha tornado cumulativo, nessas hipóteses, um imposto
que a própria Carta Magna cunhou não-cumulativo, não nos aprofundaremos na
discussão acerca da compatibilidade das restrições constitucionais ao direito
de crédito do ICMS com as regras basilares do imposto.
Para
o decorrer do nosso estudo, importa ressaltar que estamos diante de uma norma
constitucional de eficácia contida, redutível ou restringível, assim entendidas
aquelas regras constitucionais que admitem a redução do seu alcance pela
atividade do legislador ordinário ou complementar, podendo receber restrições
impostas por Lei na medida em que utiliza a expressão "salvo determinação
em contrário da legislação".
Mediante
tal expediente, o constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca
a sua intenção de outorgar ao legislador infraconstitucional a possibilidade de
conceder aos contribuintes o direito à manutenção dos créditos do ICMS sobre as
aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem
para aplicação no processo de industrialização de mercadorias comercializadas
sob a guarda da isenção ou não-incidência do imposto, o que veio a acontecer,
de fato, com a promulgação da Lei Complementar nº 87/96, como veremos adiante.
3. O Convênio nº 65/88 e a Isenção nas
Remessas para a Zona Franca de Manaus
A
regra isentiva do ICMS nas remessas de produtos industrializados de origem
nacional para comercialização ou industrialização na Zona Franca de Manaus foi
estabelecida pelo Convênio ICMS nº 65, celebrado pelo Conselho Nacional de
Política Fazendária em reunião realizada em Brasília, no dia 06 de dezembro de
1988, cuja Cláusula Primeira dispunha da seguinte forma:
Cláusula
primeira: Ficam isentas do imposto às saídas de produtos industrializados de
origem nacional para comercialização ou industrialização na Zona Franca de
Manaus, desde que o estabelecimento destinatário tenha domicílio no Município
de Manaus.
Com
o objetivo de garantir a plena eficácia do benefício fiscal concedido, a
Cláusula Terceira do aludido Convênio, que transcrevemos abaixo, determinou que
os estabelecimentos industriais que promovessem saídas destinadas a Zona Franca
de Manaus com isenção do ICMS teriam assegurado o direito de manter na suas
escritas fiscais os créditos relativos às operações anteriores.
Cláusula
terceira: Fica assegurado ao estabelecimento industrial que promover a saída
mencionada na cláusula primeira a manutenção dos créditos relativos às matérias
primas, materiais secundários e materiais de embalagens utilizados na produção
dos bens objeto daquela isenção.
Tal
determinação pode ser facilmente compreendida na medida em que, não se
admitindo a possibilidade de manutenção dos créditos relativos às operações
anteriores, o benefício concedido se tornaria nulo, ou seja, o Fisco estaria
literalmente "dando com mão e retirando com a outra".
4. O Convênio nº 06/90 e a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 310
"Alegria
de contribuinte dura pouco"! Tudo ia muito bem até que, em 30 de maio de
1990, foi celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária o Convênio
ICMS nº 06 que revogou, com efeitos a partir do primeiro dia do ano
subseqüente, a Cláusula Terceira do Convênio nº 65/88, conforme segue:
Cláusula
primeira: Fica revogada a Cláusula terceira do Convênio
ICM 65/88, de 06 de dezembro de 1988.
Cláusula
segunda: Este Convênio entra em vigor na data da publicação de sua
ratificação nacional, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 1991.
Com
a publicação do Convênio nº 06/90, passaria a prevalecer a regra de que os
contribuintes que realizassem vendas para a Zona Franca de Manaus desoneradas
do ICMS deveriam, ao final de cada período de apuração do imposto, efetuar o
estorno proporcional dos créditos fiscais decorrentes das aquisições de
matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem para emprego
no processo de industrialização dos produtos comercializados com isenção.
Sacha
Calmon Navarro Coêlho averba que a isenção, nessa configuração, torna-se
desinteressante, pois o contribuinte deve estornar o crédito já pago decorrente
das operações anteriores. Ademais, preponderando esta regra, os efeitos do
benefício fiscal concedido seriam anulados, conforme alertamos anteriormente, o
que tornaria as vendas destinadas a comerciantes e industriais estabelecidos na
Zona Franca de Manaus menos atrativas para os remetentes das mercadorias,
podendo ocasionar uma diminuição no volume de negócios das empresas localizados
naquela região e conseqüente prejuízo para o Estado.
Diante
desse quadro, o Governo do Amazonas, sentindo-se prejudicado com os efeitos
deletérios que seriam trazidos pela norma, ingressou com uma ação junto ao
Supremo Tribunal Federal, na qual pleiteava a declaração de
inconstitucionalidade daquele ato normativo, por entender que qualquer
alteração no Convênio nº 65/88 que se revertesse em prejuízo para os
contribuintes e para o Estado estaria ferindo o Art. 40 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, que garante a manutenção dos incentivos fiscais
concedidos à Zona Franca de Manaus pelo prazo de vinte e cinco anos contados da
data da promulgação da Constituição Federal, nestes termos:
Art.
40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre
de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de
vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição.
Parágrafo
único. Somente por lei federal podem ser modificados os critérios que
disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos na Zona Franca
de Manaus.
Em
face da detença no julgamento do mérito e a iminência da entrada em vigor do Convênio
nº 06/90 e os prejuízos financeiros que seriam dele decorrentes, o Governador
amazonense encaminhou ao Egrégio Tribunal Pleno, requerimento solicitando a
concessão de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
suspendendo os efeitos da norma convenial revogadora até o julgamento final da
ação, com esteio no Art. 102, I alínea "p" da Constituição Federal
que assim dispõe:
Art.
102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
I
– processar e julgar, originariamente:
.......
p)
O pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
Convém
lembrar que, conforme alerta André Ramos Tavares, o regimento interno do
Supremo Tribunal Federal, através do Art. 21, IV, admite, como uma das
atribuições dos relatores, submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos da
competência respectiva, medidas cautelares necessárias à proteção de direito
suscetível de grave dano de incerta reparação ou ainda destinadas a garantir a
eficácia da ulterior decisão da causa.
Ao
apreciar o pedido, os ministros da Suprema Corte entenderam preliminarmente
serem plausíveis as alegações de ofensa ao Art. 40 do ADCT/88, além de
verificarem que ficava evidenciado o periculum in mora autorizativo da
concessão da liminar vindicada, concluindo assim pelo deferimento da medida
cautelar através seguinte decisão:
O
Tribunal, contra o voto do Sr. Ministro Moreira Alves , DEFERIU a medida cautelar
e suspendeu, ate o julgamento final da ação, a vigência dos Convênios ICMS nºs
1, 2 e 6, todos de 30.05.90, firmados em reunião do Conselho Nacional de
Política Fazendária da mesma data. Votou o Presidente. Ausentes,
ocasionalmente, os Srs. Ministros Sydney Sanches e Celso de Mello. Plenário,
25.10.1990.
Comentando
a resolução prolatada pelo Supremo Tribunal Federal em parecer publicado na
Revista Dialética de Direito Tributário, o professor Ives Gandra da Silva
Martins afirmou que o que a Corte Suprema consagrou foi o princípio da
constitucionalização de norma inferior e de sua alterabilidade apenas por norma
de igual relevância, em face da elevação, no princípio da hierarquia legal, da
norma anteriormente produzida por processo menos qualificado. Arremata o
eminente professor que, neste caso específico, tal restrição não poderia ser
operada nem por emenda constitucional, por ter gerado direitos constitucionais
adquiridos e petrificados até 2013, por força do artigo 5º, inciso XXXVI da Lei
Maior.
Entretanto,
alguns Fiscos Estaduais vêm sustentando que o escudo protetor do artigo 40 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e seu parágrafo único alcança
somente os incentivos fiscais dirigidos diretamente aos contribuintes
estabelecidos na Zona Franca de Manaus e que o Convênio nº 06/90 veio corrigir
uma distorção encartada no Convênio nº 65/88, uma vez que a garantia do direito
à manutenção e utilização dos créditos do ICMS seria, segundo este prisma,
prerrogativa de cada Unidade da Federação levando-se em conta a situação
sócio-econômica dos Estados e suas possibilidades de renúncia fiscal.
Nesse
panorama, as Administrações Tributárias Estaduais passaram a ditar, através da
utilização de instrumentos normativos próprios, as regras a respeito da
manutenção dos créditos do ICMS nas saídas isentas para a Zona Franca de
Manaus, algumas assegurando a sua utilização e outras vedando o seu
aproveitamento.
5. A Forma de Concessão de Benefícios
Fiscais e o Veto ao Art. 28 da LC nº 87/96
Não
obstante a análise do verdadeiro alcance do artigo 40 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e seu parágrafo único, entendemos que o estudo da
possibilidade de manutenção dos créditos do ICMS nas saídas isentas destinadas
à Zona Franca de Manaus passa por outra discussão, que diz respeito à definição
do instrumento normativo adequado para conceder e revogar benefícios fiscais
relativos ao imposto estadual sobre a circulação de mercadorias.
Segundo o parágrafo 6º do Art. 150 da
Constituição Federal, "qualquer subsídio ou isenção, redução de base de
cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativas a
impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei
específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as
matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem
prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g."
Todavia,
é regra explícita na Carta Magna que, no que concerne ao ICMS, cabe à Lei
Complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do
Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e
revogados, conforme determina o Art. 155, § 2º, XII, "g", in
verbis:
Art.
155 ...........
...........
§ 2º O imposto previsto no inciso II,
atenderá ao seguinte:
.............
XII
- cabe à lei complementar:
g)
regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
Ressaltamos
que a aplicabilidade da regra acima é assegurada pelo próprio parágrafo 6º do
Art. 150 da Constituição Federal quando utiliza a expressão "sem prejuízo
do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g". Dessa forma, segundo ditame
constitucional, somente a Lei Complementar pode estabelecer de que forma e
através de quais instrumentos normativos deverão ser concedidos ou revogados
benefícios, incentivos ou favores fiscais na seara do ICMS.
Na
esteira do mandamento constitucional, a Lei Complementar nº 87/96, norma
confirmatória da Constituição e que estabelece os preceitos gerais para
instituição e cobrança do ICMS, previu, através do seu Art. 20, § 4º, que
deliberação dos Estados, na forma do seu art. 28, poderia dispor sobre a
manutenção dos créditos relativos a mercadorias entradas no estabelecimento ou
prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subseqüente não fosse tributada
ou estivesse isenta do imposto, da seguinte forma:
Art.
20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao
sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em
operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no
estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo
permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal ou de comunicação.
.............
§
3º É vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a
prestação de serviços a ele feita:
I
- para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural,
quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do
imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior;
.............
§
4º Deliberação dos Estados, na forma do art. 28, poderá dispor que não se
aplique, no todo ou em parte, a vedação prevista no parágrafo anterior.
No
entanto, em virtude da resistência oferecida pelos Governadores de alguns
Estados em abrir mão da utilização de incentivos fiscais vinculados ao ICMS
como instrumentos de suas políticas de atração de novas empresas, foi
necessária, para assegurar a aprovação da aludida Lei Complementar, a
articulação de um acordo político entre o Senado Federal e o Presidente da
República, no qual os Senadores se comprometeram a aprovar o projeto sem
alterações desde que o Presidente vetasse os dispositivos que tratavam da
concessão de incentivos no âmbito do ICMS, dentre eles, o citado Art. 28, dando
início a uma discussão jurídica que sobrevive até os dias atuais.
Com
o veto a esse artigo, que estabeleceria a forma como os Estados poderiam
conceder o benefício fiscal da manutenção e utilização dos créditos fiscais do
ICMS relativos às saídas de mercadorias amparadas por isenção ou
não-incidência, vieram a lume rapidamente duas teses jurídicas a respeito da
forma de concessão e revogação do favor fiscal em tela, ambas defendidas pelos
Fiscos Estaduais.
Primeiramente
se falou que o veto presidencial ao dispositivo legal em questão representaria
uma manifestação clara de proteção à competência tributária privativa dos
Estados, onde cada ente tributante teria a prerrogativa de assegurar ou não a
manutenção dos créditos do ICMS nas saídas isentas e não-tributadas aos
contribuintes, sem a necessidade de celebração de Convênio pelo Confaz.
Outra
corrente passou a defender que o veto ao Art. 28 criou um vácuo legislativo no
que tange à concessão do benefício fiscal da manutenção dos créditos do ICMS
nas saídas isentas e não-tributadas, o que, em termos práticos, levaria a mesma
conclusão da tese anterior, ou seja, cada Estado poderia regular livremente as
matérias relativas à concessão e revogação do citado incentivo fiscal, não
dependendo da ratificação de todos os outros Estados e o Distrito Federal.
Segundo
os entendimentos descritos acima, os Estados poderiam se utilizar dos
instrumentos normativos que entendessem mais adequados para definir as regras a
respeito da manutenção dos créditos do ICMS nas saídas isentas para a Zona
Franca de Manaus, que, na maioria dos Estados, esta disciplinada por meio de
Decretos, através dos Regulamentos do ICMS.
Todavia,
como bem lembrou Roque Antônio Carraza na sua excelente obra a respeito do
ICMS, as razões dos vetos presidenciais aos artigos 27 a 30 da Lei Complementar
nº 87/96 declararam textualmente que a matéria relativa à concessão e revogação
de benefícios fiscais continuava sob a égide da Lei Complementar nº 24/75.
Portanto, há de se sublinhar desde logo que deve ser rechaçada por completo a
pretensão dos Fiscos Estaduais de que as censuras impostas pela Presidência da
República representariam a intenção de privilegiar a competência tributária
privativa dos Estados, onde cada ente tributante teria a prerrogativa de
regular a seu talante a concessão e revogação de benefícios fiscais, sem a necessidade
de celebração de Convênio pelo Confaz.
Resta
claro que o veto ao Art. 28 da Lei Complementar nº 87/96, que iria disciplinar
a forma de deliberação dos Estados para regular a concessão e revogação do
benefício fiscal objeto deste artigo, se deu pelo fato de a matéria já
encontrar-se disciplinada por norma de igual hierarquia, mais precisamente pelo
inciso IV do parágrafo único do Art. 1º da Lei Complementar 24/75, cujo texto
determina que quaisquer incentivos ou favores fiscais relativos ao ICMS somente
podem ser concedidos ou revogados exclusivamente nos termos de Convênios
celebrados e ratificados por deliberação unânime dos Estados e do Distrito
Federal, conforme podemos observar:
Art.
1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e
ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo
único - O disposto neste artigo também se aplica:
............
IV
- à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais,
concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte
redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
Nessa
perspectiva, deve-se refutar, também, a tese de que os vetos aos artigos 27 a
30 da Lei Complementar nº 87/96 teriam criado um vácuo legislativo. A matéria
objeto das recusas presidenciais é tratada de forma hialina na Lei Complementar
nº 24/75, como pudemos observar, e os dispositivos que regulamentariam a
matéria foram retirados integralmente da Lei Kandir, impossibilitando, dessa
forma, o surgimento de qualquer lacuna jurídica.
Ora,
estando a matéria inteiramente disciplinada pela Lei Complementar nº 24/75, e
sendo a referida Lei textualmente recepcionada pela Constituição Federal de
1988, consoante previsão do Art. 34, § 8º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, não há que remanescer qualquer possibilidade de
vácuo legislativo ou lacuna jurídica nesse particular.
Ainda
com relação a alegação de invasão da competência tributária privativa dos
Estados, não podemos olvidar que as limitações constitucionais ao poder de
tributar são instrumentalizadas, também, através da exigência constitucional de
edição de Lei Complementar Federal para regular algumas disposições relativas a
determinados tributos, ainda que a competência para sua cobrança e arrecadação
seja dos Estados ou dos Municípios, conforme ficou claro na decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI nº 1.247/PA, relator Ministro
Celso de Mello, cuja ementa transcrevemos abaixo:
CONVENIOS
E CONCESSÃO DE ISENÇÃO, INCENTIVO E BENEFICIO FISCAL EM TEMA DE ICMS: A
celebração dos convenios interestaduais constitui pressuposto essencial a
valida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções,
incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convenios - enquanto
instrumentos de exteriorização formal do previo consenso institucional entre as
unidades federadas investidas de competência tributaria em matéria de ICMS -
destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente
resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão,
pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios
fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se
na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades
politicas que compoem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem
constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito
Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributaria pertinente
ao ICMS. (ADI 1247 MC / PA – PARA, rel. Min. CELSO DE MELLO, Julgamento:
17/08/1995, Publicação: DJ DATA-08-09-1995 PP-28354 EMENT VOL-01799-01
PP-00020).
Oportuno
e elucidativo é o ensinamento do professor Luciano Amaro, quando afirma que os
limites do poder de tributar definidos na Constituição Federal não se esgotam
nos enunciados contidos na seção das "Limitações Constitucionais do Poder
de Tributar", sendo pinçáveis em outras regras da Carta Magna, como, v.g.,
a previsão da atuação de outras normas, infraconstitucionais, que também atuam
no sentido de balizar o poder do legislador tributário na criação ou
modificação de tributos.
"Em
suma, o exercício legítimo da competência para a criação de tributos é balizado
não só por normas de estatura constitucional, mas também por disposições
outras, de menor hierarquia, e, portanto, de menor rigidez, que atuam no
sentido de complementar o desenho do campo material onde poderá ser exercitada
validamente a competência tributária e de definir o modo pelo qual se deve dar
esse exercício. Nesse quadro de disposições infraconstitucionais que
complementam a disciplina posta na Constituição, a posição de destaque é, sem
dúvida, a das leis complementares".
Assim,
também não nos parece aceitável que a exigência de Convênio por Lei
Complementar, com esteio constitucional, para regular a concessão e a revogação
de benefícios fiscais no campo do ICMS, se configure em invasão a competência
tributária privativa dos Estados, e sim, a forma encontrada pelo Governo
Federal para combater a chamada "guerra fiscal" que vem sendo travada
pelos Estados ao longo dos anos, cujos efeitos nocivos são amplamente
conhecidos e dispensam maiores incursões.
Seguindo
esta linha de considerações, as matérias relativas à outorga e revogação de
benefícios fiscais dirigidos ao ICMS seriam reservadas exclusivamente aos
Convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, não
podendo tais favores fiscais serem disciplinados por cada Administração
Tributária Estadual, ao seu alvedrio, através de Decretos ou quaisquer outras
normas sem amparo convenial.
Sacha
Calmon Navarro Coêlho, comentando o artigo 155, § 2º, XII, "g" do
Texto Magno, assinala que apenas Convênio, aprovado legislativamente, poderá
contornar a negativa de manutenção dos créditos decorrentes das isenções não
ligadas às exportações.
O
mesmo entendimento é adotado pelo eminente professor Hugo de Brito Machado,
para quem parece ser razoável entender-se que os Estados podem, mediante
Convênio, regular as questões pertinentes a isenções, incentivos e benefícios
fiscais relativos ao ICMS.
Convém
frisar que a discussão acerca da obrigatoriedade da adoção de Convênios para
conceder e revogar benefícios fiscais no terreno do ICMS já foi submetida por
diversas vezes a apreciação do Supremo Tribunal Federal, como no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.376-MC que teve como requerente o
Governo de Minas Gerais, quando a Corte Suprema manifestou-se no sentido de que
qualquer ato governamental concedendo benefícios fiscais na seara do ICMS, sem
que tenham sido objeto de Convênio, será considerado inconstitucional,
proferindo a seguinte decisão:
"A
liberação de isenções, incentivos e benefícios fiscais pelos Estados-Membros e
Distrito Federal depende de lei complementar (CF, artigo 155, § 2º, XII, g).
Ato governamental concessivo de desoneração de ICMS em operações internas sem
que tenha sido objeto de convênio e que não levou em conta a Lei Complementar
nº 24, de 7 de janeiro de 1975, recebida pela Constituição Federal de 1988, é o
bastante para caracterizar por si só a sua inconstitucionalidade. Precedentes
(ADIMCs 2.736-PR, Sydney Sanches, julgada em 15/02/01, e 2.353-ES,
Sepúlveda Pertence, julgada em 19/12/00, inter plures)." (ADI
2.376-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 04/05/01)
Reiterando
a percepção adotada no julgado anterior, a Egrégia Corte, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 286, interposta pelo Governo do Estado de
Rondônia, assentou jurisprudência confirmando que os Convênios celebrados entre
os Estados e o Distrito Federal são os únicos instrumentos normativos legais
para regular a concessão de benefícios fiscais no campo do ICMS. Isso significa
que os Estados e o Distrito Federal não podem conceder favores fiscais
relativos ao ICMS se para tanto não obtiverem a aprovação expressa dos demais.
"O
artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da Constituição
Federal, só admite a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais por
deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênio." (ADI
286, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 30/08/02)
Ressaltamos
que esse entendimento vem sendo corroborado pela jurisprudência farta e
pacífica do Supremo Tribunal Federal, aliás, jamais se viu o Pretório Excelso
negar apoio a Estado que denuncia a concessão unilateral de benefício fiscal.
De certo, as legislações estaduais que burlam a Constituição Federal e a Lei
Complementar nº 24/75 só persistem porque os Governadores dos Estados prejudicados
e o Procurador-Geral da República adotam postura passiva, permitindo que os
desacatos legislativos continuem a produzir os seus efeitos.
De
qualquer forma, acreditamos que os julgados aqui apresentados bastam para
ilustrar, de forma representativa e contundente, que qualquer benefício ou
incentivo fiscal na área do ICMS, somente pode ser concedido ou revogado por
meio de convênio celebrado pelos Estados-Membros e pelo Distrito Federal, do
contrário, será considerado inconstitucional.
Sendo
os Convênios as únicas normas qualificadas constitucionalmente para assegurar o
direito à manutenção dos créditos do ICMS nas saídas com isenção, parece-nos
óbvio que, uma vez que o Convênio nº 06/90 encontra-se suspenso por medida
judicial, deveria ser naturalmente observada a regra prevista na Cláusula
Terceira do Convênio nº 65/88, ou seja, ficaria assegurado aos estabelecimentos
industriais que promovessem saídas isentas para a Zona Franca de Manaus, o
direito à manutenção e utilização dos créditos relativos às operações
anteriores, ao menos até o julgamento final da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 310.
Entretanto,
demonstrando total desprezo pela medida cautelar suspensiva concedida pelo
Supremo Tribunal Federal, algumas Administrações Tributárias Estaduais vêm
exigindo dos contribuintes o estorno proporcional dos créditos do ICMS
decorrentes das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e
materiais de embalagens utilizados na fabricação de produtos remetidos para a
Zona Franca de Manaus com isenção do imposto.
7. Equiparação das Remessas para a Zona
Franca de Manaus às Exportações
Após
analisarmos os Convênios ICMS 65/88 e 06/90, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 310, e a obrigatoriedade da adoção de convênios para a
concessão e revogação de quaisquer benefícios ou incentivos fiscais relativos
ao ICMS por força da Lei Complementar nº 24/75, nos resta ainda enfrentar uma
última variante existente no plano das remessas de mercadorias para a Zona
Franca de Manaus, que consiste na equiparação dessas operações a exportações de
produtos para outros países no que se refere aos tratamentos fiscais a serem
dispensados.
Sobre
este aspecto, trazemos à tona o disposto no Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67,
que coloca em patamar de igualdade, para todos os efeitos fiscais, as remessas
de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona
Franca de Manaus, a exportações brasileiras para o estrangeiro, nos termos seguintes:
Art
4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou
industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro,
será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor,
equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.
Segundo
Ives Gandra da Silva Martins, a norma jurídica transcrita tem eficácia de Lei
Complementar, porque é norma nacional que obriga a União, os Estados e os
Municípios, não podendo ser alterada por legislação ordinária. Complementa o
eminente professor que é agressora da legalidade qualquer Lei ordinária que
tenha pretendido modificar a legislação referida restringindo seu efeito, mesmo
que acatada sem contestação por aqueles que a ela se submeteram.
Assim,
tomando por base o Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, norma com força de Lei
Complementar que equipara as vendas para a Zona Franca de Manaus a exportações,
as empresas que realizassem tais operações estariam, automaticamente,
desobrigadas de efetuar o estorno proporcional dos créditos do ICMS relativos
às operações anteriores a estas remessas, na esteira do que determina o Art.
21, § 2º da Lei Complementar nº 87/96, senão vejamos:
Art.
21. O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do imposto de que se tiver
creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no
estabelecimento:
...........
§
2º Não se estornam créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a
ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior.
Tal
questão também foi levada à apreciação do Poder Judiciário através do
julgamento do Recurso Especial nº 34.388/SP pelo Superior Tribunal de Justiça,
Relator Ministro Ari Pargendler, cuja ementa transcrevemos a seguir, onde ficou
confirmado que as remessas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus são,
para todos os efeitos fiscais, equivalentes a uma exportação para o exterior.
Tributário.
ICMS. Zona franca de Manaus. A exportação de mercadorias de origem
nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou
reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes
da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o
estrangeiro; pouco importa se o destinatário seja o consumidor final, a lei não
fez essa distinção. Recurso especial não conhecido. (DJ 19.05.1997)
O
posicionamento adotado na decisão acima transcrita foi ratificado no julgamento
do Recurso Especial nº 74.814/SP, que teve como Relator mais uma vez o Ministro
Ari Pargendler, quando o Superior Tribunal de Justiça manteve o entendimento
precedente, ressalvando apenas a necessidade de que as mercadorias cheguem efetivamente
à Zona Franca de Manaus para a fruição do tratamento fiscal equiparado às
exportações.
Tributário.
ICMS. Zona
franca de Manaus. A exportação de mercadorias de origem
nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus será para
todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma
exportação brasileira para o estrangeiro; verificado, no entanto, que, a
despeito da destinação, as mercadorias não chegaram à Zona Franca de Manaus, a
operação é tributada segundo o regime comum, aplicando-se a multa própria.
Recurso especial não conhecido. (DJ 24.08.1998)
Ressaltamos
que, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 42, que o Governo Federal
insistiu em chamar de "reforma tributária", a garantia da manutenção
dos créditos do ICMS nas exportações ficou assegurada constitucionalmente,
através da nova redação dada a alínea "a" do inciso X, § 2º, do Art.
155 da Carta Magna, que passou a figurar da seguinte forma:
Art.
155 ...........
...........
§ 2º O imposto previsto no inciso II,
atenderá ao seguinte:
.............
X
- não incidirá:
a)
sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços
prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o
aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações
anteriores;
Por
fim, consideramos oportuno trazer à baila mais um ensinamento do professor Ives
Gandra da Silva Martins, para quem o Decreto-Lei nº 288/67 encontra-se blindado
pelo manto protetor do artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, como podemos observar:
"Em
diversos estudos que elaborei sobre o tema, inclusive hospedado por
interpretação pretoriana máxima, examinei a questão dos incentivos fiscais,
deixando claro que todos aqueles estímulos de natureza tributária concedidos
pelo D.L. 288/67 ou em consonância com esse diploma, estão assegurados,
constitucionalmente, até o ano de 2013, por força do artigo 40 do ADCT".
Nesta
acepção, independente da análise de qualquer outro aspecto relacionado ao tema,
o direito à manutenção e utilização dos créditos do ICMS relativos às remessas
efetuadas para a Zona Franca de Manaus com isenção do imposto estaria garantido
pela simples conjugação do Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67 com o artigo 21, §
2º da Lei Complementar nº 87/96 e, mais recentemente, com a alínea
"a" do inciso X, § 2º, do artigo 155 da Constituição Federal.
Mas,
como já era de se esperar, alguns Estados não aceitam a equiparação das vendas
realizadas para contribuintes estabelecidos na Zona Franca de Manaus a
exportações para o exterior para fins de aplicação da legislação tributária,
ou, mais precisamente, para fins de manutenção e utilização dos créditos do
ICMS, ignorando as regras estabelecidas por normas jurídicas superiores e as
decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça.
8. Conclusões
A
vedação à manutenção e utilização dos créditos do ICMS relativos às saídas
isentas para a Zona Franca de Manaus anula os efeitos do benefício fiscal
concedido tornando as vendas destinadas a comerciantes e industriais
estabelecidos naquela localidade menos atrativas para os remetentes das
mercadorias, o que pode ocasionar diminuição no volume de negócios das empresas
localizados naquela região e conseqüentes prejuízos para o Estado. Assim, nos
parece improcedente o argumento dos Fiscos Estaduais de que o Art. 40 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias alberga apenas os incentivos
fiscais dirigidos diretamente para os estabelecimentos situados na Zona Franca
de Manaus.
O
Art. 155, § 2º, XII, "g" da Constituição Federal de 1988 determina
que, no que concerne ao ICMS, cabe a Lei Complementar regular a forma como,
mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e
benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Portanto, devem ser observadas
as regras previstas na Lei Complementar nº 24/75 para a adoção de medidas que
visem desonerar por completo ou atenuar o ônus tributário imputado aos
contribuintes do ICMS.
A
Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela Constituição Federal, que
determina de maneira inequívoca a obrigatoriedade da adoção de convênios
celebrados pelos Estados e pelo Distrito Federal para a concessão de benefícios
fiscais relativos ao imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias continua em vigor, ainda que seja anterior ao novo sistema
constitucional tributário e à Lei Complementar nº 87/96, como pudemos observar
na transcrição da ementa da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.376/01.
Com
a suspensão do Convênio ICMS nº 06/90 pelo Supremo Tribunal Federal, continua
produzindo efeitos, ao menos até o julgamento final da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 310, a Cláusula Terceira do Convênio nº 65/88, ficando
assegurando aos contribuintes o direito à manutenção dos créditos do ICMS
decorrentes das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e
materiais de embalagem empregados no processo produtivo de mercadorias
destinadas a Zona Franca de Manaus sob o amparo da isenção do imposto.
No
que diz respeito ao veto ao artigo 28 da Lei Complementar nº 87/96, entendemos
que as próprias razões da negativa presidencial e as decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal nos julgamentos das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade aqui apresentadas encerram qualquer resquício de dúvida
que possa existir a respeito da definição do instrumento normativo apropriado
para instituir ou revogar a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS,
ou seja, tais medidas desonerativas somente podem ser adotadas mediante
celebração de Convênios entre os Estados e o Distrito Federal.
Como
já tivemos oportunidade de sinalar, a competência tributária privativa dos
Estados não é invadida quando uma Lei Complementar, seguindo regra imposta pela
Constituição Federal, determina a celebração de Convênio para regular a
concessão e revogação de benefícios fiscais, sendo esta uma das várias espécies
de limitações constitucionais ao poder de tributar e, ao mesmo tempo, medida
que visa evitar a guerra fiscal entre os Estados.
Seguindo
a orientação do Superior Tribunal de Justiça e observando o disposto no Art. 4º
do Decreto-Lei nº 288/67, que equipara, para todos os efeitos fiscais, a
remessa de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona
Franca de Manaus a uma exportação brasileira para o estrangeiro, fica
assegurado aos contribuintes o direito de não estornar os créditos do ICMS
relativos às operações anteriores as saídas de mercadorias para a Zona Franca
de Manaus com isenção do imposto.
Finalmente,
de acordo com jurisprudência assentada no Supremo Tribunal Federal, qualquer
ato normativo editado pelas Administrações Tributárias Estaduais que estabeleça
a concessão ou revogação de benefícios fiscais na seara do ICMS sem que tenha
sido observada a Lei Complementar nº 24 de janeiro de 1975, e, por
conseqüência, sem que tenha sido objeto de Convênio celebrado entre os Estados
e o Distrito Federal, deve ser considerado inconstitucional.
Em
face das breves considerações aqui apresentadas, chegamos à conclusão de que
fica assegurado aos contribuintes o direito à manutenção e utilização dos
créditos do ICMS decorrentes das aquisições de matérias-primas, produtos
intermediários e materiais de embalagem empregados no processo produtivo de
mercadorias destinadas a Zona Franca de Manaus, remetidas sob o amparo da
isenção do imposto, não podendo tal direito ser restringido por qualquer norma
jurídica estadual que não tenha amparo em Convênio celebrado pelo Conselho
Nacional de Política Fazendária e ratificado por todos os Estados e pelo
Distrito Federal.
De
qualquer forma, continuaremos aguardando com muita expectativa o julgamento
final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 310, que, como dissemos no
início deste artigo, está comemorando aniversário de quinze anos, torcendo
muito para que, desta vez, ao contrário do que vem acontecendo ao longo dos
tempos, no final da festa, os contribuintes fiquem com o bolo e os Estados
dancem a valsa...
9. Referencial Bibliográfico
AMARO,
Luciano. Direito tributário brasileiro. 10ª ed. atual São Paulo:
Saraiva, 2004;
CARRAZA,
Roque Antônio. ICMS. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000;
CARVALHO,
Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15ª ed. rev. e atual.São
Paulo: Saraiva, 2003;
COÊLHO,
Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7ª ed.
rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004;
COÊLHO,
Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição Federal de 1988 – Sistema
Tributário. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005;
CONTI,
José Maurício. Sistema Constitucional Tributário. 2ª ed. São Paulo:
Oliveira Mendes, 1998;
DENARI, Zelmo. Curso de direito
tributário. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2002;
MACHADO,
Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004;
MARTINS,
Ives Gandra da Silva. Zona franca de Manaus - Inteligência do Artigo 40 do
ADCT - Impossibilidade de Criação de Restrições aos Incentivos
Constitucionalizados em 1998. Revista Dialética de Direito Tributário nº
64. São Paulo: Dialética, 2001;
MARTINS,
Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 1ª ed. São Paulo: Atlas,
2002;
TAVARES,
André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2003;
TEIXEIRA,
Alessandra Machado Brandão. A tributação sobre o consumo de bens e serviços.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
SILVA, Matheus Simões Gonçalves da. Reflexões sobre o direito à manutenção e à utilização dos créditos do ICMS nas saídas isentas para a Zona Franca de Manaus . Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 868, 18 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7605>. Acesso em: 18 nov. 2005.