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Vergalhões
brasileiros:
barreira técnica à entrada de concorrentes
Rinaldo Maciel de Freitas
acadêmico
de Direito, técnico de análise de planejamento tributário em Divinópolis (MG)
Karl Marx afirma que a
concentração econômica é lei imanente do capitalismo. O desenvolvimento do
capitalismo e a concentração econômica caminham juntos. Segundo Marx, a
concentração é a tendência centralizadora dos meios de produção cada vez mais nas
mãos de um menor número de agentes. Isso ocorre por meio do crescimento interno
da empresa ou mediante sua concentração, ou seja, pela união de diferentes
empresas em uma só ou sob sua submissão a controle comum.
Os primeiros anos da década de 80
foram dramáticos para os produtores de aços longos comuns, por pelo menos três
razões; a) várias empresas estavam completando seus planos de expansão
iniciados na década de 70; b) em 1984, entrou em operação uma nova grande
siderúrgica: a Mendes Jr; c) algumas produtoras de laminados longos especiais,
frente à queda mais acentuada da demanda destes produtos, intensificaram a
fabricação de laminados longos comuns. Como a crise afetou mais vigorosamente o
segmento de laminados especiais, seus produtores fizeram um downgrading,
acentuando a concorrência no segmento de longos comuns.
Com as mudanças referidas, o parque
nacional ficou composto por um grande número de empresas, com produção de
vergalhões. A partir de 1990, estas empresas, foram sendo adquiridas, sendo
umas fechadas e outras reestruturadas para funcionamento no novo contexto
concentrado. No contexto da abertura da economia brasileira e com o fim do
mercado protegido por tarifas, tornou-se primordial produzir com maior nível de
qualidade e com custos dentro da realidade mundial. No entanto, em 1996, já com
a extrema concentração no setor, o mercado se fechou criando uma barreira
técnica à entrada de concorrentes via normatização de barras e fio de aços
destinados à armadura para concreto estabelecido no âmbito do Comitê Técnico de
Certificação de Aços longos para construção civil - ABNT/CTC-04, a NBR 7480/96
e posteriormente com a Portaria INMETRO 46/99.
Barreira
técnica à entrada trata-se de documento ou acordo aprovado por um grupo e
editado por uma instituição reconhecida, que prevê, para um uso comum e
repetitivo, regras, diretrizes ou características para os produtos ou processos
e métodos de produção conexos, cuja observância impede ou dificulta a entrada
de competidores em um determinado mercado relevante. Este tipo de barreira
inclui prescrições em matéria de terminologia, símbolos, embalagens, marcação
ou etiquetagem aplicáveis a um produto, processo ou método de produção, ou tratar
exclusivamente delas.
Tanto
normas técnicas quanto regulamentos técnicos referem-se às características dos
produtos, tais como: tamanho, forma, função, desempenho, etiquetagem e
embalagem, ou seja, a grande diferença entre eles reside na obrigatoriedade de
sua aplicação. As implicações no Comércio Internacional são diversas. Se um
produto não cumpre as especificações da regulamentação técnica pertinente, sua
venda não será permitida no mercado que a adotou, sendo que o não cumprimento
da norma inviabiliza a venda do produto, restringindo sua participação no
mercado.
No
mercado relevante, principalmente aqueles envolvendo questões de dominância, a
análise de entrada de determinado produto é relevante para o resultado da
investigação de existência de norma que impeça a entrada de concorrentes no
mercado.
Exigências
técnicas, voluntárias ou obrigatórias, são freqüentemente utilizadas como
formas dissimuladas de proteção de mercados nacionais, revelando-se importante
fator limitador à livre circulação de mercadorias. O próprio conceito de
"barreira técnica" não é bem compreendido, sendo equivocadamente
associado a dificuldades de exportadores em cumprir exigências técnicas
encontradas nos países para os quais vendem seus produtos.
Os
processos atuais de liberalização dos mercados pautam-se pela eliminação
gradativa das barreiras tarifárias. Isto faz com que as considerações sobre
barreiras não-tarifárias e, dentre estas, aquelas sobre barreiras técnicas,
ganhem cada vez mais importância nas análises sobre as vantagens de promover o
comércio exterior. Barreiras técnicas, considerando o estipulado pela OMC
(Organização Mundial do Comércio), são barreiras comerciais derivadas da
utilização de normas ou regulamentos técnicos não-transparentes ou
não-embasados em normas internacionalmente aceitas ou, ainda, decorrentes da
adoção de procedimentos de avaliação da conformidade não transparentes e/ou
demasiadamente dispendiosos, bem como de inspeções excessivamente rigorosas.
A
NBR 7480, por exigir via regulamentação da PORTARIA INMETRO 46/1999
certificação compulsória no âmbito do Sistema Brasileiro de Certificação – SBC
e, a partir de 29 de junho de 1999, onde somente poderão ser comercializadas as
barras de vergalhões CA-50 ostentando como etiqueta, a Marca de Conformidade
utilizada no SBC, em conformidade a NBR 7480, determina ser esta uma barreira
técnica que impede, ou dificulta a entrada de novos competidores no mercado
siderúrgico de vergalhões para a construção civil.
No
Ato de Concentração 16 de 1994 (AC 16-94), portanto anterior a NBR
7480 e PORTARIA INMETRO 46/99, é muito bem definido este conceito de
representatividade de barreira técnica à entrada de novos produtos representada
por esta Norma Brasileira de Regulamentação. Neste processo o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE optou pela aprovação parcial da
operação envolvendo a empresa Siderúrgica Laisa S/A (do grupo Gerdau S/A) e a
Korf Gmbh (Cia. Siderúrgica Pains de Divinópolis. Às fls. 25 do AC 16-94 o CADE
destaca o caráter de substituibilidade até então representado pelo aço CA-40):
Paula
(1996) realça ainda a barreira técnica existente no mercado de longos, onde
Brasil, Paraguai e Bolívia adotam o padrão CA-50, enquanto o padrão CA-40
prevalece nos demais países. Essa, no entanto, não deve ser uma barreira
técnica insuperável, dado que:
os
países exportadores podem adaptar as especificações de seus produtos para serem
exportados para o Brasil, assim como os produtores nacionais o fazem para
exportar para o estrangeiro, onde também existem peculiaridades e;
as
empresas de construção civil, consumidoras de vergalhão, podem, em resposta a
um aumento de preço abusivo, utilizar o CA-40 importado. A única implicação
seria a necessidade de aumentar a quantidade de aço utilizada
Portanto,
o aço CA-40 era o substituto natural do aço CA-50 que foi excluído do mercado
brasileiro por força das normas citadas. Até então, as barras e fios de
concreto eram regidos por normas mais ou menos formais do tipo "qualidade
comercial", CA-24, CA-32, CA-40, CA-50 A, CA-50 B e CA-60. Com isso, a
siderurgia de longos passou a vivenciar um estado de liberdade no sentido de
ausência de coerção do Estado que, se houve, foi insuficiente para coibir a
prática de concentração e exercício de poder de mercado, que consumou com um
duopólio composto pelo Grupo Gerdau e Cia. Belgo Mineira.
Neste
sentido se avalia que cada uma teria respectivamente 49%, 41% completando com a
Siderúrgica Barra Mansa do grupo Votorantin que se estima ter 8% do mercado
relevante de aços longos no Brasil.
O
Grupo Gerdau controla as seguintes plantas siderúrgicas: Usina Siderúrgica da
Bahia – Usiba, Cia. Siderúrgica Pains/MG, Cia. Siderúrgica da Guanabara –
Cosigua/RJ, Siderúrgica Guaíra/PR, Açonorte/PE, Cia. Siderúrgica
Riograndense/RS, Cimetal/MG, Açominas/MG e Alipertti/SP.
A
Cia. Siderúrgica Belgo Mineira controla as plantas siderúrgicas da Cia. Siderúrgica
Dedini/SP, Cia. Siderúrgica Mendes Junior/MG, Cia. Ferro e Aço Vitória –
Cofavi/ES, Cia. Siderúrgica Itaunense/MG, Cia. Siderúrgica Belgo
Mineira/Sabará/MG, Cia. Siderúrgica Belgo Mineira/João Monlevade/MG e Belgo
Mineira Bekaert.
A
existência de produtos substituíveis entre si podia diminuir o poder de mercado
exercido pelas empresas. Havia no mercado brasileiro antes da concentração
ocorrida no setor siderúrgico de produtos longos (vergalhões), quatro tipos de
aços utilizados na construção civil, o aço CA-25; aço CA-40; aço CA-50 e aço
CA-60 todos utilizados na armadura de concreto.
A
existência desses quatro tipos de aço substituíveis entre si, diminuía o poder
de mercado das empresas citadas no mercado de construção civil brasileiro.
Com
a revisão da NBR 7480 de 1996, houve a possibilidade de existência de um
duopólio no mercado siderúrgico de vergalhões, com a participação de uma
terceira empresa em conluio com a prática de cartel conforme quadro
demonstrativo abaixo, que adotam tacitamente comportamento colusivo:
Participação
das Siderúrgicas de Vergalhões no Mercado Brasileiro
GRUPO/EMPRESA |
PARTICIPAÇÃO |
UNIDADES |
Grupo Gerdau |
49,5% |
Gerdau – Cosigua – Usiba – Pains – Aliperte -
Açominas |
Belgo Mineira |
40,9% |
Belgo Mineira – Dedini – Cofavi – Mendes
Júnior – Itaunense |
Barra Mansa |
9,6% |
Cia. Siderúrgica Barra Mansa |
Fonte BNDES 1998.
A
NBR 7480/96 estabeleceu como norma na construção civil a utilização apenas dos
aços CA-50 e o CA-60, embora ainda exista na norma o permissivo para o uso do
aço CA-25, porém este, em razão de sua qualidade não é usado em obras de
construção civil. As únicas empresas produtoras, ou seja, Belgo Mineira, Gerdau
e Barra Mansa, concentraram o mercado siderúrgico de longos impedindo o
surgimento de guerra de preços, haja visto haver homogeneidade de preços
praticados. Há que se considerar no mercado também a homogeneidade do vergalhão
de aço e uma política de não-agressão onde uma empresa não atende o cliente da
outra. Estas têm a mesma tecnologia, mas, com capacidade de produção diferente.
Como
não há contestabilidade no mercado pelo produto com os preços iguais, a demanda
é alocada proporcionalmente à capacidade de cada empresa.
A
revisão da NBR 7480/96 foi fundamental para a concentração do mercado e
práticas discriminatórias com a formação do cartel, uma vez que fixa as
condições exigíveis na encomenda, fabricação e fornecimento de barras e fios de
aço destinados a armaduras.
Acesso em: 12 de setembro de 2005
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7273