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Fontes de Alencar *
RESUMO Faz alusão ao surgimento da sonegação fiscal em nosso país, que
data de 1792, quando se tiveram os primeiros registros a respeito do tema,
citando passagens do Código de Afonso V, das Ordenações Afonsinas, Filipinas,
entre outras. Traz estudos diversos de doutrina e jurisprudência no tocante aos
crimes contra a ordem tributária, bem como as principais alterações no Código
de Processo Penal e no Código Penal brasileiros, fazendo uma comparação ao que
acontecia àquela época e suas reminiscências nos dias de hoje.
A Real Imprensa da Universidade
de Coimbra editou, no ano de 1792, o Código de Afonso V, dizendo na Prefação
correspondente que foi fácil entender quanta utilidade se poderia tirar de o
consultar...
Passados mais de duzentos anos
daquela edição, reproduzo, por acreditar interessante ao desenvolvimento do
tema que deve ocupar a nossa atenção, trecho do Título XXXXVII do Quinto Livro
das Ordenações Afonsinas:
Dos que levam pera fora do
Regno ouro, ou Prata, Dinheiros, Bestas, ou outras cousam que são defesas...
Tenho por bem, e mando, e
deffendo, que daqui en diante nom feja nehuu tam oufado, de qualquer eftado e
condiçom que feja, que tire, nem mande tirar, nem dê ajuda, nem confentimento
para fe tirar de meu Senhorio, fem meu mandado, e fem minha Carta, ouro, nem
prata em pafta, nem em moeda, nem dinheiros da minha moeda, nem cavallos, nem
rocins, nem eguaas, nem armas.
E de mais mando a effas
Juftiças, que qualquer peffoa, que acharem levar pera fora do dito meu Senhorio
alguã das fobreditas coufas fem meu mandado, que os prendam logo, e os tenham
bem prefos, e bem recadados per meu mandado; e me enviem dizer logo per fuas
Cartas, que peffoas fom effas, que por effa razom prenderom, e a razom por que,
pera lhes eu mandar dar pena, qual minha mercee for, e no feito couber, como
áquelles, que paffam mandado de feu Rey, e Senhor. E pera fe comprirem, e
guardarem eftas coufas e cada huã dellas, de comprir aos guardadores ajuda das
minhas Juftiças, mando-lhes que lha façam dar, fob pena dos corpos e averes.
O Título seguinte do códice
lusitano expunha esta epígrafe:
Que non levem Pam, nem Farinha
pera fora do Regno, per Mar nem per Terra, e mandava que da feitura deste Alvará em diante vós affy façades per
nos recadar a dita dízima de todallas ditas facas, que passarem...
Por seu cabo, as Ordenações
Filipinas expressavam:
Pessoa alguma, de qualquer
stado que seja, assi natural, como estrangeiro, não tire per mar, nem per
terra, nem leve, nem mande levar, nem tirar para fôra de nossos Reinos e
Senhorios prata, ouro amoedado, nem por amoedar, nem de favor, nem ajuda para
se levar. E quem o contrario fizer, sendo nisso achado, ou sendo-lhe provado morra
morte natural, e por esse mesmo feito perca todos seus bens e fazenda, ametade
para quem o achar, ou descobrir, e a outra para nossa Camera. Nas quaes penas
incorreção, outrosi os que consentirem, ou derem favor e ajuda, ou enconbrirem,
que outros levem, ou enviem as ditas cousas, e sabendo-o, o não manifestarem ás
Justiças, tanto que disso forem sabedores, (livro V, Título CXIII)
Pouco adiante (Título CXV),
trataram:
Da passagem dos gados.
Mandamos, que pessoa alguma,
de qualquer stado e condição que seja, não tire per si, nem per outrem destes
Reinos para fôra delles nenhum gado, de qualquer sorte e qualidade que seja. E
quem o contrario fizer, e com elle for achado, ou lhe for provado que o passou,
ou mandou passar, ou vender, incorra em perdimento de todos seus bens e
fazenda, ametade para nossa Camera, e a outra para quem o accusar, e será
degradado para sempre para o Brasil. E nestas mesmas penas incorrerão os
Juízes, Alcaides, e quaesquer outros Officiaes, que a isso derem ajuda, favor e
consentimento, ou sabendo disso, não defenderem, nem contradisserem a tirada,
ou levada dos ditos gados.
1 Porém sendo os taes culpados
Senhores de terras, Alcaides Móres de Fortalezas, ou Fidalgos, havemos por bem,
que paguem somente anoveado o que assi passarem, ou mandarem passar, e sejam
degradados dous annos para África. Os quaes sendo comprehendidos nos taes
casos, serão pelas Justiças emprazados a que appareçam perante o Juiz dos
nossos feitos, para se livrarem.
E porque, como ensinava Tobias
Barreto, o direito não deve ser concebido como um presente divino, mas como
um invento, um artefato, um produto do esforço do homem para dirigir o homem
mesmo, colho razoabilidade no dizer-lhes que nos vetustos textos aludidos
diviso a matriz lusitânica do contrabando e do descaminho, figuras delituosas
que o Direito nacional brasileiro contempla.
Parece-me ainda de valia para
nosso estudo o verbete que tomo do Elucidário de Viterbo, "único
dicionário de nossa língua arcaica", primeiramente dado a lume em
1798/1799, correspondente ao vocábulo
VAREJAR. Tomar conta das
fazendas, coisas proibidas ou contrabandos, que cada um tem em sua casa,
tomando-as a rol ou medindo-as para pagar os direitos, sem poder sonegar alguma
cousa. Também algum tempo se costumaram varejar ou dar varejo às
casas dos eclesiásticos, para lhes apreenderam as mulheres proibidas e que
retinham por mancebas ou concubinas. Daqui varejado, o que tem ou deve
ter varejo em sua casa. Daqui mesmo se disse: dar varejo a
alguém, socrestá-lo, perdê-lo, destruí-lo. E mesmo é de presumir que
esta palavra vereador seria antigamente verejador, pois ainda
hoje os vereadores, como zeladores das conveniências do povo, se intrometem em
tudo que é conveniente ao bem da República e entendem sobre as coimas que se
devem levar. No ano de 1469, fez el-rei varejar os panos da Cidade do Porto por
vara e côvado, mas que se não entrasse nas casas dos mercadores, excepto,
constando que eles sonegavam alguns direitos reais. Documentos da Câmara do
Porto (Porto: Livraria
Civilização Editora, 1984, Barcelos: Companhia Editora do Minho) - II V.
Para findar essa retrospecção,
relembro, de Mensagem, obra emblemática de Fernando Pessoa, que a
operosidade de Jomar Moraes fez editar recentemente pela Academia Maranhense de
Letras, a palavra de Diogo Cão nos versos pessoanos:
E ao imenso e
possível oceano
Ensinam estas
Quinas, que aqui vês,
Que o mar com
fim será grego ou romano:
O mar sem fim é
português.
A propósito do contido no art.
334 do Código Penal, o Professor Paulo José da Costa Júnior, fazendo remissão à
tese de mestrado de Márcia Dometila Lima de Carvalho, observou:
Em verdade, consistindo, o
contrabando, na exportação ou importação de mercadoria proibida, não é um
ilícito fiscal. O descaminho, ao revés, representa uma fraude ao pagamento dos
tributos aduaneiros. Configura um ilícito de natureza tributária, onde se
apresenta uma relação Fisco-contribuinte, que não se verifica no contrabando.
E acrescentou o insigne
comentarista:
Sendo o crime de contrabando
pluriofensivo, ofende mais de um bem-interesse.
O contrabando, além de atentar
contra o erário público, poderá ofender a higiene, a moral ou a segurança
pública, sendo idôneo ainda a prejudicar a industria nacional.
O descaminho, ao contrário, é
essencialmente um ilícito de natureza fiscal, atentando apenas contra o erário
público. Como se costuma dizer, o descaminho é um contrabando contra o Fisco.
A tutela do erário público
nacional é o bem protegido, essencialmente. Ou ainda a economia nacional, o que
justifica a classificação sistemática do delito, dada a concepção ampla de
administração pública. (Comentários
do Código Penal, vol. 3, p. 521 - São Paulo: Saraiva, 2ª ed.; 1990)
Redizer as asserções compendiais
pertencentes ao tema, não o farei; todavia, lhes devo relembrar que o nosso
Direito Penal codificado não conseguiu emoldurar em suas disposições toda a
patognomonia fiscal.
A Lei 4.729, de 1965, substituiu
os parágrafos do art. 334 do Código Penal, sendo de notar-se que o primeiro
desses novos contém normas penais em branco (alíneas a e b),
segundo o entendimento de Paulo José da Costa Júnior (op. cit, p. 524) e também
de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, vol. II, p. 481 e
482 - Rio: Forense, 4ª ed., 1984) e ainda o de Benjamin Morais (O delito de
contrabando, in Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem a
Nelson Hungria, p. 267 - Rio/São Paulo; Forense, 1ª ed. 1962). Destaque-se
o pensar de Manoel Pedro Pimentel no sentido de que o caso não seria de normas
penais em branco, que se caracterizam pelo fato de não determinarem, no
preceito primário, o comando de ação ou de omissão de maneira completa,
delegando à autoridade administrativa a sua complementação (Direito
Penal Econômico, p. 49 - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1973).
Vale lembrada nesse ensejo a
figura de Karl Binding, de quem disse Aníbal Bruno haver com ele atingido o
apogeu o positivismo histórico criminal alemão a que se ligava Tobias Barreto (falemos
dele [Tobias] como de vivo, cada vez mais vivo ¾ dizia Roberto Lyra). É que
Karl Binding cuidou, em As normas e suas Infrações (Die Normen und
ihre Übertretung. Tradução de Antônio José M. Feu Rosa.) de leis penais em
branco.
Ângelo Rafael Rossi, a propósito
do apoucado alcance do art. 334 do Estatuto Penal, escreveu que
(...) na matéria dos atentados
contra o Fisco, o legislador acreditou ser satisfatória a ação fiscal. Diante
dessa restrição, as lesões fiscais não constituíam crime, procurando-se
inseri-las do artigo 299 do Código Penal, como falsidade ideológica (Crime de Sonegação Fiscal, p. 13 -
Rio/São Paulo: Editora Jurídica e Universitária, 1967).
Contudo, sem bom êxito ficaram os
que imaginaram situar no quadro da falsidade ideológica o mero ilícito
tributário. Respeitante ao tema há acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo,
em habeas corpus de que foi relator o eminente José Frederico Marques,
que versou o ponto e de que extraio o seguinte:
As normas incriminadoras não
podem ser interpretadas assim amplamente quando contém preceitos genéricos,
pois do contrário, iriam praticamente abolir a regra da tipicidade. Desde o
século XVI que a "common law" proclama que a punibilidade só se torna possível quando "the
crime was specifically prohibited".
..................................................................
Quando a norma incriminadora é
por demais genérica, o que cumpre delimitar-lhe, com precisão, a área de
incidência, através de interpretação restritiva que lhe fixe o alcance e
extensão, e não, declará-la de todo inaplicável.
No que tange com o art. 299 do
Código Penal, essa é a hermenêutica a ser usada a fim de que o seu conteúdo não
venha a expandir-se excessivamente, fazendo desaparecer a própria garantia do
"nullum crimen sine lege" (Revista dos Tribunais, vol. 285, ps. 70/73).
O Professor Manoel Pedro
Pimentel, em seu pioneiro Direito Penal Econômico destacou a importância
do Direito Penal tributário, observando sua subordinação aos princípios do
Direito Penal comum, e anotou:
O ilícito fiscal
administrativo, todavia, não se confunde com o ilícito fiscal penal, embora
exista um caráter comum a ambos, que é o elemento da antijuridicidade, cifrado
na infração de uma norma jurídica. A natureza da sanção, e não do preceito, é
que indicará a natureza da norma (p.119).
Ao tempo daquela lei dos anos 60,
Gerson Pereira dos Santos, tendo dito que todas essas ações ou omissões são
configurativas do crime de sonegação fiscal, que é um só,
acrescentou:
(...) as expressões "com
intenção de eximir-se" (inciso I), "com a intenção de
exonerar-se" (inciso IV) e "para si ou para o contribuinte"
(inciso V) demonstram que o elemento subjetivo do tipo é, em todas as
figuras, o dolo específico... (Direito Penal Econômico, ps. 220/221 - São Paulo:
Saraiva/1981).
A Lei n. 4.729/65, a par de
disposições outras, definiu o crime de sonegação fiscal. A causticidade das
críticas que lhe foram feitas diziam com sua atecnia formal. Tais censuras já
não reclamam a nossa atenção.
Em 1990 adveio a Lei 8.137,
definidora dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações
de consumo, que derrogou aquela.
Rui Stoco observa que (...) há
uma afinidade muito grande entre a nova lei e aquela por ela parcialmente
revogada, até mesmo na quantidade de pena prevista "in abstrato".
Pode-se afirmar a existência de perfeita empatia entre as figuras penais antes
existentes e agora reproduzidas, com mero aperfeiçoamento de técnica redacional
e exclusão de disposições, inúteis e redundantes... (Crimes Contra a Ordem
Tributária, in Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 2143
- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed., 1993).
Inteira razão têm os estudiosos
que percebem no delito contra a ordem tributária um crime de dano, e não mera
conduta, bem como os que reclamam o dolo específico para sua caracterização.
Assim tem deliberado o Superior
Tribunal de Justiça. De efeito, em Corte Especial, o mencionado Tribunal da
Federação julgou improcedente acusamento de prática do crime previsto no art.
1º, I, da Lei n. 8.137/90; e do voto do Min. Waldemar Zveiter, Relator (Inq. n.
163-7/DF), que norteou a deliberação, colho:
O núcleo do tipo previsto no
artigo 1º da citada Lei n.º 8.137/90, é a "supressão" ou
"redução" de tributo, contribuição ou qualquer acessório. A ação
típica para a caracterização do delito constitui "omitir informação"
ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.
Nos delitos contemplados no
citado diploma legal, de que se cogita, o dolo é específico. Consiste na
vontade livre e consciente de praticar o ato, convicto de sua ilicitude ou
antijuridicidade; que é desejo intimo do agente de se eximir do pagamento do
tributo.
Acompanhei, como outros
julgadores o fizeram, o Relator, e do voto que proferi reproduzo este ponto:
Exatamente na forma infinitiva
dos verbos suprimir e reduzir é que se pode vislumbrar o dolo específico do
tipo penal de que se cuida. Em nenhum instante da denúncia faz-se alusão ou
sequer deixa-se implícito ter o denunciado praticado qualquer ato com o
propósito ¾ e aí estaria o dolo ¾ de suprimir ou reduzir tributo ou
contribuição social ou qualquer acessório.
"Crimes contra a Ordem
Tributária" foi tema de Simpósio promovido pelo Centro de Extensão
Universitária e coordenado pelo eminente publicista Ives Gandra da Silva
Martins. Eis uma das questões entregues aos simposiastas:
O poder de cautela do Judiciário
em decretar prisão preventiva nestes crimes fere os incisos LIV, LV e
LVII do art. 5º da Constituição Federal?
Respostas foram dadas em tons
diversos. Da afirmativa exposta pelo douto Ives Gandra da Silva Martins,
arrecado este tópico:
Ora, o contribuinte é apenas
um produtor de tributos. Trabalha para sustentar-se e sustentar o Estado, assim
como os detentores do poder. Sempre que é tentado a não pagar impostos ¾ e isto
sempre ocorre quando a carga tributária devedora ultrapassa os limites do
razoável ¾ tem o Estado o mecanismo de repressão suficiente. Ao Estado,
todavia, interessa muito mais que o contribuinte continue a produzir tributos
do que permanecer enjaulado. De certa forma, os detentores do poder tem sempre
a vocação de senhores feudais... (Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 26 - São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais/C.E.U, 1995).
Estou que os mencionados
dispositivos da Constituição da República não obstaculizam a prisão preventiva
enquanto cautela processual. Mas lhes revelo que as palavras do renomado doutor
me parecem crivadas daquela angústia que permeava, vez e vez, o dizer de
Roberto Lyra...
Em seu magnífico Manual de
Processo Penal, Hélio Tornaghi exprobra o trabalho de Carrara sobre a
prisão preventiva, de 1872, e lembra:
A disputa sobre a legitimidade
da prisão preventiva, tão acesa no século passado, pode dizer-se superada.
Segundo o bom e correto entendimento, as legislações do mundo inteiro a
recolhem, distinguem-na da pena de prisão e lhe disciplinam o uso partindo do
princípio de que ela é um mal somente justificado pela necessidade. Por isso a
reduzem ao mínimo de casos, exigem que ela se funde em razões graves e a cercam
de todas as garantias jurisdicionais. (vol. I, ps. 257/261; vol. II,
p. 610 - Rio/São Paulo: Liv. Freitas Bastos, 1963).
Recentemente o Professor Alberto
Nogueira publicou o seu trabalho A Reconstrução dos Direitos Humanos da
Tributação, de que se me afigura adequado reproduzir este trecho:
A pressão exagerada ou
desproporcional da carga tributária sobre a sociedade como um todo, grupos ou
indivíduos isoladamente considerados, ofende a idéia fundamental (na qual se
contêm direitos e deveres) da ecologia tributária também como decorrência do
princípio da solidariedade e dos deveres constitucionais. (p. 176 - Rio: Renovar, 1997).
Referindo-me a isso, cabe a
notícia de que de uma das propostas de alterações do CPP elaboradas pela
Comissão que desse lavor fora incumbida, teve origem o Projeto de Lei n.
4.898/95, que previa, no caso de crime contra a fé pública, contra a
administração pública, a ordem tributária, a ordem econômica, as relações de
consumo ou contra o sistema financeiro, a aplicação, no curso do processo, de
medidas restritivas de direito, que não deveriam necessariamente coexistir com
a prisão cautelar, dentre as quais esta:
(...) impedimento de
participar, direta ou indiretamente, de licitação pública, ou de contrato com a
administração pública direta, indireta ou fundacional, e com empresas públicas
e sociedades de economia mista.
Evidentemente não afasto a priori
críticas à idéia que na proposta se continha. Digo-lhes, porém, que a
impulsionava o propósito de deixar a restrição à liberdade, quando medida de
cautela processual, qual amargo remédio extremo.
O Projeto mencionado e outros
resultantes do trabalho da Comissão foram pedidos de volta pelo próprio Poder
Executivo. O revivescimento da idéia ocorre agora quando no Congresso Nacional
é discutido projeto de lei respeitante aos crimes contra o ambiente.
A premência do tempo me faz
cortar caminho. Volto-me para as penas cominadas aos crimes a que me reportado
tenho. Ao crime contra a ordem tributária, praticado mediante as condutas
previstas nos incisos I a V do art. 1º da Lei n. 8.137/90, a pena possível é de
reclusão de 2 a 5 anos e multa; mas na modalidade dos incisos nº I a V do art.
2º da mesma lei, a pena prevista é de detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa.
No mesmo diploma legal, a Seção II do Capítulo I ¾ Dos crimes contra a Ordem
Tributária ¾ traz a figura do crime funcional contra a ordem tributária, além
dos previstos no Código Penal, com antevisão tríplice de ações (art. 3º), com
cominação de pena de reclusão (3 a 8 anos) e multa, para as hipóteses dos
incisos I e II, e de reclusão (1 a 4 anos) e multa, para a do III. Destarte, no
art. 2º e no art. 3º, III, a pena mínima restritiva de liberdade não ultrapassa
um ano.
Quando dos trabalhos daquela
Comissão já referida, uma das propostas de alteração do processo penal
contemplava o instituto da suspensão do processo para as infrações penais de
menor potencial ofensivo, assim consideradas então aquelas a que a lei cominava
pena de detenção até dois anos. Vexilário da idéia o Prof. e Des. Weber Martins
Batista, desde a década passada. Àquele tempo tramitava no Congresso Nacional o
Projeto que se tornaria a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei n.
9.099/95). Já agora a infração penal de menor potencial ofensivo tem sua
conceituação no art. 61 da Lei:
(...) as contravenções e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano...
Por outro lado, a Lei n. 9.099
trouxe em seu corpo o instituto da suspensão condicional do processo.
Precisamente no art. 89, assim:
Nos crimes em que a pena
mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidos ou não por esta lei,
o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do
processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo
processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais
requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. (art. 77 do CP).
Eis, para a hipótese de aceitação
da proposta pelo acusado e seu defensor, uma das condições subordinativas da
suspensão do processo:
(...) reparações do dano,
salvo impossibilidade de fazê-lo.
Registro que a Comissão Nacional
de Interpretação da Lei 9.099/95, reunida em Belo Horizonte, sob a coordenação
da Escola Nacional de Magistratura, adotou conclusões, de que reproduzo a segunda:
São aplicáveis pelos juízos
comuns (estadual e federal), militar e eleitoral, imediata e retroativamente,
respeitada a coisa julgada, os institutos penais da Lei nº 9.099/95, como
composição civil extintiva da punibilidade (art. 74, parágrafo único),
transação (arts. 72 e 76), representação (art. 88) e suspensão condicional do processo
(art. 89).
Ao fim e ao cabo, oportuna a
reprodução do escólio de Alberto Silva Franco a respeito de retroação da lei
penal beneficiadora do réu:
Esta deve ser entendida como a
que amplia, de outro modo, o âmbito de licitude penal, quer reduzindo quantitativamente,
ou modificando qualitativamente a pena cominada, quer criando situações que
favoreçam o direito de liberdade do agente (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, ps. 30/31 -
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 4ª Ed., 1993).
* Ministro do Superior Tribunal de Justiça,
Coordenador-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos
Judiciários.
Disponível em: < http://daleth.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo12.htm
>. Acesso em 31 mai. 05.