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A possibilidade de instituir
tributos ambientais em face da Constituição de 1988
Melissa Guimarães Castello
I - Breve introdução aos
tributos ambientais
Os
tributos ambientais são tributos que têm como principal objetivo desestimular a
produção e o consumo de bens danosos ao meio ambiente. Eles são cada vez mais
valorizados como uma alternativa interessante às políticas de repressão, que
ainda predominam na proteção ao meio ambiente. Isso porque através de uma
política tributária ambiental bem estruturada, a tendência é que a pessoa evite
o dano ambiental, ao invés de tentar repará-lo depois que ele já aconteceu
(como acontece nas políticas repressivas).
Assim,
um tributo ambiental se conforma aos princípios do poluidor-pagador e da
prevenção, dois dos principais princípios do direito ambiental. O princípio do
poluidor-pagador é garantido porque o tributo internaliza o valor do dano
ambiental ao custo do produto. Já o princípio da prevenção é protegido porque a
produção ou o consumo dos bens prejudiciais ao meio ambiente tendem a diminuir
na medida em que esses bens se tornam mais caros, devido à incidência
tributária. Ou seja, o tributo ambiental tem uma finalidade específica,
claramente extrafiscal, e extremamente positiva.
Por
esses motivos, uma política de proteção ambiental calcada em tributos se
sobrepõe a uma política fundada na repressão do dano, como afirma Fernando
Magalhães Modé:
Enquanto
a tributação ambiental garante ao agente econômico uma margem de manobra para
adequação de sua atividade, a regra de comando (proibitiva) lhe nega qualquer
possibilidade de ajuste. O caráter inflexível das normas de comando e controle
acaba por valorizar a opção pela via tributária por consistir um incentivo
permanente ao agente econômico, para que busque, segundo sua maior
conveniência, o meio mais adequado para a redução do potencial poluidor da
atividade. [1]
Conseqüentemente,
algumas políticas de tributação ambiental têm sido gradativamente desenvolvidas
no Brasil.
A.
A primeira green tax do Brasil
Exemplo
de um tributo ambiental já em vigor é a contribuição de intervenção no domínio
econômico (CIDE) prevista no artigo 177, § 4º, da Constituição Federal, que
seria a "primeira green tax do Brasil", para utilizar a
expressão de Roberto Ferraz [2]. O referido § 4º dispõe o quanto segue:
§
4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico
relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos
seguintes requisitos:
I
- a alíquota da contribuição poderá ser:
a)
diferenciada por produto ou uso;
b)
reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o
disposto no art. 150,III, b;
II
- os recursos arrecadados serão destinados:
a)
ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás
natural e seus derivados e derivados de petróleo;
b)
ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do
petróleo e do gás;
c)
ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. [grifei]
Há,
portanto, previsão constitucional para a instituição de um tributo ambiental,
ou melhor, de uma CIDE incidente sobre setor da economia que causa graves danos
ao meio ambiente, qual seja, o dos combustíveis. É importante ressaltar que
essa CIDE objetiva desestimular o consumo dos combustíveis mais nocivos ao meio
ambiente, na medida em que a Lei 10.336/01 (que criou o tributo) implementou,
no seu artigo 5º, um sistema de tributação graduada de acordo com os danos
ambientais de cada combustível.
Além
disso, a receita da CIDE tem destinação específica para a proteção do meio
ambiente, nos termos das letras a e b do inciso II do § 4º, do
artigo 177 da Constituição Federal, representando um segundo incentivo à
proteção ambiental, em perfeita consonância com as mais modernas teorias de
direito ambiental, consubstanciadas no relatório da Agência Européia do
Ambiente:
Given that producers and consumers
will probably not cease entirely the activities that are being taxed the taxes
and charges will raise revenues. These may be used to address environmental
problems directly; or they may be used to subsidise producers or consumers to
shift to more environmentally-benign activities, providing second incentives to
environmental improvement; … [3]
Tendo
em vista que os tributos ambientais têm uma finalidade específica, e que é
recomendável a destinação de sua arrecadação à proteção do meio ambiente, não
surpreende que a primeira green tax do Brasil seja uma CIDE. Isso porque
a CIDE, subespécie do gênero contribuições especiais, prevista no artigo 149 da
Constituição,
...é,
pois, um tributo cuja instituição está sujeita ao controle de validade
finalístico, ou seja, só se mostra válido se destinado a custear uma atividade
estatal voltada a atender uma finalidade prevista constitucionalmente e
relativa a determinado grupo, área ou setor de que participe o contribuinte
[4].
Assim,
a CIDE é a espécie tributária mais adequada à elaboração de um tributo
ambiental, pois é uma contribuição que tem por finalidade específica a intervenção
no domínio econômico, através de indução negativa da atividade econômica
em sentido estrito, ou seja, da atividade econômica que não é realizada pelos
órgãos estatais [5].
Ressalta-se
que a finalidade de uma CIDE difere da destinação de suas receitas. Sua
finalidade é a mera intervenção no domínio econômico, a qual é muitas vezes
atingida pela simples arrecadação do tributo, como ocorreria no caso de uma
CIDE ambiental, em que a exigência tributária garantiria o objetivo de
internalizar no custo de produção os danos ao meio ambiente. Por isso, muitos
autores entendem ser desnecessária a destinação da receita a uma finalidade
ambiental, pois, conforme leciona José Souto Maior Borges, "[...] essa
destinação diz respeito apenas à função que a contribuição irá exercer, nada
adiantando quanto à sua estrutura" [6].
Mas,
como já foi mencionado, a destinação das receitas a uma finalidade ambiental
representaria um segundo incentivo à proteção do meio ambiente, extremamente
recomendável. Logo, mesmo que se entenda que a destinação de receitas para uma
finalidade interventiva não seja obrigatória, ela deve ser adotada, como de
fato o foi, na CIDE do artigo 177, § 4º da Constituição Federal.
II
- Limitações constitucionais ao poder de criar tributos ambientais
Até
aqui foi defendido que a espécie tributária que melhor desempenharia o papel de
um tributo ambiental seria a CIDE, tributo que se caracteriza por sua
finalidade específica. Por esse motivo, a presente análise passa a tomar por
base tão-só as limitações constitucionais ao poder de instituir CIDEs, e não ao
poder de criar tributos em geral.
Fato
é que já existe uma CIDE com finalidade de proteção ambiental, e que esta foi
prevista constitucionalmente. No entanto, resta saber: não fosse pela
autorização expressa no artigo 177, § 4º da Constituição, seria possível
instituir um tributo ambiental? Ou melhor: seria constitucionalmente possível
instituir um tributo com o objetivo de fomentar outros projetos ambientais, não
relacionados aos combustíveis?
Essas
duas questões surgem porque, como a Constituição traz uma "complexa
aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os excessos acaso
detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais"
[7], na clássica definição de Aliomar Baleeiro, é possível que exista um freio
à instituição de tributos ambientais, seja ele consubstanciado em uma vedação
expressa, seja ele reflexo da ausência de autorização constitucional.
Desnecessário
dizer que a finalidade específica de uma CIDE deve encontrar arrimo na
Constituição Federal. Discorrendo sobre o tema, ainda que tratando
especificamente da alteração da finalidade de uma contribuição, Marco Aurélio
Greco afirma que "... alterada a finalidade da exigência altera-se a
própria exigência e, por isso, ou ela deixa de ter fundamento constitucional,
ou só poderá subsistir como nova contribuição se a nova finalidade for admitida
constitucionalmente..." [8].
Ou
seja, qualquer que seja a finalidade de uma contribuição, ela deve estar
prevista na Constituição. Mas basta estar prevista na Constituição como um
objetivo a ser perseguido pelo Estado, ou deve estar especificamente no
Capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional?
Para
parcela da doutrina, a segunda opção seria a mais acertada, pois, de acordo com
Misabel Abreu Machado Derzi, há um
...vício
de interpretação na prática constitucional brasileira, segundo o qual a norma
constitucional é interpretada de forma isolada através de compartimentos
estanques, de modo que aquilo que se insere no Capítulo do Sistema
Constitucional Tributário não guarde relação alguma com outros títulos e outros
capítulos inseridos na Carta Constitucional. [9]
A
autora trata do assunto quando discorre sobre o caráter tributário das
contribuições. Como se sabe, até o advento da Constituição de 1988 eram
freqüentes as discussões doutrinárias acerca do caráter tributário das então
chamadas contribuições parafiscais. Ainda que a maior parte da doutrina
entendesse que essas contribuições fossem efetivamente tributos, o Supremo
Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de seu caráter atributário, e
o fez justamente porque as contribuições parafiscais não se encontravam dentro
do Sistema Tributário Nacional.
Hoje
essa discussão está superada, até porque a Constituição de 1988 trouxe para
dentro do Sistema Tributário Nacional as contribuições. Contudo, a mesma linha
de argumentação pode ser utilizada para impedir a criação de contribuições com
finalidade que não esteja prevista no artigo 149 da Constituição. E, a partir
de uma rápida análise desse artigo, é fácil concluir que inexiste autorização
para a criação de um tributo ambiental:
Art.
149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de
intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o
disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art.
195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(...)
§
2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata
o caput deste artigo (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de
11/12/2001):
I
- não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;
II
- incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III
- poderão ter alíquotas:
a)
ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da
operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;
b)
específica, tendo por base a unidade de medida adotada.
Logo,
adotando-se uma interpretação compartimentada da Constituição, seria fácil
concluir pela inviabilidade dos tributos ambientais. E mais, levando ao extremo
tal interpretação, seria possível, inclusive, declarar o caráter atributário da
contribuição prevista no artigo 177, § 4º, da Constituição.
Mas
essa interpretação compartimentada da Constituição não parece ser a mais
acertada, conforme deixou claro Misabel Derzi. Outra não é a opinião de
Humberto Ávila:
Mais
ainda: a estrutura rígida do Sistema Tributário Nacional, que fixa
pormenorizadamente regras de competência, termina por contribuir para a
confusão entre sistema externo (conjunto de dispositivos que regulam a matéria
tributária) e sistema interno (conjunto de normas que dizem respeito, direto ou
indireto, à relação obrigacional tributária)... O sistema tributário, em vez
disso, engloba o sistema interno (das innere System), no sentido
de uma conexão interna e conteudística entre as normas jurídicas que direta ou
indiretamente regulem – não apenas e diretamente a matéria, mas – a relação
obrigacional tributária. [10]
Ou
seja, tudo que diz respeito à relação obrigacional tributária faz parte do sistema
interno tributário, sendo, portanto, direito constitucional tributário.
Dessa forma, não só as normas que falam especificamente de direito tributário
fazem parte do sistema, mas também as que, de uma forma ou outra, podem se
relacionar àquelas. Humberto Ávila destaca, dentre as normas que não estão no
Sistema Tributário externo (artigos 145 a 169), mas fazem parte do sistema
interno, aquelas que estão nos Títulos II (direitos e garantias fundamentais) e
VII (ordem econômica e financeira) da Constituição. [11]
De
forma semelhante, Edison Carlos Fernandes, ao discorrer sobre o fato gerador
das CIDEs, afirma que:
A
determinação do fato gerador da Cide, constitucionalmente previsto, não é
tarefa fácil, mas também a interpretação de que ele não foi desenhado pela
Constituição Federal é uma visão equivocada. A delimitação da incidência da
Cide deve ser buscada na estrutura constitucional, e não apenas no capítulo
sobre o sistema tributário nacional. [12]
Ao
presente trabalho interessam, principalmente, as normas do Título VII. Esse
Título, que regula a ordem econômica e financeira, traz dispositivos que
orientam o país ao desenvolvimento econômico sustentável, ou melhor, ao
desenvolvimento da economia com os menores impactos possíveis sobre o meio
ambiente, e até mesmo, quando possível, melhorando áreas já deterioradas.
III
- Os fundamentos constitucionais para a instituição de um tributo ambiental
Dentre
as normas do Título VII da Constituição – Da Ordem Econômica e Financeira – se
encontra a do já referido artigo 177, § 4º, que formulou a primeira green
tax do Brasil. Mas existem outras igualmente importantes, em especial a
norma do artigo 170, que no inciso VI determina a "defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação
(Redação dada pela EC nº 42, de 19.12.2003)".
Sobre
esse dispositivo constitucional, é interessante transcrever a opinião de Eros
Roberto Grau:
A
Constituição, destarte, dá vigorosa resposta às correntes que propõem a
exploração predatória dos recursos naturais, abroqueladas sobre o argumento,
obscurantista, segundo o qual as preocupações com a defesa do meio ambiente
envolvem proposta de "retorno à barbárie". O Capítulo VI do seu
Título VIII, embora integrado por um só artigo e seus parágrafos – justamente o
art. 225 – é bastante avançado.
[...]
O
princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo
do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do
desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é
instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o
de assegurar a todos existência digna. Nutre também, ademais, os ditames
da justiça social. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 225, caput. [13]
Em
sentido semelhante, Toshio Mukai:
Resulta
daí a questão tantas vezes aflorada em tantos lugares, da necessidade de se
compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente.
Tem-se,
nas mais das vezes, afirmado que tal compatibilização é impossível e não
factível, com argumentos fantasiosos e levianos.
Diga-se
sem rebuços: a busca do lucro, a ganância, e até mesmo, a do desenvolvimento
econômico natural e legítimo, tem sido obtido, no Brasil, à custa da
deteriorização e de prejuízos incalculáveis ao meio ambiente. [14]
Considerando-se
que o Estado é o responsável pela garantia dos princípios do artigo 170 da
Constituição, é seu o papel de intervir na economia para induzi-la à proteção
ambiental. Dessa forma, garante que o desenvolvimento econômico se dê dentro de
níveis aceitáveis de danos ao meio ambiente, como propõem os dois autores. A
CIDE – instrumento claramente interventivo – pode e deve ser usada para tanto.
A.
A possibilidade de individualização da CIDE
Por
ser um tributo que tem a finalidade específica de intervir na economia – por
força do disposto no artigo 149 da Constituição – a CIDE pode ser
individualizada, incidindo somente sobre determinados setores, e tendo suas
alíquotas graduadas conforme o dano ambiental. Dessa forma, amolda-se à
perfeição à ordem de individualização do artigo 170, VI, que dispõe sobre o
tratamento diferenciado de acordo com o impacto ambiental dos produtos e
serviços. Acerca da necessidade de individualização, Daniel Vitor Bellan
defende que:
A
graduação da carga tributária desta contribuição pode e até deve existir, mas
em função do próprio objetivo específico perseguido pelo legislador tributário.
Assim, sendo contribuição instituída com a finalidade de promover a defesa do
meio ambiente, por exemplo, deverá ela ser graduada de maneira a incidir de
forma mais gravosa sobre os contribuintes que estiverem mais longe deste
objetivo (empresas poluidoras) e menos gravosa ou até mesmo nem ser exigida dos
contribuintes cuja atividade já estiver em sintonia com o objetivo prestigiado.
[15]
Essa
individualização deve ser feita para cada setor da economia, de acordo com a
utilização de insumos nocivos ao meio ambiente. Assim, seriam identificados os
insumos nocivos (como o petróleo, por exemplo), tributando-se a sua produção,
no início da cadeia produtiva. O tributo seria naturalmente adicionado ao valor
da mercadoria, tendo o efeito em cascata de desestimular o consumo de bens que
utilizem esses insumos no seu processo produtivo, pois este se tornaria mais
caro.
E
nem se diga que esta seria uma limitação da política tributária ambiental. Como
afirma Fábio Nusdeo,
A
principal objeção contra ele [o sistema tarifário] levantada redunda no
destaque de sua maior vantagem. Alega-se a sua inconveniência pelo fato de os
preços incidentes sobre os fatores ambientais virem a encarecer os produtos
finais respectivos. A idéia é exatamente esta. Os maiores preços levarão a uma
diminuição do seu consumo, reduzindo, assim, a utilização do meio ambiente. Por
outro lado, estimularão a conversão da tecnologia para fins de controle de tais
externalidades pela introdução de produtos e meios de produção de menor
agressividade ambiental. Numa palavra, não se está afetando o mercado mas, pelo
contrário, trabalhando de acordo com a sua lógica, ao longo da sua linha. [16]
É
exatamente dessa forma que a CIDE do artigo 177, § 4º da Constituição é
cobrada: ela incide sobre o refino do petróleo, como se depreende dos artigos
2º e 3º da Lei 10.336/01, tendo impacto ao longo de toda a cadeia produtiva,
até o consumidor final de combustíveis.
A
individualização da alíquota é relevante porque, caso o valor do tributo
ambiental não guarde relação com os níveis do dano ao meio ambiente, ele não
garantirá a concretização do princípio do poluidor-pagador, pois não
internalizará os custos ambientais. O valor do tributo graduado de acordo com
os custos ambientais garante, ainda, a obediência ao princípio da prevenção, pois
quase sempre é mais barato evitar a poluição do que remediá-la.
Um
óbice à internalização dos custos ambientais, de um ponto de vista estritamente
prático, consiste na valoração desses custos, que é tarefa difícil e custosa,
conforme bem ressalta Fernando Magalhães Modé [17]. No entanto, considerando-se
que os tributos ambientais seriam implementados gradualmente, começando-se
pelos setores da economia que mais poluem, essa valoração gradativa dos custos
parece ser viável. Ademais, o tributo ambiental não consiste na indenização do
valor exato do dano, de modo que um valor aproximado do custo ambiental é
perfeitamente aceitável para o tributo.
A
individualização do tributo e da alíquota é, inclusive, fator determinante para
a constitucionalidade do tributo. Como já dito, uma contribuição só é
constitucional se sua finalidade é acolhida pela Constituição. E o artigo 170,
VI é claro ao determinar que a Constituição busca não só a mera proteção
ambiental, mas a graduação dos custos desta de acordo com a extensão do dano
causado por cada pessoa. Assim, um tributo ambiental exigido de forma geral,
tanto de pessoas que poluem, quanto de pessoas que não poluem, seria
inconstitucional.
B.
O dever de proporcionalidade na cobrança da CIDE
Ainda
que a individualização do tributo de acordo com os danos ao meio ambiente seja
relevante, nunca se pode esquecer que, para garantir a constitucionalidade da
exação, ela não pode ser orientada apenas pelo critério de que quem polui mais,
paga mais. Certo é que há setores da economia que, apesar de extremamente
nocivos ao meio ambiente, são essenciais à população e têm possibilidades
reduzidas de diminuir os níveis de poluição. Devido a estas circunstâncias, um
tributo ambiental sobre esses setores teria o mero efeito de majorar os custos
de produção – bem como os preços ao consumidor –, sem reais vantagens ao meio
ambiente, pois os níveis de poluição não diminuiriam.
O
relatório da Agência Européia do Ambiente traz como exemplo de setor da
economia que não se adapta à tributação ambiental o de energia elétrica para
uso doméstico. Entende que a população não tem como reduzir significativamente
o consumo de energia, e que os produtores encontram grandes dificuldades em
poluir menos, já que a troca de um sistema de fornecimento de energia baseado
em termoelétricas para um sistema que adote energias alternativas é muito caro.
Dessa forma, o tributo sobre a energia resultaria tão-só em um aumento dos
preços ao consumidor, sendo as populações de baixa renda as mais oneradas,
porque seus gastos com energia representam uma parcela maior da renda de que
dispõem [18].
Assim,
ainda que haja determinação constitucional no sentido de que a responsabilidade
ambiental seja individualizada, dando ao legislativo o poder de criar CIDEs
ambientais, esse poder deve ser orientado pelo dever de proporcionalidade. Isso
porque quase toda tributação representa uma limitação aos direitos fundamentais
dos contribuintes [19], e, no caso específico de tributos com finalidade
extrafiscal, essa deve ser proporcional à limitação dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, Humberto Ávila leciona que:
Quando
uma medida diz respeito a um fim empírico, pode-se observar a existência de uma
‘relação medida-fim-bens jurídicos’ (Maßnahme-Zweck-Rechtsgüter-Beziehung),
no sentido de que pode e deve ser decidido se a medida (o meio) é capaz de
produzir efeitos que promovam a realização gradual do fim (relação meio-fim),
se a medida é a menos restritiva em relação aos direitos fundamentais atingidos
(relação meio-meio) e se a realização desse fim externo não está em relação de
desproporção relativamente à restrição causada nos direitos fundamentais
(relação meio-fim ou dever de proporção em sentido estrito).
(...)
No
caso de normas que possuem uma eficácia extrafiscal e restringem os direitos de
liberdade (por exemplo, normas que estabelecem obrigações acessórias, isenções
para o desenvolvimento de uma região, presunções em razão de fundamentos econômico-administrativos),
é consistente a aplicação trifásica do dever de proporcionalidade. E assim é
porque existe um fim concreto estruturador da relação jurídica. [20]
Ora,
o tributo ambiental tem finalidade eminentemente extrafiscal, qual seja, de
evitar o dano ambiental. Nos casos em que não há benefícios ao meio ambiente
pela cobrança do tributo – como no caso de exação incidente sobre a produção de
energia elétrica referido pela Agência Européia do Ambiente – esse tributo
passa a afrontar o postulado da proporcionalidade, pois limita direitos
fundamentais sem atingir a finalidade pretendida. Logo, a exação passa a ser
inconstitucional, por violar os direitos fundamentais que limitou.
Da
mesma forma, se a finalidade pretendida for atingida, mas representar uma
limitação muito grande aos direitos fundamentais dos contribuintes, a exação
também afrontará o postulado da proporcionalidade.
Nesse
contexto, a CIDE deve ser cobrada de forma individualizada, dos setores que
causam mais danos ao meio ambiente, e com alíquotas que reflitam o valor do
dano ambiental que eles causam. Deve, também, obedecer ao postulado da
proporcionalidade, sob pena de se tornar inconstitucional.
Conclusões:
análise da primeira green tax à luz do exposto
Levando-se
em conta tudo que foi exposto, e em especial as últimas afirmações sobre o
dever de proporcionalidade, seria possível questionar: e a CIDE prevista no
artigo 177, § 4º da Constituição, estaria ela atingindo seu objetivo de
proteger o meio ambiente?
A
pergunta é importante porque, caso a resposta seja negativa, pode-se chegar à
conclusão de que o tributo é inconstitucional [21], pois estaria limitando o
direito à igualdade, ao incidir somente sobre uma parcela de contribuintes, sem
critérios razoáveis de discriminação. Isso porque o critério razoável de
discriminação da CIDE era tributar os que poluem, para evitar a poluição. Caso
não se evite a poluição, tal critério não subsiste.
Contudo,
a resposta definitiva só pode ser dada com avaliação de circunstâncias fáticas,
o que extrapola o objetivo do presente trabalho. Sem a análise dessas
circunstâncias, é possível adiantar que, a produção de automóveis e caminhões
bateu recordes em 2004, o que poderia ser um indício de que a CIDE não está
atingindo seus objetivos. Por outro lado, a pesquisa de combustíveis
ecologicamente corretos, como o biodiesel, foi acelerada e tem apresentado
resultados positivos; o mercado para automóveis 1.0, que poluem menos, continua
a crescer, mesmo com a revogação do benefício de IPI diferenciado; e houve um
recente retorno aos veículos que utilizam álcool, com os carros bi-combustível
e multi-combustíveis.
Em
resumo, chegou-se às seguintes conclusões no presente texto:
·
há autorização constitucional para a instituição de
tributos ambientais, devido ao previsto no artigo 170, VI, da Constituição;
·
a espécie tributária mais adequada a servir como um
tributo ambiental é a CIDE, por seu caráter finalístico de intervenção no domínio
econômico;
·
essa CIDE só será constitucional na medida em que
atingir sua finalidade de individualizar os custos ambientais, e desde que essa
individualização traga efetivos benefícios ao meio ambiente.
Referências
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Notas
1. MODÉ,
Fernando Magalhães. Tributação Ambiental: A Função do Tributo na
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2.
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Acesso em 10/03/2004. Tradução livre: "Considerando que os produtores e
consumidores não vão cessar completamente as atividades que estão sendo
tributadas, os tributos gerarão receitas. Estas podem ser utilizadas
diretamente para resolver problemas ambientais; ou podem ser adotadas para
subsidiar o redirecionamento de produtores e consumidores para atividades mais
benéficas ao meio ambiente, gerando um segundo incentivo à melhora
deste;...".
4. SOUZA,
Fátima Fernandes Rodrigues de; PAVAN, Cláudia Fonseca Morato. Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo:
RT, 2002. p. 111.
5. Sobre
a intervenção no domínio econômico por indução e o conceito de atividade
econômica em sentido estrito, vide: GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na
Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127 et. seq.
Discordando da tese de que a CIDE tem função de indução negativa, e
entendendo que essa espécie tributária não pode restringir a atividade
econômica, vide: GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico – Parâmetros para sua Criação. In: GRECO, Marco Aurélio
(Coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins.
São Paulo: Dialética, 2001. p. 24-25.
6. BORGES,
José Souto Maior. Apud CEZAROTI e SILVEIRA, Aspectos Relevantes das..., p. 54.
7. BALEEIRO,
Aliomar; DERZI, Misabel Abreu Machado (atualizadora). Limitações
Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
p. 2.
8. GRECO,
Marco Aurélio, apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e
Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 6ª ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 142.
9. BALEEIRO;
DERZI (atualizadora). Limitações Constitucionais ..., p. 593.
10. ÁVILA,
Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
p. 22-23.
11. Idem,
p. 109.
12. FERNANDES,
Edison Carlos. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. In: MARTINS,
Contribuições de Intervenção..., p. 270. Grifei.
13. GRAU,
A Ordem Econômica..., p. 219-220.
14. MUKAI,
Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
p. 31.
15. BELLAN,
Daniel Vitor. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Revista
Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 78, p. 26, março-2002.
Grifei.
16. NUSDEO,
Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. São Paulo:
RT, 1997. p. 429.
17. MODÉ,
Tributação Ambiental..., p. 116.
18.
EEA,
Environmental Taxes...
19. Os
direitos fundamentais são princípios, não devendo ser aplicados através de um
critério de "tudo ou nada", como se faz com as regra jurídicas. Isso
porque os princípios frequentemente colidem entre si, devendo ser aplicados com
ponderação, de forma a garantir o máximo de eficácia de todos os princípios
colidentes, com a preponderância do mais relevante no caso concreto (sobre o
assunto, vide DWORKIN, Ronald. Is
a law a system of rules? In DWORKIN, R. (editor). The Philosophy of Law.
Oxford: Oxford University Press, 1977. p. 38-65). Conseqüentemente, é
impossível afirmar no plano teórico se existem direitos fundamentais limitados
por um tributo, e quais são esses direitos; bem como se essa limitação é
proporcional à finalidade perseguida pela norma tributária.
20. ÁVILA.
Sistema Constitucional Tributário, p. 96-98.
21. Não se trata aqui de
inconstitucionalidade de norma constitucional, doutrina essa não recepcionada
pelo sistema constitucional brasileiro, mas de inconstitucionalidade da Lei
10.336/01, que criou o tributo autorizado pela Constituição.
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6796