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Luiz Fernando Ruck Cassiano *
Recentemente, as Fazendas Públicas Municipais,
Estaduais e Federais, assim como o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS,
vêm sustentando o entendimento de que os sócios são pessoalmente responsáveis
pelo inadimplemento tributário das empresas em que fazem parte do quadro
associativo.
Tal aberração jurídica vem ganhando corpo em nossos
tribunais, razão pela qual torna-se imperioso um estudo mais profundo dos
preceitos legais acerca do tema, para que seja dada a correta interpretação
para a responsabilidade pessoal tributária.
Desta forma, reportamo-nos ao Código Tributário
Nacional – CTN que determina 3 (três) casos de possibilidade de atribuir-se a
responsabilidade pessoal ao sócio, quais sejam:
(i) liquidação de sociedade de pessoas e não
possibilidade de pagamento (artigo 134, VII);
(ii) crimes contra a ordem tributária (artigo 137); e
(iii) obrigação tributária gerada por ato ilícito
(artigo 135).
Nos ateremos a responsabilidade pessoal tributária
descrita no artigo 135 do CTN, que atualmente vem sendo utilizado como base de
sustentação para inclusão das pessoas dos sócios e dirigentes das empresas nos
pólos passivos das execuções fiscais.
Ao falarmos de responsabilidade pessoal dos sócios
prevista no artigo 135, o primeiro questionamento que se apresenta não pode ser
outro se não o de que "não recolher tributo é infração à lei?".
Para que se chegue a uma sensata resposta sobre a
indagação, necessitamos primeiramente estudar o artigo 135, do Código
Tributário Nacional – CTN, que assim dispõe:
"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos
créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos
praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos:
(...)
III – os diretores, gerentes ou representantes de
pessoas jurídicas de direito privado." (grifou-se)
Da leitura do preceito normativo acima, verificamos que
a questão principal refere-se a caracterizar o verdadeiro significado da
expressão "infração à lei".
Pois bem, da simples observação da norma verificamos
que o legislador refere-se a um ato ilícito, contrário à lei e gerador uma
obrigação tributária.
Mas soa ao mínimo estranho a expressão "obrigação
tributária decorrente de ato ilícito". Seria possível que um ato praticado
ilicitamente pelo contribuinte gere uma obrigação tributária? A resposta é
positiva.
Nesse campo poderemos invocar o disposto no artigo 118
do CTN, in verbis:
"Art. 118. A definição legal do fato gerador é
interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente
praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza
de seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente
ocorridos."
Para melhor elucidarmos o transcrito na norma
tributária acima, vejamos a doutrina a respeito;
"Do mesmo modo, pouco importa que, sob a ótica de
outros ramos do Direito, o objeto do fato gerador do tributo seja ou não
lícito. Esse fato continuará sendo considerado pelo Direito Tributário como
fato gerador de obrigação tributária principal, com todos os efeitos disso
decorrentes. Isso demonstra que não cabe cogitar, por exemplo, da licitude ou
ilicitude da origem ou fonte dos rendimentos ou proventos. Mesmo que decorram
de atividades contravencionais ou criminosas, ainda assim não perdem, perante o
Direito Tributário, seu caráter de fatos geradores de obrigação principal,
ficando sujeitos à incidência do imposto de renda." (1)
Com efeito, a jurisprudência majoritária de nossos
tribunais seguem a mesma coerência:
"RECURSO ESPECIAL. PENAL. PECULATO. CONDENAÇÃO.
SONEGAÇÃO FISCAL DE RENDA PROVENIENTE DE ATUAÇÃO ILÍCITA. TRIBUTABILIDADE.
INEXISTÊNCIA DO "BIS IN IDEM". BENS JURÍDICOS TUTELADOS NOS TIPOS
PENAIS DISTINTOS. PUNIBILIDADE.
São tributáveis, "ex vi" do art. 118, do
Código Tributário Nacional, as operações ou atividades ilícitas ou imorais,
posto a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade
jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis ou
terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. - Não
constitui "bis in idem" a instauração de ação penal para ambos os
crimes, posto caracterizados peculato e sonegação fiscal, reduzindo-se, porém,
a pena para o segundo crime à vista das circunstâncias judiciais. - Recurso
conhecido e provido."
(STJ –
REsp 182.563 – RJ, Rel. Min. José Arnaldo, DJU, I, 23.11.1998, p. 198 –
grifou-se)
Indubitável, portanto, que os fatos ilícitos podem
gerar uma obrigação tributária, pois não importa para o Direito Tributário que
os fatos sejam repugnados por outros ramos do Direito.
Isto porque, geralmente, o fato imponível descrito na
norma de incidência tributária, sempre expressa um acréscimo patrimonial ou uma
expressão de riqueza do contribuinte.
Assim, para que ocorra a subsunção do fato real à norma
de incidência tributária, e a conseqüente geração da obrigação tributária,
pouco importa a origem do fato, da riqueza, ou do acréscimo patrimonial do
contribuinte.
Por outras palavras, se uma pessoa aufere renda, pouco
importa para geração do crédito tributário e da obrigação de recolhimento do
tributo, se a origem dessa renda seja baseada em atos plenamente repugnados e
tipificados pelo Direito Penal.
Não nos falta exemplos presentes em nosso cotidiano.
Podemos citar uma clínica médica que realiza abortos. Esta clínica cobra
determinada quantia pelos abortos, gerando uma renda, uma receita, um
faturamento, e consequentemente, uma obrigação tributária decorrente de um ato
ilícito e criminoso.
Outro exemplo seria um escritório que assessora
determinado contrabandista. Este também gera uma obrigação tributária que tem
sua origem em um ato de infração à lei.
Nesses casos, independente dos ilícitos penais
apresentados, poderia o fato ocorrido ser vertido em linguagem competente, pelo
ente competente ou pelo contribuinte, fazendo nascer o crédito tributário.
Conclui-se que os atos ilícitos geram renda que pode
ser declarada e tributada.
Reportando-se, novamente, a construção normativa do
artigo 135 do CTN, verificamos que o legislador se refere à responsabilidade
pessoal dos administradores quando o crédito tributário decorra de uma ato
contrário à lei.
Ora, a norma é clara e não permite divagações. A
responsabilidade será pessoal do agente quando ocorrer um ato de infração à lei
que gere uma obrigação tributária.
Assim, não podemos de forma alguma ultrapassar a
correta interpretação da norma, atribuindo-se a responsabilidade pessoal aos
sócios de uma empresa pelo simples inadimplemento tributário.
Não que o fato de inadimplemento tributário esteja fora
daqueles considerados ilícitos. Pelo contrário, se a norma atribui à
determinada pessoa a responsabilidade pelo pagamento do tributo, o não
recolhimento no prazo legal é um fato contrário à lei. Em princípio, a pessoa
responsável que não verifica o adimplemento de tributos, locupleta-se e a
fortiori comete o ilícito que faz surgir sua responsabilidade.
No caso das pessoas jurídicas o princípio é o mesmo.
Imaginemos o sócio que recolhe bônus lucrativo de sociedade e não recolhe o
tributo devido em nome desta. O ilícito existe, porém, o que não se confunde é
a aplicação do artigo 135, ou seja, a responsabilização pessoal do sócio e
dirigente.
Isto porque, o artigo 135 reporta-se a fatos contrários
ao disposto em lei e ocorridos anteriormente ao nascimento da obrigação
tributária. Enquanto o inadimplemento do tributo é um fato contrário à lei,
porém ocorrido posteriormente à geração do crédito tributário. Ambos são
considerados como fatos ilícitos, porém ocorridos em momentos distintos.
Veja-se:
Ato ilícito → Obrigação Tributária →
lançamento → crédito tributário → inadimplemento
Nesse ponto é que os Procuradores da Fazenda Pública se
equivocam. O artigo 135 é claro e determina a responsabilização pessoal do
sócio "pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes
de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social
ou estatutos".
Não resta a menor dúvida de que a lei determina a
responsabilização pessoal do sócio quando a obrigação tributária decorra de um
ato ilícito (infração de lei, contrato social ou estatutos).
Desta forma, se o ato ilícito (não recolhimento) ocorre
após o nascimento da obrigação tributária, o fato não está abrangido pela
disposição normativa do artigo 135.
Para melhor elucidarmos o tema, invocamos o preceito de
que toda norma jurídica descreve o binômio hipótese e conseqüente.
No caso do artigo 135, a hipótese seria um crédito
tributário que corresponde a uma obrigação tributária com nascimento atrelado a
um fato ilícito. Completando a norma, o conseqüente seria a responsabilidade
pessoal dos administradores.
Note-se que a para aplicação do efeito normativo do
conseqüente, deve-se observar um fato assim como descrito no preceito jurídico.
Assim, se o fato ocorrido no mundo real não seja o
mesmo descrito hipoteticamente na norma tributária, não ocorre a subsunção do
fato à norma.
De certo, que o inadimplemento do tributo não é um
crédito tributário que corresponde a uma obrigação tributária decorrente de um
ato ilícito. Portanto, não operando a hipótese, inexiste o conseqüente e a
aplicação da norma.
Observamos que não resta outra conclusão que não seja
afastar por completo qualquer possibilidade de responsabilização pessoal dos
administradores quando do simples inadimplemento tributário.
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Nota
1 DECOMAIN, Pedro Roberto in Anotações ao Código Tributário Nacional – São Paulo, Saraiva: 2000.
* Advogado Tributarista