®
BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Tributação de
software e a nova lei do ISS
Marco
Túlio de Barros e Castro
A questão
acerca do tributo incidente sobre as operações de comercialização
de programas de computador sempre suscitou grande polêmica. ISS?
ICMS? Nenhum dos dois? Tendo como pano de fundo a ânsia fiscal
de Estados e Municípios, iniciaram-se discussões doutrinárias,
foram proferidos julgados conflitantes, enfim, uma enorme confusão
de princípios
e conceitos jurídicos.
A
polêmica
arrefeceu a partir de decisões do STJ (2ª
Turma, Mandado de Segurança n. 5934/RJ e Recurso
Especial 216.967/SP, 1ª Turma, Recurso Especial 123022/RS) e STF (1ª
Turma, Recurso Extraordinário 176.626-3 e Recurso Extraordinário
199.464-9), nas quais foi construída uma solução,
digamos, salomônica. Quando o programa for desenvolvido sob
encomenda incide o ISS, a contrario sensu, quando o programa puder ser
utilizado indistintamente por qualquer interessado (o chamado programa-produto,
ou software de prateleira), o mesmo circula como mercadoria estando, portanto,
sujeito ao ICMS.
Ocorre
que duas alterações relevantes foram introduzidas na legislação
sobre o tema: (i) Lei n. 9.609/98 que deu tratamento mais explícito
na questão
dos contratos de comercialização de programas de computador
(art. 9º)
e (ii) Lei Complementar n. 116 de 31 de julho de 2003, que incluiu no rol de
atividades tributadas pelo ISS, "licenciamento e cessão
de direito de uso de programas de computação", condição
inexistente na legislação anterior.
Assim,
pergunta-se: Será que estes julgados podem continuar servindo como
paradigmas após a promulgação da Lei n. 9.609/98 e da
Lei Complementar n. 116/2003?
Ao
nosso ver parece inevitável que a questão seja novamente avaliada,
pois grande parte dos argumentos expendidos doutrinária e
jurisprudencialmente encontram-se superados, ao passo que surgem novos temas
para discussão.
Preliminarmente,
é
preciso desmistificar um certo dogma que ganhou adeptos, ancorados em uma
leitura superficial e simplista das decisões já
mencionadas, dos Tribunais Superiores, que pode ser representado pela seguinte
sentença
: "Se é software de prateleira incide o ICMS."
É
preciso ter muita cautela com fórmulas jurídicas,
pois, como dizia Gama Cerqueira, mesmo as mais equivocadas terminam por ganhar força
pela simples repetição exaustiva.
O
que seria um software de prateleira? Justiça seja feita, esta
"categoria" não é obra dos integrantes do STJ
e STF. A distinção entre software de prateleira e programa
desenvolvido sob encomenda é antiga, e adotada por
diversos autores estrangeiros. O equívoco, portanto, não
está
na distinção
em si, mas na forma como a mesma é utilizada.
Ao
nosso ver a grande distinção entre as espécies de programas acima
mencionadas reside na forma de contratação. Via de regra, em se
tratando de programa sob encomenda, as partes firmam contrato de licença
ou cessão
de direitos de uso, cujas cláusulas são
amplamente discutidas e debatidas. Na segunda hipótese, a indústria
adotou uma forma diversa, consubstanciada nos contratos por adesão
(ou shrinkwrap license, como dizem os americanos), que terminou por tornar-se o
padrão
utilizado pela quase totalidade do mercado.
Contudo,
ambos são
contratos de licença de uso, diferindo tão somente quanto à
forma de aceitação das partes contratantes, uma expressa e outra
presumida.
O
fato gerador do ISS, no caso concreto, é a ocorrência
do licenciamento ou cessão de direitos de uso de programa de computador.
Esta é
a primeira premissa a ser estabelecida neste texto. Verificada a ocorrência
da hipótese
descrita como fato gerador do tributo, não há como se
pretender não aplicá-lo, salvo se houver uma
declaração
de sua inconstitucionalidade.
Os
julgados já mencionados anteriormente, que serviram de
paradigma para a construção da fórmula jurídica
criticada acima, não atentaram para a condição
excepcional disposta no art. 9º da Lei n. 9.609/98 (pois
todos julgaram questões sob a égide da Lei n. 7.646/87)
(1).
É
preciso deixar claro que o referido dispositivo determina, claramente, que o
uso de programa de computador no território brasileiro será
objeto de contrato de licença.
Isto
significa dizer que o legislador criou, expressamente, uma vinculação
permanente entre o titular e o usuário de programa de
computador.
Desta
forma, apenas pode ser usuário de programa de computador
(i) aquele que desenvolveu o programa, detendo os direitos sobre o mesmo; (ii)
aquele que firmou um contrato de licença de uso com o respectivo
titular ou (iii) aquele que firmou contrato de cessão de
direitos com o respectivo titular, tornando-se, a partir de então,
detentor dos direitos ele próprio.
Fora
destas três
hipóteses
não
há
possibilidade de uso lícito de programa de computador no Brasil.
Portanto,
quando um indivíduo se dirige a uma revenda e paga o preço
do Microsoft Windows, por exemplo, ele está aderindo a um contrato de
licença
de uso. Existirá, neste caso, uma vinculação entre o
titular e o usuário e a ocorrência da hipótese
tributária
prevista na Lei Complementar n. 116. A verificação destas condições
independe do fato do programa ter sido desenvolvido sob encomenda ou estar ao
alcance de todos.
O
fato é
que sempre existirá uma licença ou cessão
de uso na comercialização de programa de computador.
Portanto,
é
descabido o paralelo traçado nos julgados acima destacados, no sentido de
que a comercialização de um software de prateleira se assemelharia a
comercialização de um livro, disco ou fita de vídeo.
Ao
contrário
do art. 9º
da Lei n. 9.609/98, já mencionado acima, não há nenhuma
disposição
na Lei de Direitos de Autor – Lei n. 9.610/98 –
que determine que o uso de livros, discos e fitas de vídeo no
Brasil estão vinculados a contrato de licença.
O
legislador estabeleceu de forma clara uma distinção entre os programas de
computador e as obras autorais ordinárias. A que se deve tal
distinção?
Ao fato de que sob um determinado aspecto os programas de computador são
absolutamente frágeis, em razão da facilidade de sua
reprodução.
Se
a lei expressamente pretende diferenciar os programas de computador, não
pode o intérprete ignorar esta distinção para
efeitos tributários, tratando-os como se fossem livros, discos ou
fitas de vídeo.
Portanto,
mostra-se absolutamente descabida a distinção entre software
desenvolvido sob encomenda e software de prateleira, para efeitos tributários.
Há
de se verificar a ocorrência, no caso concreto, de contrato de licença
ou cessão
de direitos de uso. Caso afirmativo, incidirá o ISS, sem maiores obstáculos
ou indagações.
Nota
01.
Art. 9º
O uso de programa de computador no País será objeto de
contrato de licença.
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4909