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TRIBUTAÇÃO DO ISS NO USO DE SOFTWARE

 

Douglas Mota

Para atualizar a legislação tributária relativa ao Imposto sobre Serviços (ISS) foi editada a Lei Complementar 116/03 que, além de outras inovações, substituiu a lista de serviços anexa ao Decreto-Lei 406/68, que foi significativamente aumentada, passando de 101 itens para 206 subitens, agrupados em 40 itens.

Dentre esses, convém agora destacar aquele previsto no subitem "1.05 - Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação", cuja inclusão como atividade sujeita ao ISS parece carecer de fundamento jurídico

Antes da LC 116/03, as Prefeituras tentavam tributar essa situação equiparando-a à locação de bem móvel, atividade que estava prevista na lista anexa ao Decreto-Lei 406/68. Esse entendimento apoiava-se na definição dada pelo Código Civil que à época vigorava, o qual considerava como bem móvel para os efeitos legais, dentre outros, o direito do autor. O atual Código Civil não repete esse disposição, o que seria desnecessário, já que essa previsão consta da Lei 9.610/98, que consolida a legislação sobre direitos autorais.

Destaque-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar questão relacionada a direitos autorais, havia concluído da mesma forma, afirmando que os direitos autorais são considerados bens móveis, podendo ser cedidos ou locados.

Contudo, posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF), agora apreciando questão ligada à tributação do ISS, concluiu pelo afastamento da tributação, não em razão de discordar que os direitos autorais possam se enquadrar como bens móveis, mas pela simples razão de que a locação de bens móveis não possui características de um serviço, e que por isso não estaria no campo de incidência do ISS, já que esse tributo tem como aspecto material a prestação de um serviço.

Esse entendimento do STF implicou no veto presidencial da tributação da atividade de locação de bens móveis, que originalmente constava do projeto de lei que deu nova redação à lista anexa à LC 116/03.

Contudo, quando da publicação da LC 116/03, verificou-se a inclusão de item especifico para o caso de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

Para o STF não é o simples fato da inclusão de determinada atividade na lista anexa à LC 116/03 que permite a tributação do ISS. Ela deve se revestir de características de um serviço, pois, como já mencionado, o aspecto material do citado tributo é a "prestação de serviço", e não o desenvolvimento de qualquer atividade.

Com isso, para a presente análise se faz importante definir o que viria a ser "serviço". O primeiro significado dessa palavra, segundo o dicionário da língua portuguesa - Houais, é trabalho, ou melhor, a atividade produtiva. Assim, é possível afirmar que serviço é a atividade especificamente desenvolvida para a obtenção de determinada coisa.

Quando alguém é contratado para prestar determinado serviço, o que se busca é o conhecimento sobre determinada atividade. A pessoa contratada tem a obrigação, primeiramente, de prestar o serviço profissional para o qual foi contratada, cujo resultado será a entrega do produto desse trabalho.

Por isso, por exemplo, quando um alfaiate é contratado para fazer um terno para uso próprio do encomendante, sendo fornecido todos os materiais a serem utilizados na elaboração da roupa, o imposto envolvido na operação é o ISS e não o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O que seria diferente caso o consumidor se dirigisse a uma loja e adquirisse um terno exposto na vitrine desse estabelecimento, nesse caso haveria a compra de uma mercadoria e não a contratação do serviço profissional para a confecção de uma roupa sob medida.

Destarte, verifica-se que o serviço se constitui em uma obrigação de fazer, a qual é definida pelo direito civil. Ao distinguir a obrigação de dar e de fazer, o civilista Clóvis Bevilácqua se manifesta no sentido de que a primeira "consiste na entrega de uma coisa móvel ou imóvel, para constituição de um direito real (venda, doação etc.), a concessão de uso (empréstimo, locação), ou a restituição ao dono. Já as de fazer, conquanto se definam em geral de modo negativo, são todas as prestações que não se compreendem entre as de dar, têm na verdade, por objeto um ou mais atos, ou fatos do devedor, como trabalhos materiais ou intelectuais".

Cabe questionar, então, qual seria a natureza da obrigação na atividade de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

A elaboração do programa de computador a pedido de alguém, se reveste das características de uma obrigação de fazer e por conseqüente se configura em serviço. Essa atividade está prevista no item 1.04 (Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos) da lista de serviços.

Por outro lado, depois do programa elaborado, a simples cessão para o uso não se enquadra em uma obrigação de fazer, tendo em vista que o objetivo único é a obtenção de autorização para utilização do programa, e não a contratação do serviço de um especialista para elaborar o programa.

Assim, diante da disposição do artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN) que veda a alteração, via legislação tributária, de definições e conceitos utilizados pelo direito privado, é possível concluir que não há fundamento jurídico para a incidência do ISS sobre licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, pelo simples fato de essa atividade não ser um serviço.

Por fim, cabe, contudo, frisar que para o afastamento da incidência tributária, se faz necessário recorrer ao Judiciário, pois como já visto as prefeituras não serão sensíveis aos argumentos dos contribuintes. Não há base jurídica para tributar o licenciamento ou cessão de direito de uso de software