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A Tributação do Software*

Denis Borges Barbosa (1981)

O problema da definição jurídica do software tem merecido particular atenção nos últimos anos, tendo em vista a excepcional importância dos programas de computador na geração, transplante e consumo de tecnologia industrial, administrativa e comercial, na ciência e nas artes e no próprio desenvolvimento do homem. Sem procurar definir seu status jurídico, tentaremos estabelecer sua situação fiscal no Brasil.

Os programas de computadores são hoje objeto de um comércio intenso, ao nível interno e internacional. Dados, já bem repetidos, indicam que os programas (ou software), correspondem hoje a cerca de metade do valor total de cada conjunto. Os prognósticos levam mesmo a acreditar que, em breve, num computador se terá dois cruzeiros de software para cada um de hardware.

Desde 1979, se tem como agente regulador do mercado brasileiro de softwares a Secretaria Especial de Informática, vinculada ao Conselho de Segurança Nacional. Já em março de 1980, a Secretaria reuniu uma Comissão Especial, constituída de representantes de órgãos de Governo, das Universidades, das Associações de Classe e da iniciativa privada, para tentar um diagnóstico e fazer recomendações quanto à política da nova Secretaria quanto ao Setor. As conclusões do grupo, editadas no início de 1981, não representam inovação significativa quanto às linhas do modelo de desenvolvimento geral da economia brasileira, concretizado nos últimos três lustros. Reconhecendo a necessidade do incentivo e da regulação do Estado no setor específico, a Comissão recomendou a implantação de um sistema de benefícios creditícios e fiscais, o favorecimento a iniciativa na nacional sem repúdio ao capital estrangeiro, ao mesmo tempo que apontava a necessidade da privatização, em especial no setor de serviços de processamento de dados.

No que toca à regulação do comércio internacional de software, a Comissão indicou a necessidade de atuação conjunta do Instituto Nacional da Propriedade Industrial e da Secretaria Especial de Informática, de forma a acoplar a experiência de quem se encarrega já há anos da análise de importação de tecnologia em geral, com o conhecimento específico da área de informática, o que é função da SEI. Por Ato Normativo conjunto, os dois órgãos criaram um sistema unificado de análise e decisão sobre a importação de tecnologia na área, inclusive a de software (AN INPI 53/SEI 13).

Num ponto específico, a Comissão mostrou especial prudência. Levando em conta que, até fevereiro de 1980, nenhum país havia institucionalizado o regime jurídico do software (os EUA o fizeram nesta época optando pela proteção como copyright e, conforme decisão da Suprema Corte de 1981 também, em outros casos, por patente), o grupo recomendou enfaticamente que não caberia a definição aqui e agora de um sistema de direito para os programas de computadores, equivalentes aos das marcas e patentes. A proteção que dão os contratos e as regras de concorrência desleal pareceu suficiente, no balanço geral dos interesses brasileiros.

De outro lado, foi altamente recomendada a criação de um Registro Nacional de software que, reunindo os dados sobre os produtos comercializados ou gerados no país, assegurasse ao mesmo tempo vantagem creditícias e fiscais para os sotwares registrados de origem interna. Através do registro, se regulariam os pagamentos financeiros relativos à aquisição do programa, sem incorrer nos perigos que a criação de uma nova forma de propriedade imaterial poderia trazer ao desenvolvimento da indústria nacional.

Tal encomenda tomou a seguinte forma:

“Registro de software e Serviços

Considerando:

1) Que devem existir mecanismos que possibilitem um conhecimentos dos produtos e serviços de software comercializados no país;

2) Que é de interesse do país a identificação, de forma precisa, da conveniência de se importar determinados tipos de software;

3) Que se deve estabelecer formalmente uma lista de preços de produtos de software, para reforçar a prática de desvinculação da venda de software da de equipamentos.

4) Que a criação de um mecanismo de controle de software poderá vir a formar subsídios para a proteção ao produtor de software;

Recomenda:

1) Que a SEI crie um mecanismo de registro de todo produto de software comercializado no país;

2) Que a SEI emita Ato Normativo instruindo todos os órgãos públicos, da Administração Federal direta e indireta, a adquirirem exclusivamente produtos de software para os quais tenham sido emitido certificado de registro;

3) Que a SEI emita Ato Normativo instituindo mecanismos que vincule a concessão de autorização de importação de equipamentos, ao registro do software que os acompanhe;

4) Que a SEI obtenha junto ao Ministério da Fazenda emissão de instrumento legal regulamentado a dedutibilidade dos custos de aquisição de produtos de software na rubrica de despesas ou custos operacionais, exclusivamente nos casos em que tenha sido emitido certificado de registro do software em questão;

5) Que a SEI obtenha junto aos órgão financiadores oficiais BNDE, FINEP, BACEN, BB (FIPEC), a instituição de mecanismos que condicionem a aprovação de projetos de qualquer natureza, parcial ou totalmente apoiados em linhas de financiamentos oficiais, e que envolvem a aquisição de produtos de software, à prévia emissão do certificado de registro do software em questão;

6) Que a SEI providencie a emissão de um instrumento legal estabelecendo que o registro de software cuja produção não tenha sido comprovadamente realizada no país, somente se processará após a prévia averbação pelo INPI do contrato de prestação de serviços ou de transferência de tecnologia correspondente’

7) Que a SEI/INPI estudem a caracterização do software (transferência de tecnologia direito autoral, propriedade industrial), inclusive quanto a remessa de divisas e suas alíquotas;

8) Que a SEI atue junto ao Banco Central para que não seja permitido o envio de remessas a título de direitos autorais sobre o software, incluindo manuais e documentação necessária.”

Dentro destes parâmetros, como já divulgado pela imprensa em meados de 1981, os órgãos interessados diretamente na questão elaboraram um projeto de legislação, dispondo sobre o registro e a situação do software perante o imposto sobre a renda das pessoas jurídicas. Mantendo a competência natural dos órgãos envolvidos na questão da importação de tecnologia de informática, o texto divulgado criava o registro, confiando-a à SEI, assim como a averbação dos contratos de importação de software e de serviços de informática, dividindo o encargo entre a Secretaria, o INPI e o Banco Central. A dedutibilidade a remissibilidade das importâncias ficaria dependente do cumprimento de tais formalidades.

Tal legislação alteraria, desta feita, o sistema vigente, descrito por nós, como membro da Comissão, no respectivo relatório, da seguinte forma:

Situação atual.

“O Dec. 84.067, de 8.10.79, ao criar a SEI, deu-lhe competência para manifestar-se tecnicamente sobre os contratos de transferência de tecnologia da área de informática, ressalvada a competência do INPI; elaborar e instituir normas e padrões de contratação de software e serviços pelos órgãos da administração federal em geral; pronunciar-se sobre quaisquer contratos de serviços de processamento ou transmissão de dados efetuados no exterior, mesmo se o interessado não integrar a Administração Federal.

A contratação no exterior, está regulada pelas disposições do Dec.-lei 1.418, de 3.9.75, que submetem à tributação na fonte de 25% todas as remessas ao exterior à conta de serviços técnicos. As disposições ora citadas cobrem tanto o processamento de dados quanto os serviços de geração por conta de terceiros, e a manutenção de software e de equipamentos.

A remessa para pagamento de software e serviços ao exterior também está sujeita à alíquota de 15% (nota: elevado definitivamente a 25% pela Res. BACEN 672) sobre o contravalor em cruzeiros do montante de divisas constantes do câmbio.

Estão livres da tributação na fonte instituída pelo Dec. 1.418 o processamento ou geração realizada como parte de estudos de planejamento ou programação econômica, de viabilidade e localização, engenharia de conjuntos industriais, consultoria e pesquisa de material, desde que realizadas integralmente no exterior, contratadas a preço certo ou cost plus, e constem de projetos de relevante interessa nacional aprovados pelo Presidente da República, caso a isenção seja autorizada pelo Ministério da Fazenda (Dec.-lei 1.446, de 13.2.76).

O mesmo Dec.-lei 1.418/75, por sua vez, institui um benefício fiscal para a exportação de serviços e de software excluindo do lucro tributável percentagem igual à do faturamento de exportação sobre o faturamento total. O Governo Federal poderá, nos termos do diploma citado, prestar garantia do Tesouro Nacional de bid-bonde performance bond aos serviços contratados par ao exterior (tb. Portaria ME 223/76).

O Parecer Normativo 79/75 da RF considerou o software de aplicação, quando adquirido no exterior, como transferência de tecnologia, podendo ser lançado como custo ou despesas operacional, e estando sujeito aos limites e condições de deduções legais. Os limites vigentes são os da Portaria MF 436/58, que estipula um máximo de 5% da receita líquida da operação interna (ver também o art. 6º do Dec. 1.730, de 17.12.79). Para que haja dedutibilidade é necessário o registro de contrato de software e ou serviços correspondentes no BACEN (Lei 4.506/64, art. 52, “c”). Não é dedutível o pagamento por filial (ou subsidiária) à matriz no exterior (Lei 4.506/64, art. 52, parágrafo único), ou os pagamentos realizados sem a aprovação do INPI (Dec. 76.186/75, art. 176, § 2º, IN SRF 05/74 e PN 102/75). No caso de pagamentos à matriz no exterior, a importância em questão, além de não ser dedutível, é acrescida ao lucro e tributada como tal, incidindo inclusive no imposto suplementar do art. 43 da Lei 4.131/62.”

Como pode ser isto, o software “de aplicação” segue no momento o regime da assistência técnica, e os serviços de informática, outros que o de repasse de software, o dos serviços técnicos em geral. O que ocorre com o chamado software “básico é um pouco obscuro, tendo em vista a redação do PNCST 79/75:

Modernamente, a aquisição de um computador é sempre acompanhada de vários equipamentos complementares (periféricos), considerados indispensáveis à operacionalidade do computador. Este, e o conjunto de equipamentos a ele incorporados, costuma ser designado, em linguagem de processamento de dados, como hardware. Em contrapartida, e segundo terminologia também específica, os implementos utilizados pelo computados em sua operacionalidade, mas não integrantes do equipamento de computação propriamente dito, são chamados de software.

Os equipamentos complementares ou periféricos nos quais se incluem alguns tipos de programas, também conhecidos como “software de base”, compõem o hardware, e podem ser levados ao ativo fixo. O preço de aquisição corresponde a inversão de capital e, quando remetido ao exterior, não sofre incidência do Imposto de Renda na fonte.

Por outro lado, os programas de computação a serem utilizados na operacionalidade do computador (que corresponderiam ao “software de aplicação”, quando adquiridos no exterior, constituem transferência de tecnologia.

Nestes casos, o pagamento de preço dos programas está sujeito aos limites, condições e incidências do tributo previstos nos art. 175 e 176 do RIR - Dec. 58.406/66 (assistência técnica, científica, administrativa e semelhantes). Para efeitos de dedutibilidade como despesas operacionais da empresa que paga ou credita as importâncias correspondentes à remuneração referida tecnologia, cumpre atentar par ao § 2º , alíneas “a” e “b” do art. 176 do RIR, além da Instrução normativa do SRF 5, de 8.1.74.”

Dir-se-ia, desta feita, que o software “básico” acede ao produto físico, sendo tributado em seu sobrevalor pelos impostos reais. O entendimento do Fisco neste parecer, porém, parece ser descabido. No entanto, o PNCST (SNM) 20/81, tratando da classificação das máquinas automáticas de tratamento da informação, enfatiza a noção de que pelo menos uma parcela do software (se bem que não necessariamente todo o software “básico ) estaria contido ou pelo menos aderiria para efeitos tributários ao bem físico; com efeito, diz o parecer:

“As máquinas digitais de tratamento da informação, para se incluírem na posição 84.53, devem ter uma capacidade global de memória que lhes permita registrar, além do(s) programa(s) de tratamento e dos dados a tratar, um programa que lhes permita traduzir (programa de tradução) a linguagem convencional em que os programas são escritos (Algol, Assembler, Cobol, Fortran, PL/1, RPG, etc.) numa linguagem utilizável pela máquina. Uma parte dos dados e do(s) programa(s) pode ser provisoriamente registrada em memórias mas essas máquinas devem ter uma memória principal, diretamente acessível, para execução de um determinado programa e cuja capacidade seja, pelo menos, suficiente para registrar as partes dos programas de tratamento e de tradução e os dados, necessários par ao tratamento em curso (Nota Legal 84-3, A, da NBM).

Um sistema digital completo de tratamento da informação compreende, pelo menos:

a) uma unidade central de tratamento ou processamento (UCP), que abrange os elementos aritméticos e lógicos, os órgãos de comando (ou controle) e verificação e, em geral, a memória principal;

b) uma unidade de entrada, que recebe as informações e as transforma em sinais aptos para serem tratados pela máquina; e

c) uma unidade de saída, que transforma os sinais fornecidos pela máquina em uma forma acessível (textos impressos, gráficos, etc.) ou em dados codificados para outras utilizações (tratamento, comando, etc.).

A memória principal, ou memória de trabalho, é aquela à qual o processador (elementos aritméticos e lógicos e órgãos de comando e controle) tem acesso direto e instantâneo. Além destas, existem memórias às quais o processador tem acesso indireto, ou seja, através de canais de entrada e de saída, e que são geralmente representadas pelas unidades periféricas de discos magnéticos, tambores magnéticos ou cartões magnéticos. Esta memórias complementam a memória principal e constituem a memória secundária ou memória de massa” (grifamos).

Assim, embora se fará a distinção entre as máquinas e os programas (de tratamento; de tradução; convencionais), entende-se que na VCP, existam “elementos aritméticos e lógicos” a ela intrínsecos. De outro lado há entre os programas citados os de “tradução” e os de “tratamento”, que , segundo o parecer, fazem parte da máquina, embora possam ser classificados entre os softwares “básicos”.

O parecer também aflora a questão do chamado firmware.

“Os diferentes órgão fornecedores das máquinas de tratamento da informação que constituem memórias, elementos aritméticos e lógicos, órgãos de comando ou controle ou ‘grãos da adaptação, apresentados como módulos ou placas intercambiáveis, isto é, constituídos por um certo número de microestruturas eletrônicas, componentes elétricos discretos, dispositivos mecânicos, etc., montados sobre uma placa de circuito impresso, mas desprovidos de gabinete próprio e exclusivo, não se consideram como unidades no sentido da posição 84.53, e sim como partes dessas unidades, como em que pertencem ao domínio da posição 84.55 da NBM”(grifamos).

Isto leva a tentar definir, exclusivamente para os efeitos fiscais de nosso interesse, o que seja software. O já mencionado Relatório propõe uma definição indireta, ao se referir aos “sistemas informáticos”.

“É o software que incorpora o conhecimento sobre um dado sistema ou processo. Constitui o que se poderia chamar a “inteligência” dos sistemas informáticos. Estes, compreendendo na forma mais ampla: computadores, software, redes de comunicações e sensores (equipamentos de instrumentação) podem, na atualidade, atuar sobre os mais variados sistemas ou processos, automatizando-os e reduzindo a presença do homem a um mínimo indispensável. (Ex. Controle científicas, administrativas, robóticas, etc.).”

A definição legal que se tem, no momento, é a da Seção 101 do título 17 do United States Code (alterado pela Public Law 96-517 de 12.12.80):

“A computer program is a set of statements or instructions to be usec directly or indirectly in a computer in order to bring about a certain result.”

Infinitamente mais elaborada é a noção de software (logiciel) das Disposições-Tipo para a proteção do software editadas pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. o documento LPCS/I/2 (pgs) daquela organização, que propõe as bases de um futuro tratado sobre a questão, retrata a definição da Disposições-Tipo da seguinte forma:

“Le terme “logiciel” serait ainsi déftini comme désignant soit un programme d’ordinateur, soit une description de programme ou une documentation auxiliaire, soit plusieurs de ces éléments. Le “programme d’ordinateur” est défini dans les dispositions types (article 1.i) comme “un ensemble d’instructions pouvant, une fois transposé sur un support déchiffrable par machine, faire indiquer, indiquer, faire accomplir ou faire obtenir une fonction, une tâche ou um résultat particulier par une machine capable de faire du traitment de l’information”.

On entend par “description de programme” “une présentation complète d’operations, sous forme verbale, schématique ou autre, suffisamment délaillée pour déterminer un ensemble d’instructions constituant un programme d’ordinateur correspondant” (article 1, ii des dispositions types). On entend par “documentation auxiliaire” “toute documentation autre qu’un programme d’ordinateur ou une description de programme, crée pour faciliter la compréhension ou l’aplication d’un programme d’ordinaterur, par exemple des descriptions de problème et des instructions à l’usage d’un utilisateur” (article `. iiiº des dispositions types). La caractéristique essentielle de cette définition est que “logiciel” n’est pas identique à “programme d’ordinateur”. Un programme d’ordinateur n’est que l’ensemble d’instructions qui permet de commander le fonctionnement d’un ordinateur (“machine capable de faire du traitement de l’informations”). d’une façon déterminée.”

Ter-se-ia, assim o programa de computador propriamente dito (o conjunto de instruções para comandar a máquina) e uma série de dados complementares, compreendendo-se o todo na noção de software. Tal definição faz evidente a ligação do software com os meios usuais de transmissão de tecnologia: além das instruções de máquinas haveria as instruções dirigidas ao receptor humano, e o todo seria o software.

Ambas definições, a sintética e a analítica, não abordam as distinções entre software “de base” e o “de aplicação” ou ainda aquelas entre os programas de tratamento, de tradução ou de linguagem convencional. Na verdade, a distinção importante, no caso, para os efeitos do IRPJ, não é uma destas, mas a que existe entre a receita da venda de um bem e da prestação de um serviço (aí genericamente incluído a locação de bens, a licença de direitos, a prestação de assistência técnica ou serviços técnicos, etc.). A questão, numa perspectiva mais científica, é a do elemento de conexão da tributação: o lucro das operações de venda de mercadoria é tributado no domicílio do vendedor, enquanto que as receitas dos serviços técnicos e de assistência técnica, sob o regime do art. 6º do Dec.-lei 1.418/75 é tributado no Brasil se aqui é a fonte de pagamento.

A distinção não é fácil, mesmo porque nem sempre se pode confundir a passagem de dados e serviços. Sobre a questão do know-how (no ponto comparável ao software), disse Ulhôa Canto:

“O dispositivo em foco alude à prestação de serviços, e o know-how nem sempre se comunica, necessariamente, através daquela. Com efeito, não é incomum que se o adquira pela compra de uma planta, um manual, ou até de máquinas ou equipamentos patenteados, os quais constituem, exclusivamente, a própria essência do know-how, utilizado por quem o fabricou, e não continuadamente ensinado ou comunicado. Assim, quem paga pela máquina ou pelo equipamento, ou pela disponibilidade de uma fórmula ou pelo uso de um processo ou de uma técnica, estará incorporando ao seu patrimônio o know-how resultante da compra de um bem ou da cessão de direitos, negócios jurídicos e modalidades de troca totalmente diversos da locação de serviços como figura de contrato, ou de prestação de serviços como forma de produção econômica de riqueza.”

Da mesma forma que, um tanto imprecisamente Ulhôa Canto vê o know-how nas plantas, manuais e até nas máquinas, o software está em discos, fitas e até mesmo intrínseco em componentes “inteligentes” das máquinas de tratamento da informação. Para o caso do know-how, o tratamento jurídico na área do IRPJ é mais fácil, pois o art. 52 da Lei 4.506/64 (art. 234 do RIR/80) fala expressamente em “desenhos e instruções” como sendo o objeto dos serviços de “envio ao país”, quando provenientes do exterior.

Curiosamente, a lei de 1964 antecipa o afluxo cada vez maior das “instruções” enviadas ao país, para o receptor humano e, agora, o eletrônico. A classificação do software como uma forma de assistência técnica, assim, poderia ser proposta, como o foi na análise transcrita, mais acima, do Relatório da Comissão de Software e Serviços da SEI. De qualquer forma, para os efeitos da lei tributária, ao menos no que toca à assistência técnica, o envio de desenhos e “instruções” do exterior é um serviço.

Porém não o é a importação de máquinas compradas no exterior, embora com know-how implícito. A lei e o bom senso repugnariam a tributação desta compra como serviço, embora aceitem a dupla tributação (real, sobre o bem, e a que recai sobre o serviço) quando o bem é importado em locação (vide a Lei 6.066/74). Em suma, não é a materialidade de bem, mas a natureza da relação jurídica que sobre ele se exerce, que leva à tributação em análise.

Esta reflexão está, aliás, intrínseca ao raciocínio do PNCST 79/75, ao dizer que os valores do softwares de base, constantes dos periféricos, são levados ao ativo fixo e, portanto, não sofrem a tributação do IR de fonte quando enviados ao exterior. Ao assim considerar, o parecer entendia que aquilo por ele denominado de “software de base” acompanharia a natureza jurídica do hardware adquirido. O fato é que o chamado “software de base” nem sempre, e cada vez menos, é vinculado ao hardware, de forma acompanhá-lo em sua situação jurídica.

O que poderia ter dito o parecer - e certamente era esta sua intenção - é que os elementos lógicos e aritméticos inerentes à máquina - e que dela não se destaquem, acompanham sua situação jurídico-fiscal. Os outros elementos dos sistemas informáticos - inclusive os do “software de base” que não possam ser considerados inerentes à máquina - são tributáveis a título de transferência de tecnologia. O problema é que, num meio de evolução tão espantosa e indiscritivelmente rápida como o da informática, o que é inerente a uma máquina depende de cada marca, de cada modelo, de cada ano e mesmo, lamentavelmente, para o jurista acostumado com a postura hierática do Direito, de cada mês.

Um índice útil para determinar se o elemento em questão é inerente ou não à máquina é a previsão, no contrato que ampara a transferência do uso ou posse da mesma, ou em outro negócio jurídico mas constituindo uma mesma unidade negocial, de disposições específicas sobre o uso ou disponibilidade do software em questão. Se é necessário estabelecer uma relação jurídica diferenciada, com base ou não em distinções do Direito Objetivo (por exemplo, nos EUA, o copyright sobre o software), se terá um objeto negocial autônomo, dando possivelmente origem a uma tributação separada.

Uma distinção final que se impõe é entre o software e os serviços de informática, processamento de dados, treinamento, etc. ainda se realizados com o uso de software. Estes serão normalmente tributáveis como serviços técnicos, exceto no caso que se configurarem como subsidiários à comunicação do software (treinamento, implantação, manutenção) e estiverem abrangidos em sua remuneração. Também constituem serviços técnicos e empreitada de elaboração de software sob encomenda, para uso próprio do encomendante, para a preço fixo ou na base cost-plus e a consulta a base de dados no exterior.

Os contratos de comunicação de software são objeto de averbação pelo INPI, sob consulta a Secretaria Especial de Informática, nos termos do AN/INPI 53/SEI 13; da mesma forma, os demais contratos de serviços de informática, de elaboração de software sob encomenda, para uso próprio do encomendante, e de consulta a base de dados no exterior. Tratando-se de contratos de transferência de tecnologia em geral, a averbação no INPI é requisito de dedutibilidade, nos termos do art. 233, § 3º do RIR/80.

 

 

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