® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

 

 

 

A INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA NO PERÍODO DE TRAMITAÇÃO DO PRECATÓRIO

 

José Alberto de Barros Freitas Filho

 

 

É sabido que as obrigações de pagar quantia certa derivadas de condenação judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública devem ser satisfeitas mediante a inscrição do crédito no precatório. Trata-se de um privilégio da Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal que tem como escopo organizar os pagamentos derivados de título executivo judicial após a necessária dotação orçamentária.

 

Os créditos definidos em lei como "de pequeno valor" não seguem o regime dos precatórios (§3º do art. 100, da CF/88), já os créditos de natureza alimentícia estão sujeitos a inscrição do precatório, mas seguem uma ordem própria.

 

Segundo o § 1º do art. 100 da Constituição da República, "é obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público, verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente".

 

Observa-se que o referido dispositivo constitucional determina que os créditos inscritos até 1º de julho devem ser satisfeitos até 31 de dezembro do ano seguinte, gerando um espaço de tempo conhecido como de tramitação do precatório que pode durar no mínimo 6 (seis) meses até um máximo de 30 (trinta) meses.

 

Exemplificando, se um crédito é inscrito no dia 1º de julho, último dia previsto na Constituição para que seja solvido no exercício seguinte, o crédito poderá ser satisfeito entre o primeiro dia de janeiro até o último de dezembro, gerando um tempo de tramitação de, no mínimo, 6 (seis) meses e, no máximo, de 18 (dezoito) meses. Agora se um crédito é inscrito no dia 2 (dois) de julho, ou seja, após o prazo para que seja satisfeito no exercício seguinte, o seu pagamento só se dará, no mínimo, após 18 (dezoito) meses e, no máximo, após 30 (trinta) meses.

 

Para evitar que o credor da Fazenda Pública amargue perdas consideráveis em virtude da tramitação do precatório, a Constituição determinou que os valores sejam corrigidos por ocasião da efetiva consignação dos valores perante o presidente do tribunal responsável, todavia, a Lei Maior não estabeleceu que deveria incidir juros moratórios no período de tramitação, gerando grande controvérsia no âmbito de nossos tribunais.

 

Diversos tribunais têm entendido que são cabíveis juros moratórios durante o trâmite do precatório, sob o fundamento de que a dívida só é solvida com seu efetivo pagamento, portanto a simples inscrição do precatório não teria o condão de evitar a mora da Fazenda Pública, continuando a incidência dos juros moratórios até a realização deste pagamento.

 

Esta é a posição do Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstram os seguintes arestos:

 

PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - PRECATÓRIO COMPLEMENTAR - INCLUSÃO DE JUROS DE MORA - ALEGAÇÃO DE OFENSA À COISA JULGADA REJEITADA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC - INOCORRÊNCIA.

I - Os juros de mora, nas execuções de sentença, devem incidir até o efetivo pagamento da obrigação e esta só se extingue pela satisfação integral.

II - Opostos embargos de declaração, se o Tribunal a quo presta satisfatório esclarecimento sobre os fundamentos que serviram de base para deslindar a questio iuris posta em julgamento, não há como vislumbrar violação ao artigo 535 do CPC.

III - Recurso conhecido e parcialmente provido.

(STJ - 1ª Turma - RESP 415763/DF - DJ: 17/06/2002 - REL. MIN. GARCIA VIEIRA)

 

 

No mesmo sentido: RESP 403442/SP; RESP 337310/SP; AGRESP 400792/SP; RESP 167972/DF.

 

Ouso discordar do posicionamento adotado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, por entender que o Poder Público não pode ser penalizado por cumprir uma determinação constitucional.

 

Reza a Carta Política em seu art. 100:

 

Art. 100 - À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

§ 2º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

.......................".

 

Dessa regra, conforme já foi explanado, depreende-se dois momentos distintos: primeiro, após o trânsito em julgado da sentença condenatória e encerrado o processo de execução, o precatório será apresentado até 1º de julho devidamente atualizado até esta data; segundo, a partir desta data, será contado o prazo para o pagamento, a se expirar no dia 31 de dezembro do exercício seguinte.

 

No primeiro momento, por estar comprovado o não cumprimento voluntário da obrigação reconhecida pela sentença com trânsito em julgado, não há dúvidas que são devidos juros moratórios como forma de penalidade.

 

No segundo momento, como a despesa já se encontra prevista no orçamento, não há infração à lei ou à decisão judicial, aguardando o depósito apenas a ordem dos precatórios previsto constitucionalmente, estando dentro do prazo acaso solvido até o término do exercício financeiro.

 

Portanto, nesse segundo momento, ao contrário do primeiro, não são devidos juros de mora. A atualização, que é devida, será apenas pela correção monetária, que não é penalidade, uma vez que visa, exclusivamente, manter o valor real da dívida, corroída pela inflação, não gerando acréscimo no débito, nem se tratando de imposição de penalidade.

 

A correção monetária do débito até o efetivo depósito, encontra-se expressamente prevista no art. 100 da CF/88, o mesmo não ocorrendo quanto aos juros de mora, e este silêncio da Carta Magna não pode ser considerada uma omissão, mas, um "silêncio eloqüente", haja vista a Fazenda não se encontrar em mora no período referente ao trâmite do precatório.

 

Dessarte, somente serão devidos juros de mora quando não observado o prazo do art. 100, § 1º, da Lei Maior como indenização pela mora, ou quando o depósito for inferior ao valor constante no orçamento, como penalidade por não cumprimento da obrigação imposta.

 

Sendo assim, tendo a Constituição da República fixado prazo para o pagamento do precatório, não há que se falar em atraso de responsabilidade do devedor no lapso temporal entre a expedição do precatório e a data do efetivo pagamento.

 

Não podemos esquecer que a culpa do devedor é o principal requisito para a configuração da mora solvendi. Estando esta ausente, por ser justificável o atraso no cumprimento da obligatio, não há que se falar em mora.

 

Ademais, caso o credor exija a inclusão de juros moratórios através da expedição de precatório complementar, e, sabendo-se que os juros de mora já integram a primeira conta, ao se fazer incluir novos juros, haverá juros sobre juros, o que é inadmissível por importar em capitalização, desvirtuando a natureza dos juros moratórios.

 

Desafiando o posicionamento adotado pelo e. STJ, e abraçando a tese aqui esposada, o TRF da 1ª Região editou a Súmula nº 45, publicada no DJU de 14.09.2001, com a seguinte redação:

 

"Súmula Nº 45 - Não é devida a inclusão de juros moratórios em precatória complementar, salvo se não foi observado o prazo previsto no artigo 100, parágrafo 1º da Constituição Federal no pagamento do precatório anterior."

 

 

Entre as inúmeras decisões proferidas pelo TRF da 1ª Região, cito uma que aborda com clareza a questão enfocada, in verbis:

 

"PROCESSO CIVIL. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS DE MORA: DESCABIMENTO.

I - A Terceira Turma deste Tribunal já firmou posicionamento no sentido de que não são devidos os juros de mora nas contas de precatório complementar.

II - A mora se configura pelo retardo no adimplemento obrigacional causado pelo devedor, não se confundindo com o lapso de tempo derivado da tramitação do precatório.

III - É descabido o cômputo de juros sobre juros, porque se no primeiro precatório os juros já foram calculados, a mera atualização monetária de seu montante quando do precatório subseqüente remuneraria a demora do pagamento pretendido, acarretado investimento de capitalização.

IV - Agravo a que se dá provimento." (AG 1999.01.00.006485-3/DF, rel. Juiz CÂNDIDO RIBEIRO, DJ 25/02/2000, p. 49).

 

 

O TRF da 5.ª Região sediado em Recife, apesar de a questão estar longe de ser pacífica no âmbito desta Corte, também já produziu acórdão em consonância com a tese aqui defendida conforme demonstra o aresto a seguir:

 

EMENTA: AGRAVO. LIQUIDAÇÃO DE CÁLCULOS. ATUALIZAÇÃO. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS DE MORA. ART. 100, PARÁGRAFO 1.º , DA CARTA MAGNA.

- A CONSTITUIÇÃO, AO TEMPO EM QUE OBRIGA AS ENTIDADES DE DIREITO PÚBLICO A INCLUIREM NO ORÇAMENTO A VERBA NECESSÁRIA AO PAGAMENTO DOS DÉBITOS JUDICIAIS, CONCEDE-LHES UM PRAZO PARA O ATENDIMENTO DE TAL OBRIGAÇÃO: O FINAL DO EXERCÍCIO SEGUINTE.

- EXCLUSÃO, SOMENTE DA PARCELA REFERENTE AOS JUROS DE MORA NO PERÍODO EM QUE TRAMITOU O PRECATÓRIO.

- AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO

(TRF 5.ª REGIÃO - 1.ª TURMA - AGTR 515269-3/AL - DATA: 02.11.1998 - REL. JUIZ CASTRO MEIRA)

 

 

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a questão ainda não foi analisada em seu mérito, tendo o Ministro Carlos Velloso rechaçado Recursos Extraordinários envolvendo a matéria por entender que se trata de questão envolvendo direito infraconstitucional, conforme se observa do seguinte aresto:

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS DE MORA. I - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. II - A incidência de juros moratórios decorre de norma infraconstitucional. Inocorrência do contencioso constitucional autorizador do recurso extraordinário. III - Agravo não provido.

(STF - AGRAG-300091 / SC - DJU: 14.06.2002 - REL. MIN. CARLOS VELLOSO)

 

 

Todavia, tratando matéria análoga, a Suprema Corte assim se manifestou acerca da incidência de juros de mora nos precatórios pagos nos termos do art. 33 do ADCT/88, in verbis:

 

"(...)

JUROS. DÉBITO DA FAZENDA. ARTIGO 33 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. O preceito no artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias encerrou uma nova realidade. Facultou-se ao Estado a satisfação dos valores pendentes de precatórios, neles incluídos os juros remanescentes. Observadas as épocas próprias das prestações - vencimentos - impossível é cogitar da mora, descabendo, assim, a incidência dos juros, no que pressupõe inadimplemento e, portanto, a `mora solvendi´. Os compensatórios têm a incidência cessada em face da referência apenas aos remanescentes e às parcelas tidas como iguais e sucessivas."

(RE nº 154093/SP, rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 18/06/99, p. 00309).

 

 

No que se refere a créditos inscritos em precatório decorrentes de ações de desapropriação para fins de reforma agrária, já encontramos dispositivo legal que trata especificamente da matéria aqui discutida. O art. 15-B do Decreto-Lei n º 3.365/41, acrescentado pela Medida Provisória nº 2.109-47/2000, dispõe que os juros moratórios apenas serão cabíveis acaso seja ultrapassado o prazo previsto no art. 100 da CF/88, in verbis:

 

"Art. 15 - B. Nas ações a que se refere o artigo anterior, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até 6% (seis por cento) ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição."

 

A partir da edição da Medida Provisória acima referida, passamos a possuir em nossa legislação, dispositivo que rejeita expressamente a incidência de juros moratórios durante o período de trâmite do precatório. É de ressaltar que a MP 2.109-47/2000 foi objeto de várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade, não tendo sido, contudo, questionada a constitucionalidade do art. 15-B acima transcrito.

 

Ante o exposto, concluímos que a incidência de juros moratórios ocorre quando o devedor retarda o cumprimento da obrigação por culpa que lhe possa ser atribuída, não sendo este o caso da Fazenda Pública quanto aos créditos inscritos para pagamento através de precatório, uma vez que Poder Público não tem a opção de realizar o pagamento sem a observância da ordem e do prazo previstos na Lei Fundamental.

 

Notas:

§1º com redação dada pela Emenda Cosntitucional nº 30, de 13.09.00

 

Redação Anterior

 

§ 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte.

 

§1º-A acrescentado pela Emenda Constitucional nº 30, de 13.09.00

§2º com redação dada pela Emenda Cosntitucional nº 30, de 13.09.00

 

Redação Anterior

 

§ 2º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

 

 

 

 

 

 

 

retirado de: http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=1437&