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Resíduos Sólidos: falta base legal
Publicação: Jornal O Povo -
Editoria de Opinião - 2/5/99
(artigo completo)
Resíduos Sólidos: falta base
legal
Ricardo Maia
Promotor
A legitimidade do Ministério
Público para questionar matérias tributárias em defesa do cidadão contribuinte
é decorrente de sua Lei Orgânica Nacional (Lei 8.625/93 - art. 80), c/c o
Estatuto do MP da União (LC 75/93 - art. 5°, inc. II, ``a''), determinado que a
ele incumbe ``zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos
ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do
poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte''.
Sob esse ordenamento jurídico,
não poderia escapar de seu crivo a análise da Lei que instituiu a Taxa de
Resíduos Sólidos - TRS, em substituição a uma outra taxa de lixo
inconstitucional.
Sem perquirir sobre o alentado
processo legislativo que lhe deu causa, observemos os estreitos limites para a
criação de uma taxa e alguns defeitos da TRS.
A taxa é espécie do gênero
tributo e tem como fato gerador uma prestação de serviço público, específico e
divisível, prestado ou posto à disposição do contribuinte, considerando-se
serviços específicos os que possam ser destacados em unidades autônomas de
intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas, e divisíveis os que
suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um de seus usuários
(art. 79, inc. II e III, do CTN). Outra condição para sua confecção, é que não
tenham base de cálculo própria de impostos, conforme exigência da CF/88,
repetida pelo CTN (art. 145, § 2º e art. 77, parágrafo único).
A Lei Municipal nº. 8.236, de
31/12/98, que instituiu a Taxa de Resíduos Sólidos (TRS), sustenta que o fato
gerador da taxa são os serviços públicos de "coleta, transporte,
administração e destinação final do lixo domiciliar", esta significando
dizer que é a seleção e a separação de lixo orgânico bem como o seu
reaproveitamento, por reciclagem, porque o referido tributo também custearia um
Programa de Incentivo à Seletividade na Coleta de Lixo.
Pode-se ver, assim, que os
serviços públicos de destinação final, administração e reaproveitamento do lixo
por reciclagem, bem como o sustento de um "Programa de Seletividade"
não estão entre aqueles que podem e devem ser remunerados através de taxa, por
que não são serviços suscetíveis de utilização separadamente, por parte de cada
um dos usuários e aproveitam, indistintamente, a toda a comunidade. Esses
serviços não podem ser destacados em unidades autônomas, não são específicos e
divisíveis, não são mensuráveis para cada contribuinte.
A Taxa de Resíduos Sólidos,
deveria ser, assim, entendida como aquela destinada a remunerar, única e
exclusivamente, o serviço público de coleta de lixo, e somente poderia ter como
base de cálculo o volume do lixo removido, que seria verdadeiramente o serviço
público a ser prestado ou posto à disposição do contribuinte. Como está, ofende
os arts 77 e 79, do CTN, bem como o art. 145, inc. II, da CF/88.
Na Lei Municipal, destaca-se,
ainda, o que diz respeito à base de cálculo, que em nenhum momento está vinculada
à atuação estatal e que valoriza fatos incapazes de mensurar o custo da coleta,
ao se utilizar de fórmula algébrica para calcular o tributo. É que a base de
cálculo leva em conta dados censitários populacionais, dados sobre o consumo de
grupos de contribuintes, inclusão de benefícios e quantidades de utilização de
serviço público posto à disposição dos contribuintes, pelo Município, ou pela
União, Estados e Distrito Federal, e seus entes, a categoria do imóvel e, dados
de ocupação populacional por região do Município.
Após essa infindável ladainha,
surpreende com a fixação de que a base de cálculo é a produção do lixo local
(que local ?).
Mas, de dentro desse rosário
ainda se extrai a confissão do Município de que também praticará a
bitributação, quando afirma que a TRS utilizará como elemento de cálculo o
fornecimento e/ou a utilização de serviços públicos como o de água, esgoto,
luz, telefone, iluminação pública...
Ora, mesmo sem se levar em conta
que a taxa de iluminação pública também é ilegal, a prestação de cada um desses
serviços já é base de cálculo de outro imposto: o ICMS.
Basta reparar na conta de luz,
água, telefone, e verá que o valor principal da contraprestação do serviço
público já é base de cálculo do ICMS e não poderia servir de base para a
cobrança da TRS, sob pena de bitributação, de ofensa ao 145, § 2º, da CF/88 e
art. 77, parágrafo único, do CTN, impedindo que as taxas tenham base de cálculo
própria de impostos.
Não seria demais acrescentar que
a "categoria do imóvel", também incluída na fórmula mágica, é
componente da base de cálculo do IPTU. É que a base de cálculo que repouse em
elementos como localização, área, dimensões, categoria do imóvel - que se
identifiquem, em seus aspectos essenciais, com o conteúdo da base imponível, é
inconstitucional.
Feitas as observações, é preciso
chamar a atenção do legislador de que ele nunca pode perder de vista a
circunstância inescusável de que o exercício do poder tributário há que se
submeter inteiramente aos moldes implícitos ou explícitos estabelecidos pelo
texto constitucional, que institui, sempre em favor do contribuinte, limitações
ao poder de impor e de exigir tributos.
Afora outros fundamentos, a Taxa
de Resíduos Sólidos é ilegal, ante o Código Tributário Nacional; e, é
inconstitucional, porque desobediente à Constituição Cidadã de 1988.
Ricardo Maia é Promotor de
Justiça
retirado de: http://www.ricardomaia.pro.br/artig7.htm