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O término
do processo administrativo-fiscal como condição da ação penal nos crimes tributários
FABIO MACHADO
DE ALMEIDA DELMANTO
I - Introdução
A questão referente à necessidade ou não do prévio esgotamento
da via administrativa para o início da ação penal, nos crimes contra a ordem
tributária, tem sido objeto de grande divergência na doutrina e jurisprudência.
A extinção da punibilidade pela promoção do pagamento antes
do recebimento da denúncia, reintroduzida pelo art. 34 da Lei nº 9.249/95, bem
como a edição da Lei nº 9.430, de 27.12.96, que, em seu art. 83, exigiu decisão
final na esfera administrativa para que seja encaminhada representação
fiscal ao Ministério Público, acirraram ainda mais os debates.
De um lado, está o direito constitucional do Ministério
Público em formar livremente sua opinio delicti e de exercer o jus
persequendi, sobretudo em se tratando de crimes de ação penal pública
incondicionada, como os descritos na Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária,
Econômica e Contra as Relações de Consumo (Lei nº 8.137/90).
Do outro, está o direito igualmente constitucional de o
contribuinte defender-se administrativamente, negando a ocorrência de ilícito
tributário, sem o qual não há crime.
No decorrer deste artigo analisaremos, à luz da doutrina e da
jurisprudência, a necessidade ou não, para a ação penal, da existência de
prévia decisão administrativa. Serão abordadas questões de relevante interesse
para o estudo, como a efetiva exigibilidade do tributo, a provisoriedade do
auto de infração e do lançamento, a competência para o lançamento do tributo,
bem como feitas reflexões acerca da própria tipicidade, materialidade e
condições da ação penal.
II - Oferecimento de denúncia antes do término do processo
administrativo-fiscal
Pode-se dizer que existem basicamente duas correntes sobre a
questão.
A primeira, que ainda predomina na jurisprudência, entende
que o prévio exaurimento da via administrativa não constitui condição de
procedibilidade ou pressuposto de punibilidade.
Já a segunda corrente, que se fortalece na jurisprudência e
encontra amparo na doutrina, é diametralmente oposta àquela, pois defende que o
prévio esgotamento da via administrativa faz-se necessário à ação penal.
a) A primeira corrente
Para os que defendem o primeiro entendimento, o prévio
exaurimento da via administrativa não constitui condição de procedibilidade ou
pressuposto de punibilidade.
Assim, Pedro Roberto Decomain lembra que na ação penal em
matéria de crimes tributários vigem os mesmos princípios que norteiam os demais
delitos de ação penal pública. Citando Magalhães Noronha, recorda que o
Ministério Público é o dominus litis, que sua atuação é obrigatória e
que, devido ao princípio da legalidade, "o Ministério Público é obrigado a
agir tão logo se forme a opinio delicti ou a suspeita de crime, em face
de elementos que lhe são fornecidos pelo inquérito ou por outros meios" (Crimes
Contra a Ordem Tributária, 2ª ed., Florianópolis, Obra Jurídica,
1995, p. 166).
Parecendo desviar-se da questão, os defensores desta posição
invocam a Súmula 609 do STF, que diz ser pública incondicionada a ação penal
por crime de sonegação fiscal.
Sustenta-se a absoluta autonomia entre as instâncias
administrativa e penal, sendo, portanto, desnecessária decisão final
administrativa para instauração de ação penal. O Ministério Público e o Poder
Judiciário não poderiam ficar à mercê da autoridade administrativa ...
Nesta esteira, o Ministro Fláquer Scartezzini, do
Superior Tribunal de Justiça, já entendeu que "o fato por si só de haver
sido ajuizada ação anulatória de débito fiscal, precedida de depósito judicial,
não constitui óbice à procedibilidade da ação penal por sonegação fiscal se os
fatos, tal como descritos na denúncia revestem-se, em tese, de ilicitude
penal" (5ª T., REsp 17.776-0-RS, v.u., DJU 20.3.95, p. 6136, in
RBCCrim 10/258).
Ao julgar pedido de liminar na ADIn 1.571, em que se propugna
pela inconstitucionalidade do art. 83 da Lei nº 9.430/96, o Ministro Néri da
Silveira, do Supremo Tribunal Federal, salientou: "Não define o art.
83 da Lei nº 9.430/96, desse modo, condição de procedibilidade para a ação
penal pública, pelo MP, que poderá, na forma de direito, mesmo antes de
encerrar a instância administrativa, que é autônoma, iniciar a instância penal,
com a propositura da ação correspondente" (j. 20.3.97; Informativo STF
, publicado no DJU em 2.4.97).
b) A segunda corrente
Em sentido contrário, surge uma segunda posição, adotada por
nós, que entende ser imprescindível o prévio esgotamento da via administrativa
para o oferecimento de denúncia por crime contra a ordem tributária.
Isto, não obstante o fato de a ação penal ser pública
incondicionada, já que o tipo penal em questão silencia a respeito (art. 100, caput,
do CP), e o art. 15 da Lei nº 8.137/90 assim dispõe, não tendo o recente art.
83 da Lei 9.430/96 alterado esse quadro. Por outro lado, o fato de o
representante do Ministério Público, com base na Constituição e na lei, ter
"total liberdade" de formar sua opinio delicti e de exercer o jus
persequendi, também não prejudica este entendimento.
O contribuinte, usando de seus direitos constitucionais e
infra-constitucionais, pode impugnar a autuação administrativa, alegando a
inexistência de tributo devido, questionando o auto de infração (ou o ato de
lançamento), enfim, negando que praticou ilícito tributário, pressuposto do
crime. E sem dúvida poderá obter êxito na sua empreitada.
O contribuinte pode também ingressar diretamente com ações
judiciais, visando a anular o auto de infração, sem que tenha terminado o
processo fiscal- administrativo. Neste caso, porém, a esfera administrativa
ficará preclusa. Assim, se o contribuinte ingressar de imediato com ação
judicial (p. ex.: ação de anulação de lançamento de débito fiscal), o processo
administrativo não será instaurado (art. 62 do Decreto nº 70.235/72 - Processo
Fiscal Administrativo). Já em execução fiscal, a propositura de ação judicial
(para discutir a dívida ativa, por exemplo) importa em renúncia ao poder de recorrer
na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto (art.
38, parágrafo único, da Lei nº 6.830/80 - Lei de Execução Fiscal).
Talvez por tal fato é que já existem autores, como Salvador
Cândido Brandão, exigindo para a instauração de ação penal não só o
término do processo administrativo, mas também de eventual ação judicial cível.
O que se levanta aqui são questões acerca da tipicidade na
Lei nº 8.137/90, da materialidade, das condições da ação, da competência para
dizer da real ocorrência (ou incidência) de tributo, do direito do contribuinte
ao devido processo legal etc.
III - A questão da tipicidade.
Competência. O início da ação penal
Da simples leitura do tipo descrito no art. 1º da Lei nº
8.137/90, vê-se que se trata de crime material ou de dano, exigindo, para sua
configuração, efetiva supressão ou redução de tributo. Dispõe o caput do
mencionado dispositivo:
"Constitui crime contra a
ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
.............................................................................".
De plano, cremos que a constatação de que o tributo era
realmente devido é indispensável para que ocorra supressão ou redução,
tratando-se de verdadeiro requisito para a configuração do tipo penal e para
que haja a necessária materialidade delitiva.
A primeira questão que surge é a de como se admitir a
instauração de uma ação penal, se o próprio crime que ela imputa não está com a
sua materialidade comprovada. A nosso ver, como será exposto adiante,
justamente por tal fato não há interesse de agir por parte do Ministério
Público, afastando a justa causa para a ação penal.
A respeito do início de ação penal tão-somente com base em
mero auto de infração, José Eduardo Soares de Melo, com propriedade, ensina que
"nem sempre uma autuação terá como conseqüência dogmática a manutenção das
exigências tributárias, formalizando o respectivo crédito fazendário" e
que, portanto, "o simples fato do fisco haver dado início ao processo não
significa, de modo algum, que se esteja diante de um ilícito tributário, de
natureza criminal, com perfeita caracterização de responsabilidade penal da
pessoa do infrator (criminoso)" (Crimes Contra a Ordem Tributária,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 195, apud René Bergmann
Ávila, IRPJ 1997 e Outros Tributos, Porto Alegre, Ed.
Síntese, 1997, p. 302).
E continua aquele autor: "O sujeito passivo da relação
tributária não pode ser condenado criminalmente no caso da própria Administração,
ou Judiciário, declararem a inexistência de responsabilidade de natureza
tributária, uma vez que a Lei nº 8.137/90 trata de crime de dano que envolve a
materialidade concernente à falta de pagamento do tributo, e 'dolo específico'
por parte do agente (...). A solução coerente é, sem dúvida, a de se considerar
que a propositura da ação penal deve ficar condicionada ao julgamento
definitivo da ação fiscal, na esfera administrativa. Somente depois que a
Administração tiver certeza da ocorrência da sonegação do tributo, vale dizer,
tiver certeza de que a ação do contribuinte teve por escopo evitar o pagamento
de tributo devido, é que se justifica a propositura da ação penal (...). Não
pode haver dúvida, portanto, de que a propositura da ação penal só é possível
depois de feito, definitivamente, o lançamento tributário, sobretudo porque,
com a Lei nº 8.137/90, o resultado passou a integrar o tipo penal. Sem tributo
não pode haver o crime" (idem, ibidem).
A doutrina de Hugo de Brito Machado é também neste
sentido, verbis: "A lei atual define a supressão ou redução de
tributo (art. 1º) como crime material, ou de resultado. Sua configuração exige
que se defina a existência de um tributo devido, para que se possa afirmar sua
supressão, ou redução, mediante uma ou mais das condutas descritas na lei"
("Prévio esgotamento da via administrativa e a ação penal nos crimes
contra a ordem tributária", in RBCCrim 15/ 235).
Eduardo Reale Ferrari, por sua vez, assevera que se "a
dívida tributária possui íntima relação com a tipicidade penal fiscal,
parece-nos clara a impossibilidade de alguém ver-se processado quando evidente
a inexistência do tributo" ("A prejudicialidade e os crimes
tributários", in Boletim IBCCrim 50/6). Com a devida vênia do
ilustre professor, cremos que não é a evidência da inexistência de tributo que
impede alguém de ser processado, mas, sim, a dúvida e a incerteza quanto à real
existência desse tributo, sem o qual não há materialidade delitiva.
Ao lembrar a garantia constitucional da ampla defesa no
processo administrativo, Hugo de Brito Machado, citando dois julgados da 1ª
Turma do TRF da 5ª Região, dos quais foi relator, escreveu:
"Impõe-se que o início da ação penal, nos crimes contra a ordem
tributária, seja condicionado à regular apuração, pelas autoridades
administrativas competentes, da ocorrência do ilícito tributário", até
porque, "admitir-se o início da ação penal antes da manifestação
definitiva da autoridade administrativa sobre a ocorrência da supressão, ou
redução do tributo, resultado que integra o tipo definido no art. 1º da
Lei nº 8.137/90, implica maus- tratos à garantia constitucional da ampla defesa
no processo administrativo" (art. cit., p. 238); esse autor salienta que a
5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, embora com
fundamentação diversa, também já decidiu pelo trancamento de ação penal
iniciada antes do exaurimento da via administrativa.
Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas recorda que, no IX
Congresso Brasileiro de Direito Tributário, promovido pelo IDEPE - Instituto
Internacional de Direito Público e Empresarial, em 1995, o advogado Arnaldo Malheiros
Filho, levando em consideração que se não existir o ilícito fiscal
desapararece com ele o subsidiário (nota nossa: que é o penal), defendeu
que não se deveria iniciar a ação judicial sem que terminasse o contencioso
administrativo. Apoiando este entendimento, aduz aquela autora:
"Não deveria existir a
independência total de hoje. Por segurança jurídica, o crime contra a ordem
tributária deveria ter como condição de procedibilidade para a ação judicial o
pronunciamneto administrativo" (Questões Relevantes de Direito Penal
Tributário, São Paulo, Malheiros Editores, 1997, p. 110).
Nelson Bernardes de Souza recentemente
escreveu a respeito:
"Tendo em vista a definição
legal dos crimes contra a ordem tributária (supressão ou redução de tributos),
eles só se consumam com a efetiva produção desse resultado. E, logicamente, só
se pode falar em supressão ou redução de tributo após o término do procedimento
administrativo, que culmina com o lançamento, atividade privativa das
autoridades fazendárias.
..................................................................................
Com efeito, o término do
procedimento administrativo comprovará, ou não, a materialidade delitiva, o
resultado da ação do contribuinte" ("Crimes contra a ordem tributária
e processo administrativo", in RBCCrim 18/93).
Mais à frente, esse mesmo autor entende, assim como nós, que
o juiz deverá rejeitar a denúncia nos termos do art. 43, III, do CPP, "por
faltar ao órgão acusatório interesse de agir, face à não-comprovação do
resultado descrito no tipo penal, e, por conseqüência, inexistirá justa causa
para a ação penal" (idem, ibidem).
Na mesma esteira está o entendimento de Rosier B. Custódio e
Janaina C. Paschoal ("O término do procedimento administrativo como
pressuposto da ação penal nos crimes tributários", in Boletim
IBCCrim/Edição Especial 45/10).
IV - A jurisprudência
Por ausência de justa causa, em respeito aos direitos fundamentais
da pessoa humana e por razões de economia processual, a 2ª Câmara do Tribunal
de Alçada Criminal de São Paulo, em julgamento de habeas corpus, tendo
como relator o Juiz, hoje Desembargador, Ricardo Lewandowski, assim se
pronunciou:
"Ora, esta 2ª Câmara, no habeas
corpus 269/96-01, já decidiu o seguinte:
'A instauração de ação penal
antes de constituído definitivamente o crédito tributário constitui
constrangimento ilegal por ausência de justa causa.
A prudência, o respeito aos
direitos fundamentais da pessoa humana e até razões de economia processual
recomendam que se aguarde, nos delitos fiscais, o exaurimento da instância
administrativa para, só então, desencadear-se o procedimento criminal'.
Argumentou-se, naquela
oportunidade, que, embora o C. Superior Tribunal de Justiça tenha entendido, no
Recurso de Habeas Corpus 4.118-8-SP, relatado pelo eminente Min. Pedro
Acioli, que, ocorrendo em tese o delito de sonegação fiscal, não é
indispensável o prévio exaurimento da via administrativa, para o prosseguimento
da persecutio criminis, aquela Corte reconheceu, no mesmo acórdão, que a
instância penal e a administrativa se intercomunicam. (...)
Isto posto, pelo meu voto,
considerando que não existe, por ora, justa causa para o prosseguimento do
inquérito, concedo a ordem para trancá-lo" (HC 283.226/4, j. 23.11.95,
v.u., RT 728/551).
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por sua 2ª Turma, à
unanimidade, no julgamento do HC 96.03.058815-6, realizado em 1.4.97, tendo
como relatora a Juíza Sylvia Steiner, neste mesmo sentido se manifestou:
" Habeas corpus -
Trancamento de ação penal - Falta de justa causa - Ação penal por crime fiscal
instaurada na pendência de recurso na esfera administrativa - Inexistência da
certeza do ilícito tributário - Questão prejudicial absoluta - Ordem concedida.
1. A certeza da existência de
tributo devido e não pago é pressuposto para a instauração da ação penal, pois
diz com a prova da materialidade delitiva, que é condição da ação penal.
2. O art. 83 da Lei nº 9.430/96
não criou hipótese de condição de procedibilidade, destinando-se apenas a
derrogar normas contidas no Decreto nº 982/93, que previam a representação da
autoridade fiscal ao Ministério Público tão logo lavrada a notificação fiscal
de lançamento de débito.
3. Compete privativamente à
autoridade fiscal dizer da existência de tributo devido (art. 142 do CTN).
Antes de apurada a existência de ilícito tributário, não se pode falar em
ilícito penal. Precedentes.
4. Ordem concedida, para
trancar-se a ação penal por falta de justa causa" (ementa).
Vale a pena trancrever parte do judicioso voto da relatora
Juíza Sylvia Steiner, no julgamento acima:
"Ora, nos crimes fiscais,
o pressuposto de quaisquer dos tipos que os definem é, exatamente, a existência
de um tributo devido. Sem a constatação de existência de um tributo devido, não
há como falar-se em supressão, redução, ou na omissão de seu pagamento ou
recolhimento. O pressuposto diz com a materialidade delitiva, elemento
essencial para configuração da justa causa para a ação penal".
Neste voto, foram trazidos à colação os seguintes
precedentes: TRF da 3ª Região, 2ª Turma, HC 96.03.060711-8, rel. Juíza Sylvia
Steiner, j. 17.9.96, DJU 9.10.96, p. 76292; TRF da 1ª Região, 4ª
Turma, rel. Juíza Eliana Calmon, j. 20.03.95, DJU 17.4.95, p.
21581;TRF da 5ª Região, 1ª Turma, in Revista de Direito Tributário do
TRF da 5ª Região, 1, 1995, p. 171). De nossa parte, lembramos mais este:
TRF da 3ª Região, 2ª Turma, HC 97.03.001571-9, rel. Juíza Sylvia Steiner,
j. 6.5.97, v.u., DJU 21.5.97.
Ainda naquele mesmo aresto, a referida relatora transcreveu
preciosa lição do Ministro Assis Toledo:
" 'A ilicitude penal não
se restringe ao campo do direito penal: projeta-se por todo o direito. Por isso
é que Welzel define a ilicitude como sendo 'a contradição da realização
do tipo de uma norma proibitiva com o ordenamento jurídico como um todo.' Disso
resulta que um fato ilícito penal não pode deixar de ser igualmente ilícito em
outras áreas do direito, pois um ato lícito, civil, administrativo, etc., não
pode ser ao mesmo tempo um ilícito penal" (Princípios Básicos de
Direito Penal, Saraiva, 1986, p. 153).
Em outra oportunidade, o Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por sua 1ª Turma, no julgamento do HC 96.03.021354-3, realizado
em 11.3.97, in DJU 25.3.97, p. 17836, tendo como relator o Juiz Sinval
Antunes, por unanimidade, manifestou-se nesse exato sentido, verbis:
"(...) 2. Apresenta-se
precipitada a denúncia apresentada antes do término do processo administrativo
fiscal. Se à Fazenda Pública não é dado o ajuizamento de execução fiscal,
enquanto houver pendência de recurso na instância administrativa, porquanto
somente após o julgamento de referido recurso o débito passará a ser inscrito
em dívida ativa, igualmente não pode o Ministério Público, antes disso, propor
ação penal, até porque inexiste ainda ilícito fiscal. Portanto, inexistindo
ilícito tributário, muito menos existirá razão para apuração de ilícito penal.
(...)" (Boletim IBCCrim 54/193).
Em idêntica manifestação dos mesmos Tribunal, Turma e
relator, estão os seguintes acórdãos: HC 96.03.019171-0, j. 25.03.97, v.u., DJU
15.4.97; HC 96.03.021354-3, j. 11.3.97, v.u., DJU 25.3.97; HC
96.03.021515-5, j. 25.3.97, v.u., DJU 15.4.97.
Ainda o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em r. despacho
da lavra do Juiz Newton De Lucca, nos autos do HC 97.03.004211-2,
concedeu parcialmente liminar para suspender a ação penal até o julgamento
definitivo do processo administrativo. Referindo-se ao art. 83 da Lei nº
9.430/96, é daquele judicioso despacho a seguinte passagem:
"O referido dispositivo
legal passa a integrar em boa hora o nosso ordenamento jurídico. É curial que a
existência e a legalidade do crédito é prejudicial ao processo penal que se
move para apenar o sujeito passivo da obrigação tributária que permanece
inadimplente, como já vinha sustentando doutrinariamente Hugo de Brito
Machado (cf. 'Prévio esgotamento da via administrativa e ação penal nos
crimes contra a ordem tributária', in Revista Brasileira de Ciências
Criminais, ano 4, nº 15, p. 231).
Vinculando a denúncia criminal
à certeza de que o crédito é mesmo exigível e legal, resguarda-se a máquina
judiciária, que só será movimentada quando o crédito tributário for considerado
legítimo pelo menos no seio da própria administração".
Edmar Oliveira Andrade Filho lembra que
o Supremo Tribunal Federal, por sua 1ª Turma, no julgamento do RHC 50.523/SP,
em 9.2.73, manteve acórdão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, onde
ficou consignado o entendimento de que não havia regra geral que vinculasse o
Poder Judiciário, em matéria de sonegação fiscal (Lei nº 4.729/65), à decisão
definitiva proferida na instância administrativa. Naquela oportunidade,
consignou-se ainda que somente a questão prejudicial do art. 92 do CPP é obrigatória,
sendo as demais facultativas (Direito Penal Tributário - Crimes Contra a
Ordem Tributária, São Paulo, Atlas,1995, p. 154). Porém, o voto
vencido do mencionado aresto paulista, da lavra do Juiz, depois Desembargador,
Francis Davis, merece ser transcrito:
"Não se aguardar, nos
casos concretos, o pronunciamento final das autoridades administrativas, de
último escalão, representará, na prática, por via indireta, cerceamento de
defesa, com infringência da garantia prevista no art. 153, § 4º, da Constituição
Federal, e pela qual 'a lei não poderá excluir da apreciação do Poder
Judiciário qualquer lesão de direito individual'. (...) Mas pouco adiantará o
direito de Recurso ao contribuinte, ou estar desobrigado de garantir a
instância, se ficar sujeito, por outro lado, antes do julgamento de seu apelo,
aos ônus, limitações, percalços e humilhações, de uma ação penal, por sonegação
fiscal" (ob. e p. cits.).
Edmar Oliveira de Andrade faz parte
daqueles que entendem, a nosso ver acertadamente, "que a consumação dos
crimes contra a ordem tributária só pode ser afirmada depois de esgotadas todas
as instâncias administrativas de que dispõe o sujeito passivo para discutir a
exação. Isto porque o lançamento tributário, como vimos, pode perfeitamente ser
desconstituído, hipótese em que desapareceria o núcleo do tipo penal: a
supressão ou redução ilegal do tributo ou contribuição" (ob. cit., p. 96).
E continua o mencionado autor: "se há contestação acerca do
lançamento ou da materialidade da obrigação tributária, não há como comprovar a
materialidade do crime contra a ordem tributária, que como vimos, requer o
resultado para se consumar" (ob. cit., p. 147).
O autor acima citado lembrou, ainda, a existência de acórdão
do Supremo Tribunal Federal (HC 71.755-1, in DJU 4.11.94) da lavra do
Ministro Paulo Brossard, em que foi concedida ordem de habeas corpus para
obstar o seguimento da ação penal, já que a materialidade do fato gerador da
obrigação tributária ainda se encontrava em fase de discussão no âmbito
administrativo (ob. cit., pp. 146 e 147).
Judicioso foi o voto vencido do Juiz Paim Falcão, do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento do HC 97.04.31100-1/SC, verbis:
"Se o crédito tributário nasce
com o lançamento, e o lançamento ainda não se efetivou, porque está sendo
discutido na esfera administrativa, não se pode exigir do contribuinte o
pagamento de qualquer quantia. Isso é uma lição básica de Direito Tributário. A
exigibilidade do crédito tributário condiciona-se à sua constituição por meio
do lançamento. É claro que são duas instâncias bem diferentes, a administrativa
e a judicial. Mas, na verdade, esse crédito tributário não existe, e o fato
típico imputado ao paciente é o de que ele deixou de recolher o tributo.
E existe tributo ? Se o tributo
ainda está sendo discutido, na verdade, trata-se de uma questão prejudicial, e,
enquanto não estiver constituído definitivamente o crédito tributário com o
lançamento - art. 142 do Código Tributário Nacional -, esse crédito tributário
inexiste. Em conseqüência, a ação típica imputada a ele não existe também.
Ante o exposto, concedo a
ordem" (DJU de 17.9.97).
Recentemente surgiu jurisprudência, com a qual não
comungamos, no sentido de que a ação penal independe da conclusão do
procedimento administrativo-fiscal, mas a instauração deste é indispensável
para comprovar a glosa da dedução tida como indevida (TRF da 1ª Região, 3ª
Turma, Ap. 96.01.31.381-8-DF, rel. Juiz Osmar Tognolo, j. 24.6.97, v.u.,
DJU 15.08.97, p. 63687, in Ementário de Jurisprudência, na
RBCCrim 20).
Com efeito, sabemos que o auto de infração (que geralmente se
constitui em ato imposição de multa e lançamento) é provisório,
existindo por isso mesmo recurso administrativo (que suspende a exigibilidade).
A mera indicação do valor da glosa da dedução tida como indevida, feita
naqueles procedimentos, não pode ser o suficiente para a instauração de ação
penal, já que não traz a necessária materialidade delitiva.
O art. 34 da Lei nº 9.249/95 previu a promoção do pagamento
antes do recebimento da denúncia como causa extintiva da punibilidade. Num
primeiro momento, este dispositivo é bastante benéfico, pois, com o pagamento,
extingue-se a punibilidade. Mas, por outro lado, e sob a ameaça de um processo
penal, acaba-se por compelir o contribuinte ao pagamento imediato do tributo,
sem qualquer contestação.
Em nossa opinião, tal dispositivo não tolheu o contribuinte
do direito de contestar o lançamento através de procedimento próprio, podendo,
sem dúvida, obter êxito, e demonstrar não haver tributo devido nem, portanto,
crime. Deve-se pagar o montante realmente devido, o que só ocorre após o
julgamento de todos os recursos administrativos cabíveis. Exigir que o
contribuinte pague sem contestar, a fim de se ver livre de ação penal, é forma
atentatória de princípios constitucionais, como a ampla defesa, o contraditório
e o devido processo legal, atropelando, ainda, a lei ordinária que lhe dá o
direito de contestar (Decreto nº 70.235/72 alterado pela Lei nº 8.748/93 -
Processo Administrativo Fiscal). É por isso que o referido art. 34 não retirou
o direito de o contribuinte de contestar o auto de infração. Se o contribuinte
preferir pagar, sem contestar, a punibilidade está extinta; mas, se quiser contestar,
a ação penal não poderá ter início, sob pena de violação de nossa Lei Maior.
O exercício de um direito constitucional (o da impugnação administrativa)
não pode acarretar consequências tão danosas como a instauração de ação penal.
Juízes federais criminais de 1ª Instância têm determinado,
antes do recebimento da denúncia, a intimação do denunciado para, se quiser,
promover o pagamento, com a conseqüente extinção da punibilidade, e os
Tribunais já se manifestam no sentido da legalidade da medida. Não obstante tal
atitude seja louvável, porque favorável ao acusado que pode se ver livre do
processo criminal, ela, como dissemos, viola os direitos constitucionais e
infraconstitucionais do devedor-contribuinte, que acaba por ser forçado a abrir
mão de direitos tão arduamente conquistados. Sem dúvida, o referido art. 34 é
que se deve amoldar à Constituição, e não o contrário. Cremos que, se o
contribuinte, através de seu advogado, peticionar ao juiz e demonstrar que está
contestando o auto de infração e o lançamento perante a autoridade
administrativa, tudo de acordo com a Lei Maior e com a legislação
infraconstitucional, o juiz não poderá receber a denúncia, sob pena de gerar
constrangimento ilegal sanável por habeas corpus.
E o art. 83 da Lei nº 9.430/96, que exigiu decisão final
na esfera administrativa para que seja encaminhada representação fiscal
ao Ministério Público, não obstante não tenha restringido a atividade do
Ministério Público (art. 129, I, da CF/88), está a demonstrar a vontade do
legislador de não ter início a ação penal sem o término do processo
administrativo.
V - Ausência de interesse de agir. Falta de justa causa
Enquanto não houver o término do processo
administrativo-fiscal, não haverá, por parte do Ministério Público, interesse
de agir, importando em falta de justa causa para a ação penal.
Conforme prelecionam Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, as condições da ação são:
legitimação ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica. Salientam
que a doutrina processual penal costuma acrescentar, a essas condições
genéricas, outras, denominadas condições específicas de procedibilidade,
tais como a representação do ofendido, a requisição do Ministro da Justiça, a
entrada do agente no território nacional etc. (in As Nulidades no Processo
Penal, 3ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1993, p. 59).
Quanto ao interesse de agir, esses autores explicam:
"O primeiro requisito do
interesse de agir é a necessidade ou utilidade do uso das vias jurisdicionais;
o segundo é a adequação do provimento e do procedimento. Nessa colocação, o
interesse de agir é uma imposição do princípio da economia processual
(...) Pode-se também falar no interesse-utilidade, compreendendo a idéia de que
o provimento pedido deve ser eficaz: de modo que faltará interesse de agir
quando se verifique que o provimento condenatório não poderá ser aplicado (...)
Mas a doutrina processual penal brasileira costuma apontar a justa causa (ou fumus
boni juris) vista como idoneidade do pedido, como interesse de
agir na ação penal condenatória (ob. cit., pp. 60 e 61).
A ausência de decisão final administrativa sobre a ocorrência
de ilícito tributário implica não-demonstração da materialidade, sem a qual há
falta de interesse de agir (interesse-utilidade). Isto porque, sem a prova da
materialidade, o pedido condenatório certamente não augurará provimento,
tolhendo o processo de qualquer utilidade, além de gerar constrangimento ilegal
e de atentar ao princípio da economia processual.
Com efeito, sabemos que a autoridade administrativa é a única
exclusivamente competente para dizer da existência de tributo devido, conforme
o art. 142, caput, do CTN, verbis:
"Compete privativamente à autoridade
administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido
o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador
da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o
montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor
aplicação da penalidade cabível".
Ives Gandra da Silva Martins, em
parecer intitulado "O ilícito tributário e o ilícito penal tributário
...", publicado na RT 700/449, referindo-se ao art. 142 do CTN,
escreveu: "A clareza do dispositivo espanca qualquer dúvida, visto que apenas,
tão-somente, exclusivamente e unicamente a autoridade administrativa, na
modalidade de ofício, pode constituir o crédito tributário", tratando-se
de "um ato declaratório e constitutivo de competência exclusiva do órgão
administrativo e nunca do Ministério Público" (p. 454).
Sobre a questão da independência das esferas penal e
administrativa, esse mesmo autor, no citado artigo, fez a seguinte assertiva:
"Um último argumento merece ser rebatido, qual seja, o da desvinculação da
ação penal em relação à ação fiscal. Tal desvinculação, todavia, colocada por
força da Súmula 609 do STF, tem seus limites no âmbito do direito penal, que,
não conformando a hipótese da punição por integração analógica, não pode
admitir que onde a lei penal extingue a punibilidade por atos pertinentes ao
processo fiscal, a desvinculação seria restabelecida, à luz exclusiva da tese
da 'procedibilidade autônoma'" (p. 453).
Por tal motivo é que cremos não poder o juiz criminal
decidir, antes da autoridade administrativa, pela existência de supressão ou
redução de tributo, mesmo em se tratando de mero juízo preambular de
recebimento da denúncia. Como veremos, tal entendimento é válido não só para os
delitos materiais do art. 1º da Lei 8.137/90 mas, também, para os crimes
formais do art. 2º, incisos I e II, do mesmo diploma. Caberá a ele, portanto,
aguardar o pronunciamento definitivo da autoridade extrajudicial, sem o qual
não poderá receber denúncia e, muito menos, proferir sentença condenatória.
É claro que, devido a demora na conclusão do processo
administrativo, a prescrição de tais crimes será provável. Evidentemente, a
suspensão do curso do prazo prescricional resolveria o problema. Todavia, a
nossa legislação não prevê a suspensão da prescrição para o particular caso.
Saliente-se que a disciplina do art. 116 do CP (causas impeditivas ou
suspensivas da prescrição) destina-se às questões prejudiciais dos arts. 92 a
94 do CPP, que em princípio só se aplicam à ação penal já instaurada, o que não
será objeto do presente estudo.
Hugo de Brito Machado sustenta a respeito: "Crime de
resultado, para cuja configuração é indispensável a supressão ou redução de
tributo, pressupõe a existência de uma relação jurídica tributária, isto é,
pressupõe a existência de um tributo. Sem um tributo, que possa, de fato, ser
suprimido, ou reduzido, evidentemente não se pode consumar o crime contra a
ordem tributária (...) No sistema jurídico brasileiro, compete privativamente à
autoridade administrativa dizer da existência, e dimensionar economicamente a
relação tributária. Em outras palavras, compete privativamente à autoridade
administrativa lançar o tributo. Assim, a manifestação definitiva da autoridade
da Administração Tributária é indispensável para que se possa ter como
configurado o crime de supressão ou redução de tributo, ou fraude com esse fim
praticada" (art. cit., p. 236).
Em recente artigo "Anotações ao crime de não
recolhimento de contribuições previdenciárias", da lavra do Juiz Ney de
Barros Bello Filho, in RT 732/484, entendeu-se, também, que "não
cabe ao juiz criminal decidir se é ou não devida a contribuição social",
raciocínio que por analogia deve ser aplicado também aos crimes descritos na
Lei nº 8.137/90.
Pensamos, assim, que a pendência de processo
administrativo-fiscal (desde que nele esteja sendo discutida questão elementar
do crime, como a real exigibilidade do tributo) traduz falta de interesse de
agir do Ministério Público pois, na esteira dos autores acima citados, o
provimento do pedido, in casu, não será possível, tornando o processo
sem utilidade e, portanto, ineficaz, constituindo afronta ao princípio da
economia processual e cofigurador de constrangimento ilegal.
O Juiz Federal Nelson Bernardes de Souza, no artigo
"Crimes contra a ordem tributária e processo administrativo, divulgado
na revista virtual Teia Jurídica - Internet, manifestou-se a respeito, verbis:
"Com efeito, o término do
procedimento administrativo comprovará, ou não, a materialidade delitiva, o
resultado da ação do contribuinte (...). Como então ter-se como comprovado o
delito contra a ordem tributária tão-somente com base na autuação fiscal, que
não passa em última análise de um lançamento provisório. Na esteira dessas
lições pode-se concluir facilmente que só o lançamento definitivo trará a
demonstração da materialidade delitiva; se constituirá no corpo de delito, já
que é ele que corporifica o resultado supressão ou redução de tributo ou
contribuição (...)" (apud artigo "Considerações sobre a
natureza jurídica da norma prevista no art. 83 da Lei nº 9.430/96", de
Aloísio Firmo Guimarães da Silva e Paulo Fernando Corrêa, no prelo para
publicação no Boletim IBCCrim)
Nesse sentido, Salvador Cândido Brandão escreveu:
"Inobstante a posição da
jurisprudência também nos filiamos à corrente que entende que a procedibilidade
da ação penal depende de prévia apuração da dívida fiscal e após decisão
definitiva não só administrativa mas judicial. E isto porque uma exigência fiscal,
base para uma ação penal, pode ser afastada por ilegalidade ou
inconstitucionalidade pelos Tribunais administrativos ou judiciais (arts. 156,
IX e X, do CTN). Vide voto vencido do Juiz Francis Davis, no HC
37.638-SP, RTJ 65/631".
É interessante notar que este último autor foi mais longe,
exigindo também a decisão final de eventual ação judicial, e não apenas da
esfera administrativa. Sem dúvida, nada impede que após o término do processo
fiscal, o contribuinte entre com ação judicial, que poderá desconstituir ou
anular a decisão administrativa, entendendo que o tributo (elemento
configurador do tipo penal), a final, não era exigível. Todavia, cremos,
por ora, que apenas o término do processo administrativo é necessário à ação
penal, isto é, constitui condição da ação penal consistente no interesse de
agir. Uma futura decisão judicial cível favorável poderá, obviamente, servir de
fundamento para uma revisão criminal ou mesmo um habeas corpus.
Duas colocações da jurisprudência merecem considerações. A
primeira delas pretende que o início da ação penal independe do
término do processo administrativo, mas a decisão final administativa constitui
pressuposto para a tipicidade e , portanto, para a condenação. A segunda, muito
semelhante, entende que a ação penal independe da conclusão do
procedimento administrativo-fiscal, mas a instauração deste é indispensável ao
início daquela.
Data venia, a nosso ver, ambas as
assertivas encontram-se equivocadas.
Quanto à primeira, como pode um processo ter início na
pendência de uma decisão incerta e variável (que é a decisão final
administrativa condenatória), sem a certeza, portanto, de que poderá ser
julgado procedente ? Há evidente falta de interesse de agir, pois, como vimos,
a viabilidade do provimento do pedido (isto é, a condenação) deve ser aferida
no exato momento em que é feito, ou seja, por ocasião do recebimento ou
rejeição da denúncia. Essa viabilidade não pode ser presumida nem postergada
para o momento da sentença, havendo, assim, falta de justa causa (ou do fumus
boni juris) para a ação penal.
A segunda orientação também merece críticas. É que a
instauração do procedimento administrativo-fiscal, a despeito de se tratar de
um ato administrativo, nada traduz. Não pode jamais ser o suficiente
para o início de ação penal, pois o lançamento é totalmente provisório, podendo
ser revogado ou anulado pela própria Administração, ou até anulado pelo
Judiciário. Por último, o auto de infração e o lançamento não trazem a certeza
da materialidade delitiva, que, aliás, está sendo discutida na esfera
administrativa, importando em falta de interesse de agir (condição da ação) do
Ministério Público.
Assim, por exemplo, se a acusação referir-se ao art. 1º, I
(omissão de informação ou prestação de declaração falsa para suprimir ou
reduzir tributo), ou mesmo ao art. 1º, II (fazer declaração falsa ou omitir
declaração ou empregar outra fraude para eximir-se total ou parcialmente de
pagamento de tributos), da Lei nº 8.137/90, e o contribuinte estiver
contestando tal acusação administrativamente, o Ministério Público carecerá de
interesse de agir, já que a materialidade não está comprovada. O mesmo sucede
com um auto de lançamento feito de má-fé ou por engano. Iniciar-se a ação penal
com base tão-somente numa autuação ou lançamento administrativo, que são
provisórios, viola não só os requisitos da ação penal, mas as garantias do
devido processo legal e da ampla defesa no processo administrativo, bem como o
princípio da economia processual.
VI - Crédito tributário, auto de infração, lançamento e
suspensão da exigibilidade
Como se diz, o Direito Penal Tributário criminaliza condutas
que primeiramente devem ser ilícitos tributários, razão pela qual costuma-se
dizer ser subsidiário o crime tributário. Assim, o estudo de institutos do
Direito Tributário, bem como de outros ramos do Direito, é necessário à melhor
compreensão da matéria.
Paulo de Barros Carvalho ensina que "nasce o
crédito tributário no exato instante em que irrompe o laço obrigacional,
isto é, ao acontecer, no mundo físico exterior, aquele fato hipoteticamente
descrito no suposto normativo" (Curso de Direito Tributário, 7ª
ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 250).
O mesmo autor preleciona que o "lançamento é o ato
jurídico administrativo, da categoria dos simples, modificativos ou
assecuratórios ou vinculados, mediante o qual se declara o acontecimento de
fato jurídico tributário, se identifica o sujeito passivo da obrigação
correspondente, se determina a base de cálculo e a alíquota aplicável,
formalizando o crédito e estipulando os termos de sua exigibilidade"
(ob. cit., p. 260).
Explicando a diferença entre as expressões auto de
infração e lançamento, aquele professor salienta a possibilidade de
na peça nominada auto de infração existirem aqueles dois atos. Neste
caso, aduz que "na parte que exigir tributo será ato de lançamento; na
que impuser penalidade, ato de imposição de multa" (ob. cit., p. 274).
É também do mesmo autor a afirmação de que "o
lançamento, como ato jurídico administrativo que é, pode ser tido como nulo ou
anulável. Mas convém lembrar que a anulação não se confunde com a figura da
revogação. A Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, deixou isso bem claro: 'A
Administração revoga ou anula o seu próprio ato; o Judiciário somente anula o
ato administativo ...' "
(ob. cit., p. 275).
Feito o lançamento, o crédito, que já existia desde a
ocorrência do fato gerador, mas era ilíquido e incerto, passa a ser exigível.
Todavia, se o contribuinte impugnar o ato administrativo, a exigibilidade do tributo
estará suspensa, nos termos do art. 151, caput, do CTN, verbis :
"Suspendem a exigibilidade
do crédito tributário: I - a moratória; II - o depósito do seu montante
integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras
do processo tributário administrativo; IV - a concessão de medida liminar em
mandado de segurança".
É ainda do magistério de Paulo de Barros Carvalho a assertiva
de que a sustação da exigibilidade do crédito significa "que o Poder
Público, na pendência da solução administrativa, ficará inibido de inscrever
a dívida e procurar o Poder Judiciário para requerer seus direitos"
(ob. cit., p. 296).
E aqui voltamos à nossa questão. Se o recurso administrativo
suspende a exigibilidade do crédito, não podendo ser inscrito na dívida ativa
nem, portanto, objeto de execução fiscal, como pretender ser possível, então, o
início de ação penal por crime contra a ordem tributária, se este mesmo tributo
(que está com sua exigibilidade suspensa) é elemento constitutivo do crime?
Ou seja, pendente recurso administrativo, não se pode
proceder à execução fiscal, mas a ação penal poderia perfeitamente ter início!
A nosso ver, trata-se de uma total incongruência ...
VII. E o crime formal do art. 2º da Lei nº 8.137/90?
Por outro lado, indagamos: a prévia constatação da existência
do tributo na esfera administrativa, seria também vital para a instauração de
ação penal pelo crime formal do art. 2º da Lei nº 8.137/90?
A doutrina, em geral, tem exigido o término do procedimento
fiscal somente nos crimes materiais, e não nos formais. Neste sentido, está o
artigo de Alex Nunes de Figueiredo, promotor de justiça em Rondônia, "Os
crimes materias contra a ordem tributária e a ação penal respectiva",
no prelo para publicação no Boletim IBCCrim. Este autor, que
entende ser imprescindível o término do procedimento administrativo-fiscal
apenas nos crimes materiais, explica "que o lançamento somente se tornará
imutável quando o agente passivo da obrigação tributária, após ter sido
regularmente notificado, deixa de oferecer a competente defesa, ou recurso
administrativo, ou se defendendo, não lograr êxito na instância recursal tendo
contra si decisão transitada em julgado no âmbito administrativo; aí sim estará
definitivamente constituído o crédito tributário, passando, portanto, a ser
exigível".
Ousamos ir mais longe, para exigir o "trânsito em
julgado" da esfera administrativa não só para os crimes materiais mas,
também, para os crimes formais da Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária.
Como vimos, o legislador exigiu para a configuração do crime
do art. 1º da referida lei, a ocorrência efetiva de supressão ou redução de
tributo, mediante as condutas que descreve: I - omitir informação, ou prestar
declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização
tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer
natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal etc.
Já no art. 2º, tal exigência não foi feita, contentando-se o
legislador com a mera ocorrência das condutas descritas, não exigindo, a
priori, resultado. Prevê o referido dispositivo: "Constitui crime da
mesma natureza: I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas,
bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou
parcialmente, de pagamento de tributos; II - deixar de recolher, no prazo
legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na
qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres
públicos ". (...)
Como vimos, o crime do art. 1º da Lei nº 8.137/90, por ser
material, só se configura com a efetiva supressão ou redução de tributo. Quanto
ao crime do art. 2º, a doutrina, via de regra, entende tratar-se de crime de
mera conduta e/ou de crime formal, que se configura no momento da ação ou
omissão, independentemente do resultado.
A questão que se propõe é a seguinte: se o elemento subjetivo
do tipo do art. 2º, I, constitui-se no fim especial de eximir-se, total ou
parcialmente, de pagamento de tributos, e se o crime do inciso II é deixar
de recolher, no prazo legal, valor de tributo, poder-se-ia também
indagar: se a prévia constatação da existência e da exigibilidade de tal
tributo (a ser decidida pela esfera administrativa) constitui imperativo
para que o crime se configure, e para que haja, conseqüentemente, justa causa
para a ação penal ? Entendemos que sim.
Com efeito, a exemplo do que ocorre nos crimes materiais, se
o contribuinte, nos formais, vier a provar na esfera administrativa (exercendo
seus direitos constitucionais) que o tributo não era exigível, cremos que não
há como subsistir os crimes descritos nesse art. 2º, impedindo-se, destarte, o
início da ação penal.
Outro fator importante que embasa esta nossa opinião, quiçá
censurável, está em que há enorme identidade (senão homogeneidade) entre as
condutas descritas nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90. Como exemplo, tomemos
os seguintes dispositivos:
Art. 1º,
inciso I: omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias; pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
Art. 1º,
inciso II: fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos,
ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela
lei fiscal; pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
Art. 2º,
inciso I: fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou
fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de
pagamento de tributo; pena: detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e
multa.
É fácil notar a enorme semelhança entre tais dispositivos.
Assim, temos que a conduta prevista no art. 1º, I (omitir informação ou
prestar declaração falsa) encontra também previsão no art. 2º, I (fazer
declaração falsa ou omitir declaração). Igualmente, quanto ao emprego de
fraude, há tipificação tanto no art. 1º, II, como no art. 2º, I.
Sobre os incisos I dos arts. 1º e 2º, Paulo José da Costa Jr.
e Zelmo Denardi já escreveram que eles "mantêm estrita relação" e que
"em ambos os dispositivos é incriminada a omissão de informação ao Fisco,
ou a prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias" (Infrações
Tributárias e Delitos Fiscais, São Paulo, 2ª ed., 1996, p. 109).
O legislador, assim, tipificou as mesmas condutas, mas
em artigos diferentes. No art. 1º exigiu a ocorrência da supressão ou redução
de tributo; já no art. 2º, relevou o resultado, contentando-se tão-somente com
a mera conduta.
Ora, se para a ocorrência do crime material do art. 1º - cuja
pena é mais severa - doutrina e jurisprudência exigem o término do procedimento
administrativo-fiscal, por que não exigi-lo também para a configuração do art.
2º, que é bem menos grave !? Haveria total desproporcionalidade e tratamento
desigual para condutas que, no fundo, são as mesmas.
Aliás, Hugo de Brito Machado já enfrentou a questão, dizendo:
"É certo que a Lei nº
8.137/90 define também crime formal, ou de mera conduta. Mesmo neste, porém, é
imprescindível a existência de um tributo devido, sem o qual o dolo específico
não é possível".
Em nota de rodapé, o autor acima conclui:
"Mesmo em relação ao crime
de mera conduta, é razoável admitir-se que é imprescindível a prévia decisão
administrativa sobre o tributo devido, desde que o dolo específico, o propósito
de suprimir ou reduzir tributo, é essencial para a configuração do crime"
(Ação penal nos crimes contra a ordem tributária - Prévio esgotamento da via
administrativa, in RJ 234 - abr/97, Ed. Síntese, Porto Alegre, p. 34).
Tratando mais precisamente sobre a omissão prevista no art.
2º da Lei em questão, Arnaldo Malheiros Filho diz: "Ao lado dos
remissos (nota nossa: que não entregam sua declaração no prazo), estão
fora também da esfera de incidência da norma penal os que omitirem informações
que não levem à incidência ou ao acréscimo de imposto" ("Omissão de
rendimentos presumidos", in RBCCrim 15/223).
E não é por menos que o mesmo autor conclui: "A omissão
penalmente relevante pressupõe uma situação típica, caracterizada pela
existência material de fato que se ajuste ao dever de declarar. Além disso,
deve ser fraudulenta e idônea para o fim de eximir o agente, total ou
parcialmente, mas significativamente, do pagamento de tributo" (art. cit.,
p. 229).
Interpretando as palavras desse autor, temos que a omissão só
será relevante, típica portanto, se estiver caracterizada a existência material
do fato que deve ser declarado, qual seja, a existência certa do tributo, o
que, em nosso entendimento, só existirá com a decisão final na via
administrativa. E isto se aplica também para a omissão descrita no inciso I do
art. 2º.
Discorrendo sobre a tipicidade nos crimes de omissão da Lei
nº 8.137/90, esse ilustre advogado salienta, ainda, que "a
omissão não é um simples não fazer, mas sim 'não fazer algo determinado'
(Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal - Parte General,
II/848). Assim, o primeiro requisito de qualquer crime omissivo é a existência
da situação típica, que é aquela que 'permite deduzir em cada caso o
conteúdo concreto do dever de atuar' (idem, ibidem), dever esse, cuja
inobservância leva a um resultado vedado pela norma. Além do elemento
objetivo, há, nos delitos omissivos de um modo geral, o elemento subjetivo,
que inclui o conhecimento do agente, quanto à existência da situação típica, de
seu dever de agir e sua consciência e vontade de não fazer o que a lei
determina para aquela situação (cf. o monumental estudo de Alberto Cadopi, Il
Reato Omissivo Proprio)" (art. cit., p. 223).
É ainda daquele mesmo autor a assertiva de que "o
Direito Penal pune a conduta que, com a fraude, se dirige ao fim de não
adimplir e não o inadimplemento" (art. cit., p. 222). Defende também a
idéia de que "não há crime contra a ordem tributária sem ilícito
tributário patrimonial" (idem, ibidem). E lembra, por fim, que
"inexiste crime culposo contra a ordem tributária" (art. cit., p.
223).
Em conseqüência, a conduta de fazer declaração falsa ou
omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude para
eximir-se de pagamento de tributo (art. 2º, I), ou de deixar de
recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social ... que
deveria recolher aos cofres públicos (art. 2º, II), apenas será
típica diante da existência material de fato que se ajuste ao dever de
declarar ou de recolher, o que só poderá ser averiguado e comprovado, como
vimos, pela decisão final da autoridade administrativa, antes da qual há falta
de justa causa para a ação penal.
Vale dizer: se o contribuinte empregar fraude para
eximir-se de pagamento de tributo (art. 2º, I), ou deixar de recolher tributo
(art. 2º, II), a constatação de que tal tributo não era exigível descaracteriza
o delito, podendo-se falar até em crime impossível.
Assim, antes de terminada a via administrativa, a ação penal
não poderá iniciar-se, mesmo em se tratando do crime formal do art. 2º, I e II,
da Lei nº 8.137/90.
VIII - Conclusões
1. A ação penal nos crimes definidos pela Lei nº 8.137/90
(crimes contra a ordem tributária) é pública incondicionada, não tendo a sua
natureza sido alterada pelo art. 83 da Lei nº 9.430/96. O entendimento hodierno
já é pacífico no sentido de que este dispositivo destina-se à administração
pública, não criando condição de procedibilidade à ação penal.
2. O direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa
abrange não só o processo judicial, mas também o processo administrativo.
Atingem, enfim, a todo o acusado em geral (CF, art. 5º, LV), garantindo-se que
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal
(CF, art. 5º, LIV). Então, contraditório, ampla defesa e devido processo legal
são garantias também do contribuinte perante a autoridade administrativa.
3. A legislação infraconstitucional, como o Decreto nº
70.235/72 alterado pela Lei nº 8.748/93 (Processo Administrativo Fiscal),
propicia ao contribuinte impugnar o ato administrativo, podendo anular a
autuação fiscal e o lançamento, afastando o ilícito fiscal e, portanto, o
crime.
4. A existência de tributo devido constitui pressuposto para
a ocorrência dos delitos previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, pouco
importanto tratar-se de crime material ou formal. Sem tributo definitivamente
constituído não há sequer ilícito fiscal, não havendo, por isso mesmo, que se
falar em crime.
5. A impugnação suspende a exigibilidade do crédito que não
pode ser inscrito na dívida ativa, nem objeto de execução fiscal. Também nessa
ótica, não há como se admitir a ação penal.
6. Tanto os crimes materiais do art. 1º como os formais do
art. 2º da Lei 8.137/90 exigem, para sua configuração, o "trânsito em
julgado" na esfera administrativa, isto é, que o contribuinte deixe
transcorrer o prazo para impugnação do lançamento, ou, o fazendo, que haja
decisão definitiva sobre a exigibilidade do tributo. Explica-se: se o elemento
subjetivo do tipo do art. 2º, I, constitui-se no fim especial de eximir-se,
total ou parcialmente, de pagamento de tributos, e se o crime do
inciso II é deixar de recolher valor de tributo, pode-se também concluir que a
prévia constatação da existência e da exigibilidade de tal tributo (a ser
decidida pela esfera administrativa) é imperativo também para que o crime
formal do art. 2º se configure. A semelhança, ou mesmo homogeneidade, entre as
condutas descritas nos arts. 1º e 2º do citado diploma, exigem tratamento igual
(término do procedimento administrativo-fiscal para o recebimento de denúncia),
sob pena de violação do princípio da proporcionalidade e conseqüente tratamento
desigual para condutas idênticas.
7. A competência para dizer da existência de tributo devido é
exclusiva da autoridade administrativa (CTN, art. 142). Desta feita, enquanto a
questão estiver em discussão na esfera administrativa, a denúncia não poderá
ser recebida, com base no art. 43, III (falta de condição exigida pela lei para
o exercício da ação penal - interesse/utilidade), do CPP.
8. Sem a certeza da existência de tributo não há
materialidade delitiva e o pedido de condenação certamente não será acolhido,
tolhendo o processo de qualquer utilidade, afastando a condição da ação do
interesse de agir, além de gerar constrangimento ilegal e de atentar ao
princípio da economia processual.
9. É inadmissível o início da ação penal com base apenas em
auto de infração e lançamento que esteja sendo questionado. Isto porque, este é
provisósio podendo ser anulado ou revogado pela administração.
10. É de se ressaltar, por fim, que o interesse de agir (no
sentido da utilidade do processo penal em face do princípio da economia
processual) deve ser aferido no momento do recebimento da denúncia, e não,
evidentemente, no da sentença. Caso contrário, estar-se-ia admitindo denúncia
temerária e violando o princípio da economia processual, o que torna ilegal o
constrangimento advindo da instauração de ação penal nessas condições.
11. A suspensão do prazo prescricional penal durante o
contencioso administrativo, mas por lapso delimitado, seria solução
apaziguadora das divergências em torno do assunto. Por um lado, a pretensão
punitiva do Estado não desapareceria e, por outro, evitar-se-ia o início de
ações penais sem justa causa, com a preservação, para os acusados em geral, dos
direitos constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo
legal, garantindo-se a necessária harmonia entre os diversos ramos do Direito.
* Artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, n°
22, págs. 63 a 79
http://www.delmanto.com/