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A “máfia dos fiscais” ilegalidade
revestida da legalidade
ROBERTO DELMANTO
Sob
o manto da legalidade, inúmeros abusos têm sido cometidos no caso que a mídia
denominou "máfia dos fiscais".
No
sempre desejável e indispensável combate à corrupção em orgãos públicos,
uniram-se jovens delegados e promotores, todos dignos e imbuídos dos melhores
ideais.
Com
o aplauso da imprensa escrita, falada e televisionada, que os converteu em
heróis de uma nova cruzada, e o respaldo do Judiciário, o instituto da prisão temporária, de
natureza excepcional, prestes a completar dez anos em nosso sistema legal, tem
sido totalmente desvirtuado. Mais de
cinquenta prisões já foram decretadas, algumas inclusive de madrugada.
Outro
instituto, o da delação premiada na lei das organizações criminosas, vem sendo
igualmente utilizado de forma manifestamente abusiva.
Assim,
aqueles que confessam supostas cultas
e delatam pretensos cúmplices não têm sua prisão decretada. Os que dessa
forma não procedem, são presos temporariamente por cinco a dez dias, com a
possibilidade de ulterior prisão preventiva.
Os interrogatórios - relatam os
próprios Delegados e Promotores à imprensa -
se iniciam freqüentemente à noite, prolongando-se muitas vezes por dez
horas ou quiçá mais. Não havendo a
desejada confissão ou delação,
novos interrogatórios são realizados nos dias seguintes.
Tudo - noticia-se também - devidamente filmado, a fim de demonstrar a ausência
de tortura física, embora a psíquica, a nosso ver seja manifesta ...
Imprensa,
população, Polícia, Ministério Público e Magistratura parecem, unânimes, apoiar
tal estado de coisas. Mesmo na classe
dos advogados - defensora maior da
legalidade - o silêncio é até agora
sepulcral.
Ninguém,
aparentemente, ousa remar contra a maré,
sob pena de arriscar ser tido como conivente com a imoralidade pública.
Esperemos
que os holofotes da mídia baixem ou se desviem para algum novo escândalo... Então, a Justiça, tardia mas serena, poderá
avaliar o real valor dessas supostas confissões e delações.
Pois
o combate à corrupção não pode ter como preço a corrupção da legalidade, esteio
e fundamento da Estado Democrático de Direito.
(Roberto
Delmanto, 55, é advogado criminalista, ex-Vice-Presidente da Associação dos
Advogados de São Paulo, ex-membro do Conselho Estadual de Política Criminal e
Penitenciária e co-autor do Código Penal
Comentado, ed. Renovar,
1998)
http://www.delmanto.com