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Fiscais levam 'hacker' para
examinar arquivo de empresa
Raul Haidar
Advogado tributarista em São Paulo.
Empresa desta Capital foi visitada por dois agentes fiscais da Secretaria da Fazenda do Estado, para ser submetida a verificação sobre a regularidade de seus registros tributários e contábeis. Acontece que os fiscais estavam acompanhados por dois investigadores de Polícia e ainda de um jovem que os estaria "assessorando" para examinar os computadores da empresa, jovem esse que não é sequer funcionário público e que teria sido "contratado" informalmente, pois seria especialista em computação, capaz de descobrir "senhas" e sistemas ou programas destinados a fraudar o Fisco. Seria o jovem, segundo os fiscais, um "expert" em tais assuntos, que tais agentes resolveram chamar de "hacker"...
Todos os atos que assim praticaram são ilegais e essas pessoas podem ser
consideradas criminosas. A função de fiscalização é totalmente indelegável.
Além disso, quanto ao tal "hacker", é bom lembrar que quem exerce
função pública sem ser funcionário, pratica o crime de usurpação, previsto no
artigo 328 do Código Penal. Os fiscais, por sua vez, cometeram o crime de
violação de sigilo fiscal, previsto no artigo 325 do mesmo Código.
Por outro lado, nenhum contribuinte deve sequer permitir a entrada em seu
estabelecimento de pessoas que, não sendo agentes fiscais, ali se proponham a
examinar livros, registros ou computadores. Se é "expert",
"hacker" ou não, ainda que esteja acompanhado de fiscais, não pode
ter acesso ao estabelecimento. Deve ser barrado na porta do estabelecimento,
posto para fora, expulso, se necessário com auxílio de força.
O uso da força, nesse caso, pode ser justificável. Parece aplicável, aqui, a
tese da legítima defesa prevista no artigo 25 do Código Penal, que fala em
repelir injusta agressão a direito. Não se limita tal direito apenas à defesa
da integridade física. O contribuinte tem direito à privacidade e ao sigilo de
seus dados fiscais e parece-nos que pode alegar, nessa hipótese, a tese da
legítima defesa, observada a moderação dos meios.
Aconselha-se chamar a Polícia, embora se saiba da pouca certeza de que isso
resultaria numa efetiva proteção do direito do contribuinte nesses casos, até
porque, presentes dois investigadores, é improvável que sua ilicitude seja
corrigida por seus colegas. Veja-se que o direito ao sigilo é inviolável,
garantido pela Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XII.
A situação é tão absurda e maluca que chega a ser difícil acreditar que o Fisco
tenha atingido tal nível de desrespeito ao contribuinte neste Estado,
especialmente após ter sido promulgada a Lei Complementar nº 939, de 3 de abril
de 2003 -- de São Paulo -- que instituiu o "Código de Direitos, Garantias
e Obrigações do Contribuinte".
O artigo 2º dessa Lei diz que ela se destina a "proteger o contribuinte contra o exercício abusivo do poder de fiscalizar, de lançar e de cobrar tributo", além de "assegurar uma forma lícita de apuração...de tributos...bem como a ...apresentação de ...livros, programas de computador ou arquivos eletrônicos..."
Ora, se a Lei fala em "forma lícita" de "...apresentação de
programas de computador ou arquivos eletrônicos...", vemos que o uso de
pessoas que não sejam fiscais para tal "apresentação" é, em verdade,
uma forma ILÍCITA.
A mesma lei ainda garante, como direito do contribuinte, (artigo 4º, V) até a
"eliminação completa de ...dados ...obtidos por meios ilícitos". E
qualquer dado obtido com a participação de quem não seja agente fiscal é,
evidentemente, obtido "por meios ilícitos".
Todo contribuinte deve ter em seu estabelecimento uma cópia dessa Lei e, sempre
que necessário, exibi-la aos agentes fiscais e exigir seu cumprimento,
acionando na Justiça contra o Estado, pedindo a responsabilização até criminal
dos funcionários, caso eles não a obedeçam.
Portanto, nenhum contribuinte deve permitir que seus registros fiscais, livros,
documentos e computadores sejam examinados por quem não seja agente fiscal,
pois a lei determina a competência exclusiva desses funcionários para tais
exames.
Essa suposta verificação de arquivos por quem não é fiscal é totalmente
ilícita. Além do já citado dispositivo constitucional existe ainda o artigo 198
do Código Tributário Nacional, que garante o mesmo sigilo. Quando esse artigo
diz que o Fisco não pode divulgar a informação, isso obviamente significa que
só o Fisco pode ser acesso a esses dados. E mais: contratar
"informalmente" alguém para auxiliar um funcionário também é crime.
Além de tudo, mesmo que o tal "hacker" obtenha alguma prova contra o
contribuinte, essa prova não surte qualquer resultado pois, na forma do artigo
5º, inciso LVI da Constituição, as provas obtidas por meios ilícitos são
inadmissíveis. E quando aí se diz "no processo", alcança-se o processo
administrativo.
Já tivemos a oportunidade de comentar a desnecessidade , por exemplo, de
agentes fiscais fazerem-se acompanhar rotineiramente por policiais. No mais das
vezes a presença da Polícia no estabelecimento do contribuinte é apenas forma
de constrangimento, intimidação e quase "terrorismo psicológico". É o
Fisco descumprindo a Constituição e presumindo que todos os contribuintes são
bandidos até prova em contrário...
Sabemos que a grande maioria dos agentes fiscais conhece a Lei e a obedece. As
exceções devem ser denunciadas às autoridades competentes, na esperança de que
estas façam cumprir a Lei. Sem isso, os contribuintes não terão qualquer
garantia...
Retirado
de: www.conjur.com.br