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A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU ante as decisões do STF e a Emenda Constitucional nº 29
Luis Fernando Simões Tolentino
pós-graduando em Direito Público
Municipal pela Unimontes/Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado
(CEEDE), pós-graduando em Direito Público pela Associação Nacional dos
Magistrados (ANAMAGES)/Instituto Izabela Hendrix
INTRODUÇÃO
O
Sistema Tributário esboçado pela Constituição Federal confere ao Município a
competência privativa para instituir o Imposto Predial e Territorial Urbano
incidente sobre a propriedade imobiliária. Tal imposto destaca-se como um dos
tributos de maior importância no tocante à arrecadação de recursos junto ao
ente municipal. Visa-se com este, instrumentalizar uma política fiscal que
permita contrabalançar os encargos provenientes dos dispêndios públicos capazes
de gerir a máquina administrativa.
Conforme
poderá ser vislumbrado na produção deste trabalho, tem-se como objetivo geral
dissertar acerca da progressão fiscal de alíquotas do Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana. Por conseguinte, como objetivos
específicos, desenvolve-se um estudo tendencioso em que se apega a uma análise
pormenorizada dos institutos tributários que cingem o assunto. Busca-se
demonstrar os primórdios desta tributação; competência privativa para arrecadação;
aspectos junto ao Código Tributário Nacional; estudar e definir os princípios
constitucionais da igualdade, capacidade contributiva, progressividade,
seletividade, proporcionalidade e proibição ao confisco; e, por fim, verificar
a inconstitucionalidade da progressividade fiscal do imposto sob comento no
âmbito das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e diante da
inovação espelhada pelo art. 3º da Emenda Constitucional nº 29.
Oportuno
salientar que foi utilizado para a presente pesquisa o método de abordagem
dedutivo e o procedimento monográfico, atinando-se a uma técnica de pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial centrada nos ramos do Direito Constitucional e
do Direito Tributário, considerando-se o posicionamento da doutrina pátria e
internacional acerca do assunto versado.
Para
tanto, a monografia se encontra dividida em três capítulos, subdivididos por
sua vez em três itens respectivamente. Inicialmente, procura-se no primeiro,
desenvolver uma recapitulação na qual tenta-se por intermédio de um breve
escorço histórico, demonstrar a criação e instituição do tributo imobiliário
urbano no Brasil desde o Império à Constituição da República de 1988. Numa
segunda anotação, é feita uma análise acerca da autonomia e competência
privativa tributária dos Municípios na utilização e arrecadação do IPTU.
Posteriormente, traça-se a estrutura da norma jurídica tributária de tal
imposto nos contornos delineados pelo Código Tributário Nacional.
Faz-se
no segundo capítulo, uma abordagem pertinente aos princípios constitucionais
tributários que se correlacionam diretamente com o tributo em questão. Neste
enfoque busca-se tecer considerações em atenção à importância do princípio da
isonomia junto aos Direito e Garantias Fundamentais bem como no contexto
esboçado pelo Sistema Tributário. Logo após, é objeto de estudo o princípio da
capacidade contributiva diante de sua exteriorização ensejada pela Constituição
Federal, destacando ainda a distinção existente em face da antagonização
oriunda da classificação dos impostos em reais ou pessoais. Por fim, procura-se
ainda dissertar sobre o princípio da progressividade junto à relação
jurídico-tributária, tomando-se como enfoque as discussões pertinentes aos
efeitos de ordem econômica exteriorizados por tal princípio.
Na
última parte deste trabalho, afere-se no terceiro capítulo a discussão acerca
da inconstitucionalidade da progressividade fiscal de alíquotas no Imposto
Predial e Territorial Urbano. Diante de tal contexto, torna-se fruto de
importante exposição o entendimento jurisprudencial acerca da impossibilidade
de alíquotas graduadas progressivamente no imposto sobre a propriedade imóvel
urbana, tomando-se como enfoque o Recurso Extraordinário 153.771-0 apreciado pelo
Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Logo após, traz-se à baila a
discussão envolvendo as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 29
no art. 156, § 1º da Constituição Federal. Tais premissas visam sobrepor os
efeitos veiculados pela modificação do antecitado preceito normativo no
ordenamento jurídico pátrio perante a cobrança progressiva de tal imposto. Num
derradeiro enfoque, verifica-se a discussão trazida pela doutrina no intuito de
vislumbrar a também inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU no
texto modificado da mencionada Emenda à Constituição.
CAPÍTULO I: O IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE
PREDIAL E TERRITORIAL URBANA
1.1
Escorço histórico
Desde
muito, tem-se notícia no Brasil da incidência de uma espécie tributária que
lograva as propriedades imobiliárias urbanas. Com a designação de "décima
urbana", este imposto teve sua criação avençada pelo Alvará datado de 27
junho de 1808.
Em
um retrocesso histórico, constata-se que tal tributo foi estabelecido pelo
Príncipe Regente com a chegada da Família Real Portuguesa no país. Contudo, era
mantida precocemente sob cogitação já no ano de 1799 pela Rainha D. Maria, a
viabilização de uma possível instituição da "décima urbana". Aponta
Aliomar Baleeiro acerca de uma carta enviada pela Rainha em 19 de maio daquele
ano ao Governador da Bahia na qual transmitia o seguinte teor: "atendendo
ao nosso favor, que me proponho conceder-lhe, suprimindo os contratos de sal e
pescaria de baleias, me proponho estabelecer o imposto de décima, nas casas das
cidades marítimas e a extensão do tributo do papel selado já se paga nos meus
domínios do continente da Europa".
Contudo,
somente com a regulamentação em 1809 mediante o Alvará de 13 de maio, tornou-se
viável a delimitação de traços que vieram especificar contundentemente as
características relativas à extensão em que a cobrança do tributo deveria
sopesar. Conforme assevera Aires Fernandino Barreto:
"Recaindo
sobre os prédios localizados na Corte, nas cidades, vilas e povoações da orla
marítima, a tributação atingia, além dos proprietários, os aforados. A alíquota
era de 10%, aplicável, em relação às propriedades plenas, com base no
rendimento líquido dos prédios, se locados, ou em razão da renda presumida por
arbitramento, se de uso dos respectivos proprietários. Em se tratando de
prédios aforados, a base de cálculo era constituída pelo foro anual. Em
qualquer das situações, abatiam-se 10%, para prevenir ‘falhas e
consertos’".
O
gravame fiscal era mensurado e direcionava somente aos imóveis situados nas
"urbes". Assim, quanto ao ensejo de se distinguir o aspecto limítrofe
entre um imóvel considerado rural ou urbano, atinava-se à localização em que o
bem estava vinculado. Qualificava-se de urbanas as propriedades abarcadas pelos
perímetros das cidades, vilas e que se situavam à beira mar, previamente
estremadas pelas respectivas Câmaras. Nesta época, era ainda exigência
imprescindível para incidência do imposto que o imóvel estivesse em estado de
ser habitado.
Em
1811, o Decreto de 26 de abril respaldava a concessão de isenções quanto ao
pagamento da décima a alguns contribuintes, atentando-se ao fator pertinente à
edificação e estrutura física do imóvel. Eram agraciados e merecedores destes
benefícios os proprietários de bens que se enquadravam plenamente às situações
prescritas pela legislação, tais como a construção de casas com um limite aquém
de cinco portas ou janelas frontais, dentre demais particularidades.
Diante
dos resultados satisfatórios obtidos junto à arrecadação do imposto, veio a
lume o manifesto interesse do poder público em auferir maiores ganhos que iriam
atender e suprimir os gastos incomensuráveis da Nação. Assim, diversas
alterações foram incrementadas no sentido de proporcionar a ampliação no campo
de incidência da décima urbana. Em meados de 1832, incluiu-se no rol de
cobrança diversas áreas ademais demarcadas, modificando ainda o caráter de
habitabilidade que deixou de ser requisito imprescindível, sendo cobrado também
daqueles diversos imóveis que se encontravam apenas mobiliados.
A
partir de então, a décima veio sofrer inúmeras alterações não apenas de caráter
estrutural, mas também quanto à competência para instituí-la e conseqüentemente
recolhê-la. Após a Proclamação da Independência, o tributo ainda estava
restrito aos comandos do governo central, vindo a ser descentralizado pelo
poder público às Províncias.
Barreto
afirma que "a denominação ‘décima’ manteve-se até o ano de 1873, quando
deu lugar à de ‘imposto sobre prédios’ e mais adiante (1881), à de ‘imposto
predial’". Sandra A. Lopez Barbon elucida sinteticamente com bastante
veemência que:
"Como se
pode verificar, o imposto em questão é uma criação do regime republicano, muito
embora já houvesse algumas tentativas, no alvorecer do Império, de se dar
melhor destinação à propriedade territorial. Isto porque, segundo Bernardo
Ribeiro de Moraes, estava nas cogitações do governo a idéia, nascida para
combater a propriedade de terras sem edificação e sem cultura".
Categoricamente,
em face da Constituição inserida no período republicano, mais precisamente no
ano de 1891, foi outorgado aos Estados-membros a competência para instituir o imposto
incidente sobre a propriedade imobiliária rural e urbana. Entretanto, a Carta
Magna não impedia a cobrança do tributo pelos Municípios. Tendo em vista esta
competência concorrente expressamente autorizada pela redação constitucional,
prevaleceu a problemática acerca da cobrança realizada tanto pelos Estados
quanto pelos Municípios, havendo a necessidade de se modificar a discriminação
de rendas até então em vigor no país. Foi assim, diante da imposição do gravame
fiscal por ambos os entes no intuito de aumentar suas receitas que "com o
advento da Carta Constitucional de 1934, houve alteração na competência
impositiva das pessoas políticas. A partir daquele ano, então, o Imposto
Territorial Rural passou a égide dos Estados, sendo que o Imposto Predial
Territorial Urbano incorporou-se à competência privativa dos Municípios".
Corroborando
com os textos constitucionais introduzidos no Brasil em 1937 e 1946,
consubstancia-se que em nada foi modificada a competência privativa municipal
no intuito de efetuar a arrecadação do imposto sob comento. Entretanto, a
Emenda Constitucional nº 5 de 1961 trouxe alterações que vieram novamente
repassar à competência das comunas o imposto referente à propriedade rural, que
adiante, mais precisamente no ano de 1964, foi entregue à competência da União,
visando a sua utilização como forma de se adequar uma política agrária mais
eficiente.
A
Lei Complementar nº 5.172, cuja promulgação se deu em 25 de outubro de 1966 sob
a égide de se instituir o Código Tributário Nacional, veio designar, dentre os
impostos sobre o patrimônio e a renda, o Imposto sobre a Propriedade Predial e
Territorial Urbana. De mesma sorte, tem-se que tal denominação e competência
municipal conferida a este tributo mantiveram-se nas Constituições Federais de
1967 e posteriormente pela promulgada em 1969 e na atual de 1988. Nesta última,
encontra-se adstrito junto ao Título VI referente à Tributação e Orçamento,
Capítulo I - Do Sistema Tributário Nacional, que por sua vez o enquadra na
Seção V pertinente aos impostos dos Municípios.
1.2
O Município, sua autonomia e competência tributária
A
Constituição da República de 1988 delineia a partilha de competências dos entes
da administração pública direta no que tange à instituição e cobrança de seus
tributos. Ao traçar o Sistema Constitucional Tributário, o legislador cuidou de
distribuir uma parcela do poder estatal tributante visando a autonomia das
diversas entidades que compõem a Federação. Tal autonomia política e
principalmente financeira outorgadas à União, Estados, Municípios e Distrito
Federal de produzirem normas jurídicas tributárias ensejam, contudo, obediência
às limitações constitucionais ao poder de tributar emoldurados pela Carta
Maior.
Essa
transmissão de competências importa na liberdade de se instituir e viabilizar a
arrecadação daqueles impostos que por indelegabilidade absoluta são esboçados a
cada um dos entes políticos pelo texto constitucional, atentando-se aos
parâmetros e exigências de cunho legal.
Há
de se sobrepor, contudo, que não existe uma discrepância em relação à
"liberdade" precípua e distinta entre os entes munidos do poder
tributante, e sim uma forma de hierarquia que denega qualquer anormalidade de
sujeição. O Município é um ente institucionalmente criado e dotado de
personalidade jurídica própria em que lhe é conferido o poder de
autodeterminação. O sistema constitucional jurídico é uno, delega autonomias
provenientes de um poder esmerado pela total harmonia. A propósito, ensina
Yoschiaki Ichihara que "a autonomia dos entes políticos existe pela
harmônica distribuição de competências, inexistindo conflitos reais de
competência que importem na submissão de uma pessoa jurídica de direito público
em relação à outra".
O
constituinte permeou expressamente em exaurir todas as possibilidades cabíveis
de atribuições de competências, de forma que não houvesse nenhum avanço nas
outorgas concedidas a cada pessoa política. Com esta concessão atinente ao
poder de tributar direcionado à União, Estados, Municípios e Distrito Federal,
vislumbra-se defesa a competência privativa para instituir impostos específicos
que estejam pertinentes à discriminação conferida pela Carta Magna. Portanto,
essa faculdade de criar tributo não se exteriorizando pelo ente político
competente, jamais poderá outro diverso não munido de poderes para tal vir a
fazê-lo. Excepcionando, as disposições contidas no art. 154, incisos I e II da
Constituição Federal em que respalda a instituição pela União de impostos
residuais ou extraordinários, respectivamente.
Vislumbra-se
que o Município possui categoricamente, assim como os demais entes
personalizados, esboçado o seu campo de atuação concedido pelo Texto Supremo.
Antônio Roque Carraza acentua que:
"Em suma,
o Município no Brasil, é entidade autônoma. Pessoa política, legisla para si,
de acordo com as competências que a Carta Magna lhe deu. Nenhuma lei, que não a
emanada de sua Câmara, tem a possibilidade jurídica de ocupar-se com assuntos
de interesse local. Instituindo e arrecadando livremente seus tributos, o
Município reafirma sua ampla autonomia, em relação às demais pessoas
políticas".
É
através do poder público municipal, mediante sua autonomia e organização, que o
governo tenta satisfazer, com um contato mais onipresente, os anseios políticos
e administrativos almejados pela população. Como bem afirmou Santi Romano,
citado por Ayrton Pinassi, o Município "é a fortaleza e garantia da
liberdade, não sendo possível a nenhum povo conserva-se politicamente forte sem
uma forte organização municipal".
Conforme
ilustrado, a autonomia dos Municípios no tocante à tributação é princípio
basilar que decorre da distribuição de competência referenciada pelo texto
constitucional pátrio. A Carta Magna Federal através da concessão de tais
competências delimita as respectivas áreas de atuação, restringindo-as
individualmente às pessoas políticas dotadas de capacidade tributante. Em
explanação sobre o tema, bem define Paulo de Barros Carvalho o que vem a ser a
tão mencionada competência tributária. Esta nada mais é que "uma das
parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas
políticas, consubstanciada na faculdade de legislar para a produção de normas
jurídicas sobre tributos". Denota-se que competência e autonomia são
expressões que na prática se interagem, dependem mutuamente uma da outra.
Aliomar
Baleeiro ao dissertar sobre a autonomia conferida pela legislação brasileira aos
Municípios, acertadamente assevera que:
"Diferentemente
dos Estados Unidos, onde os Municípios não são objeto de dispositivo da
Constituição Federal e não passam de criação livres dos Estados Membros, no
Brasil a municipalidade é Pessoa de Direito Público Interno, com autonomia
constitucionalmente garantida quanto à administração própria, especialmente à
decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à organização dos
serviços públicos locais".
No
que concerne ao poder de tributar conferido ao Município especificamente,
ressalta-se o preceito normativo contido no art. 30, inciso III da Constituição
Federal. Cuidou de designar a competência municipal para instituir e arrecadar
os tributos de sua alçada bem como demais prerrogativas tais como aplicação de
rendas e publicação de balancetes. Mais precisamente ao tema proposto traz-se à
colação o art. 156, inciso I, também da Carta Política. É neste artigo que se
encontra vertida a competência privativa municipal para instituir o Imposto
sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e demais outros elencados
pelos incisos posteriores.
Segundo
preleciona a doutrina de José Souto Maior Borges em torno das características
pertinentes à autonomia e competência privativa dos Municípios brasileiros,
fica manifesta a importância que o autor delibera acerca de tais
peculiaridades. Assim, dispõe que:
"Dentre as
características da autonomia municipal a serem privilegiadas inclui-se a de que
as normas para a sua efetivação são incompatíveis com o condicionamento prévio
à legislação alheia, mormente no plano tributário. Ora, se o Município tem uma
competência tributária privativa, da qual uma das manifestações é o IPTU, este
não poderá ter o seu exercício condicionado à legalidade tributária alheia.
Privativo é o regime constitucional de quem está só e não concorre com ninguém
na estruturação de seus tributos. Autônomo, como revela admiravelmente a sua
etimologia, é o regime de quem se governa pela sua própria legalidade e não se
rege conseqüentemente pela legalidade de outrem".
Com
isto, tem-se que a descriminação de competências mediante um sistema rígido que
traça todos os contornos da atividade tributária viabiliza uma convivência
apaziguadora que enseja benefícios tanto para as pessoas munidas do poder
tributante quanto para os contribuintes. Visa-se distribuir autonomias e
competências que irão capacitar a arrecadação dos tributos junto ao Erário no
intuito de melhor gerir a vida pública financeira de toda a Nação.
1.3
Peculiaridades do Imposto Predial e Territorial Urbano no Código Tributário
Nacional
Diante
das considerações inerentes ao Imposto sobre a Propriedade Predial e
Territorial Urbana nos contornos palpados pelo Código Tributário Nacional, é de
fundamental importância averiguar preliminarmente, para o estudo de sua
tipologia tributária, acerca do que a lei designou de "fato gerador".
Este vocábulo ou expressão denota para alguns doutrinadores uma impropriedade
errônea legislativa, vindo a comportar, portanto, outras vertentes que em
efeitos práticos consubstancia idêntico valor jurídico. Assim é que, dando
seguimento aos preceitos delineados por Alfredo Augusto Becker,
"escolheu-se a expressão hipótese de incidência para designar o
mesmo que outros autores denomina de ‘suporte fático’ ou ‘Tatbestand’ ou
‘fattispecie’ ou ‘hecho imponible’ ou ‘pressupposto del tributo’ ou ‘fato
gerador’".
É
salutar em qualquer norma jurídica a existência de uma estrutura ensejada por
uma hipótese que venha colacionar a sua respectiva conseqüência. Geraldo
Ataliba, citado por Sandra A. Lopez Barbon, conceitua a hipótese de incidência
como "a expressão de uma vontade legal, que qualifica um fato qualquer,
abstratamente, formulando uma descrição antecipada (conceito legal), genérica e
hipotética (...). É a descrição legislativa (necessariamente hipotética) de um
fato a cuja ocorrência in concretu a lei atribui a força jurídica de
determinar o nascimento da obrigação tributária".
Assim
sendo, infere que da hipótese de incidência deduz os aspectos ou critérios
utilizados para dar a efetivação da situação descrita pela lei necessária à
ocorrência da obrigação tributária. "Em outras palavras, na hipótese de
incidência tributária encontramos os aspectos pessoal, material, temporal e
espacial, na preleção de Geraldo Ataliba".
Tratando-se
primeiramente do aspecto material, salienta-se que este "presta-se à
diferenciação de um imposto em relação a outro, em face de conter a designação
de todos os dados de ordem objetiva, caracterizadores do protótipo em que
consiste a hipótese de incidência. O fato ou estado de fato descrito tem no
aspecto material a sua própria consistência". Assim, como variáveis do
Imposto Predial e Territorial Urbano, o Código Tributário Nacional destaca no caput
do art. 32 que o fato gerador do tributo em cotejo consubstancia-se na
propriedade, no domínio útil ou na posse de bem imóvel por natureza ou acessão
física.
A
propriedade está umbilicalmente relacionada com o intuito de uso, gozo e
fruição de uma coisa. O tributo sobre o direito da propriedade imobiliária
incide sobre tais propósitos, onde um bem deve ficar continuamente submetido à
vinculação da vontade plena de uma pessoa.
Quanto
ao domínio útil, este advém do desapossamento pelo proprietário dos poderes de
uso, gozo e disposição de uma coisa, concedendo-os a outra pessoa qualificada
de enfiteuta. Na lição de De Plácido e Silva, o domínio útil "é assim
designada a soma de direitos que se outorgam ao foreiro em relação ao prédio
aforado. E nestes se computam todos os direitos de utilização e disposição,
inclusive o de alienação do prédio enfitêutico, uma vez notificado o senhorio
direto". Não se deve cogitar aqui o ser proprietário do bem, mesmo porque
esta relação de propriedade não existe. A obrigação exercida pelo enfiteuta ou
foreiro é de pagar o imposto decorrente da situação fática de utilização,
fruição e disposição que exerce sobre o imóvel. A cobrança do tributo,
entretanto, não possui vinculação alguma com o encargo de quitar anualmente o
foro ou laudêmio ao senhorio direto.
Outra
variável de insigne importância na delimitação da hipótese de incidência do
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é a posse. Nos dizeres
de Arnoldo Wald, "constitui, pois, a posse uma situação de fato, na qual
alguém mantém determinada coisa sob a sua guarda e para o seu uso e gozo, tendo
ou não a intenção de considerá-la como sendo de sua propriedade". Cabe
argumentar que não será qualquer tipo de posse a ensejar a hipótese de
incidência do tributo. Deve preexistir a intenção, o ânimo de ser possuidor com
a prerrogativa de atingir a qualidade de dono sobre o bem imóvel. É preciso
tratar-se de posse suscetível de usucapião, que conduza realmente ao pleno
domínio da coisa.
Em
breve alusão sobre o assunto, Aliomar Baleeiro sintetiza eloqüentemente que:
"Não se
deve entender que o CTN tenha instituído impostos autônomos sobre o domínio
útil e a posse. Ao contrário, o núcleo único em torno do qual giram os demais,
como manda a Constituição, é a propriedade. O domínio útil somente é tributável
por ser uma quase propriedade, e a posse, apenas quando é exteriorização da
propriedade, que pode vir a se converter em propriedade. Não podem configurar
fato gerador do IPTU a posse a qualquer título, a precária ou clandestina, ou a
direta do comodatário, do locatário, do arrendatário, do detentor, do usuário e
habitador, do usufrutuário, do administrador do bem de terceiro, etc. que
jamais se tornarão propriedade. A posse há de ser a ostentação e a manifestação
do domínio".
O
Código Civil Brasileiro em seu art. 43 enumera os bens que no ordenamento
pátrio cível são considerados de natureza imóvel. Assim dispõe, "in
verbis" que:
"Art. 43 -
São bens imóveis:
I – o solo com
a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as
árvores e frutos pendentes, o espaço e o subsolo;
II – tudo
quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à
terra, os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar sem
destruição, modificação, fratura, ou dano;
III – tudo
quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua
exploração industrial, aformoseamento ou comodidade".
Diante
de tal preceito normativo, afere-se que apenas os elementos apregoados pelos
incisos I e II descrevem respectivamente os bens imóveis por natureza e por
acessão física, ficando excluídos os relacionados pelo inciso III, tendo em
vista que a incidência do imposto imobiliário urbano se resume ao terreno,
prédio ou construções. Entretanto, ainda é necessário salientar que o campo de
incidência do imposto é restrito, refulgindo à sua aplicação sistemática,
embora contidos na hipótese de incidência, as árvores, os frutos pendentes e as
plantações.
Desta
sorte, constata-se que a incidência deve recair sobre a propriedade imóvel, não
importando ser esta edificada ou não. Portanto, conforme intitulou Ives Gandra
da Silva, citado por Aires Fernandino Barreto, conclui-se que "a distinção
entre as expressões ‘territorial’ e ‘predial’ reside no fato de que a predial
diz respeito aos terrenos construídos e edificados, mesmo que não utilizados. A
propriedade territorial diz respeito a áreas sem qualquer aproveitamento ou
edificação, ou seja, o solo sem benfeitorias".
Para
a formação do aspecto temporal são necessários pressupostos essenciais que irão
ilustrar o exato momento da concretização da obrigação tributária. É por isso
que os fatos contempladores de uma verdadeira efetivação da hipótese de
incidência necessitam de um acontecimento para que possam ser determinados os
momentos de sua ocorrência. O aspecto temporal da hipótese de incidência é a
propriedade que esta tem de "designar (explicita ou implicitamente) o
momento em que se deve reputar consumado (acontecido, realizado) um fato
imponível". Nestes termos, devem ser seguidas as coordenadas capazes de
dar uma concreta oportunidade ao surgimento do liame obrigacional.
Em
análise à espécie tributária aqui pormenorizada, nota-se que seu fato gerador é
intermitente, abrangendo normalmente o período de um ano. Destoa, por
conseguinte, que geralmente o momento, ou seja, a data base para o lançamento
do imposto imobiliário urbano será o dia primeiro de janeiro de cada ano, acaso
a lei municipal não dispuser em contrário. Pois, é lícito ao legislador
ordinário fixar o dia e o mês de cada ano para efeitos de ocorrência do fato
jurídico-tributário. Neste mesmo sentido, salientou Augusto Alfredo Becker que:
"A
incidência da regra jurídica somente se desencadeia depois de realizada a
hipótese de incidência. Quando esta consiste num estado de fato, por exemplo,
de medida igual à do ano civil, então a hipótese de incidência realizou-se no
último momento do dia 31 de dezembro e sobre ela incidirá a regra jurídica
vigente no primeiro momento do dia 1º de janeiro do novo ano civil (...). Por
exemplo: o chamado imposto de propriedade territorial e predial tem como
hipótese de incidência um estado de fato: a existência permanente, durante um
ano civil, de imóvel objeto de direito de propriedade; todos os anos, enquanto
o imóvel for objeto de direito de propriedade, o imposto será cobrado uma única
vez e durante aquele ano não será cobrado outra vez o mesmo imposto, ainda que
o imóvel, cada dia, tenha um proprietário diferente".
Outro
enfoque refuta-se ao aspecto espacial. Este tem o objetivo precípuo de poder
delimitar o local em que obrigatoriamente deverá ser satisfeita uma prestação
tributária. No caso específico do imposto imobiliário urbano, estarão
alcançados pela hipótese de incidência apenas aqueles bens que estejam situados
nos limites pertinentes à área de abrangência do Município e que satisfaçam
ainda as exigências prescritas pelo Código Tributário Nacional.
Ademais,
viável se torna a dedução espacial da zona urbana e zona rural para limitar
quais as áreas de abrangência territorial que ficarão sujeitas ao Imposto sobre
a Propriedade Predial e Territorial Urbana ou pelo Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural. Aquele deverá incidir apenas sobre os imóveis localizados no
perímetro urbano ou em áreas urbanizadas, nos termos definidos pela Lei
promulgada pelo poder público municipal, satisfeitos, contudo, os requisitos elencados
pelo art. 32, §1º e §2º do Código Tributário Nacional, in verbis:
"Art. 32
-.... .................................
§1º - Para os
efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal,
observando o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo
menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo poder público:
I - meio fio ou
calcamento, com canalizações de águas pluviais;
II -
abastecimento de água;
III - sistema
de esgotos sanitários;
IV - rede de
iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola
primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel
considerado.
§2º - A lei
municipal poderá considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão
urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes,
destinados à habitação, à industria ou ao comércio, mesmo que localizados fora
das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior".
Verifica-se
que o aspecto espacial presta-se também à perfeita determinação da competência
municipal no intuito de se realizar a cobrança do imposto em casos de cidades
que possuem suas zonas urbanas interligadas.
Na
relação jurídica tributária, sempre será necessário a existência de um titular
que tenha a competência para exigir o cumprimento de uma prestação e outro para
lhe dar a efetiva quitação. É mediante o aspecto pessoal que se terá a perfeita
designação do sujeito ativo e do sujeito passivo de um vínculo obrigacional.
Portanto, a competência para a cobrança deste tributo é do Município onde se
localiza o imóvel. O sujeito passivo será o contribuinte, ou seja, o proprietário
do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título,
conforme dispõe o preceito contido no art. 34 do Código Tributário Nacional.
Por
fim tem-se a base de cálculo, que ao lado da hipótese de incidência, é
indispensável para a identificação de qualquer tributo, principalmente no que
diz respeito ao quantum devido a título de imposto. Este será o produto
final da conjugação multiplicada pela alíquota. Na definição de Aires Barreto,
"consiste a base de cálculo na descrição legal de um padrão ou unidade de
referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato
tributável".
A
grandeza tributável atinente ao imposto sob comento vincula-se ao valor venal
do imóvel, consoante alusão do art. 33 do Código Tributário. Este será o valor
de mercado que o bem imóvel possa obter numa transação de compra e venda.
Nestes termos, ressaltou Kiyoshi Harada que:
"Conforme conceituação
doutrinária, aceita pela jurisprudência, valor venal é aquele que o imóvel
alcançará para compra e venda, à vista, segundo as condições usuais do mercado
de imóveis. Está abrangida nessa conceituação a variação de 10% (dez por cento)
para mais ou para menos, que é usual nos laudos avaliatórios elaborados por
peritos qualificados".
Não
será objeto, portanto, de apreciação pela base de cálculo nenhum bem móvel que
seja mantido no imóvel, diante da disposição legal prevista no parágrafo único
do mencionado artigo. Assim, assevera que "na determinação da base de
cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter
permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração,
aformoseamento ou comodidade".
CAPÍTULO II: ASPECTOS CONCERNENTES AOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
2.1
O Princípio da igualdade no âmbito dos Direitos e Garantias Fundamentais e no
Sistema Constitucional Tributário
O
Estado Democrático de Direito deve, antes de atender a qualquer chamamento de
tutela jurisdicional ao cidadão, estar estreitamente vinculado ao princípio da
igualdade. Sem igualdade não se pode almejar nenhum desiderato de democracia, e
ademais, um ideal de justiça. Pois, como bem apregoou José Souto Maior Borges,
"a isonomia é, na Constituição Federal, o protoprincípio – o mais
originário na ordem do conhecimento, o outro nome da Justiça".
Manifesta-se
então a extrema supremacia de tal princípio, sendo este, contudo, disciplinador
e organizador de todo um aparato de prerrogativas voltadas ao proveito da
coletividade. Ressalta-se que a isonomia, bem como os demais princípios
fundamentais, não podem ser tangidos por reforma constitucional e sequer ser
objeto de qualquer espécie de deliberação (art. 60, § 4º, CF), compondo-se
assim como cláusula pétrea, imutável. A sua abrangência não está apenas apoiada
em meandros esparsos e específicos da Lei Maior, e sim permeia implicitamente
todos os regramentos, aderindo e incorporando-se a ela.
Na
obra República e Constituição, Geraldo Ataliba delineou sobre o tema
salientando que:
"A
igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e
condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de
quantas funções o povo, republicamente, decidiu criar. A isonomia há de se
expressar, portanto, em todas as manifestações de Estado, as quais, na sua
maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu
desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar ou
subtrair-se às exigências da igualdade".
"Com
efeito, por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende
firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para
atingir este bem, este valor absorvido pelo Direito, o sistema normativo
concebeu fórmula hábil que interdita, o quanto possível, tais resultados, posto
que, exigindo igualdade, assegura que os princípios genéricos, os abstratos e
atos concretos colham a todos, sem especificações arbitrárias (...)".
O
art. 5º, caput e inciso I da Constituição Federal, enquadrando-se junto
aos direitos e deveres individuais e coletivos, expressamente enunciam o
princípio da igualdade. Primeiramente, coube ao texto constitucional afirmar a
isonomia de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Logo após,
reforça o princípio destacando especificamente que homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações.
O
princípio da igualdade deve estar atado ao princípio da legalidade. Este dará
guarida à isonomia que deverá eternamente perpetrar entre cidadãos e Estado,
pois não poderá haver na lei nenhuma prerrogativa que possa beneficiar alguns
em contraposição a outros. Toda e qualquer legislação deverá buscar e permear
os atalhos agasalhadores da igualdade entre os indivíduos. Portanto, "a
lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento
regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os
cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da
isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo
assimilado pelos sistemas normativos vigentes".
No
tocante à igualdade tributária propriamente dita, desperta-se para uma
redundância necessária entalhada pela Constituição de 1988. Necessária porque
não bastou o regramento mencionado pelo art. 5º para que houvesse a garantia da
isonomia dos contribuintes perante a tributação. Trata-se de um desenvolvimento
da justiça distributiva peculiar ao ônus fiscal que se inscreve expressamente
no corpo da Carta Federal, revestindo-se como um princípio constitucional
tributário, aplicável a todos os tributos.
Tal
princípio adstrito à atividade fiscal encontra-se explicitamente previsto
dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar. Sendo assim, é
vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, inciso II, CF).
Denota-se
que o poder de tributar deve atender primordialmente limites intrínsecos no
tratamento isonômico conferido aos contribuintes. O sistema constitucional
repele qualquer situação em que indivíduos numa mesma "categoria"
econômica sejam tributados de forma desigual, enquanto aqueles que apresentam
características diversas submetidos a uma tributação uniforme. Contudo, o
legislador destinou tratamento igualitário a todos os sujeitos passivos que se
equiparam financeiramente.
Corrobora
Roque Antonio Carraza que:
"A lei
tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade.
Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo
tratamento tributário. Será inconstitucional – por burlar ao princípio
republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para
submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de
idênticas posições jurídicas".
Percebe-se
que o imposto não pode ser objeto de incidência sobre um número ínfimo de
contribuintes, deixando a salvo alguns demais que se encontram em
circunstâncias pares. É mediante a tributação que os entes federativos obtêm
recursos financeiros capazes de gerir toda a vida pública da unidade
tributante. O Estado, dessa forma, não poderá nunca se abster de cumprir os
direitos de igualdade em que obrigatoriamente deverão encontrar seus
contribuintes, mesmo que seja necessário utilizar-se de medidas que possam vir
a trazer descontentamento a um contingente específico, mas que, sobretudo,
atenda toda uma coletividade eqüitativamente.
O
tributo estará sempre destinado a atingir o bem comum de toda a sociedade,
sendo "certo que a igualdade diante da imposição tributária, não significa
que todos devem ser tratados da mesma forma. Como decorrência de tal princípio,
todos aqueles sujeitos passivos da obrigação tributária que se encontram na
mesma situação devem ser tratados da mesma forma igualitária".
Na
concepção de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.
"O
princípio da igualdade tributária comporta duas vertentes: a generalidade e a
uniformidade dos tributos. Pela generalidade se entende que todos devem
pagar tributo sem haver desigualdades fiscais. A uniformidade significa
que os tributos devem ser repartidos entre os cidadãos com critérios idênticos.
A igualdade tributária decorre da natureza jurídica da relação entre Fisco e
contribuinte, constituindo-se em um reforço ao principio da legalidade
tributária, porque ao enunciar que todos são iguais perante a lei fiscal, está
se reiterando o princípio pelo qual o tributo só pode ser instituído por lei
formal".
Assim
sendo, o gravame tributário deve estar sempre emoldurado pelos requintes da
isonomia, guiado e aplicado no intuito de não lesar a harmonia entre os
direitos do Estado e individuais de cada cidadão. Esta correlação atende às
diversas prerrogativas constitucionalmente abraçadas pelo ordenamento jurídico,
visando primordialmente resguardar os interesses coletivos mensurados na
distribuição da riqueza e da justiça social.
2.2
A capacidade contributiva na Constituição Federal e os impostos reais/pessoais
Em
consonância ao princípio da igualdade tributária desdobra-se o princípio da
capacidade contributiva. "O cerne da justiça em matéria de tributos está,
pois, em afirmar que a lei fiscal deve tratar os cidadãos de modo ‘igual’ e que
a igualdade necessariamente relativa, tem como padrões ou critérios a
capacidade contributiva".
Diante
disso que, para uma completa efetividade do princípio da igualdade, deve ser
almejada a mensuração da capacidade contributiva do sujeito passivo. Permite-se
dessa forma, uma melhor identificação dos indivíduos tributados,
aplicando-lhes, conseqüentemente, um gravame fiscal que melhor se aproprie à
sua posição financeira. Tal princípio é de fundamental importância na aplicação
das relações entre o fisco e o contribuinte, constituindo-se no alicerce
central do Estado Democrático de Direito nas relações jurídico-tributárias.
Perante
a capacidade contributiva, visa-se que cada indivíduo venha contribuir para com
a coletividade em função de sua respectiva força econômica, levando em
consideração a riqueza e o ônus de cada tributo. Ademais, é mediante tal
princípio, atrelado ao da igualdade, que surge o poder atuante e controlador do
contribuinte perante o Legislativo e o Judiciário no intento de desautorizar
qualquer forma de tributação pervertida.
Luciano
Amaro, tecendo considerações acerca da importância de tal princípio, assim
dispôs:
"O princípio da capacidade
contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é
inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir
poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer
apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta não
caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); em vez disso,
quer-se preservar o contribuinte, buscando-se evitar que uma tributação
excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios
de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração
de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo
isso relativiza sua capacidade econômica".
Preceitua
o art. 145, § 1º, da Carta Magna, que
"Art. 145
-.... ..............................
(...)
§1º - sempre
que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".
Os
impostos, consoante elucidação do mencionado dispositivo legal, são
antagonizados pela distinção segundo a qual podem ter caráter pessoal ou real
diante de sua respectiva hipótese de incidência. Assim, tem-se como impostos
pessoais aqueles que visam levar em consideração certos aspectos juridicamente
qualificados dos possíveis sujeitos passivos, recaindo essencialmente sobre sua
pessoa, mediante as características financeiras concernentes a cada indivíduo.
Neste mesmo sentido, corrobora Aliomar Baleeiro que "os impostos pessoais,
ou subjetivos, são regulados por critérios que contemplam a individualidade do
contribuinte. As condições personalíssimas deste são elementos que se integram
na formação do fato gerador e determinam variações para mais, ou menos, na
fixação do quantum a ser reclamado pelo fisco".
De
outro lado, tem-se como reais, impessoais ou objetivos aqueles impostos
assentados sobre a materialidade da coisa tributável, em que não se toma como
parâmetro mediador a pessoa do contribuinte. Para Bernardo Ribeiro de Moraes,
imposto real é aquele que:
"(...) é
calculado sem atender as condições pessoais do contribuinte, ou melhor,
ignorando por completo a situação individual do contribuinte (o imposto grava
uma riqueza dada ou uma situação da mesma maneira, qualquer que seja o sujeito
passivo). Os impostos reais gravam o contribuinte tendo em vista apenas a
matéria tributável, segundo seus caracteres objetivos específicos,
independentemente das condições econômicas, jurídicas, pessoais ou de família,
relativas ao contribuinte. A alíquota tributária é fixada exclusivamente em
função apenas das circunstancias materiais da situação de fato prevista em lei".
A
exata informação que o preceito normativo contido no artigo 145, § 1º quis
trazer é assunto de extrema controvérsia doutrinária, principalmente no tocante
à aplicabilidade da expressão "sempre que possível". Diante da
classificação ora aludida entre impostos subjetivos e objetivos, são diversos
os autores que asseveram ser a mencionada expressão aplicável somente ao
caráter pessoal, e não à capacidade contributiva. Ressaltam que todos os
impostos, sem exceções, devem sempre ser graduados e estar adstritos à
capacidade econômica do contribuinte. Nestes termos, leciona Américo Lacombe,
citado por José Maurício Conti:
"A
primeira observação é que a expressão sempre que possível só pode referir-se ao
caráter pessoal dos impostos. Não é de ser conectada com a expressão seguinte,
vale dizer, graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte. Isto
porque a graduação dos impostos segundo a capacidade econômica é um corolário
lógico do princípio da igualdade, e, assim sendo, a sua referência expressa é
totalmente despicienda. A conclusão, portanto, é que os impostos deverão ser
graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte".
Hugo
de Brito Machado, também citado por José Maurício Conti, leciona que
"realmente, a expressão sempre que possível diz respeito apenas à
atribuição de caráter pessoal aos impostos. Não à graduação destes segundo a
capacidade econômica dos contribuintes (...)". Conclui dizendo que "por
isto não temos dúvida em afirmar que o sentido da cláusula sempre que possível
contida no art. 145, par. 1º, da Constituição Federal, é o de permitir a
existência de impostos sem caráter pessoal, e não o de permitir imposto que não
seja graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte".
No
entanto, indo a desencontro com as assertivas mencionadas, Luciano Amaro
apontou que "‘sempre que possível’ – como diz a Constituição –, o imposto
deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte. A expressão
‘sempre que possível’ cabe como ressalva tanto para a personalização como para
a capacidade contributiva. Dependendo das características de cada imposto, ou
da necessidade de utilizar o imposto com finalidades extrafiscais, esses
princípios podem ser excepcionados".
Do
mesmo modo, o Ministro Moreira Alves elucida que:
"Em face
desse dispositivo, não se pode pretender que a expressão ‘sempre que possível’
se refira apenas ao caráter pessoal do imposto, e que, por isso, o princípio da
capacidade contributiva seja aplicável a todos os impostos ainda quando não
tenham caráter pessoal (...). De feito, a parte final do dispositivo em causa
repele essa conclusão, porque a Constituição atribui à administração tributária
a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte, ‘especialmente para conferir efetividade A ESSES
OBJETIVOS’, ou seja, ao objetivo de que os impostos, se possível, tenham
caráter pessoal e ao de que esses impostos com caráter pessoal sejam graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, certo como é que essa faculdade
de identificação só tem sentido quando se trata de imposto de caráter pessoal
(...)".
Diante
de tais considerações, merecem respaldo os posicionamentos sustentados por
Luciano Amaro e o Ministro Moreira Alves. Como bem colacionaram, a capacidade
contributiva não pode ser objeto de aplicação sobre todos os impostos
indistintamente, pois haverá situações em que as características peculiares
concernentes a alguns demonstrarão sua inaplicabilidade. A classificação
exposta maneja que os impostos, sempre que isso seja possível, terão caráter
pessoal, caso em que conseqüentemente poderão ser graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte.
Portanto,
embora seja o princípio da capacidade contributiva aquele que tende a adequar o
gravame fiscal a seu respectivo contribuinte, tem-se que não serão todos os
impostos que poderão a ele estar vinculado. Os tributos mensurados a partir do
critério real coadunam com tal assertiva, pois estes demonstram inexoráveis à
não viabilidade de sua utilização como instrumento que possibilite a mensuração
da riqueza do sujeito passivo, justamente pela sua configuração de contemplar
um conjunto de bens ou rendimentos e não uma pessoa individualmente.
2.3
O princípio da progressividade na relação jurídico-tributária
A
graduação crescente de um imposto está efetivamente vinculada ao que se
denomina de progressividade. Este princípio consiste no aumento da carga
tributária, mediante a majoração da alíquota (percentual), na medida em que
também haja o aumento da base tributável, ou seja, da base de cálculo. Expressa
De Plácido e Silva que a "progressividade (qualidade, caráter e condição
do que é progressivo), caracteriza-se pelo aumento crescente da tarifa ou dos
elementos, que servem de base à verificação do imposto, em razão do aumento da
cota ou da riqueza, em que vai incidir".
A
progressividade é um verdadeiro instrumento no qual se coaduna a realização do
princípio da capacidade contributiva, sendo essencial na formação de uma
eqüitativa redistribuição da riqueza, dando êxito ao princípio magno da
igualdade. Porém, não são todos os autores que se vertem a tal entendimento.
Este princípio demonstra-se bastante controverso justamente por causa dos
efeitos que lhe são peculiares ante o aspecto econômico adstrito a uma
sociedade.
Para
Elizabeth Nazar Carrazza, "a progressividade, longe de ser danosa ao
sistema, é a única forma encontrável para que se afastem as injustiças
tributárias, vedadas pela Constituição Federal. Sem tributação progressiva
jamais se atinge a igualdade tributária". De mesma sorte, assevera Sandra
A. Lopes Barbon acentuando que a progressividade "é um instrumento dentre
tantos outros à disposição do estado democrático de direito para a construção
de uma sociedade mais livre, justa e solidária. É utilizado de forma ampla,
especialmente no imposto sobre a renda das pessoas físicas ou naturais".
Portanto,
em inteira contradição delineada pelos entendimentos acima, discrepa a doutrina
que imoderadamente desaprova a taxação progressiva de alíquotas. Para estes, a
progressividade seria um desestímulo aos investimentos, pois induziria o
contribuinte receptor de maiores ganhos a uma tributação excessiva, ocasionando
o aumento de custo e redução da produção de novos bens.
Stuart
Mill, registrado por José Maurício Conti, apontou que "taxar as rendas
mais altas em uma porcentagem maior do que as rendas menores significa impor um
tributo à iniciativa e à parcimônia, impor uma penalidade a pessoas por terem
trabalhado mais duro e economizado mais do que seus vizinhos". Neste
sentido, Adhemar João de Barros preconiza que "todo imposto representa um
ato de espoliação. A progressividade do imposto permite a uma maioria de
cidadãos espoliar mais particularmente, por intermédio de seus representantes,
uma minoria da população, sob o pretexto de Justiça Social". Diante desse
contexto, ambos desenvolvem suas severas críticas consoante a progressividade,
com a eloqüência de fortes argumentos que deixam pairar realmente dúvidas a
respeito da efetiva justiça fiscal a ela atribuída.
Entretanto,
embora não seja contemplada de unanimidade, a verossimilhança deduzida pelos
defensores da progressividade como propulsor do desenvolvimento da justiça
fiscal alastrada pela capacidade contributiva e pela isonomia é a corrente
majoritária. O outro posicionamento baseia-se numa ilustração pouco retrógrada,
também fomentada por expressivos autores, mas que não está plenamente em
consonância com a economia de mercado e com as discrepantes desigualdades
sociais contempladas no mundo atual. Nada mais justo que os possuidores de uma
capacidade contributiva elevada paguem mais em contraposição àqueles que
percebam uma menor riqueza.
É
cabível discordar, todavia, que o ordenamento constitucional pátrio admita a
progressão de alíquotas a todos os imposto inseridos no sistema tributário
indistintamente, como logram alguns doutrinadores. Conforme anteriormente
aduzido, não são todos os tributos que se harmonizam com o princípio da
capacidade contributiva e conseqüentemente ao da progressividade, pois suas
essências não possibilitam tal desatino. É o caso dos impostos reais, que pelas
suas particularidades impares não condizem com a graduação de suas alíquotas
justamente pela impossibilidade de se mensurar exatamente a verdadeira
capacidade contributiva de seu sujeito passivo. Aliomar Baleeiro, tecendo
comentários acerca do assunto, opinou que:
"Em regra
geral, só os impostos pessoais se ajustam adequadamente à aplicação de
critérios progressivos medidos pela capacidade contributiva, se bem que esta se
possa presumir da natureza, valor e aplicação específica de determinada coisa,
no sentido de que a possui, compra ou prefere o indivíduo de maiores recursos
econômicos. Mas imposto sobre coisa, em princípio, exclui, por exemplo, a
progressividade em atenção à pessoa, salvo casos de aplicação
extrafiscal".
Deduz-se
então que a progressividade é pertinente, na maioria das vezes, apenas aos
tributos que pela sua natureza comportem tal modalidade de graduação, diante da
certeza absoluta consubstanciada na personalização do imposto, da capacidade
econômica do contribuinte. A graduação também poderá ser objeto que possibilite
contemplar de maneira adequada a aplicação extrafiscal de um determinado
imposto, atendendo finalidades diversas da mera fiscalidade do poder estatal de
arrecadar.
A
fiscalidade tende apenas prover o Estado de meios financeiros adequados ao seu
custeio. O fim é precipuamente voltado à arrecadação, visando angariar recursos
para "sustentar" a máquina pública com o intuito de realizar as
atividades que lhe são incumbidas. Neste mesmo sentido, definiu Eduardo Marcial
Ferreira Jardim que a "fiscalidade é o exercício da competência tributária
com o desígnio eminentemente arrecadatório. Exprime manifestação legítima do
Estado, uma vez que os tributos traduzem a sua principal fonte de
recursos". De certo, perante a aplicação da progressividade fiscal de
alíquotas num determinado imposto, procura-se abarcar majoritariamente aqueles
que possuírem uma maior riqueza, diante de seu aspecto pessoal mensurado em
consonância com a sua capacidade econômica.
Quanto
a extrafiscalidade, com muita propriedade aduz Ruy Barbosa Nogueira que:
"O Estado
pode, em benefício da coletividade, regular a atividade econômica, fazendo uso
de seu poder de polícia para limitar o exercício da liberdade pelos
particulares. Tal poder pode ser exercido, também, por meio da tributação,
produzindo efeitos diversos, como fomentar uma determinada atividade ou
restringí-la ( e até mesmo impedí-la, se ilícita). Por outro lado, o Estado
também pode, em razão de seu ius imperii, interferir nas relações
econômicas cobrando tributos das pessoas que a ele se submetem, como forma de
obter os recursos necessários ao desenvolvimento normal de sua ampla gama de
atribuições".
Desse
modo, almeja-se na graduação de alíquotas com caráter meramente extrafiscal uma
ação do Estado em que se intervem na economia com o intento de estimular ou até
mesmo desestimular comportamentos voltados à satisfação da coletividade.
Trata-se de uma variação, seja ela progressiva ou não, voltada inteiramente
para uma Política Fiscal governamental. Pouco importa a capacidade econômica do
contribuinte, tornando-se relevante apenas a finalidade para a qual está
imbuído o interesse regulador do Estado.
Nesse
contexto, torna-se prudente analisar ainda que a progressividade não é a única
forma de se estabelecer a discriminação entre contribuintes. Conforme
amplamente avençado, não são todos os impostos que se coadunam ao princípio da
progressão de alíquotas, autorizando assim a legislação tributária dispor de
mecanismos que melhor se adeque à diferenciação e aperfeiçoamento da
arrecadação fiscal. Dessa forma, a tributação poderá, conforme a peculiaridade
do imposto a incidir, variar ou permanecer constante, atentando-se ao que se
denominam de regressividade, seletividade e proporcionalidade.
A
graduação regressiva é oposta à graduação progressiva. Na regressividade ocorre
um decréscimo das alíquotas à medida que aumentam as dimensões ou intensidades
da base calculável. A relação entre o quantum devido e o montante da
riqueza tende a diminuir. Já na tributação proporcional, não ocorre nenhuma
forma de graduação que possa acarretar no aumento ou diminuição da alíquota que
deverá incidir sobre a base de cálculo do imposto. A relação permanece
constante.
De
outro lado, o princípio da seletividade funciona como um mecanismo alternativo
em que prevê uma seleção de alíquotas de acordo com a essencialidade de
produtos ou mercadorias colocadas à disposição do consumidor/contribuinte.
Nestes termos, "o encargo financeiro representado pelo tributo, repercute
no valor final do produto industrializado ou do bem posto em comércio. Quando
estes produtos ou bens são considerados essenciais, devem sofrer tributação
menor. Isto não decorre da maior ou menor capacidade contributiva do chamado
contribuinte de direito, mas, sim, das necessidades objetivas daquele que
adquire o produto ou o bem". É o caso, por exemplo, do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.
Embora
adstritos ou não a alguma modalidade de variação em suas alíquotas, nenhuma
espécie de imposição tributária poderá destituir o contribuinte de parte de seu
patrimônio sob o argumento infante de se estar cobrando imposto. É por isso que
a Carta Magna expressamente invocou que nenhum tributo será utilizado com
efeito confiscatório (art. 150, IV), garantindo ademais o direito de
propriedade (art. 5º, XXII e art. 170, II). Embora a lei autorize a instituição
de tributos, deverá este estar sempre adstrito a esta limitação ao poder de
tributar conferido ao Fisco.
É
salutar que os tributos devam traduzir uma cessão compulsória de recursos dos
contribuintes ao Estado, tornando-se essa transferência legítima, com nenhum
efeito que possa ponderar alguma caracterização de confisco. Assim, não se
objetiva dessa forma outorgar à propriedade uma proteção de forma absoluta
contra a incidência do tributo, e sim a preservação da capacidade contributiva
do sujeito passivo.
No
entanto, torna-se custosa a estipulação que visa traçar os limites plausíveis
da cobrança de um tributo sem que esteja avançando no patrimônio privado.
Embora a Lei Maior não viabilizou parâmetros para mensurar o efeito
confiscatório de um tributo, já que a Lei Complementar que deveria fixar esse
percentual não veio a lume, coube à doutrina prontamente dispor a respeito.
Aires Fernandino Barreto alude que "poder-se-á dizer que há confisco
sempre que houver afronta aos princípios da liberdade de iniciativa, ou de
trabalho, ofício ou profissão, bem assim quando ocorrer absorção, pelo Estado,
de valor equivalente ao da propriedade imóvel ou quando o tributo acarretar a
impossibilidade de exploração de atividades econômicas".
Dessa
forma, o ato de apropriação deverá ser submetido aos caracteres peculiares de
cada sujeito passivo e medido num patamar que venha estatuir uma tributação
desvairada e sobejamente injusta, nos moldes de poder causar insuportabilidade
financeira junto à condição econômica do contribuinte lesado.
CAPÍTULO III: A INCONSTITUCIONALIDADE DA
PROGRESSIVIDADE FISCAL DO IPTU NAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E NO
ARTIGO 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29
3.1
A impossibilidade de alíquotas progressivas no imposto imobiliário urbano
perante o entendimento jurisprudencial do STF
Ante
a intransigência do Fisco em abarrotar os seus polpudos cofres públicos em
desfavor do contribuinte, almeja-se sempre de forma incoerente desvencilhar
parâmetros jurídicos e conseqüentemente majorar a carga tributária cada vez
mais. No caso específico do imposto incidente sobre a propriedade predial e
territorial urbana, foi-se necessário um longo interregno de tempo para que a
discussão a respeito do aumento progressivo de suas alíquotas viesse a ser
objeto de inúmeras decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Tamanha
discussão ateu-se ao fato de que os demasiados pontos de vista e divergências
doutrinárias sobre o assunto levaram vários Municípios brasileiros a
instituírem leis que julgavam plenamente amparadas pela Constituição Federal.
Isto tudo porque a redação original do art. 156, § 1º em consonância com o art.
145, § 1º e do ainda art. 182, § 4º em vigor, todos da Lei Maior, agregavam uma
suposta brecha capaz de intitular possíveis graduações de alíquotas levando-se
em consideração uma progressividade meramente fiscal e outra de caráter
extrafiscal.
Foram
anos de desencontros jurisprudenciais exauridos pelos diversos Tribunais do
país em função das milhares de ações interpostas por contribuintes. Isso foi o
alvorecer de uma indagação jurídica que levou a Suprema Corte a tentar
apaziguar as fortes tendências que ora decidiam pela constitucionalidade e ora
pela inconstitucionalidade das leis promulgadas pelas municipalidades.
Portanto,
o Supremo Tribunal Federal, diante do julgamento do Recurso Extraordinário nº
153.771-0/MG - (Tribunal Pleno), deliberou seu posicionamento acerca da
progressividade fiscal do imposto imobiliário urbano, vindo esta decisão a
consistir no principal entendimento jurisprudencial sobre o questionamento da
natureza tributária de tal tributo. Desde então, as graduações fiscais de
alíquotas foram rechaçadas e reiteradamente julgadas inconstitucionais por
diversas vezes. Neste aspecto, as delimitações constitucionais à instituição,
pelos Municípios, do IPTU progressivo, ficaram adstritas somente à progressão
extrafiscal.
A
redação original do art. 156 da Constituição Federal dispunha em seu § 1º de
modo que o imposto previsto no inciso I, ou seja, o Imposto Predial e
Territorial Urbano, poderá ser progressivo, nos termos da lei Municipal, de
forma que vise assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Já o
art. 182, em seu § 4º salienta "in verbis" que:
"Art. 182
-.... ......................
(...)
§4º - É
facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário
do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu
adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
(...)
II – imposto
sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
(...)".
Por
sua vez, o entendimento firmado pelo STF expressou-se no sentido de que a
progressividade expressa no texto original do art 156, § 1º da Lei Maior estava
ligada umbilicalmente à progressividade temporal (extrafiscal) constante do
art. 182, § 4º pertinente ao cumprimento da função social da propriedade.
Asseverou a ilustrada ementa do acórdão:
"No
sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o
império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU,
quer com base exclusivamente no seu art. 145, § 1º, porque esse imposto tem
caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade
econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo
constitucional (genérico) com o art. 156, § 1º (específico). A interpretação
sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU
com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a
explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com
finalidade extrafiscal aludido no art. 156, § 1º. Portanto, é inconstitucional
qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente
ao disposto no artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso
Extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item
2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.1989, no município de
Belo Horizonte".
Como
se pode vislumbrar, a fundamentação legal para o entendimento jurisprudencial
do STF ateu-se primordialmente às características inerentes a essência da
espécie tributária consolidada pelo IPTU. Este é um imposto real, também
denominado de impessoal ou objetivo, como veiculado em exposição pretérita.
Dessa forma, sua hipótese de incidência deverá obrigatoriamente incidir sobre
uma riqueza, uma situação ou um ato econômico, sem levar em consideração o indivíduo
possuidor de tais particularidades. Diante desse argumento, o Supremo Tribunal
Federal veio decidir que o imposto imobiliário urbano, de natureza real não
pode graduar em função de uma presumível capacidade contributiva do sujeito
passivo.
Portanto,
a inteligência utilizada por maioria de votos permeou-se na já mencionada
distinção clássica entre impostos pessoais e impostos reais. A partir disso, e
em conseqüência da não possibilidade de se poder mensurar a exata capacidade
econômica do contribuinte levando-se em consideração o aspecto valorativo
concernentes ao imóvel, repeliu-se de maneira acertada pela incompatibilidade
da progressividade em função de impostos que recaem sobre o patrimônio.
Na
ocasião do Plenário designado para o julgamento do aludido Recurso
Extraordinário nº 153.771-0/MG, o voto do Sr. Relator Moreira Alves foi seguido
por todos os demais Ministros, com a exceção do Ministro Carlos Velloso, que a contrario
sensu, defendeu a tese de constitucionalidade da Lei nº 5.641/89 do
Município de Belo Horizonte, a qual se instituía alíquotas progressivas na
cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano.
O
Ministro Relator Moreira Alves, em extenso parecer de voto proferido,
sustentando seu entendimento e vislumbrando uma variedade de doutrinas pátria e
do direito comparado, manifestou no intento de que os impostos reais não
comportam alíquotas progressivas. Pontificou que "por isso mesmo, VICTOR
UCKMAR, tratando do princípio constitucional da igualdade tributária no tocante
à capacidade contributiva, se refere ao ‘EVIDENTE ABSURDO DE ALÍQUOTAS
PROGRESSIVAS PARA OS IMPOSTOS REAIS’".
A
propósito, citando ainda o italiano Vincenzo Carullo, perseverou que:
"Naturalmente,
não queremos dizer - nem poderemos - que todos os impostos devem ser
progressivos, porque bem sabemos como isso seria IMPOSSÍVEL ou cientificamente
errado: porque bem sabemos que A PROGRESSÃO NÃO CONDIZ COM OS IMPOSTOS DIRETOS
REAIS e pode encontrar só inadequada e indireta aplicação nos impostos sobre
consumos e nos impostos indiretos em geral".
É
bom alvitre relembrar o que salienta o dispositivo constitucional normatizado
pelo art. 145, §1º, no qual menciona que "sempre que possível", os
impostos deverão ter caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte. Logo, alude-se no intuito de que não sendo o Imposto
Predial Territorial Urbano atrelado ao caráter pessoal de seu sujeito passivo,
não condiz com sua essência atribuir a graduação progressiva de suas alíquotas.
Prossegue
o Ministro ressaltando que:
"Ora, no
sistema tributário nacional, é o IPTU inequivocamente um imposto real,
porquanto tem ele fato como gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de
imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a
pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor, tanto assim
que o Código Tributário Nacional ao definir seu fato gerador e sua base de
cálculo não leva em conta as condições da pessoa do sujeito passivo".
Diante
de tais peculiaridades é que, com as manifestações afoitas e preponderantemente
de cunho legal, afirmou o Ministro Relator pela inviabilidade jurídica de se
graduar alíquotas do IPTU progressivamente diante de uma suposta presunção da
capacidade contributiva do sujeito passivo. Pois, não será sempre aquele
detentor de um bem que esteja singularizado sobre um maior valor venal o
possuidor de uma maior riqueza econômica. Portanto, em vias de conclusão,
ponderou no sentido de que "é inconstitucional qualquer progressividade,
em se tratando de IPTU, que não atenda, exclusivamente ao disposto no art. 156,
§1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do
artigo 182, ambos da Constituição Federal".
Em
seguida, pronunciou o Ministro Maurício Corrêa fazendo alusão de que "o
caso específico de que ora se cuida é exatamente o de imposto predial, que pela
sua própria natureza é um tributo real, incidente sobre o imóvel urbano, não
recaindo sobre a pessoa, como é o caso do imposto de renda e de outras exceções
similares".
Corroborando
neste mesmo entendimento, ressaltou o Ministro Ilmar Galvão que:
"O
critério, como se vê, é de natureza objetiva, certamente porque se está diante
de um tributo, não de natureza pessoal, cuja alíquota possa variar em função
das condições econômicas do proprietário do bem, na forma preconizada no art.
145, § 1º, da CF, parte final, mas de natureza real. Com efeito, o tributo
incidente sobre o imóvel não é necessariamente de responsabilidade de quem lhe
detinha o domínio, no exercício tributado, mas de quem o detém, à época da
cobrança ou execução".
De
mesma sorte, manifestou o Ministro Néri da Silveira mencionando que
"cuidando-se de IPTU, cumpre, por primeiro, ter presente sua natureza
real. Não tenho como aplicável, desde logo, o art. 145, § 1º, da Constituição,
para apoiar a legitimidade da impositividade fiscal discutida".
Estes
e demais votos manifestos pelos demais pares foram o bastante para que em
decisão quase unânime, ficasse "solucionada" e de certa forma
acalentada uma das maiores batalhas jurídicas travadas entre contribuintes e o
poder público municipal. Desde então, o Supremo Tribunal Federal vem
reiteradamente proferindo decisões condizentes com a inconstitucionalidade de
leis voltadas para a cobrança de alíquotas progressivas ante o imposto sobre a
propriedade imobiliária. Neste sentido coadunam os RREE nºs 204.827; 205.464; 198.50;
202.261; 192.732; 194.036; 197.676; 192.737; 193.997; 229.457; etc.
Contudo,
urge admitir que mesmo com as reiteradas decisões manifestas dos precedentes
jurisprudenciais emanados da Suprema Corte, a doutrina continuou refutando
diversificadamente a respeito do assunto. Carlos Octaviano de Medeiros
Mangueira fazendo críticas a fundamentação doutrinária dos acórdãos exarados
entende que:
"’(...)
data vênia’, da fundamentação de nossa Corte Suprema. Com efeito, não é por ser
um imposto de natureza real que não se aplica o princípio da capacidade
contributiva ao IPTU. Aliás, a própria classificação dos impostos em pessoais e
reais é falha pois, sendo a obrigação tributária uma relação jurídica, é de sua
essência que haja um sujeito passivo, um sujeito ativo, um objeto e um vínculo
de atributividade. Ora, sujeito passivo da obrigação tributária sempre será a
pessoa - física ou jurídica -, jamais o objeto. Os impostos, portanto, sempre
terão natureza pessoal".
Destarte,
alguns autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em abordagem ao
dispositivo original do art. 156 da Carta Magna, já entendia e dispunha em
perfeita consonância com o "veredicto" patrocinado pelo STF. Afirma
que:
"Este
dispositivo tem que ser interpretado em consonância com o art. 182, § 4o,
II, ou seja, a progressividade aqui prevista só pode ser a progressividade no
tempo. Não pode ser exigida senão de área incluída no Plano Diretor do
Município por lei específica, nos termos condicionados por lei federal. Somente
poderá ser aplicada com o fito de levar o proprietário de solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, a dar a esse imóvel o seu adequado
aproveitamento, segundo o plano referido. E não poderá ser adotada antes de ter
sido infrutífera a determinação de parcelamento ou edificação
compulsórios".
De
idêntico modo, Marco Aurélio Greco acentuou sabidamente que "não há na
Constituição dois tipos de progressividade do IPTU. Há apenas a que sirva para
assegurar a função social do imóvel, nas hipóteses, através do regime e pelos
instrumentos consagrados no art. 182 da CF".
Embora
sejam acirradas as divergências patrocinadas pela doutrina, cediço ficou o
entendimento encampado de que a única hipótese de progressividade admitida pela
Constituição da República de 1988 junto ao Imposto sobre a Propriedade Predial
e Territorial Urbana seria aquela prevista pelo art. 182, § 4º, II. Neste
enfoque e diante da regra albergada pelo texto original do art. 156, § 1º, repeliu-se
qualquer modalidade de graduação de alíquotas que não atendesse a
progressividade temporal baseada no mencionado dispositivo legal.
3.2
A Emenda Constitucional nº 29 e os efeitos da alteração do parágrafo primeiro
do art. 156 da Constituição Federal no ordenamento jurídico
Após
longas discussões legislativas, sempre marcadas por posicionamentos antagônicos
entre os governos federal, estadual e municipal, promulgou-se em 14 de setembro
de 2000 a Emenda à Constituição nº 29. Foram seis anos desde a apresentação da
PEC 169 de autoria dos deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires e a sua fusão com
a PEC 86, do deputado Carlos Mosoni, até a sua aprovação em dois turnos em cada
uma das Casas Legislativas do Congresso Nacional.
A
Emenda intitulada de assegurar os recursos mínimos para o financiamento das
ações e serviços públicos de saúde, alterou os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e
198 da Constituição Federal e acrescentou artigo ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. A princípio, a conhecida "Emenda da
Saúde" traz incomensuráveis benefícios à sociedade brasileira, pois se
tenta estabilizar os recursos repassados pelos governos ao calamitoso Sistema
Único de Saúde (SUS).
A
nova vinculação constitucional veio estabelecer, sobre o produto total da
arrecadação dos impostos de competência impositiva dos Municípios, por exemplo,
tais como o IPTU, ITBI, ISS e dos demais recursos aludidos pelo art. 158 e 159,
inciso I, alínea b e § 3º, já para o ano de 2000, a obrigação de se aplicar em
ações e serviços públicos da saúde um percentual mínimo de 7% (sete por cento),
até atingir 15% (quinze por cento) em 2004, na proporção de 1/5 da diferença ao
ano, ou seja, 9% (nove por cento) em 2001, 11% (onze por cento) em 2002 e 13%
(treze por cento) em 2003.
Contudo,
no intuito de possibilitar uma crescente arrecadação da receita municipal
visando angariar maiores recursos objeto de futuros repasses junto à saúde,
instituiu-se a progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano.
Esta alteração substancial no art. 156, § 1º da Constituição Federal foi o
bastante para novamente trazer à tona uma grande divergência doutrinária, que,
aparentemente, pensava estar "adormecida" pela pacífica jurisprudência
consolidada pelo Supremo Tribunal Federal.
Dispõe
a nova norma "enxertada" pelo art. 3º da Emenda nº 29 que:
"Art. 156
-.... .......................
(...)
§1º Sem
prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso
II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I - ser
progressivo em razão do valor do imóvel;
II - ter
alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel".
Ao
que tudo indica, alterou-se norma até então vigente para tentar burlar as
mencionadas decisões do Supremo Tribunal Federal que entendiam pela
inconstitucionalidade da progressão de alíquotas nos impostos reais, e mais
precisamente no imposto imobiliário sob comento. Indo a total desencontro com
as deliberações acatadas pela Suprema Corte brasileira, percebe-se que pela
emenda, não há mais a obrigatoriedade de que o IPTU venha atrelar-se
necessariamente à extrafiscalidade e conseqüentemente ao cumprimento da função
social da propriedade privada, podendo a municipalidade dispor de mais
elementos capazes de promover a elevação quantitativa de sua receita.
Diante
dos efeitos meramente práticos, denota-se que a Emenda da Saúde trouxe em seu
âmago um instrumento fiscal que certamente irá contribuir com a elevação da
receita dos municípios brasileiros. Pensando nisso, foi que a Prefeitura de São
Paulo modificou sua legislação frente à nova redação do art. 156, § 1º da
Constituição da República. Já para o exercício financeiro de 2002, foi
promulgada a Lei 13.250 que institui o tão famigerado IPTU progressivo na
capital paulistana.
"A
Lei Municipal de nº 13.250, de 27-12-2001, com suposto fundamento na Emenda
29/2000, introduziu a progressividade do IPTU distinguindo o prédio residencial
do prédio não residencial e do imóvel inedificado, preconizando alíquotas
diferenciadas (artigos 7º, 8º e 27 da Lei nº 6.986/66 com redação dada pela Lei
13.250/2001)". As alíquotas passaram a variar de 0,8% a 1,6% para imóveis
residenciais e 1,2% a 1,8% para imóveis não residenciais, multiplicadas sobre o
valor venal do imóvel que teve sua Planta Genérica de Valores (PGV) também
corrigida. Estima-se que com a aplicação da nova lei o Município venha aumentar
sua arrecadação satisfatoriamente.
Contudo,
bastou a cobrança do imposto vir à tona e alardear a população para que viesse
acender o estopim de uma nova controvérsia judicial entre a municipalidade e
contribuintes. Já são milhares de ações na Justiça que corroboram o
entendimento encampado pelo Supremo Tribunal Federal entendendo pela
inconstitucionalidade das alíquotas progressivas no imposto imobiliário urbano.
Desde então, as ações impetradas veicularam resultados satisfatórios para
alguns contribuintes, pois o Judiciário concedeu liminares em mandados de
segurança contra o imposto progressivo sob o argumento de sua
inconstitucionalidade sustentada pelo Supremo Tribunal Federal.
A
primeira decisão de mérito sobre o tema foi proferida pela juíza da 14ª Vara da
Fazenda Pública da capital paulistana, afastando a cobrança do Imposto Predial
e Territorial Urbano com alíquotas progressivas instituída pelo poder
municipal. A sentença acatou a tese aludida pelo Supremo Tribunal Federal da
impossibilidade de graduação de alíquotas nos impostos reais. Por sua vez,
veiculou que o entendimento pacificado pela Corte Maior deve prevalecer, eis
que efetivamente a mera discrepância entre os variados valores venais não é
atributo específico para determinar a aferição da capacidade econômica dos
contribuintes. Assim, a segurança concedida entendeu pela inconstitucionalidade
do IPTU progressivo.
Vale
ressaltar, porém, que as decisões alastradas tiveram efeitos somente entre as
partes, não sendo auto-aplicáveis a todos os contribuintes. Contudo, com as
sentenças favoráveis ou não, a tendência é de que as Prefeituras dos diversos
Municípios brasileiros venham a instituir para o ano de 2003 o Imposto Predial
e Territorial Urbano progressivo levando-se em consideração o decréscimo
considerável de suas receitas e a "suposta" constitucionalidade
avençada pelo texto modificado da Constituição Federal.
Como
acontece em São Paulo, entende-se que os questionamentos suscitados pela
constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29 será o apogeu de uma grande
discussão jurídica que fulminará, assim como já ocorreu no passado, numa
decisão proferida pela Suprema Corte brasileira. Enquanto isso ficam livres os
Municípios para adequarem suas legislações no propósito de instituir o IPTU
progressivo, que, salvo ulterior disposição adversa, encontra respaldo de
"constitucionalidade" pela Carta Maior.
3.3
A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU em face do artigo 3º
da Emenda Constitucional nº 29/00
Verifica-se
que a Emenda Constitucional nº 29 disfarçadamente tenta apaziguar desigualdades
na área da saúde, mas traz em seu bojo um perceptível e ilegal aumento na carga
tributária do contribuinte brasileiro.
Mediante
as alterações provocadas no § 1º do art. 156 da Constituição Federal, tenta-se
por parte do poder Legislativo constitucionalizar a tão polêmica
progressividade fiscal do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana. A graduação de alíquotas para imóveis situados numa mesma cidade,
escalonadas progressivamente em função de fatores objetivos que transcendem uma
presunção da capacidade econômica do sujeito passivo, tem por conseqüência o
aumento da arrecadação fiscal municipal em contraposição ao atropelo de
direitos e garantias individuais.
Em
perfeita ponderação recheada por exacerbadas críticas à alteração promovida
pela malfadada "Emenda da Saúde", Raul Haidar salienta que:
"Ao que
parece, os nossos governantes descobriram a pólvora ou reinventaram a roda em
matéria fiscal. Quando a Justiça decide que determinada forma de tributar é
inconstitucional, muda-se a Constituição, essa colcha que já tem mais de 30
retalhos (ou emendas) mal costurados. Isto é: a Constituição brasileira, que
deveria ser a lei das leis, foi transformada em ferramenta de arrecadação,
mudando várias vezes ao ano, ao sabor dos interesses do erário, esse monstro
insaciável que já devora mais de um terço da economia nacional".
De
mesma sorte, vem à tona os dizeres de J. Nascimento Franco:
"Tentando
dar foros de legalidade ao IPTU proporcional ao valor do imóvel, os prefeitos
pressionaram o Congresso e conseguiram um casuísmo a mais, neste país de
casuísmos cotidianos. Como o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº
153.771, em setembro de 1997, havia fulminado aquele critério, considerando-o
conflitante com o artigo 156, § 1º, da Constituição de 1988, os prefeitos
arrancaram do Congresso a Emenda Constitucional nº 29, de 13/9/00, cujo artigo
3º alterou aquele dispositivo para permitir a progressividade, que o tribunal
vetara, do imposto incidente sobre a propriedade predial e territorial urbana
em razão do seu valor, bem como a variação de alíquota de acordo com a
localização e o uso do imóvel (...)".
Nestes termos, destoa que sem uma maior indagação ou
qualquer modalidade popular voltada a discutir os interesses comuns, os
legisladores melindraram princípios e propagaram intolerâncias na adequação de
uma alteração que beneficia somente o poder público municipal. No caso
específico, tem-se que a atividade do legislador transforma-se em, nada mais,
como ponderou Ricardo Lobo Torres, citado por Leonardo Pietro Antonelli, que um
"radical repúdio à interpretação judicial, pela edição de norma
intencionalmente contrastante com a jurisprudência e na retificação da norma
anterior, que, por ambigüidade ou falta de clareza, tenha levado o Judiciário a
adotar interpretação incompatível com os pressuposto doutrinários da
matéria".
Não
resta dúvidas que, conforme interpretação superficial do novo texto do art.
156, §1º da Constituição de 1988, a reforma veio sobressaltar as multicitadas
deliberações do Supremo Tribunal Federal. Ficou agora consignado que sem o
prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso
II, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana poderá ser
progressivo em razão do valor do imóvel ou ter alíquotas diferentes de acordo
com a localização e o uso do imóvel. Como se denota, quis-se desconjugar a
interpretação sistêmica de que a progressividade tratada no ditame do art. 182,
§ 4º, inciso II era a mesma constante da explicitação específica, inclusive com
a restrição temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, §
1º.
Diante
disso, foi que os favoráveis à progressão fiscal de alíquotas no IPTU
entenderam que a EC 29 retirou dos acórdãos proferidos pelo STF a sua eficácia,
não mais condicionando a progressividade ao cumprimento da função social da
propriedade emoldurado pelo inciso XXII do art. 5º ou à aludida progressividade
extrafiscal prevista no art. 182, § 4º, autorizando assim, sua imposição.
Acontece
que, o objeto preponderante que desvencilhou pela inconstitucionalidade da
progressividade fiscal do imposto imobiliário urbano e que foi debatido
repisadas vezes pelo Supremo Tribunal Federal tratava-se da natureza jurídica
de tal tributo. Permaneceu, dessa forma, intocável o espírito que norteou os
acórdãos. Não tangia naquele momento discutir em primazia acerca da
literalidade coloquial prevista pela Constituição Federal, e sim as
características peculiares do tributo em apreço. Avençou pelo fato de que apenas
os impostos mensurados a partir de uma personalização do indivíduo tributado é
que poderiam admitir a graduação de alíquotas conforme a sua respectiva
capacidade econômica.
O
Imposto Predial e Territorial Urbano, pelo fato de ser majorado diante do valor
venal de um bem imóvel, não pode ter como parâmetros para seu cálculo uma
suposta presunção de riqueza do sujeito passivo, tentando denotar-lhe um
caráter pessoal inexistente. Nem mesmo com a nova redação do art. 156, § 1º da
Constituição Federal, introduzida pela Emenda 29, fica autorizada a adequação
de alíquotas progressivas do IPTU com base nas peculiaridades voltadas às
características inerentes ao imóvel.
Aires
Fernandino Barreto, em comentário à nova Emenda, manifestou no intuito de que:
"Ora, no
caso da progressividade, é inquestionável que a Emenda Constitucional nº 29/00
não apenas tende a abolir, como, de fato, aniquila, suprime, destrói, anula a
restrição posta pelo princípio de que progressivos só podem ser os impostos
pessoais.
O emprego de
progressividade no caso de imposto real implica a abolição real dos limites do
princípio da capacidade econômica; derruba as balizas dessa diretriz para
alcançar - contra a solene promessa do art. 5º, § 2º - os impostos de natureza
real (...)".
A
antítese existente em decorrência de tais divergências consiste na aplicação do
princípio da capacidade contributiva em contraposição ao da igualdade. É diante
disso que se vislumbra pelo texto do art. 3º da Emenda Constitucional nº 29/00
a patente mitigação ao princípio da isonomia tributária previsto no art. 150,
inciso III da Carta Maior, bem como ao princípio da capacidade contributiva
estampado no artigo 145, § 1º. Como bem ressaltou Bandeira de Mello:
"violar um
princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas ao específico mandamento obrigatório, mas a
todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura
mestra".
No
mesmo sentido, em exposição acerca do tema, salientou Rodrigo da Rocha Rosa
que:
"O sistema
legal parte de premissas, primeiras verdades, e, a partir destas, em plena
harmonia sistêmica, surge nova verdade sem jamais destruir a primeira. São
conceitos, princípios constitucionais; desrespeitá-los é mais que produzir
texto inconstitucional, é trair e corromper o sistema legal. O poder
legislativo no Brasil, em atenção aos anseios do executivo, sem qualquer
cerimônia, corrompe o sistema, rasga princípios constitucionais maiores, sempre
visando o fim político de aumento de arrecadação à cobrir os excessivos e
descontrolados gastos públicos, fá-lo sem qualquer técnica legislativa, como se
os fins justificassem os meios, como se o direito não fosse, como de fato é,
uma ciência complexa".
Além
do mais, sabe-se que o art. 60, § 4º da Constituição corporifica na acepção de
que os "direitos e garantias individuais" não podem ser objeto de
deliberação modificáveis por Emendas Constitucionais. Cláusulas estas que são
denominadas "pétreas", "imutáveis". Da leitura do art. 5º
da CF/88, conclui-se que os princípios que fundamentam o sistema tributário,
inserem-se no conceito de "direitos e garantias individuais", não
podendo, conseqüentemente, serem também tangidos por alterações provenientes de
Emenda.
"Segundo
Barreto, o inciso primeiro da Emenda 29, que prevê a cobrança progressiva sobre
o valor do imóvel, fere o parágrafo 1º do artigo 145 da mesma Constituição
Federal – que seria cláusula pétrea. O artigo 145 trata do princípio da
capacidade contributiva do cidadão. Por ele, segundo Barreto, a cobrança
progressiva só poderia existir sobre os impostos pessoais (como o imposto de
renda) e não em impostos reais (como o IPTU)".
De
mesma sorte, bem lembrou Ives Gandra da Silva em comentário acerca da
constitucionalidade ou não do IPTU em face da edição da EC 29. Indagou que:
"Ora, se o
regime legal do tributo é que lhe dá o perfil, tendo o contribuinte o direito
de só recolhê-lo se o imposto for compatível com esse perfil, não feriria
cláusula pétrea da Constituição adotar técnica incongruente com seu arquétipo,
maculando, portanto, o direito do contribuinte de pagar o tributo conforme a
natureza jurídica que lhe pertine?
A Constituição
deve ser interpretada conforme o espírito do constituinte e sempre que uma
norma ferir cláusula imodificável - e o são os direitos fundamentais do
contribuinte - à evidência, estar-se-á perante norma constitucional
"inconstitucional", visto que o art. 60 § 4º, inciso IV, não comporta
transigências".
O
legislador constituinte derivado, ao qual é delegada a competência para editar
as Emendas à Constituição da República, não tem o poder ilimitado de alterar o
texto emoldurado pela Carta Suprema, pois sempre deverá estar adstrito aos
regimes normativos instituídos pelas cláusulas consignadas como imutáveis.
Qualquer alteração substancial que venha de certa forma atingir a aplicação
destas cláusulas, o seu regime jurídico intrínseco, os elementos que
objetivamente a compõem, representa exterminá-las numa atitude impensada
totalmente vedada pela Constituição, com a conseqüente inconstitucionalidade
das novas normas que venham a ser adotadas pelo ordenamento jurídico.
Embora
seja a Emenda Constitucional formulada pelo Poder Legislativo o meio legal
utilizado para se adequar uma modificação do Texto Maior, poderá esta, mesmo
assim, ser declarada inconstitucional. Nesse sentido, já manifestou a doutrina
na ocasião da promulgação da Emenda Constitucional nº 3. Assim, assevera Edmar
Oliveira Andrade Filho que:
"(...)
mesmo uma Emenda Constitucional, emanada do poder constituinte derivado,
incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada
inconstitucional pela Corte Suprema que é a guardiã da Constituição por força
do inciso I, a, do seu art. 102. Em tais circunstâncias o controle da eventual
inconstitucionalidade se faz em confronto da norma da Emenda Constitucional com
os assuntos considerados como ‘cláusulas pétreas’ da Constituição, indicados no
§ 4º de seu art. 60. Nesse único precedente jurisprudencial sobre o controle de
constitucionalidade exercido sobre Emenda à Constituição (EC nº 3/93) ocorreu
quando se pretendia, por ato do poder constituinte derivado, suprimir o sistema
de imunidades tributárias das pessoas políticas por intermédio do malsinado
Imposto Provisório sobre Operações Financeiras".
O
discernimento constitucionalmente aceito na redação originária de um artigo
pertinente ao sistema tributário é verdadeiro elemento indissociável do
princípio da isonomia tributária. Qualquer Emenda que viabilize uma modificação
inadequada patrocinada posteriormente ao que se perpetua como inflexível,
representa uma alteração substancial ao próprio princípio colacionado. Partindo
dessas premissas é que vem a baila a repulsa e desaprovação da nova
literalidade do art. 156, § 1º do texto constitucional. Essa modificação
grosseira pertine ao absurdo de que um mesmo contribuinte possuidor de uma
mesma capacidade contributiva possa vir a ser tributado de forma distinta.
Pondera
Alexandre Nista acerca da progressão de alíquotas do Imposto Predial e
Territorial Urbano que:
"Quanto às
progressividades em razão da localização e do uso do imóvel, ambas ofendem o
Princípio da Igualdade. Para se chegar a esta conclusão seguimos o seguinte
roteiro: A) identificamos o fator de discriminação, que ‘in casu’ é a
localização e o uso do imóvel; B) analisamos eventual correção lógica entre o
fator de discriminação e o regime jurídico desigual com base nele estabelecido
e chegamos à conclusão que, no caso em tela, não há lógica entre a tributação
progressiva do IPTU e a localização e o uso do imóvel, pois qual a
justificativa para se estabelecer a variação de alíquotas do imposto em
epígrafe, em razão do imóvel localizar-se neste ou naquele bairro, ser
utilizado para fins residenciais ou comerciais e, por fim; C) constatamos que o
tratamento desigual não homenageia nenhum valor positivado na Constituição
Federal (...). Diante destas circunstâncias, entendemos que, também, estas
formas de progressividade são inconstitucionais, por serem ofensivas ao
Princípio da Igualdade".
A
Emenda 29 tende a menosprezar valores e princípios mestres que o direito
tributário convencionou ao longo de sua remota existência. Como bem alude o
art. 145 em seu § 1º, sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Quanto ao
Imposto Predial e Territorial Urbano, etimologicamente considerado um tributo
real, é notório a impossibilidade premente de personalizá-lo e, sobretudo
atrelá-lo ao princípio da capacidade contributiva. Pretende-se com a progressividade
conferida pela alteração do art. 3º da EC 29 dar azo de legalidade a preceito
categoricamente vetado pela Constituição.
Como
bem salientou Rodrigo da Rocha Rosa:
"(...) já
são adotados como fatores determinantes da base de cálculo elementos referentes
exclusivamente às qualidades objetivas do imóvel, como seu valor de mercado,
área construída, área do terreno, etc., desprezando qualquer referência a
características pessoais do contribuinte do imposto, é a ‘Proporcionalidade’,
mecanismo de diferenciação vigente com impostos vinculados a direito real
limitado da propriedade, impostos reais. Portanto, tendo em vista a vedação
imposta pelo § 1º, do artigo 145, regra geral do texto constitucional, somado à
interpretação harmônica dos conceitos maiores do direito, assim como pela farta
legislação a traçar e exacerbar tais conceitos, não é possível a graduação
fiscal face à capacidade econômica daquele que figure como contribuinte quando
do fato gerador, pois, trata-se de imposto real que recai sobre o bem, visto
que, não necessariamente aquele que figure como contribuinte quando do fato
gerador será o contribuinte quando do adimplemento da obrigação tributária, daí
já se tem a impossibilidade fática de se presumir a capacidade contributiva,
pois sabidamente esta presunção deve se dar no momento do fato gerador,
instante este em que ainda não se sabe quem será o contribuinte a adimplir a
obrigação tributária, pois como assevera Pontes de Miranda; ‘...o adquirente
do domínio suporta os direitos reais limitados que gravam o bem’".
No
intuito de melhor materializar os efeitos da nova redação conferida ao § 1º do
art. 156 da Constituição Federal, conforme o art. 3º da Emenda Constitucional
nº 29, é prudente vislumbrar os seguintes exemplos emoldurados pela doutrina.
Assim sendo, levando a termo os dizeres pontificados por Leonardo Pietro
Antonelli, tem-se:
"(...)
suponhamos que eu seja proprietário de um imóvel que valha R$ 100.000,00
localizado no Leblon e outro contribuinte seja proprietário de imóvel
localizado na Pavuna, cujo valor venal é, segundo inclusive o próprio Município
– uma vez que a guia do IPTU traz num dos campos este valor – também R$
100.000,00. Porque exigir até 5 vezes mais IPTU de mim, se a capacidade
contributiva de ambos os contribuintes é a mesma? Ora, se o valor de venda do
imóvel é idêntico, o imposto tem que ser idêntico, uma vez que o tributo é real
e incide sobre a propriedade. Quanto mais valoroso for o imóvel, naturalmente o
contribuinte irá pagar mais imposto, todavia com uma alíquota única para
todos".
Rodrigo
da Rocha Rosa traz à tona a situação em que um contribuinte seja proprietário
de um imóvel que tenha como valor venal o respectivo numerário de R$ 100.000,00
(cem mil reais) em contraposição a outro que possua um bem valorizado em R$
20.000,00 (vinte mil reais). Antes da inovação encampada pela Emenda, supondo
que a alíquota seria única de 1%, tem-se que o primeiro sujeito passivo pagaria
um imposto no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) e o outro R$ 200,00 (duzentos
reais). A diferença congratulada no mencionado exemplo seria de 5 (cinco) vezes
maior para aquele imóvel que valha 5 (cinco) vezes mais. Diferença esta
decorrente do princípio da proporcionalidade.
Com
a nova redação do art. 156, § 1º, supondo-se uma alíquota mínima de 1% e uma
máxima de 7% teria o seguinte: O imóvel que obtém o valor de R$ 100.000,00 (cem
mil reais) será contemplado com um imposto mensurado pela alíquota majoritária
de 7% de R$ 7.000,00 (sete mil reais). Ademais, o imóvel valorizado em R$
20.000,00 (vinte mil reais) multiplicado pela alíquota depreciativa de 1%
obteria um imposto no valor de R$ 200,00 (duzentos reais). O bem com valor 5
(cinco) vezes maior estaria sujeito a um imposto 35 (trinta e cinco) vezes
maior ou até mesmo mais, acaso houvesse autorização expressa prevista na lei
municipal.
Para
dar efetividade de que a mera discrepância entre valores venais não é
suficiente para determinar a exata aferição da capacidade econômica do
contribuinte, é bom alvitre emoldurar outro exemplo mencionado por Alexandre
Nista. Dessa forma, ressaltou que:
"(...) se
uma lei municipal estabelecer que imóveis com valor venal até R$ 50.000,00
sejam tributados a alíquota de 1% e que imóveis com valor venal igual a R$
500.000,00 sejam tributados à alíquota de 1,5%, um munícipe que detenha 10
imóveis avaliados em R$ 50.000,00 na área urbana deste município, receberá dez
lançamentos de IPTU com valor nominal de R$ 500,00 e anualmente recolherá R$
5.000,00 ao município a título da exação em tela, ao passo que outro
contribuinte que possua apenas um imóvel o perímetro urbano do mesmo município,
cujo valor venal seja igual a R$ 500.000,00 receberá um único lançamento, mas
recolherá o tributo anualmente no valor de R$ 7.500,00".
Os
exemplos supra colacionados tornam patente a ofensa ao Princípio da Igualdade.
Neste último, vê-se claramente que o contribuinte possuidor de um patrimônio
concentrado em um único imóvel terá que recolher aos cofres públicos 50% a mais
de IPTU, enquanto o outro contribuinte que detém a mesma riqueza, porém
distribuída em dez pequenos imóveis, será contemplado com uma carga tributária
razoavelmente menor.
Por
outro lado, surge situações mais ousadas, mas que de certa forma não são
eivados de completa banalidade. Seria o caso de um cidadão que sem as mínimas
condições financeiras ganha, mediante um sorteio, recebe através de uma
herança, doação ou qualquer espécie do gênero um imóvel localizado em local
altamente valorizado. Nem por isso poderá o proprietário de ditos imóveis
auferir rendimentos ou ter atividades econômicas para mantê-lo e
conseqüentemente pagar um imposto que poderá ser progressivo diante da
localização ou valor. Outra iguaria seria o exemplo de um aposentado, que
percebe o mínimo para sua subsistência, sempre residente num local antes pacato
e que atualmente transformou-se numa área central e valorizada da cidade.
Obviamente, este indivíduo não iria suportar o ônus fiscal de um tributo
majorado frente à localização privilegiada que seu bem encontra adstrito. Há de
convir que tais circunstâncias são dilapidadas a um número desprezível de
contribuintes diante do numerário incalculável espalhados pelos 5.550 Municípios
brasileiros.
José
Souto Maior Borges afirma que o "direito é feito para aquilo que
normalmente acontece". Contudo, não se pode ficar vinculado a tal
assertiva. Ë óbvio que o ordenamento jurídico perpetrado pelo direito deve
estar voltado para o que na habitualidade seja conseqüência do dia-dia, mas é
de grande imprescindibilidade também que devem ser salvaguardados os direitos
da minoria, daquilo que normalmente não é o que se costuma avistar, e que
queira ou não faz parte dos questionamentos vivenciados cotidianamente. O
direito, antes de tudo, deve ser difundido para todos e a todos deve atingir.
A
tributação progressiva tem por escopo primordial a justiça social decorrente do
princípio da capacidade contributiva. A par disso, afere-se que no caso do
Imposto Predial e Territorial Urbano a aplicação de graduação de alíquotas não
tem por finalidade colimada a mera abstração de se instituir uma equiparação
entre os contribuintes do imposto, e sim um instrumento de arrecadação imoderado
dos cofres públicos municipais. Como patentemente configurado, a capacidade
contributiva somente pode ser realmente vislumbrada diante do caráter pessoal
que determinado tributo possa vir a possuir. Neste caso, seria total afronta a
preceitos constitucionais a tentativa de lograr personalização a impostos que
pela sua natureza jurídico-tributária não comporta tais peculiaridades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante
do exposto, pode-se concluir que:
1.
Verifica-se que para se
chegar a um estudo pormenorizado do Imposto sobre a Propriedade Imobiliária
Urbana é preciso que se faça uma analise global que venha repercutir junto à
sua evolução histórica no contexto do ordenamento jurídico brasileiro. A
introdução deste tributo se deu gradativamente com a denominação de
"décima urbana" em 1808, dando lugar ao "imposto sobre
prédios" em 1873 e mais adiante ao "imposto predial", no ano de
1881. Foi a partir destes conceitos que se fez recair a incidência de tal tributo
sobre a propriedade que estivesse edificada ou inutilizada, transmitindo-lhe a
designação de "Imposto Predial e Territorial Urbano". Esta
intitulação veio persistir nas Constituições provenientes do período
republicano, vindo a se manter na atual de 1988.
2. O Município caracteriza-se como um ente
da administração pública direta dotado de autonomia política, financeira,
administrativa e organizacional. Em face disto, afere-se que a Constituição
Federal de 1988 incumbiu de ressaltar a competência municipal para instituir impostos
que ficariam adstritos à sua alçada. Por intermédio de tais peculiaridades,
visa-se distribuir a cada ente político um poder de tributar que possibilite a
arrecadação de recursos financeiros capazes de gerir a vida púbica da unidade
federativa. Diante desta repartição de competências, coube privativamente à
municipalidade, conforme dispõe o art. 156, I da CF, inserir o Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana.
3. No campo hipotético de incidência,
tem-se que a norma tributária pode ser decomposta em aspectos ou critérios.
Estes poderão estar incumbidos de determinar a materialidade, temporalidade,
espacialidade e pessoalidade de um determinado imposto, objetivando-se dar
efetividade à situação descrita pela lei capaz de gerar a ocorrência de uma
obrigação tributária.
4.
O aspecto material é um
dos componentes essenciais da hipótese de incidência, formalizando-se no caso
presente na propriedade, no domínio útil ou na posse de imóvel por natureza ou
acessão física. Quanto ao aspecto temporal, este se presta a determinar o
tempo, ou seja, o momento exato da ocorrência do fato jurídico tributário. É
facultado ao legislador fixar esta data, embora normalmente seja estipulado o
dia 1º de janeiro de cada ano. O aspecto espacial é que dará suporte quanto à
delimitação do local onde deva ser cumprida a obrigação. Neste caso, a
propriedade deverá situar-se na zona urbana de um Município, conforme
estabelecido pelo art. 32 do Código Tributário Nacional. Junto ao aspecto pessoal,
apresenta-se no IPTU, como sujeito ativo, o Município, e, como sujeito passivo,
o proprietário, pessoa física ou jurídica, titular do domínio útil e da posse.
Por fim, tem-se que a base de cálculo deste imposto funda-se no valor venal do
imóvel.
5.
Para sobrepor qualquer
chamamento que importe em alguma tutela jurisdicional, sempre será necessário
curvar-se ao princípio da igualdade. Este encampa o mandamento nuclear de todo
o sistema jurídico brasileiro, não podendo ser tangido por qualquer modalidade
de derrogação de lei ou reforma constitucional. Encontra-se normatizado no art.
5º, caput e inc. I da Constituição Brasileira ante aos direitos individuais e
coletivos. Por conseguinte, pelo fato deste princípio ser abrangido de forma generalizada,
necessário se tornou na busca de garantir uma tributação permeada pela
isonomia, a vedação de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontram numa mesma situação financeira (art. 150, II, CF). O princípio da
igualdade tributária objetiva adequar o gravame fiscal no intuito de viabilizar
uma distribuição da riqueza calcada pela justiça social.
6.
O princípio da
capacidade contributiva encontra-se intimamente adstrito à igualdade tributária
e à legalidade. Mediante a intitulação deste princípio, permite-se adequar um
ônus tributário que melhor se enquadre à condição econômica do sujeito passivo.
O art. 145, § 1º da CF ressalva no sentido de que "sempre que
possível" os impostos deverão ter caráter pessoal e conseqüentemente
poderão ser graduados segundo a capacidade contributiva. Portanto, denota-se da
norma contida pelo mencionado artigo que, de certa forma, apenas os impostos
pessoais em contraposição aos impostos reais, como é o caso do IPTU, poderão
ser graduados. Isto porque somente os impostos subjetivos visam abarcar um
conjunto de condições personalíssimas que realmente possam integrar
quantitativamente o fato gerador de uma relação jurídico-tributária.
7.
Diante do princípio da
progressividade, permite-se a graduação crescente de um imposto mediante a
majoração de sua alíquota à medida que ocorra um aumento da base de cálculo
tributável. A temática que envolve este princípio denota uma divergência
doutrinária acerca de sua verdadeira eficácia no âmago de uma sociedade. No
entanto, a plausibilidade autoriza sua utilização de forma moderada e restrita,
a priori, apenas aos impostos pessoais, excetuando-se casos de impostos reais
com efeitos extrafiscais. Pode-se afirmar que diante do desígnio arrecadatório
imbuído pela fiscalidade, não há como contemplar uma exata mensuração da
riqueza de determinado contribuinte utilizando-se de aspectos concernentes aos
bens cuja propriedade lhe pertence.
8. Além da progressividade, outras
modalidades de variação em alíquotas permitem estabelecer uma melhor
discriminação entre contribuintes, tais como a regressividade, seletividade e
proporcionalidade. Os impostos estarão adstritos, conforme a sua natureza
intrínseca, a um desses princípios, visando possibilitar uma melhor capacidade
de adequação do gravame fiscal ao seu respectivo sujeito passivo. No caso
específico do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, em
casos cuja finalidade seja puramente arrecadatória (fiscal), este deverá se verter
apenas ao princípio da proporcionalidade. Aplicando-se uma alíquota uniforme
proporcional à base de calculo para qualquer tipo de imóvel, permite-se ensejar
uma melhor justiça fiscal, salvaguardando o princípio magno da igualdade. Por
fim, vê-se também que nenhum tributo poderá ser objeto de espoliação pelo
Estado no intuito de lhe dar efeito confiscatório (art. 150, VI da CF), sendo
garantido a qualquer cidadão o direito de propriedade. É prudente ressaltar
que, assim como todo o ordenamento jurídico, tais princípios acima elencados
devem estar estreitamente vinculados ao da legalidade.
9. Foi buscando os conceitos basilares
preceituados pela doutrina tributária que o Supremo Tribunal Federal decidiu,
perante o Tribunal Pleno designado para o julgamento do Recurso Extraordinário
nº 153.771-0 no ano de 1996, pela inconstitucionalidade da progressividade
fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano. Ficou demonstrada a
incompatibilidade da progressão de alíquotas decorrente de uma suposta presunção
da capacidade econômica do contribuinte consubstanciada no art. 145, §1º da
Constituição Federal. Portanto, ficou consignado que a única progressividade
admitida pela Lei Maior ao imposto versado funda-se na extrafiscalidade
constante da disposição do art. 182, II, § 4º em conjunto com o disposto na
redação anterior do art. 156, §1º, justamente por tratar-se de um imposto de
natureza real.
10. O art. 3º da Emenda Constitucional nº
29, de 13 de setembro de 2000, no intuito de possibilitar uma maior arrecadação
de receita ao Fisco Municipal, alterou o art. 156, § 1º da Constituição
Federal. Autorizou-se, portanto, a progressividade do IPTU em razão do valor do
imóvel, de sua localização e finalidade usual. Pode-se constatar que a referida
Emenda veio tentar constitucionalizar a progressividade fiscal do imposto
imobiliário urbano diante das reiteradas decisões contempladas pela Suprema
Corte Brasileira em desfavor dos Municípios. Todavia, para todos os efeitos,
enquanto tal Emenda não seja objeto de revisão, a municipalidade encontra-se
plenamente capacitada para editarem leis que viabilizem a progressão do IPTU em
sua modalidade fiscal e extrafiscal, já que dispõem de um dispositivo
constitucional a seu favor.
11. Contudo, verifica-se que mesmo com a
nova redação conferida ao art. 156, § 1º, fica patentemente demonstrada a
inconstitucionalidade da progressividade fiscal do Imposto sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana. Embora o objetivo dos legisladores visou tentar
desvincular a norma contida no art. 156, § 1º ao art. 182, II, § 4º, afere-se
que a graduação de alíquotas no imposto imobiliário urbano fere o princípio da
igualdade, que, por disposição constitucional é cláusula pétrea constitucional.
A progressividade baseada no art. 145, § 1º objetivando o princípio da
capacidade contributiva autoriza a progressividade nos impostos pessoais.
Portanto, o IPTU é categoricamente um tributo real, calculado e mensurado
através de uma base de cálculo que contempla a propriedade. A inconstitucionalidade
da progressividade fiscal constatada neste imposto versa não ao contexto
engajado pela Constituição, e sim à essência consubstanciada no fato gerador
que lhe traça o perfil.
12. É de se notar que diante da nova
repercussão deflagrada a respeito do presente tema e da utilização do IPTU
progressivo pelos Municípios no intuito de ampliar seu leque de receitas, o que
certamente ocorrerá é a volta de uma longa batalha jurídica travada entre
contribuintes e municipalidades. Não se pode olvidar que isto será o ápice de
mais uma discussão que irá novamente ocasionar o congestionamento do
Judiciário, até que venha a ser objeto de reiteradas decisões posteriores pelo
Supremo Tribunal Federal. Portanto, tem-se que a progressividade fiscal do
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é inconstitucional
justamente porque fere princípios norteadores do ordenamento jurídico e
impossibilita a veraz adequação do gravame fiscal ao seu respectivo sujeito
passivo.
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