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A tributação progressiva do
IPTU e a Emenda Constitucional nº 29/2000
Felipe Luiz Machado Barros*
1.Introdução: colocação do problema
O IPTU - Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana - cuja competência exacional, no caso
brasileiro, pertence ao município (1), tem na progressividade de suas alíquotas
tema dos mais fervorosos em se tratando de debates em meios acadêmico e
jurisprudencial.
A progressividade, para
Kiyoshi Harada (2), pode ser fiscal ou extrafiscal. Para o autor paulista, a progressividade
fiscal deve ser decretada no interesse único da arrecadação tributária,
encontrando fundamento no art. 145, § 1º da CF. A progressividade extrafiscal, de
outro lado, é aquela cujo objetivo é o cumprimento da função social da
propriedade (CF, art. 182, § 4º, II).
A progressividade fiscal,
diferentemente da extrafiscal, reflete-se no aumento das alíquotas do imposto
na medida em que é aumentada sua base tributável, qual seja, o valor venal da
propriedade predial e territorial urbana. (3)
Assim, v.g., se um imóvel
vale R$ 50.000,00 e outro R$ 100.000,00, para aquele deverá ser prevista
alíquota hipotética de 1,0% sobre o valor estipulado, aplicando-se, por
conseguinte, ao segundo, com base de cálculo superior, alíquota majorada
progressivamente, que poderia ser, digamos, de 2%.
Este fenômeno, designado
por progressividade fiscal (4), apesar de bastante combatido perante o
Judiciário, foi alvo de recente modificação empreendida pela Emenda Constitucional
nº 29/2000, cujo teor, alterando o art. 156, § 1º, da Constituição Federal, findou por
instituir a possibilidade da diferenciação de alíquotas entre imóveis
encontrados em condições distintas entre si (edificados, não edificados,
presentes em áreas de proteção ambiental, etc.), bem como de atribuir uma
progressividade para estas alíquotas, não mais apenas em regime extrafiscal (CF, art. 184, § 4º, II), até então única forma admitida
pelo Excelso Pretório como juridicamente possível em nosso Sistema
Constitucional Tributário, mas também em exercício de atividade arrecadatória,
com finalidade eminentemente fiscal.
Eis, portanto, o nó górdio
do presente trabalho: analisar a questão da progressividade fiscal das
alíquotas após a EC
nº 29, de 2000, verificando-se, à luz dos argumentos lançados pelos
Ministros do STF nos sucessivos julgamentos de Recursos Extraordinários
(tomaremos como base o RE nº 153.771-0), se a mencionada emenda se coaduna ou
não com os preceitos constitucionais, mormente em função da tão criticada
classificação entre impostos reais e pessoais, principal alegação defensiva
daqueles que acreditam não ser possível a progressão de alíquotas no regime do
IPTU.
2.Posicionamento jurisprudencial do
STF anterior à Emenda Constitucional nº 29/2000
Anteriormente à entrada em
vigor da Emenda
Constitucional nº 29/2000, o artigo 156, § 1º, da Constituição Federal tinha a
seguinte redação:
O imposto previsto no
inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a
assegurar o cumprimento da função social da propriedade.
O art. 145, § 1º, da CF, por seu turno, assim dispõe:
Sempre que possível, os
impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica
do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para
conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte.
Abriu-se, então, grande
questionamento: o legislador constituinte originário possibilitou aos municípios
a competência para instituir e cobrar o IPTU com caráter apenas extrafiscal,
como na situação descrita pela antiga redação do art. 156, § 1º, da Magna Carta (5), ou também lhes
permitiu, a teor do que determina o último dispositivo constitucional
transcrito, a cobrança progressiva fiscal, em função, por exemplo, do valor
venal do imóvel?
Após várias decisões
proferidas em controle incidental e concentrado de constitucionalidade de
normas municipais, com cada Tribunal de Justiça decidindo de uma forma, ora
admitindo a progressividade fiscal, ora afastando-a (6), o STF, no julgamento
do Recurso Extraordinário 153.771-0/MG (7), realizado em 20 de novembro de
1996, concluiu não ser admissível a progressividade arrecadatória (ou fiscal),
devido ao caráter real do IPTU, restando a respectiva ementa assim consignada,
in verbis:
EMENTA: IPTU.
Progressividade. No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um
imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a
progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real
que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do
contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional
(genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). A interpretação
sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU
com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a
explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com
finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional
qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente
ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações
expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso
Extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item
2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no Município de Belo
Horizonte.
A tese abraçada pelo
Supremo, portanto, foi a de que, por ser o tributo sob exame de natureza real,
isto é, incidente sobre a categoria da coisa que dá origem à obrigação
tributária (no caso, a propriedade, sem levar em consideração a condição
pessoal do agente passivo, não poderia a expressão "sempre que
possível" (CF, art. 145, § 1º) ser interpretada de modo a abarcar
todos os impostos, mas apenas aqueles que permitam a aplicação do princípio da
capacidade contributiva, ou seja, somente os impostos ditos
"pessoais" (e.g., o imposto sobre a renda), afastando-se, por
conseguinte, a progressividade fiscal, restando apenas a possibilidade de o
Município, respeitadas as diretrizes do art. 182, § 4º, da CF, trabalhar com a progressividade
extrafiscal.
3.A progressividade fiscal no novo
panorama constitucional
Assentada a jurisprudência
do STF, no sentido da inconstitucionalidade da cobrança de IPTU com arrimo em
alíquotas progressivas em função do valor venal da propriedade, vários municípios
tiveram que suspender a execução fiscal ou até mesmo restituir valores já pagos
sob a égide da ordem jurídica declarada em desconformidade com o sistema
tributário.
Contudo, nada obstante o balizamento
determinado pelo Supremo, veio a ser publicada, em 14 de setembro de 2000, a
Emenda Constitucional nº 30, alterando substancialmente a redação do § 1º do
art. 156 (além de adicionar-lhe dois incisos), senão, vejamos:
§ 1º. Sem prejuízo da progressividade
no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no
inciso II (IPTU) poderá:
I- ser progressivo em razão
do valor do imóvel.
II- ter alíquotas
diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.
Da leitura do texto
dessume-se que o constituinte derivado, inovando no sistema até então posto,
acabou deixando expressa a progressividade fiscal, porquanto o inciso I diz que
o IPTU poderá ser progressivo em razão do valor do imóvel. O que era
inconstitucional, à luz da jurisprudência pretoriana, tornou-se constitucional,
até declaração em contrário. Resta apenas verificarmos se esta alteração é ou
não inconstitucional (teoria das normas constitucionais inconstitucionais),
como já vêm alguns juristas e até mesmo juízes entendendo, e qual a provável
orientação a ser conferida pelo Supremo Tribunal Federal. Para tanto, serão
analisadas as correntes defensoras da progressividade fiscal e daqueles que a
negam.
4.A progressividade do IPTU à luz da
doutrina brasileira: análise crítica da classificação dos impostos em pessoais
e reais
Os impostos pessoais e
reais, segundo classificação fornecida por G. A. Posadas-Belgrano, citado por
Valéria C. P. Furlan (8), são subespécies dos chamados impostos diretos.
Diretos, segundo Furlan, são os impostos que não repercutem, e, portanto, levam
em conta o princípio da capacidade contributiva (o consumidor no ICMS, por
exemplo). Os indiretos, por sua vez, são aqueles que repassam a carga fiscal
àquele que não realizou diretamente a hipótese de incidência descrita no tipo
legal.
Por impostos pessoais,
ainda seguindo os critérios da doutrinadora mencionada, podem ser entendidos
aqueles que se referem a pessoas (imposto sobre a renda); os reais, aqueles que
consideram as coisas (ITR e IPTU, e.g.).
No voto vencedor do RE
153.771-0, que conduziu toda a jurisprudência do STF à negativa de
constitucionalidade das alíquotas progressivas em função do valor venal dos
imóveis, buscou-se força no Direito Financeiro, o qual sempre pregou a
distinção aqui demonstrada entre impostos reais e pessoais, manifestando-se o
Ministro Moreira Alves nos seguintes termos:
Ora, no sistema tributário
nacional, é o IPTU inequivocamente um imposto real, porquanto tem ele como fato
gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona
urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do
titular do domínio útil ou do possuidor, tanto assim que o Código Tributário
Nacional ao definir seu fato gerador e sua base de cálculo não leva em conta as
condições da pessoa do sujeito passivo. E mais: no artigo 130 estabelece que
"os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja
propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis,..., subrogam-se na
pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de
sua quitação", o que implica dizer que, se não constar do título de
transmissão a prova da quitação desses impostos (inclusive, portanto, o IPTU),
o sujeito passivo do imposto devido anteriormente à transmissão do imóvel passa
a ser o adquirente, o que importa concluir que essa obrigação tributária, nesse
caso, de certa forma, se aproxima da obrigação ob ou propter rem, também
denominada obrigação ambulatória, porque o devedor não é necessariamente o
proprietário, titular do domínio útil ou possuidor ao tempo em que ocorreu o
fato gerador e nasceu a obrigação tributária, mas pode ser o que estiver numa
dessas posições quando da exigibilidade do crédito tributário, circunstância
esta que mostra, claramente, que nesses impostos não se leva em consideração a
capacidade contributiva do sujeito passivo... (fls. 534)
Segundo as palavras do
Ministro - que procurou apoio na doutrina de, entre outros, Marco Aurélio Greco
(9), Aires Fernandino Barreto, Ives Gandra da Silva Martins, Celso Ribeiro
Bastos, Yone Dolácio de Oliveira e Aliomar Baleeiro - podemos enxergar a
seguinte consideração: os impostos reais, tal como o IPTU, são incompatíveis
com o sistema de progressividade, por não levarem em consideração a pessoa do
sujeito ativo, de modo que a estas espécies não pode ser aplicado o princípio
da capacidade contributiva, expresso genericamente no art. 145, § 1º, da CF.
Todavia, com a devida
licença aos argumentos expostos, ousamos discordar, neste momento, de um dos
pontos do raciocínio traçado pelo experiente magistrado.
Nesse passo, entendemos
que, não é por ser o IPTU um imposto classificado como real que não possa se
permitir à Administração Fiscal aplicar o princípio da capacidade contributiva.
Tal princípio, como analisado logo no primeiro parágrafo deste capítulo,
somente não deverá ser utilizado quando estiver em cena algum imposto
classificado como indireto, e o IPTU não o é. Muito pelo contrário, este
imposto, sem sombra de dúvidas, é um tributo direto, pois não implica em
repique de sua carga tributária a outrem, como normalmente acontece, por
exemplo, com o ICMS e o IPI. (10)
Outra crítica que
compreendemos ser pertinente diz com a própria classificação dos impostos em
pessoais e reais.
O critério utilizado para
essa distinção foi o econômico, e não o jurídico, explicando-se, mas não se
justificando, a confusão formada na seara jurisprudencial. Assim, temos que a
relação jurídico-tributária a envolver o fisco e o contribuinte, ou o
responsável tributário, é de ordem pessoal, obrigacional, e não real. A
expressão "sempre que possível", portanto, a nosso ver, não foi ali
colocada pelo constituinte no intuito de excluir do albergue do princípio da
capacidade contributiva os impostos denominados por "reais", primeiro
por não aceitamos esta divisão, e segundo porque, se a vontade do legislador
originário fosse de realizar a exclusão desta categoria de imposto, o teria
feito expressamente.
Tal interpretação,
destarte, além de equivocada, infelizmente vem sendo continuamente repetida -
sem a devida reflexão - após o advento do julgamento da matéria pelo STF, cujas
decisões por vezes costumam se cristalizar como absolutamente verdadeiras por
boa parte da doutrina e Tribunais, engessando o pensamento jurídico. (11)
A respeito do tema, e por
oportuno, calha repetir as palavras gizadas por Sacha Calmon Navarro Coelho em
seu Manual de Direito Tributário:
É notável, no particular,
como tratadistas de renome, tirantes os leguleios, continuam a proclamar que o
IPTU é um imposto real, denunciando com isso: a) a má assimilação de lição da
Ciência das Finanças; e b) insuficiente acuidade de análise jurídica,
decorrente de repetição, sem espírito crítico, de avelhantadas afirmações. Sem
embargo, estamos convencidos de que tal vezo enraíza-se, a par dos vícios acima
expostos, em uma lembrança mal compreendida de certo tipo obrigacional que
existia entre os romanos. Referimo-nos à obrigação ambulatória, em que a
prestação era certus na e certus quando, mas o sujeito passivo tanto podia ser
conhecido como não, por isso que a coisa ambulava com o dono, e este nem sempre
era o mesmo (ambulant cum dominus). Este tipo de obrigação era comum em
tributos que recaíam sobre bens imóveis, terras e edificações. Os romanos não
se preocupavam com a coisa, por isso que a sua propriedade
"ambulava", em sentido legal, com seu dono, e este era exatamente
quem devia pagar o tributo, fosse lá quem fosse. A muitos pareceu que a pessoa
não tinha importância, mas a coisa, irrelevante o seu dominus, daí a idéia de
um tributo real. Ora, dava-se exatamente o contrário. A pessoa do proprietário
era o que importava, por isso que o tributo incidia sobre a condição jurídica
"ser proprietário": o imposto era pessoal. Real era o direito. (12)
À guisa de parcial
conclusão, e nos termos das reflexões aqui sumariamente trazidas, somos pela
inexatidão da divisão em impostos reais e pessoais, critério este que não
deveria ser utilizado para excluir o IPTU dos efeitos do art. 145, § 1º, da Constituição Federal (princípio da
capacidade contributiva), de modo a impedir, por parte dos Municípios, a
cobrança do imposto de forma progressiva, variando suas alíquotas de acordo com
o valor venal do bem imóvel.
5.A constitucionalidade da Emenda nº
29/2000
Fixada a premissa de que a
aplicação do princípio da capacidade contributiva é possível no IPTU, de modo a
incidir a cobrança progressiva das alíquotas tendo em vista a cotação das
propriedades imobiliárias, a outra conclusão não podemos chegar senão de que a Emenda nº 29/2000 apenas
explicitou ainda mais a opção feita pelo Sistema Tributário Nacional.
Nada obstante haver uma
série de julgados no STF no sentido da inconstitucionalidade da progressividade
fiscal do IPTU cobrado em vários municípios da Federação, acreditamos que, por
estarem estes julgados fundados em premissas não muito seguras, desta vez não
deverá hesitar a Corte Suprema em concordar com a correção da modificação
efetuada pelo constituinte derivado.
Corroboramos, portanto, com
a opinião de Roque Antonio Carrazza, que, em desfecho do item 8.4.1 de seu
Direito Constitucional Tributário, assim se manifestou:
A EC n. 29/2000 não
redefiniu, em detrimento do contribuinte, o alcance do IPTU (hipótese em que se
poderia cogitar de inconstitucionalidade por ofensa a cláusula pétrea), mas
apenas explicitou o que já se continha na Constituição - ou seja, que este
tributo deve ser graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte, a
qual, independentemente da existência de plano diretor no Município, revela-se
com o próprio imóvel urbano. Noutros termos, a emenda constitucional em
questão, dado seu caráter meramente declaratório, limitou-se a reforçar a
idéia, consagrada em nosso sistema tributário, de que, para fins de IPTU,
quanto maior o valor do imóvel urbano, tanto maior haverá de ser sua alíquota.
(13)
Assim, sem querer elaborar
qualquer diagnóstico, esperamos que o STF, ao analisar prováveis e futuros
Recursos Extraordinários, proclame a constitucionalidade da Emenda nº 29. Ao
afirmarmos isto, o fazemos com base em recentes julgados que, embora
diretamente não reflitam essa tendência, pelo menos nos fornecem subsídios que
nos levam a crer que alguns Ministros já estão a pôr um divisor de águas entre
as leis editadas antes e após a alteração no art. 156 da CF, como se, a partir
de agora, fosse constitucional a progressividade fiscal. A propósito, e apenas
para ilustrar, observe-se a seguinte ementa:
EMENTA: "É
inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não
atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as
limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal" (RE
153.771). Tendo sido a Lei Municipal de Belo Horizonte editada antes da EC 29/2000, aplica-se
este entendimento. Nego, assim, provimento ao agravo. (14)
6.Considerações Finais
Como últimas considerações,
faz-se mister lançarmos neste instante nossos pensamentos, esperando-se, com
isso, ter de alguma forma contribuído para o debate em torno de tão instigante
tema:
a)o posicionamento do STF,
anterior à EC nº
29/2000 (RE nº 153.771-0/MG) é no sentido da inconstitucionalidade das legislações
municipais que tenham instituído o IPTU com cobrança de alíquotas progressivas
em função do valor do imóvel;
b)o fundamento do voto
vencedor (Ministro Moreira Alves) encontra-se na divisão, fulcrada em em
critérios não jurídicos, entre impostos reais e pessoais, não sendo aplicável o
princípio da capacidade contributiva ao IPTU por ser este imposto da categoria
dos impostos que recaem sobre determinada coisa (imposto real);
c)essa divisão parte de
premissas equivocadas, porquanto, segundo a doutrina, apenas aos impostos
indiretos (e o IPTU é um imposto direto) não deveria ser aplicável o princípio
da capacidade contributiva, por ser o encargo tributário destas espécies em
regra repassadas adiante, para outra pessoa que não o contribuinte de direito;
d)além disso, a própria
classificação é distorcida, por não levar em consideração que toda relação
obrigacional, inclusive a tributária, é de natureza pessoal, cobrando-se o
imposto daquela pessoa determinada por lei, seja o contribuinte ou mesmo o responsável;
e
e)a Emenda nº 29,
portanto, apenas tratou de explicitar conceitos já contidos na Constituição, em
nada contrariando o Sistema Tributário Nacional.
7.NOTAS
01. Na Constituição Federal
(Seção V, Capítulo I, Título VI): art. 156, I. No chamado "Código
Tributário" do Município do Natal (Lei nº 3.882/89 - publicada no Diário
Oficial do Estado de 27.12.1989): artigos 18 a 48. Segundo apontamentos de Ives
Gandra da Silva Martins, "O Brasil é o único país do mundo civilizado a
outorgar competência impositiva aos municípios, em nível constitucional [...]
Outros países outorgaram-na, por legislação ordinária, mas tal delegação do
poder central ou dos entes federados é excepcional." (MARTINS, Ives Gandra
da Silva. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Vol. 6,
Tomo 1. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 522). No Brasil, conforme Aires Fernandino
Barreto, o IPTU surgiu sob a denominação de "décima urbana", criada
pelo Alvará de 27.06.1808, com cobrança regulada pelo Alvará de 13.05.1809,
cuja hipótese de incidência eram os imóveis urbanos "em estado de serem
habitados" (MARTINS, Ives Gandra da Silva [Coord.]. Comentários ao Código
Tributário Nacional. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 215-216).
02. HARADA, Kiyoshi.
Direito Tributário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 329.
03. Para José Afonso da
Silva, é aquele cuja alíquota aumenta à medida que aumenta o ingresso ou a base
imponível (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 696).
04. Não confundir a
alíquota progressiva com a proporcional. Progressiva é aquela alíquota que
aumenta em função da base de cálculo considerada (valor do imóvel, quantidade
de bens imóveis do proprietário, etc.). Já a alíquota proporcional é fixa,
incidindo na mesma razão, independentemente do acréscimo ou decréscimo da base
tributável.
05. Na progressividade
extrafiscal do IPTU, cujo objetivo é fazer, como visto, com que se cumpra a
função social da propriedade (CF, art. 5º, XXIII, e 170, III), o Plano Diretor
municipal assume importante aspecto. Isto porque a cobrança deste imposto, com
alíquotas progressivas no tempo, dependerá de previsão explícita, na lei que
versar sobre o Plano Diretor, da utilização das propriedades para o atingimento
do fim determinado pela Constituição, consoante lição extraída de parecer
emitido pela Procuradora do Município de São Paulo, Aurélia Sampere
Scarcioffollo, e publicado na Revista de Direito Tributário nº 51 (São Paulo,
Malheiros, jan-mar 1990, pp. 219-229).
06. No TJMG, por exemplo,
há julgados contrariando a tese do STF, como, por exemplo, a Apelação Cível nº
148.742/0.00, da 3ª Câmara Cível, julgada em 26.08.1999, relator o
Desembargador Aloysio Nogueira: TRIBUTÁRIO. IPTU. PROGRESSIVIDADE. ALÍQUOTAS.
CF, ART. 145, § 1º. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DO PROPRIETÁRIO. Admite a atual
Constituição a progressividade do IPTU, quer fiscal ou extrafiscal, porque ao
prescrever a adequação dos impostos à capacidade econômica do particular, não
distinguiu o legislador constituinte entre impostos reais ou pessoais,
limitando-se a recomendar a observância da norma "...sempre que
possível...". Contra, não admitindo a progressividade fiscal: DIREITO TRIBUTÁRIO
E FISCAL. A progressividade da alíquota do IPTU com base no valor venal do
imóvel só é admissível para o fim extrafiscal de assegurar o atendimento da
função social da propriedade. (TJRS, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Embargos
Infrigentes nº 70002085496, Rel. Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro, j.
20.04.2001)
07. RE nº 153.771-0/MG,
Rel. para o acórdão Min. Moreira Alves, j. por maioria, vencido o Min. Carlos
Velloso, DJU 05.09.1997.
08. FURLAN, Valéria C. P.
Imposto Predial e Territorial Urbano. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 30.
09. Insignes vozes têm se
manifestado sobre a possibilidade ou não de tal progressividade ser instituída
levando em conta o valor do bem, havendo os que sustentam esta alternativa
desenvolvendo uma distinção entre o que se poderia chamar de progressividade
urbanística (ordenatória), ligada à disciplina urbanística e aos modos de uso e
ocupação do solo, e uma progressividade fiscal (arrecadatória) apoiada no
princípio da capacidade contributiva. É minha convicção que a Constituição
Federal vigente não alberga esta dualidade de figuras, só admitindo a primeira
delas (GRECO, Marco Aurélio. IPTU - Progressividade - Função Social da
Propriedade. Revista de Direito Tributário, São Paulo, nº 52, pp. 110-121,
abr-jun, 1990).
10. Sobre a aplicabilidade
do art. 145, § 1º, da CF e, por via de conseqüencia, do princípio da capacidade
contributiva aos tributos nacionais assim já se manifestou o professor
norte-riograndense Edilson Pereira Nobre Júnior: O importante é que a cláusula,
talvez inserida de maneira proposital, jamais poderá servir de álibi para
dispensar os impostos (rectius, tributos) da observância da capacidade
contributiva do obrigado pelo seu pagamento. Esse pensamento se consolidou na
maioria dos intérpretes do ditamento constitucional (NOBRE JÚNIOR, Edilson
Pereira. Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva. 1ª ed. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 66).
11. Assim é que discordamos
frontalmente de recente levante efetuado por parte da doutrina e por alguns
magistrados, os quais têm se manifestado pela inconstitucionalidade da Emenda
nº 29/2000. Carlos Alberto Del Papa Rossi, em recente artigo publicado na
Revista Tributária e de Finanças Públicas nº 43 (São Paulo, RT, mar-abr 2002,
pp. 23-33), intitulado A Emenda Constitucional 29/2000 e a Progressividade do
IPTU, defendeu a inconstitucionalidade da alteração promovida no art. 156 da
CF, por entender que a classificação em imposto real do IPTU, por haver sido
extraída de princípio insculpido no art. 145, § 1º da Carta Maior, não poderia
ser expurgado por norma constitucional derivada, por ser direito individual do
contribuinte e, portanto, cláusula pétrea. No Judiciário paulista de primeira
instância, tivemos notícia - através da revista eletrônica Consultor Jurídico
(www.conjur.com.br) de sentença prolatada em mandado de segurança onde,
incidentalmente, foi reconhecida a inconstitucionalidade da EC nº 29/2000,
fundamentando a magistrada seu entendimento na classificação dos impostos em
reais e pessoais, e que a aplicação da progressão das alíquotas em razão do
valor venal do imóvel feriria o princípio da isonomia entre os contribuintes.
12. COELHO, Sacha Calmon
Navarro. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
206. No mesmo sentido, entendendo ser possível, em nosso ordenamento a
instituição e cobrança de IPTU com alíquotas progressivas em função do valor do
imóvel, em atividade fiscal do Estado, apenas a título exemplificativo, temos:
Geraldo Ataliba, Kiyoshi Harada, Roque Antonio Carrazza, Elizabeth Nazar
Carrazza, Mizabel Derzi, Sandra Lopez Barbon, José Afonso da Silva, Hugo de
Brito Machado, Alcides Jorge Costa, Valéria C. P. Furlan, Américo Masset
Lacombe, Bernardo Ribeiro de Moraes e José Souto Maior Borges.
13. CARRAZZA, Roque Antonio. Direito Constitucional Tributário. 17ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, pp. 97-98.
14. Grifamos.
8.Referências Bibliográficas
BARRETO, Aires Fernandino.
MARTINS, Ives Gandra da Silva [Coord.]. Comentários ao Código Tributário Nacional.
Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1998.
CARRAZZA, Roque Antonio. Direito Constitucional Tributário. 17ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.
COELHO, Sacha Calmon
Navarro. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
FURLAN, Valéria C. P.
Imposto Predial e Territorial Urbano. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
GRECO, Marco Auréilo. IPTU
- Progressividade - Função Social da Propriedade. Revista de Direito
Tributário, São Paulo, nº 52, pp. 110-121, abr-jun, 1990.
HARADA, Kiyoshi. Direito
Tributário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
MARTINS, Ives Gandra da
Silva. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Vol. 6,
Tomo 1. São Paulo: Saraiva, 1990.
NOBRE JÚNIOR, Edilson
Pereira. Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva. 1ª ed. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001.
ROSSI, Carlos Alberto Del Papa. A Emenda Constitucional 29/2000 e a Progressividade do IPTU.
Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, nº 43, pp. 23-33,
mar-abr, 2002.
SCARCIOFFOLLO, Aurélia
Sampere. Parecer sobre IPTU progressivo no Município de São Paulo. Revista de
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SILVA, José Afonso da.
Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
Elaborado em 02.2003.
Retirado de: http://www.fiscosoft.com.br/